Três Desejos escrita por Kayra Callidora


Capítulo 18
Capítulo Dezesseis




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Capítulo Dezesseis

Poseidon não procurou por Atena quando voltaram a Atlântida. De toda forma, ela não se importava. Não queria falar com ele. Sua maior preocupação, no momento, era Jack, a quem ela havia deixado sozinho e livre no palácio. Distraída como estava, Atena demorou a se lembrar dele. Já tinha tomado banho e vestido seu pijama quando, como num estalo, o garoto retornou à sua mente.

Todo tipo de coisas passou por sua cabeça: ele teria fugido novamente, dessa vez sem Poseidon para procurá-lo; teria sido preso pelos guardas e torturado sob uma ordem secreta do deus dos mares; ou pior, teria entrado no escritório de Poseidon e visto os documentos confidenciais dele, talvez espionando para alguém, como Atena desconfiava. E a voz de Poseidon ecoava em seu ouvido como se ele estivesse do seu lado:

Se alguma coisa acontecer, a culpa vai ser sua.

Atena não hesitou e, ainda de pijama, rondou o palácio em busca do jovem, mas só o que descobriu, com alívio, foi que Jack estava na cozinha, comendo um sanduíche. O único crime que ele cometia era sujar o chão limpíssimo do palácio, mas não era nada que não pudesse ser resolvido. Nada de torturas, espionagem ou fugas.

— Ah, aí está você - Atena soltou a respiração, colocando a mão sobre o peito. - Você me deu um susto.

— Desculpe, não era minha intenção, minha senhora - Jack sorriu como quem pede desculpas. - Eu senti fome e não te encontrei em lugar nenhum, então decidi vir aqui.

— Está tudo bem - disse Atena. - Eu não estava mesmo no palácio. Tive que sair para cuidar de alguns assuntos.

— E Pos... Digo, o senhor Poseidon estava com a senhora?

— Sim, ele estava comigo.

O silêncio se instalou entre eles quando Jack deu mais uma mordida no sanduíche. Atena não queria atrapalhar sua refeição, já que ele aparentemente não comia há dias. No entanto, tinha perguntas importantes a fazer.

— Então, hum, Jack - começou, limpando a garganta. - Por que você fugiu?

Jack colocou o sanduíche sobre o balcão e limpou a boca antes de responder:

— Eu não ia ficar fora definitivamente, senhora. Meu plano era só levar algum suprimento para a minha família e voltar sem ser notado. Sabe, é difícil manter a casa com o emprego do meu pai. Embora pedras preciosas sejam caras, não é fácil encontrá-las. Então eu... Peguei um pouco das pedras do jardim do palácio e fugi. Era isso o que tinha no saco que eu carregava. Mas é claro que o rei mantinha homens me vigiando, então fui pego assim que saí.

Depois de ouvir a história completa, Atena se sentiu um tanto culpada. Se perguntou se Poseidon tinha sequer perguntado à Jack o motivo de sua fuga ou visto o que ele levava no saco antes de mandar jogá-lo no calabouço.

— Sinto muito - foi tudo o que disse, incapaz de fazer qualquer coisa.

Apesar de se comover pela história de Jack, não estava plenamente certa de que era a verdade. E se tinha algo que sabia muito bem, é que não deveria confiar em absolutamente ninguém. Subitamente, Jack colocou a mão no peito, gemendo de dor.

— O que foi? - perguntou Atena, alarmada.

O jovem rangeu os dentes.

— É meu peito - ele abaixou a camisa, revelando cortes pequenos, mas profundos, em seu peitoral. - Me machuquei enquanto fugia. Os outros cortes estão melhores, mas esses são mais fundos.

Atena se aproximou, na intenção de tentar curar as feridas com sua magia. Péssima ideia. No momento em que estava prestes a tocar o peito de Jack, a porta foi aberta por Poseidon. Os olhos dele correram de Jack para Atena, que demonstrava puro choque no rosto, e então de volta para Jack. A deusa preveria sua cara de ódio mesmo sem vê-la, só pelo modo como tudo ao seu redor esfriou.

— Desculpe, não queria interromper o momento de vocês - disse simplesmente, e saiu.

Atena olhou para Jack, que empalidecia, com a cabeça baixa.

— Di immortales, ele vai me matar - sussurrou para si mesmo. - Me desculpe, senhora, eu não...

— Tudo bem - Atena balbuciou sem ouvir o que dizia, os olhos fixos na porta aberta. - Eu... Com licença, Jack.

A deusa saiu correndo cozinha afora, tentando saber para onde Poseidon tinha ido. Sabia que seria óbvio demais, mas decidiu seguir o caminho que levava até os quartos. Ainda bem que Poseidon era uma pessoa realmente óbvia, e estava ali, quase chegando nos quartos, quando Atena o encontrou. Ela correu até ele, sem se importar com o quanto aquilo era ridículo e clichê, ou que tivesse prometido a si mesma não mais correr atrás dele, e puxou seu braço, fazendo com que ele se virasse para ela.

— Poseidon, me deixe explicar.

Ele direcionou a ela o olhar mais frio que Atena já havia visto em seu rosto, e puxou de volta o braço para continuar andando.

— Sem problemas. Eu já entendi tudo - disse ele. - Nós brigamos e você foi procurar consolo em outro lugar. Me parece muito simples, embora eu esperasse mais de você.

— Eu não fui procurar consolo em lugar nenhum! - Atena exclamou, desesperada, voltando a entrar em sua frente. - Jack estava machucado, e eu queria ajudá-lo. É só.

— Jack, Jack, Jack, Jack... - Poseidon repetiu, imitando pessimamente a voz de Atena. - É incrível como você se apegou rápido a ele. Já que é assim, volte para o Jack. Aposto que ele está ansioso para continuar sendo mimado por você.

— Eu não quero - Atena disse determinada. Colocou uma mão no peito de Poseidon, o impedindo de continuar fugindo. - Eu não quero que você se afaste.

— Ah não? - Poseidon abriu um sorriso cínico. - Então me explique direito, porque me parece que foi exatamente o que você me pediu ontem.

Atena suspirou e se afastou, passando as mãos pelo cabelo.

— Eu tive que fazer aquilo - disse, sem mais argumentos. - Se não fizesse...

— Quebraria seu voto - Poseidon revirou os olhos. - Sim, eu sei. E não queremos que isso aconteça, não é mesmo? - sorriu novamente, sem humor. - É por isso que eu vou ficar longe de você agora.

Poseidon se virou e saiu, e dessa vez Atena não o impediu.

***

— Milady?

Jack enfiou a cabeça por uma brecha da porta e espiou dentro do quarto. Sentada aos pés da própria cama, tendo em mãos uma agulha e linha de costura, que davam forma a um longo vestido azul-noite já quase terminado, Atena ergueu os olhos.

— Não entre no meu quarto sem bater, Jack - repreendeu ela. - O que você quer?

— Me perdoe, senhora - Jack abaixou a cabeça. - Só queria saber se estava tudo bem.

— Estou, muito obrigada - respondeu Atena, em tom rude. - Mais alguma coisa?

Jack pareceu surpreso pelo comportamento de Atena, e não era para menos. Apesar de sempre manter um olhar capaz de colocar imperadores de joelhos, a deusa não costumava destratar qualquer um, especialmente Jack, a quem tinha se apegado em tão pouco tempo.

— Não, senhora - disse Jack. - Boa noite.

Jack ia fechando a porta quando Atena disse:

— Espere.

Ele voltou imediatamente, expectativa brilhando em seus olhos.

— Sim?

— Onde você vai dormir? - perguntou Atena, largando a linha e as agulhas na cama e se levantando.

Jack encolheu os ombros.

— Eu ia para o sofá.

Atena sorriu amargamente, balançando a cabeça.

— Péssima ideia. É para lá que Poseidon vai quando quer se distrair, e provavelmente é onde está agora. Se você aparecer lá, ele pode te estrangular de pura raiva.

— Bem, então... Na cozinha? - arriscou Jack.

Atena teria rido se não se sentisse tão mal.

— Não seja estúpido, Jack. Tem mais de mil quartos aqui - Atena agarrou seu braço e o arrastou para um quarto próximo, mas longe o suficiente do de Poseidon. - Você dorme aqui. Só se comporte e evite cruzar o caminho de Poseidon, e vai ficar tudo bem.

Jack sorriu.

— Obrigado. E, hã... A senhora está bem?

Não. Atena quis responder. Estou prestes a desabar em lágrimas bem aqui. Algum problema? No entanto, não fez nada senão sorrir fracamente.

— Sim, obrigada.

Jack também abriu um sorriso, mas não havia alegria em seu rosto. Era mais como um consolo silencioso. Como uma mão no ombro que ele não podia estender.

— Certo - Jack pegou a mão de Atena, mesmo que ela não a tivesse estendido, e a beijou. - Boa noite, minha bela dama.

O ato surpreendeu Atena. Era atrevido, visto que seu mau humor era palpável, e cavalheiresco ao mesmo tempo. Abriu seu primeiro sorriso verdadeiro em todo aquele dia e deu um passo para trás.

— Boa noite, Jack.

Jack entrou no quarto, deixando-a sozinha no corredor. Atena voltou para o seu quarto se sentindo estranha. Havia um formigamento incomum em sua mão no lugar onde Jack beijara, e seu rosto estava quente. Muito quente.

Tentou se entreter novamente com a costura de seu vestido, mas o olhar ressentido de Poseidon para ela e a frieza com a qual ele decidira tratá-la não saíam de sua cabeça. Com um gemido de raiva, largou o tecido e as agulhas de qualquer jeito sobre sua penteadeira e se deitou na cama. Precisava dormir. Precisava de qualquer coisa que tirasse a dor de seu coração; o gosto dos lábios de Poseidon nos seus; os cabelos escuros onde seus dedos se entrelaçavam facilmente; as mãos calejadas que apertavam sua cintura com força e delicadeza, o corpo contradizendo a si mesmo; Ela fechou os olhos, mesmo sabendo que era impossível que dormisse tão facilmente, e depois de pouco tempo começou a ter a sensação estranha e inconfundível de estar compartilhando a mente com alguém. Ela suspirou audivelmente.

— Por que você vive ouvindo minha mente? - ela perguntou, telepaticamente.

— Porque sua mente vive gritando - Poseidon respondeu. - Eu não faço de propósito.

Atena não sabia o que dizer; conhecia sua mente inquieta a séculos, e sabia bem como ela era. Só não imaginava estar vulnerável à Poseidon em um nível que sua mente se revelava involuntariamente a ele. Era um ato intrusivo e incômodo, mas pelo menos Atena tinha uma chance de dizer algo a ele sem que ele andasse para longe.

— Você sabe que eu não estava fazendo nada com Jack - ela foi direto ao ponto, sabendo que aquilo duraria pouco.

Atena quase podia enxergar Poseidon rolando os olhos onde quer que estivesse.

— De novo isso, Atena?

— É verdade - ela insistiu. - Você sabe que eu não faria isso. Não sabe?

Houve um intervalo de silêncio, em que Atena chegou a pensar que ele tivesse se desligado dela, mas algum tempo depois, a voz de Poseidon voltou a ecoar em sua cabeça:

— Eu sei - ele disse simplesmente.

Aquilo já era o suficiente para devolver alguma paz para a deusa, e, sabendo que não teria mais nada para conversar com ele, ela apenas voltou a fechar os olhos e tomou o cuidado de controlar seus pensamentos para não revelar nada perigoso para ele. Ficou somente assim, sua mente flutuando entre a consciência e a inconsciência, sem focar em nenhum pensamento específico, o tempo todo sentindo que Poseidon ouvia tudo o que ela pensava. E assim foi até que a exaustão a dominou e de uma forma ou de outra, era como se Atena tivesse dormido ao lado de Poseidon outra vez.


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