Três Desejos escrita por Kayra Callidora


Capítulo 9
Capítulo Oito




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/684972/chapter/9

Capítulo Oito

Era praticamente a primeira manhã quente na ilha Dauphine desde que haviam chegado ali, o que era surpreendente, considerando que não estavam assim tão longe do Equador, mas talvez todo o clima polar se devesse à proximidade dos titãs - ou ao mau humor dos mesmos. A presença deles tinha grande influência sobre qualquer lugar onde estavam (geralmente negativa). O sol fraco da manhã atravessava as cortinas brancas quase transparentes e atingia o rosto de Atena de uma forma um tanto incômoda. Ela piscou os olhos rapidamente e por diversas vezes até que se acostumasse à claridade, para só então se esticar preguiçosamente na cama que, a essa altura, só exibia um espaço vazio e gelado no lugar onde Poseidon estaria deitado, mas Atena sabia que ele não estaria ali. Surpreendentemente - pelo menos para um ser irresponsável e fanfarrão como ele -, Poseidon sempre acordava mais cedo do que ela, normalmente por volta das seis da manhã, enquanto Atena acordava às oito. Era quase uma vergonha para si mesma que Poseidon tivesse um hábito minimamente mais saudável, mas, depois de tantos séculos sem saber o que era uma boa noite de sono, quando finalmente teve a oportunidade de dormir, Atena mal conseguia controlar.

Ao se levantar da cama, abriu todas as cortinas e os vidros das três enormes janelas que iam do teto ao chão, incluindo uma que dava para a varanda do quarto. Em seguida, tomou um banho muito longo, como era de costume, e em mais ou menos meia hora estava devidamente vestida e psicologicamente pronta para encarar mais um dia na companhia de Poseidon.

Há quatro dias, contando desde o dia do episódio da praia (talvez o evento fosse receber esse nome oficialmente), que o deus dos mares vinha sendo gentil como nunca. Sorria de um lado para o outro da casa, se oferecia para fazer os almoços e jantares (muito embora essa fosse sua única opção, a menos que ele preferisse passar fome) e dizia "bom dia" quando Atena aparecia na escada, enquanto ele mantinha os olhos fixos na televisão. Era uma gentileza chocante, mas Atena não se atreveu a reclamar. Tinha que admitir que era menos fatigante do que brigar todos os dias sem falta. Os dois também haviam parado de vigiar a ilha dos titãs, como combinado. Dividiam agora o tempo livre das tardes entre estudar estratégias de ataque e defesa e ensinar Atena a lidar com os mais novos poderes de controlar os mares.

Ela até que estava lidando bem com a novidade; Atena nunca havia tido um domínio daquele porte na vida, e precisava admitir que era legal demais tudo o que conseguia fazer agora, desde subir o nível do mar até causar furacões e terremotos. Poseidon também parecia se divertir vendo ela aprender a controlar seus poderes como uma criança aprendendo a andar, e dizia achar legal ter alguém com quem dividir seus domínios. Ocasionalmente - sem deixar que Poseidon visse, é claro - Atena até brincava com a água da torneira da pia ou da banheira, durante o banho, por pura diversão.

Atena desceu a escada a passos rápidos, batendo os pés calçados de sapatilhas sonoramente no assoalho de madeira, e não se surpreendeu nem um pouco ao chegar na sala e encontrar Poseidon sentado no sofá, assistindo a televisão com o café da manhã em mãos.

— Bom dia, amor - foi a primeira coisa que ele disse ao olhar brevemente para Atena.

Ela, começando a se acostumar com aquela educação repentina (e só um pouco com o pronome que ele insistia em não largar) retribuiu o cumprimento em tom baixo, porém audível, e logo se dirigiu à cozinha. Pegou as mesmas comidas de sempre - cereal, algumas bolachas e suco - e comeu ali mesmo, sobre a ilha no meio da cozinha planejada.

O barulho da TV estava excepcionalmente alto naquele dia, e Atena soltou uma risada baixa ao perceber que Poseidon assistia ao noticiário da manhã, mas logo parou quando entendeu por que ele estava assistindo. A voz masculina do apresentador chegou como uma pancada em seus ouvidos:

"...as autoridades locais ainda não possuem evidências da verdadeira causa do desastre. Os meteorologistas de Nova York começam hoje uma série de pesquisas para descobrir a origem da chuva de meteoros sobre Long Island, e COMO tal coisa aconteceu sem que houvesse previsão alguma. Segundo o delegado local, Henry Turner, a chuva de meteoritos, que aconteceu na madrugada desse sábado, perto do Estreito de Long Island, apesar de longa e intensa, não atingiu ninguém. Agora acompanhamos a transmissão ao vivo da arena..."

Esse foi o ponto onde Atena já não prestava mais atenção. Os titãs. Só poderia ser um deles, e um tão poderoso a ponto de conseguir interferir nos domínios de seu pai, e os desgraçados estavam atacando o Acampamento Meio-Sangue. E o pior era que, se algum campista tivesse sido atingido, o noticiário não saberia, e tampouco poderia informar. De repente, o coração de Atena apertou por seus filhos, presos naquele lugar, principalmente por Annabeth, que estava no começo de suas férias de inverno. Lá no fundo, uma pontada de preocupação a atingiu até mesmo por Percy, e ela sabia que era nele que Poseidon pensava ao ver uma notícia como aquela.

Com o apetite cortado, abandonou toda a comida sobre a bancada e foi para a sala. Poseidon já não comia mais, e também não parecia prestar atenção ao que a televisão exibia. Seu olhar recaiu sobre Atena.

— Você ouviu?

Atena assentiu.

— Foram os titãs - Poseidon constatou, assim como ela. - Estão atacando o Acampamento.

— Eu sei - disse Atena. - Algum deles consegue dominar o céu.

— Não seria necessário - Poseidon discordou. - Um titã com domínio sobre o fogo poderia simplesmente ter atirado pedras flamejantes de algum lugar fora do Acampamento. Não sei como as pedras passariam pela barreira, mas não é impossível, considerando que é tudo envolto em magia.

— Nós precisamos ir lá - Atena decidiu. - Quero ver se meus filhos estão bem.

Poseidon abriu a boca, surpreso.

— Você sabe que seu querido e idolatrado papai nos proíbe de ver nossas crianças, não sabe? - ele perguntou, incrédulo.

— Dane-se o que Zeus me proíbe de fazer - Atena resmungou. - Um titã fez chover meteoros no lugar onde meus filhos estão, e eu vou vê-los, quer meu pai permita ou não.

Poseidon abriu um sorriso largo, seguido de palmas curtas de admiração.

— Gosto de saber que você também é revoltada com o meu irmão - ele alegou. - Se um dia eu precisar de ajuda para tomar o trono dele, eu te aviso.

Atena o fuzilou com os olhos, mas Poseidon pareceu não perceber. Se colocou de pé num impulso, estendendo as mãos para Atena. A deusa levou um segundo para entender o que ele queria, e quando ficou claro, deu a mão para que ele a tomasse. Num flash de cores e sons, já não estavam mais na casa de praia.

O acampamento parecia estar em perfeita atividade, apesar do horário. Os jovens e algumas crianças corriam de um lado para o outro, revestidos de armaduras brilhantes e carregando todo tipo de armas, desde pequenas adagas até lanças compridas. Num passe muito inteligente, Poseidon os transportara para a frente da Casa Grande, de onde era possível se ouvir a voz de Dionísio conversando energeticamente com Quíron. Atena soltou a mão de Poseidon com uma delicadeza que até ela estranhou, e se adiantou para abrir a porta principal, logo acima da varanda. Ambos, o centauro e o deus do vinho, estavam sentados em frente a uma mesa de bilhar, onde algumas peças de dominó e uma porção de cartas de baralho jaziam dispersas. Quíron levantou-se imediatamente, com toda a altura que tinha em sua forma original, quase batendo a cabeça no teto baixo da casa, e fez uma reverência para os dois deuses, um de cada vez. Dionísio, por outro lado, se limitou a resmungar um "oi" quase ininteligível, e virar a própria cadeira giratória de forma que pudesse olhar para os rostos de Atena e Poseidon.

— Meus senhores - saudou Quíron. - É um prazer tê-los aqui.

— O prazer é nosso, Quíron - Atena respondeu, com um sorriso educado. - E é sempre um horror te ver Dionísio.

— Igualmente, minha querida - Dionísio ergueu uma lata de diet coke como quem faz um brinde. - E Poseidon...

— Dionísio - o deus dos mares meneou com a cabeça, ligeiramente. Não tinha nada contra Dionísio, mas não chegava a idolatrá-lo.

— A que devemos a honra de suas visitas? - perguntou Quíron, claramente tentando aliviar a tensão que se fazia presente na sala, e Atena era muito grata por isso.

— Eu vim ver meus filhos - Atena respondeu imediatamente. - E imagino que Poseidon tenha vindo fazer o mesmo. Onde podemos encontrá-los?

— Oh, ficaram sabendo da chuva de meteoros, certo? - Quíron indagou. - Infelizmente, fomos pegos de surpresa. Por sorte, alguns semideuses filhos de Deméter conseguiram fazer uma barreira provisória sobre o Acampamento com algumas plantas até que tudo acabasse. Ainda assim, alguns semideuses se feriram.

— Percy estava aqui? - Poseidon perguntou.

— Ele e a menina Elizabeth chegaram anteontem do Acampamento Júpiter - dessa vez quem respondeu foi Dionísio. - Por um dia não teriam sido pegos.

— O nome é Annabeth - Atena corrigiu ríspida. - Onde ela está? Ela foi ferida?

— Ela está na enfermaria - foi tudo o que Dionísio disse.

De toda forma, Atena não ficou para ouvir mais. Saiu da casa às pressas, correndo pelo acampamento até a pequena construção onde os semideuses eram tratados. Alguns adolescentes, claramente filhos de Apolo, circulavam pelo ambiente, checando pacientes deitados sobre as macas, e esses não eram poucos. Atena correu os olhos por toda a extensão do lugar até parar sobre uma garota loira deitada em uma maca do outro lado da sala, ao lado de um menino que estava sentado em uma cadeira de plástico e conversava com ela. A deusa andou até a cama, e os dois semideuses a olharam, surpresos. Percy Jackson, o menino na cadeira, até tomou o cuidado de se afastar um pouco de Annabeth. Lembrando-se de que tinha uma imagem minimamente digna a manter, Atena tratou de se acalmar e deixar a feição o mais inexpressiva que pôde. Porque se tinha uma lei que os deuses deviam levar a sério quando estavam perto de mortais, era a de fingir que não tinham sentimento algum.

— Senhora Atena - Percy se colocou de pé, fazendo uma reverência assim como Quíron.

— Percy - disse Atena, acenando com a cabeça.

Começava a se acostumar com o fato de que aquele filho de Poseidon era casado com sua filha, e às vezes pensava que ele talvez não fosse um genro tão terrível assim. Poderia ser pior, como um filho de Ares ou de Afrodite.

— Mãe - cumprimentou Annabeth, abrindo um sorriso hesitante e se sentando. - Veio por causa da chuva, não é?

Por um instante, Atena se sentiu mal com a pergunta, mas compreendeu. Claro que Annabeth sabia que ela não estaria ali para uma visita casual porque adorava ver os filhos (ela adoraria, é claro, mas Zeus pensava diferente). Atena se sentou no pé da maca, onde Annabeth não alcançava, e olhou para a filha.

— Eu vi hoje no noticiário - disse, e se dirigiu também a Percy. - Vocês estão bem?

— Percy teve um pequeno corte na perna, e eu me queimei levemente no ombro, mas fora isso... - Annabeth sorriu ainda mais. - Nós estamos bem.

Annabeth e Percy trocaram um olhar rápido, como se perguntassem algo, e a semideusa voltou a olhar para Atena, dessa vez tendo algo como nervosismo no olhar.

— Mãe, precisamos te contar uma coisa.

No minuto de silêncio que se seguiu, Atena tentou se preparar para tudo, desde "na verdade, eu vou ter que amputar a perna" até "Percy e eu vamos fugir para a Indonésia para caçar vacas". Mas nada do que se passou por sua mente, ainda que remotamente, chegou perto do que Annabeth anunciou.

— Eu estou grávida.

Foi o suficiente para Atena se sentir um arco-íris, tantas eram as cores que assumiu. Primeiro ficou branca de pavor. Depois, vermelha, de surpresa, e disso para roxo, verde e toda e qualquer cor que possa expressar choque.

— O quê?

O pobre Percy, em sua cadeira, já parecia preparado para sacar Anaklusmos e defender Annabeth da liberação de poder da mãe, ao mesmo tempo em que parecia pronto para fugir da enfermaria ao primeiro sinal de fúria vindo de Atena. Nenhuma de suas habilidades, no entanto, foi necessária, porque tudo o que Atena conseguiu fazer foi permanecer parada, encarando Annabeth como se a mesma estivesse revestida de ouro.

— Eu estou grávida - Annabeth teve a audácia de repetir. - Vou ter um bebê.

Por sorte, quando sentiu que estava prestes a desmaiar sob os olhares ansiosos dos dois semideuses, Atena foi poupada de responder por Poseidon, que pareceu surgir do nada atrás de si.

— Isso é ótimo, Annabeth! - o ouviu dizer. - Meus parabéns.

— Obrigada, senhor - disse Annabeth respeitosamente.

Já Percy se levantou de sua cadeira, alegre, e abraçou Poseidon.

— Oi, pai.

Por um momento, Atena invejou a relação próxima dos dois. Tudo o que queria era que Annabeth a abraçasse daquela forma quando a encontrava em algum lugar. Mas infelizmente ela quase nunca tinha uma chance de sair do Olimpo, diferente de Poseidon que, como era do conhecimento de todos os deuses, inclusive do próprio Zeus, que já estava cansado de brigar com o irmão pelo mesmo motivo, visitava Percy frequentemente quando tinha um tempo livre.

Talvez Atena devesse começar a fazer o mesmo.

Quando Percy voltou a se sentar, parecendo muito mais aliviado, Poseidon pousou a mão sobre o ombro de Atena, apertando levemente o local. Como se a deusa já não estivesse suficientemente chocada.

— Não se preocupe muito com a reação da sua mãe, Annabeth - Poseidon tranquilizou. - Aparentemente, ela nunca lidou com nada parecido com filhos.

Atena, se recuperando, fechou a cara para Poseidon. Suas mãos ainda tremiam, exalando um suor gelado do qual ela tentava se livrar a todo instante. No entanto, tentou sorrir para tranquilizar Annabeth.

— O problema não é a criança em si, seu retardado - ela se defendeu. - Só não consigo processar o fato de que... Annabeth está grávida. Mas céus, parabéns, filha.

Num gesto automático e, ao mesmo tempo, estranhamente maternal, Atena se levantou e abraçou sua filha, tomando cuidado para não soltar o próprio peso sobre o corpo da menina.

— E você, Percy - ela se virou para o dito cujo, que empalideceu em questão de instantes. - Quero ouvir dizer que meu neto tem o melhor pai da face da Terra, entendeu?

Percy não ousaria discordar nem em um milhão de anos.

— Na verdade, senhora Atena... - ele lembrou. - É uma menina.

— Uma menina? - Atena perguntou. - De quantos meses você está, Annabeth?

— Seis - respondeu a mesma, tirando os lençóis que a cobriam e exibindo uma barriga não tão grande, mas com certeza de alguém que estava prestes a dar à luz. - Mas Will disse que ela vai nascer um pouco antes da hora, então faltam só dois meses.

— Dois meses? - Atena ainda estava chocada demais para ter outra reação que não repetir o que Annabeth dizia em forma de perguntas. - E quando pretendiam me contar?

— Bem, íamos voltar ao Olimpo amanhã para ver como estão as obras da cozinha de Héstia, e aproveitaríamos para contar - Annabeth admitiu. - Mas como vocês vieram antes...

— E por falar nisso - Percy interrompeu, - o que fazem aqui?

— Atena já disse - Poseidon respondeu, franzindo a sobrancelha. - Viemos por causa da chuva de meteoros.

— Não, não isso - Percy abanou a mão. - Por que vocês estão juntos?

— Oh, isso - Atena fez questão de bufar e rolar os olhos, internamente feliz por ter alguém com quem compartilhar sua frustração depois de uma semana e meia tendo apenas Poseidon como companhia. - O seu tio achou que seria uma ideia maravilhosa colocar eu e essa besta para caçar alguns titãs que não participaram da guerra contra Gaia. Os mesmos que atacaram o Acampamento, aliás.

— Obrigado pela parte que me toca - Poseidon disse, a voz pingando sarcasmo.

— Me parece terrível - Percy comentou, imparcial, mas mantendo seu humor aguçado que era usual. - Espero que sobrevivam.

— Eu também - Poseidon concordou dramaticamente.

Os quatro mergulharam em um silêncio confortável. Eram raros os momentos em que duas quase famílias e uma que brevemente seria uma família completa pudessem ter um momento como aquele, ainda mais em se tratando de seres divinos com seus filhos, e nenhum deles pretendia fazer com que aquilo acabasse tão cedo. E apesar de todos os esforços e os olhares agradáveis, como tudo o que começa, o momento acabou.

— Com licença, senhora Atena, senhor Poseidon - um semideus vestindo um jaleco branco se aproximou. - Preciso examinar a senhora Jackson, se puderem me dar licença...

— É claro - Atena se colocou de pé, passando a mão rapidamente pelo cabelo. - Até a próxima Annabeth. Percy.

E entre muitos "adeus, senhora Atena", "tchau, pai", "tchau, mãe" e "adeus, senhor Poseidon", os dois deuses saíram da enfermaria, dando as mãos e, numa medida em que ambos pareceram concordar silenciosamente, se transportaram direto para a ilha Dauphine.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Três Desejos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.