A Virgem e o Garoto De Programa escrita por Leprechaun


Capítulo 3
II - Até a próxima


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo :)



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Uma garota de 12 anos convive com preocupações que poderiam se colocadas em ordem alfabética, numérica e cronológica.

Preocupações como a altura, que no meu caso era inferior a de um hobbit, e o tamanho dos seios — apesar de que já espremi espinhas maiores que eles. E, como qualquer garota, eu não fui uma exceção à regra, é claro! Mas tive que acrescentar mais uma a minha lista: um tumor inoperável no cérebro.

Uma simples e corriqueira dor de cabeça durante uma prova — complicadíssima, deve-se ressaltar — de matemática, foi o suficiente para que eu descobrisse a bomba relógio que existe na minha cabeça.

Ok, claro que foi uma dolorosa surpresa, e foi difícil de me acostumar no inicio e...

PELO AMOR DE DEUS! EU TINHA 12 ANOS! 12 ANOS!? NEM TINHA MENSTRUADO AINDA E JÁ CONVIVIA COM A HIPÓTESSE DE MORRER!!!

Porém, na época, como agora, eu não demostrei reação alguma. Aguentei tudo calada, e me submeti a qualquer coisa que me era imposta; surpreendendo o bando de médicos, contratados por minha mãe para me "tratar", com minha "maturidade" precoce.

Maturidade? É de comer?

Na verdade, acho que devo isso a eles mesmos, pois foram honestos comigo e não me encheram de falsas esperanças e nem expectativas de vida fantasiosas. Eles não estavam lidando com um numero a mais nas estatísticas, mas sim com uma vida. A minha vida!

Sabe, eu ter conseguindo chegado aos 19 anos foi até um motivo de comemoração, pois vivíamos um dia de cada vez, literalmente. Sério, ate bolinho com "estamos felizes que esteja viva e pagando nossos salários" fizeram. Que amor, não?

Eles optaram por não extrair o tumor. Por estar numa região delicada, uma intervenção poderia me levar a opto imediatamente e apenas preferiram acompanhar o seu desenvolvimento nos últimos seis anos.

Mas isso não aconteceu com os outros três, descobertos no mesmo período, pensei tristemente, tocando as pontas dos meus longos cabelos recém-pintados que castanho escuro. Na verdade queria que eles ficassem pretos asa de urubu, mas acabou ficando essa cagada bonita.

Meu cabelo foi uma das muitas coisas que tive que abrir mão por causa da doença. E nesse amplo grupo estão: amigos, vida social, qualquer tipo de vaidade, e, junto no pacote, a possibilidade de relacionamentos amorosos!

Eu mereço...

Quando se está doente, a primeira coisa que some são os amigos; não importa o quando eles digam que estarão com você para o que der e vier, e toda essa falsidade de Best Friend Forever. Sério, se você acredita numa merda dessas, depois de toda merda que acontece com você, sim, você precisa de um choque de realidade, meu jovem!

É simples. Eles não aguentam quando a coisa começa a ficar preta e Pufh! Evaporam! É quase como se você tivesse mau hálito e precisasse brincar da brincadeira da garrafa, sabe? Aquela de descolar uns beijinhos e de quebra contrair sífilis. Não que eu tenha brincado para poder comparar, mas... você entendeu!

Cara, você é que está morrendo e eles é que não aguentam a barra!

Okay, não vamos generalizar! Sempre têm aqueles que ficam com você até o fim, e que podem até se considerado "amigos", mas, nessa pequena minoria, você nunca vai saber distinguir os que ainda te suportam por amizade dos que só tem pena de você.

Sacou, camarada?

A segunda coisa é a vida social. Simples, por causa dos medicamentos, do seu relacionamento estável com sua cama, você nunca está com clima para festas ou simplesmente sair de dentro da sua bolha de inexistência para se expor nesse "mundo hostil" que o espera lá fora.

E isso faz com que você, consequentemente, perca mais amigos; pois você não é mais a mesma de antes e não faz sentindo andar com um projeto de cadáver a tiracolo, né? Além, claro, que é quase impossível frequentar uma escola quando se passa 50% do seu dia em um hospital e outros 50% dormindo por causa da exaustão causadas pelos medicamentos.

E quando descobrem que você está doente você vira o centro das atenções. É tipo ter papel higiênico preso no sapato: você terá que conviver com os olhares de nojo e pena até a hora da sua morte.

Olha, a Isabella tá doente, gente!! Olha como a careca dela é reluzente!

A terceira é a vaidade, e essa afasta definitivamente a possibilidade de você se envolver com qualquer garoto. Pois, como os amigos, eles também evaporam, pois ter qualquer "lance" com uma pessoa como você é ter um declínio do caralho para a necrofilia. A diferença é que seu corpo é um pouquinho mais quente, mas, como você vai morrer não faz diferença mesmo, né?

Bem, depois da vontade de viver, a vaidade também perde importância.

Depois de um tempo, muitos fios de cabelo e quilos perdidos, você simplesmente não se enxerga mais como uma pessoa bonita— não que você já fosse isso antes, mas o bagulho tende a piorar e simplesmente nada o que você faça ou vista vai mudar o que a doença te transformou.

Não importa o quanto você reboque sua cara com maquiagem e corretivos, sob toda esta gosma, que mais parece titica de galinha, vão estar a olheiras profundas de sono perdido. E com os cabelos é a mesma merda. Claro que perder os cabelos não é legal, e é óbvio que eles vão crescer de novo e que com o tempo, isso é, de acordo com a evolução fodida de o seu tratamento permitir, você volta a ser, fisicamente, a pessoa que era antes. Mesmo assim o comprimento deles não apaga o que você passou ou o porquê de você tê-los perdido e não importa muito menos o quanto você, aparentemente, volte a ser a mesma, a doença te deixa cicatrizes que vão além das físicas.

Há sete meses, eu achei que tinha conseguido tudo o que a doença tinha me tirado: estava fazendo amigos, ou seja, deixei que as pessoas soubessem da minha conta bancaria e me aproveitei da aproximação "desinteressada" delas.

Estava tento uma "quase vida-social" (bem que frequentar bailes beneficentes cheios velhos mãos-de-vaca que me chamam de gatinha enquanto se denominam gatões não é bem uma quase vida social, né?) e também mudei de visual, adotando uma cor escura aos meus cabelos, até então, loiros sem graça, e estava usando roupas que não escondessem tanto estrago que os malditos remédios fizeram no meu corpo.

Ah, também estava conseguindo interagir com o sexo oposto.

Bem, nem tanto...

Eu consegui ter um dialogo ultrapassava os monossílabos "Hum, Ahram, pois é e Ah" E sem fugir!

Pra mim um grande avanço, devo dizer.

Além de tudo, eu havia reduzido a minha medicação e as visitas aos hospitais não eram tão frequentes. Então, eu comecei a nutrir alguma esperança que...

Só que ai tudo explodiu.

Os resultados dos meus últimos exames declamavam o que as dores de cabeça insuportáveis, que eu mantinha em segredo, já anunciavam: o tumor havia evoluído drasticamente, e minha morte era a única certeza que tinham os médicos.

A evolução havia pegado todos de surpresa, mas, segundo eles, quando se trata do cérebro humano tudo é imprevisível. E, mesmo que eu quisesse, não era como nas novelas mexicanas que distorcem a perspectivas de realidades e em que o resultado dos exames é trocado por engano ou é arquitetado em um plano mirabolante por uma vilã mil vezes mais interessante que a mocinha sem sal.

Os exames foram refeito e refeitos inúmeras vezes, e o resulto foi apenas um: eu morrei em breve.

Claro, que eles poderiam remediar falando sobre grupos de apoio com jovens na mesma situação que eu: morrendo, mas em busca de compaixão com suas historias melancólicas, afim que alguém realmente escute e transforme sua medíocre vida em livro em que pessoas com doenças como as nossas não morrem no final;

Eles poderiam insistir que a porra da esperança que é a ultima que morre e até comentar sobre tratamentos alternativos que faziam uso de ervas "primas" da maconha.

Mas, não, eles não fizeram isso.

Suas ultimas recomendações foram toneladas de medicamentos que amenizariam a dor e nada mais. Eles não são pagos para me enganar com falsas esperanças, mas, sim, para tentar me tratar, mas isso eles não poderiam fazer mais. Além do mais a possibilidade de morrer sempre esteve presente desde o inicio, e a morte é o desfecho de tudo.

Nossa, que dramática...

Sabe, com um tumor do tamanho de um limão na cabeça a probabilidade de ter uma vida feliz (lê-se medíocre), como a que você tem, por exemplo, é zero. Mas eu vou bem, obrigada!

E agora eu estou aqui, na sacada do meu quarto apreciando a brisa marinha e o sol escaldante de Los Angeles.

Que fim dramático.

Senti os cantos de meus lábios puxarem-se em um meio sorriso e coloquei os pés sobre a mesinha de café. Logo, esfreguei distraidamente a testa, sentindo uma das minhas dores de cabeça chegando. Era sempre assim, começavam no meio na cabeça se espalhava dolorosamente por todo o crânio até que a pressão me fazia urrar de dor e, consequentemente, cair inconsciente.

Peguei dois comprimidos no bolso da calça e levei aos lábios sem água mesmo, esperando que o resultado fosse imediato.

— Você estava certo, papai. A dor é inevitável, mas o sofrimento opcional — sussurrei.

A maioria das pessoas, certamente, estanha minha, digamos, "aceitação à morte" ---você com certeza estranhou ---, mas elas não sabem é que eu, mesmo antes da descoberta do tumor, já estava familiarizada com ela.

Eu amo muito meu pai.

Eu sei, é estranho colocar o verbo no presente do indicativo quando a pessoa não está mais entre nós, só que para mim amor não se conjuga no passado, ou você ama para sempre, ou nunca amou quem merece ser amado!(rimou!) Por que eu amo meu pai, pra caramba! E fato dele já ter morrido há 15 anos, não muda em nada a saudade que eu sinto. Pelo contrario, essa merda só aumenta a cada dia.

Bem, você esteve está curioso como meu pai morreu. E não, não foi por um tumor no cérebro — essa desgraça é exclusiva, eu acho —, ele foi diagnosticado com uma variação rara da leucemia mieloide aguda. A descoberta tardia fez com que suas chances e perspectivas fossem nulas. E das formas limitadas de se antecipar a morte — lâminas, cordas, armas, comprimidos —, papai escolheu a melhor: esquecer-se de que se estava morrendo!

Os últimos meses que passei em sua presenta foram de longe os melhores da minha vida, mas os últimos minutos que passei com ele estão para sempre gravados na minha memoria:

— Por que você está chorando, papai? — perguntei sentando no seu colo. Ele estava magro, pálido, e sentado placidamente sobre sua poltrona favorita e corpo conectado a aparelhos que faziam "pip" a cada minuto. Mas ainda era meu pai, e ainda dobrava minhas pernas sobre sua coxa para melhor me acomodar e me aconchegava a seu peito.

— Por que papai vai embora, filha — sua voz estava embargada, mas pelo visto ele estava em um de seus raros momentos de lucidez. — E... eu não quero ir. Não quero ter deixar...

— Então não vá — retruquei com minha lógica infantil. — Não me deixe!

— Eu vou tentar, pequena— prometeu depositando um beijo demorado na minha testa — Mas a hora vai chegar e eu quero que minha pequena seja forte para a mãe dela. Renee acha que ninguém percebe, mas eu sei que a ela anda chorando escondida. Promete pro papai que vai dizer para ela que sinto muito por não ter sido homem que ela merece, mas que a amo de todo meu coração. Promete?

— Prometo — sussurrei enterrando minha cabecinha no seu peito para que ele não visse minhas lagrimas. — Papai?

— Sim?

— Você vai continuar amando a gente, mesmo quando for embora? — questionei.

— "Enquanto eu respirar, e mesmo quando eu deixar, eu vou sempre te amar" — ele cantarolou no meu ouvido.

— Jura de mindinho? — perguntei levando o meu enquanto ele passava o dele, bem maior, em volta.

— Juro!

— Eu também vou te amar pra sempre, papai — afirmei veementemente depositando um beijo estralado em seu queixo — Papai, este é nosso "tchau"?

— Não, meu pinguinho. Não foi o Peter Pan que disse que dizer adeus quer dizer ir embora, e ir embora significa esquecer? Porque eu nunca vou te esquecer,  Bella— ele me presenteou com um sorriso fraco — Esse é nosso "Até a próxima", como no He-Men.

— Até a próxima, papai!

— Até a próxima, pequena!


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Notas finais do capítulo

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