Roda do Tempo escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 2
Capítulo 2




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O mago riu ao ver a casa abandonada.
— É a terceira vez que te arrumo, sabia? – perguntou, divertido, enquanto tirava a bolsa.
Ficou feliz e aliviado ao ver que todas as coisas estavam inteiras dentro dela. Tirou as caixas com os materiais de limpeza e começou a trabalhar.
Recomeçou do zero e sorriu ao ver os livros e as ervas. Com mais prática e sem todos os efeitos colaterais da bebida, Harry levou apenas dois dias para limpar a casa toda e guardar o que trouxe. Pela primeira vez desde que chegou, foi até o cemitério e entrou. A lápide de seus pais estava lá, intocada. A neve começou a cair e ele ficou lá parado, simplesmente olhando.
— Sei que é só um ano e na verdade, é meio idiota eu querer aprender em um ano o que não aprendi em quarenta – murmurou para seus pais, sem tirar os olhos dos nomes – Mas é a única coisa que posso fazer... eu não sei o que mais eu... – parou e passou a mão pelo cabelo, envergonhado – Sinto muito... por tudo.
Saiu do cemitério e respirou fundo, vendo algumas pessoas andando por ali. Ignorando os olhares estranhos, voltou para casa e se concentrou em reunir tudo o que ia precisar. Usou um disfarce e no Beco Diagonal, encontrou uma loja de livros usados e comprou todas as edições para Hogwarts, mas comprou também o que encontrou de Durmstrang. Comprou também livros, material e ervas para fazer poções e quando passou em frente a Gringotes, suspirou.
“Não entendo como o juiz disse que não posso ter acesso ao meu dinheiro” pensou, desanimado. “Pelo menos, acho que Sirius não está fazendo todas as vontades de Gina, ou não deve restar muita coisa.”
Empurrou a ex mulher e a batalha judicial que ela promoveu para ficar com o dinheiro dele já que “ia perder o marido para a perversão” e “precisava garantir o futuro dos filhos” para o fundo da mente e voltou a se preocupar com seu plano. Voltou para casa com menos da metade do dinheiro do caldeirão, mas animado e disposto.
Finalmente leu “Hogwarts, uma história” e os dois primeiros volumes de “História da Magia”. No melhor estilo de copiar Hermione, organizou um horário para cada matéria e se ocupou em aprender.
De tempos em tempos, parava para comer e dar um jeito na casa e à noite, usou a Nimbus roubada para voar. A sensação foi indescritível e ele se lembrou do vôo em Bicuço, anos antes.
— Isso é incrível! – ele comemorou, depois de aterrissar.
Harry estabeleceu uma rotina totalmente diferente. Nada de missões loucas e perigos de morte e problemas o tempo todo, nem bebedeiras gigantescas e tudo o que vem com elas, ao invés disso, concentrou-se em passar as manhãs lendo e à tarde, praticando poções três vezes por semana e treinando feitiços novos nos dois outros dias.

— Não está funcionando... – murmurou em uma tarde, observando a cor da poção no caldeirão – Não está com a cor certa...
Com um suspiro exasperado, Harry segurou uma mecha de cabelo e fechou os olhos.
— Sete explosões, cinco caldeirões destruídos e muita sujeira para limpar. – murmurou, abrindo os olhos e focando as árvores do lado de fora pela janela – Não é um saldo muito bom.

***********

A fachada da loja, na Travessa do Tranco, fez o mago hesitar um segundo antes de entrar. O interior da loja era escuro e pesado, beirando ao sombrio, mas não havia nada que pudesse fazer. Harry não arriscou um feitiço de disfarce, embora sua magia estivesse mais estável nas últimas semanas, então só podia contar com a própria mudança através dos anos para não ser reconhecido. Isso e o fato de ter mudado o estilo dos óculos e usá-los com uma lente levemente colorida.
— Bom dia.
O mago olhou para trás e conteve um momento de pânico ao ver a face do outro. Uma cicatriz enorme destruiu o lado direito do rosto do homem e para deixar ainda mais estranho à vista, a cabeça dele tinha um formato estranho, como se faltasse uma parte.
— Bom dia – ignorando o desconforto, Harry se aproximou e encarou o único olho visível.
— Posso ajudar, meu jovem? – a voz do homem soou firme e levemente rascante.
Harry sorriu e encolheu os ombros.
— Preciso que possa. Meu tio morreu e me deixou uma série de coisas estranhas e acho que são ingredientes para poções... – diante do olhar curioso, fez um gesto vago – Eu nunca fui muito bom com poções. Até cheguei a ter um livro incrível, mas por imaturidade, acabei tendo problemas e me desfazendo dele. – sorriu, nostálgico – Não pensei muito nele por bons anos, mas de um tempo para cá, me arrependi de ter jogado fora.
— Não pode pegar de volta? – o homem soou solidário.
O mago piscou e pensou por um momento na Sala Precisa. Depois afastou as lembranças com força.
— Não. O lugar onde deixei está totalmente fora do meu alcance. – segurando a alça da bolsa, balançou a cabeça – Eu trouxe algumas ervas e raízes e queria saber se pode me ajudar a identificar o que são e para quê servem.
O homem pareceu pensar um pouco e então, colocou velhos óculos na ponta do nariz.
— Me deixe ver o que tem aí.
Harry tirou os estranhos ingredientes, junto com os que comprou para aprender. O balcão gasto e liso ficou cheio.
— É bastante coisa... – o homem pegou uma raiz e de repente, ergueu a cabeça – Pretende pagar pela informação?
— Eu não tenho muito dinheiro, mas posso pagar por alguma coisa. Se ficar muito caro, o senhor pode apenas identificar alguns, e quando eu tiver mais, posso voltar, se o senhor permitir. – Harry optou por ser absolutamente sincero naquilo que podia.
— Qual o seu nome, filho?
— James. – a resposta saiu rápida e firme.
— Muito bem, James – o olhar do velho senhor voltou para os itens sobre o balcão – Vamos começar: lagartixa ressecada, pele de ararambóia seca...
Harry arregalou os olhos e olhou em volta, perdido. O mais velho riu e balançou a cabeça, tossindo no processo. O mago também riu e então, tirou uma pena da bolsa e um pedaço de pergaminho. Pela próxima meia hora, ele identificou e etiquetou os mais diversos ingredientes para poções, alguns muito estranhos, outros muito nojentos.
Quando terminaram as raízes e ervas, antes que o senhor identificasse o primeiro item que parecia uma roda dentada, Harry impediu com um gesto de mão.
— Senhor... por favor, não é melhor discutirmos o preço antes? – perguntou, preocupado.
— Como bem vê, meu jovem, quase ninguém entra na minha loja hoje em dia. – ele tirou os olhos do homem à sua frente e passeou pelos itens empoeirados. – Não sei se sabe, mas vendo itens muito específicos, e depois da derrota de você sabe quem, os bruxos estão sem interesse neles.
— O senhor vende itens de magia negra? – o lado auror de Harry se manifestou na hora, aguçando o olhar verde sobre os itens – Artigos proibidos?
— Essa é a Travessa do Tranco, James. Não vai encontrar uma loja que não tenha alguma dessas coisas por aqui. – o homem respondeu, calmo – Mas mesmo a magia chamada das trevas é apenas magia.
Os olhos verdes se estreitaram.
— Machucam as pessoas, na maioria das vezes. – respondeu, seco.
— Se usada para isso, mas mesmo um reducto ou um expeliarmus pode machucar, se lançado com força suficiente. – o outro respondeu, astuto.
O mago abriu a boca para responder, mas capitulou e a fechou. O outro riu, enquanto preparava um cachimbo de haste longa.
— A magia é apenas magia. São os bruxos que as separam em branca ou negra. – a explicação veio baixa e compassada – Um feitiço de tortura é horrível na sua forma mais cruel, mas de repente pode fazer com que o inimigo, ao ser ameaçado ou ter um minuto para experimentar, fique com medo e conte seus planos malignos, permitindo salvar muitas vidas.
— Veritaserum tem o mesmo efeito, com o bônus de não tornar um igual ao outro. – o mago respondeu, os olhos faiscando – Eu me tornaria igual a ele, se usasse os mesmos recursos.
O senhor fez um gesto de condescendência com a cabeça.
— Concordo. – encarou Harry com o único olho, atento – É sábio, meu jovem.
— Já passei por muita coisa. – o mago deu de ombros.
— Todos nós tivemos nossa cota de coisas ruins na vida. Uns mais e outros menos, mas nenhum de nós escapou. – o velho encolheu os ombros e tragou o cachimbo, soltando logo depois uma longa baforada.
Harry deu um passo para o lado, franzindo a testa.
— É meu único vício, meu jovem. – o homem falou, com a ponta do cachimbo entre os lábios – A propósito, meu nome é Urick.
— Prazer, senhor Urick. – Harry respondeu, educado.
O outro inclinou a cabeça. – Pode me pagar um galeão por essa consulta, mas como são poucos itens, fica de crédito comigo para quando precisar de novo.
— É um bom preço. - o mago sorriu e concordou, tirando a moeda dourada da bolsa.
Harry e o senhor Urick conversaram mais um pouco e finalmente o mago soube para que serviam algumas daquelas coisas estranhas.

Harry se sentiu seguro na presença do senhor Urick e voltou mais vezes à loja. O velho senhor demonstrou prazer nas visitas e por fim, acabou por ajudar o mago com algumas poções.
— Mas eu nunca sei se ficaram certas. – o auror comentou uma tarde, enquanto observavam frascos de poções recém terminadas – Não consigo determinar se a cor está certa.
Urick pegou um frasco e o observou contra a luz, franzindo a testa. Colocou o frasco sobre o balcão e inclinou levemente a cabeça, pensativo.
— Tem uma poção muito antiga e muito difícil de fazer chamada Veritas Vitae, foi muito popular durante a primeira ascensão de você sabe quem. Servia para determinar se algo foi feito da maneira correta ou não. Na prática serviu para identificar alimentos, bebidas ou poções envenenadas.
Harry se aproximou, curioso.
— Ainda existe? – perguntou, empolgado.
O outro franziu a testa mais ainda.
— Acho que sim. Eu conheço um homem que tinha um frasco. Pequeno, é certo, mas ainda tinha um pouco da poção. – ele encarou Harry – Pode servir para você identificar as poções, pelo menos até aprender a fazê-lo por si só.
Por um minuto, o sorriso de Harry foi luminoso, mas então desanimou.
— Se é tão rara deve ser cara... – murmurou, baixo.
O outro balançou a cabeça.
— Sim. Eu vou ver e te falo na próxima visita que me fizer.

*****

Harry arregalou os olhos e abriu a boca, espantado.
— Oitocentos galeões?!?! – guinchou, estupefato – Eu não tenho isso!
Por um minuto, ficou com mais raiva ainda ao lembrar que tinha esse dinheiro no banco, mas que não podia pegar. Cortesia de sua ex esposa maldosa e vingativa.
— Eu também acho muito caro, ainda mais por apenas um frasco de 200ml da poção. – Urick suspirou e tragou o inseparável cachimbo, tão desolado quanto Harry – Ele disse que dava a receita junto, mas mesmo assim...
— Vou ter que aprender testando as poções. – o moreninho passou a mão pelo cabelo, despenteando-o mais ainda.
Urick o encarou com curiosidade.
— Quais poções precisa tanto aprender? – perguntou, a testa levemente franzida – Seus pais não o ensinaram?
Harry respirou fundo.
— Sou órfão desde be... criança e meus tutores não... bem, não eram totalmente a favor da magia. – explicou, hesitando – Na escola eu estava ocupado com outras coisas e acabei deixando passar...
— Quais poções? – Urick voltou a perguntar, depois do silêncio cair entre eles por alguns minutos.
— As mais comuns, eu acho... – encolheu os ombros, resignado – Eu devia ter tentado mais.
— Bem... ainda posso ajudar, se quiser. – o mais velho ofereceu, solícito – Em vez de me pagar, pode trabalhar aqui todas as tardes.
Harry se lembrou do treino com os feitiços e pensou no perigo não de ser visto, pois já acontecera algumas vezes, mesmo tendo muito cuidado, mas em ser reconhecido. A barba, o cabelo crescido e os óculos não eram disfarces assim tão seguros.
“O problema é que preciso de ajuda.” pensou, hesitante.
— Aceito, claro!

O horário de Harry ficou apertado, mas ele não reclamou. Usou as manhãs para estudar os livros dos quais sempre fugiu e outros, bem interessantes. À tarde, trabalhava na loja do senhor Urick e aprendia sobre poções e ingredientes, alguns dos quais não encontrou referência em nenhum dos livros que consultou. À noite, praticou feitiços e encantamentos no jardim da casa. Teve que arriscar um feitiço forte de proteção e disfarce em todo o comprimento do jardim dos fundos até o começo do bosque.
Olhando a pedra destruída ao lado de seu patrono totalmente corpóreo, Harry se permitiu sorrir de leve.
— Olá... fazia tempo que eu não te via... – murmurou, vendo o poderoso cervo bater as patas dianteiras com força no solo.
O animal brilhou com força e começou a se desvanecer, observado atentamente pelo mago.
— Minha magia está menos errática... acho que o pior já passou. – murmurou para si mesmo, olhando para cima, para a lua grande e brilhante no céu – Se fosse apontar uma causa, acho que poderia apontar a bebida ou o descontrole...
Voltou lentamente para a casa. Sobre a lareira, estava uma ampulheta encantada mostrando quanto tempo ainda tinha. Olhando a areia se escoar, suspirou.
— Para ser totalmente sincero, queria não ter que voltar....

**************

— Não é a varinha que escolhe o bruxo? – Harry perguntou, sem conseguir esconder a surpresa.
Urick e Harry estavam organizando o depósito no final de semana. Caixas e mais caixas de muitas coisas estranhas e algumas, perigosas.
— Primeiro, você precisa entender que a varinha é um instrumento usado pelo bruxo. A magia vem do bruxo, e não da varinha. O que a varinha faz e direcionar a magia para um ponto específico, e direcionando, a torna mais concentrada e isso aumenta o poder. – o mais velho explicou, tirando pequenos objetos de uma caixa grande – A varinha, e seu elemento mágico dentro dela, se sintonizam com a magia do bruxo, é por isso que se diz que ela “escolhe”.
O mago franziu a testa, sentado sobre um caixote de madeira.
— Faz sentido. Quando tem que usar a varinha de outra pessoa, não funciona bem. – murmurou, lembrando-se de Draco e da Varinha das Varinhas.
— Não funciona bem porque a magia é diferente de bruxo para bruxo.
Harry sorriu de leve, voltando ao trabalho.
— Como o patrono?
Urick ergueu a cabeça e se virou para trás.
— Essa é uma magia muito bonita e muito poderosa. Sim, é como o patrono. – respondeu, voltando ao trabalho depois de alguns minutos – Eu nunca consegui conjurar um patrono.
O auror ergueu a cabeça e encarou as costas do mais velho com os olhos afiados.
— Pelo que sei, somente bruxos das trevas não conseguem conjurar essa magia.
O mais velho se ergueu com dificuldade e, se aproximando de Harry, ergueu as duas mangas da camisa. O auror já tinha se erguido também e estava com a mão na varinha quando percebeu a intenção e olhou para os antebraços expostos.
— Eu não tenho a marca, James. Não sou um bruxo das trevas, apenas nunca estive numa situação de morte ou de ataque violento. O que sei sobre os ataques de você sabe quem, ouvi dos meus pais e vi em vizinhos, amigos e conhecidos. Eu mesmo nunca fui seqüestrado ou torturado.
Harry baixou a mão e respirou fundo.
— Desculpe. Sou meio paranóico com isso. – comentou, seco.
— A maioria dos que viveram os horrores é. – Urick baixou as mangas de novo, voltando calmamente ao trabalho.
— E sua família? – o mago perguntou, sentando-se por sua vez – Tem família?
O outro demorou tanto tempo para responder que Harry achou que não o faria.
— Eu tive. Minha mulher foi embora com o amante, depois de abortar meu filho.
O mago piscou várias vezes, espantado.
— Desculpe, eu não queria... – parou, sem saber o que dizer.
— Não é grande coisa. Eu não era rico, tinha apenas essa loja e na época, o movimento era bom... – o homem largou o que estava fazendo e acendeu o cachimbo, fazendo Harry se esticar para abrir uma janela a seu lado.
Do segundo andar da loja, dava para se ouvir o movimento na rua de baixo e conversas, vez ou outra. Disfarçadamente, o mago lançou um feitiço de proteção e silêncio.
— Ela tinha um amante, que a convenceu que teria tudo se me largasse. Ela estava grávida e tomou uma poção... – Urick parou e engoliu seco, olhando para fora pela janela fechada do seu lado – Eu só soube meses depois, quando o encontrei na rua por acaso.
— Isso foi cruel. – Harry comentou, tocado.
— Eu a amava, mas sabia que não podia dar o que ela queria. No começo, tudo era maravilhoso, mas o tempo não perdoa. Missy começou a querer mais e mais... quando você... Voldemort – ele se corrigiu e encolheu os ombros diante do olhar claro do outro – se ergueu pela primeira vez, ela queria que eu o seguisse. Que fizesse de tudo para ser o segundo em comando.
Quando o silêncio se instalou, Harry considerou não perguntar mais nada.
— Eu não pude. – o mais velho continuou, tragando o cachimbo devagar – Eu não servia para aquelas coisas e me limitei a vender alguns itens... ela conheceu alguns seguidores dele e no meio deles, o amante.
— Como descobriu? – o mago perguntou, depois de mais um silêncio.
— Ela não conseguia esconder os presentes caros e eu sabia dos jantares, festas... eu achei que se a deixasse ir, ficaria horrorizada com tudo o que era feito e dito nesses lugares, e perceberia o preço que pagaríamos, mas ao invés disso, ela gostou de estar entre gente poderosa. Ignorou suas crenças e aceitou o horror em troca do luxo e poder que podia aproveitar.
O olhar do mais velho voltou para o mago, que respirou fundo.
— Sinto muito. – não havia outra coisa a dizer.
— Eu também.
Os dois voltaram ao trabalho e no fim do dia, Urick indicou uma caixa separada ao lado da porta.
— Leve para você.
Harry se aproximou e viu livros e outras coisas. – Mas... não são para vender?
— Eu podia vender, mas não vou. São livros de magia e poções, e tem dois bem antigos. Além disso, tem uma balança precisa e frascos inquebráveis. Você precisa disso mais do que eu preciso vender.
O mago sorriu sem jeito, mas pegou a caixa e a minimizou, colocando-a no bolso.
— Obrigado. Nem se eu quisesse podia tentar pagar o que tem me ensinado. – comentou, envergonhado.
Urick o observou sair da loja e o acompanhou com o olhar enquanto subia a pequena ladeira e saía perto da entrada principal do Beco Diagonal.
— Espero que faça bom uso de tudo, Harry Potter. – murmurou, tragando o cachimbo.

******

— O senhor devia pensar em largar esse cachimbo definitivamente. – Harry comentou, uma tarde.
Urick estava tendo um ataque de tosse bem violento, e o mago estava parado perto dele segurando um frasco de poção refrescante para os pulmões.
— James, isso já foi tentado e abandonado. – o mais velho se segurou no braço do outro e pegou o frasco, tomando tudo de um gole – Isso é muito bom...
Harry o observou levantar o corpo e limpar o rosto com um lenço. Depois ele voltou para detrás do balcão e voltou a escrever num longo pergaminho.
— Já tem escrito por vários dias. É um livro? – o mago perguntou, voltando a ajeitar uma estante perto da porta.
— Não. São instruções.
O auror se virou para perguntar instruções sobre o que, mas dois clientes entraram na loja e ele se ocupou rapidamente. Além da barba, do cabelo comprido e dos óculos diferente, Harry escondeu a cicatriz na testa com maquiagem simples e tudo isso lhe deu confiança para tratar com as pessoas. Estava a dois meses do escândalo explodir oficialmente e começar a estampar a capa dos jornais e todos os tablóides possíveis, e de novo lamentou que talvez tivesse que deixar o emprego.
Assim que os dois homens deixaram a loja levando itens potencialmente perigosos, Harry se conteve pela milésima vez para não ir atrás investigar.
— Detesto essa parte! – murmurou, colocando outros itens no lugar dos vendidos.
Urick, que o observava do canto do balcão, sorriu e balançou a cabeça disfarçadamente.
“Aurores... “ pensou, divertido.

**

Harry sentou-se no degrau dos fundos de sua casa e respirou fundo. Faltavam três semanas para o desastre que tornou sua vida um inferno na terra. Estremeceu e abraçou-se só de lembrar como o primeiro mês foi difícil. Nem tudo o que publicaram era verdade e Draco, aos primeiros segundos da confusão, se afastou totalmente, refugiando-se em uma mansão afastada e levando a mulher e o filho.
— Deixou tudo para explodir em cima de mim... – a voz saiu ainda magoada e ferida.
Lágrimas e gritos vindos de Gina, lágrimas e gritos vindos dos filhos, gritos do padrinho, frieza e desprezo vindos de Rony e de todo o resto, pena e um pouco de condenação nos olhos de Hermione.
Apenas a amiga Luna ficou do seu lado, mas ela mesma foi tão atacada quanto o jornal do pai, que se recusou a participar do escândalo. O mago, apesar da resistência dela, acabou se afastando, como fez com todos, mas apenas para não prejudicá-la ainda mais.
— Vou ter que parar de trabalhar na loja.... – murmurou, brincando com uma folha seca no chão – mesmo um pouco disfarçado, posso ser reconhecido por causa das fotos.... – levantou-se, irritado – Outra coisa boa que vou perder.

Os dias continuaram e Harry ficou sem coragem de falar. Na verdade, não queria parar de estar ali e perder a amizade de Urick. O velho senhor estava a cada dia mais fraco e tossindo muito, e as poções simples não estavam mais adiantando. Questionado pelo mago, ele simplesmente deu de ombros.
— Estou consultando um mendibruxo. – indicou uma garrafinha com um líquido escuro – Ele me passou essa poção.
— Mas você continua fumando essa coisa horrível. Deve parar! – Harry tentou, preocupado.
— Eu sei. Eu vou, mas não hoje. – o outro respondeu, recolhendo uma série de saquinhos e vidrinhos da parte de baixo do balcão. Erguendo-se, respirou fundo e tirou um lenço do bolso, limpando o suor – Lembra-se de que te falei da minha esposa?
— Lembro. – o mago respondeu, recolocando um relógio enfeitiçado sobre a estante.
— O nome dela era Missy.
— Me disse isso também. – o Harry se virou para o mais velho.
— É. Eu disse, e o nome do amante dela é Lucius Malfoy. – diante do olhar espantado, deu de ombros – É... Lucius Malfoy.
Harry engoliu seco e respirou fundo.
— Porque está me contando isso? – o mago perguntou, desconfortável.
O outro encolheu os ombros e então, sacudiu a cabeça.
— Não sei de verdade... me sinto confortável com você, James. – respondeu, virando-se e subindo a escada com dificuldade visível.
Até o fim do dia, o mago trabalhou sozinho e nas duas vezes que subiu, Urick estava deitado no sofá, respirando ruidosamente.

— Já fechei a loja... – Harry balançou a cabeça e entrou na sala superior, alcançando a jarra de água fria – Devia ir para o hospital.
Urick tossiu mais um pouco e tomou a água com a ajuda do mago.
— Eles me deram poções... vou ficar bem. – respondeu, baixo.
Harry não concordou com a afirmação, mas não disse nada. Tirou o casaco e se dirigiu até a cozinha.
— O que vai fazer? – o mais velho perguntou, curioso.
— Precisa se alimentar e de mais um pouco de suco frio. Está tomando só água a tempo demais. – o outro respondeu, de dentro do cômodo.

Harry estabeleceu a rotina de cuidar de Urick, apesar de todos os protestos. A cada dia as forças do senhor pareciam menores e a dificuldade para respirar aumentou muito. O mago pesquisou algumas poções e conseguiu melhorar um pouco o apetite e aumentar as forças, pelo menos o suficiente para que pudesse andar e cuidar de si, ainda que não conseguisse descer e ajudar com a loja.
Uma tarde, Urick chamou Harry na ponta da escada que levava ao piso superior, onde havia os aposentos pessoais e os dois quartos do estoque.
— Algum problema? – o mago perguntou, quando apareceu ao pé da escada.
— Preciso falar com você, feche a loja. – pediu, a voz falhando horrivelmente.
Harry o encarou por alguns minutos e então, balançou a cabeça, concordando, mas teve que esperar por dois clientes que entraram. Quando finalmente a fechou e cerrou as cortinas, suspirou e atravessou o salão, preocupado.
Urick estava na sala, sentado no sofá com o lenço na boca. Quando viu o mago, sorriu. Harry retribuiu o sorriso, parando perto.
— O que aconteceu, amigo?
A aparência do mais velho se deteriorara rapidamente na última semana. Estava magro e pálido, suando abundantemente.
— Há quanto tempo está comigo, James? – Urick perguntou, olhando o amigo.
Harry se sentou em uma poltrona, cansado.
— Sete meses. – respondeu, encarando-o de volta.
— Está melhor em poções?
O mago sorriu e apoiou os antebraços nas coxas. – Muito melhor. Acho que no fim, não vou precisar da poção Verita. Todas as poções que fiz foram testadas e vendidas, e o pessoal parece ter gostado, já que o movimento aumentou por causa disso.
— E a poção Mata Cão?
Desconfortável por causa das lembranças do companheiro do padrinho, Harry se remexeu na poltrona.
— Desisti dessa por enquanto.
— Seu amigo não vai mais precisar? – a pergunta veio suave.
— Sequer falei a ele sobre isso. – a resposta veio pronta.
— Tem tanta certeza assim que ele não vai aceitar uma poção feita por você? – Urick tossiu um pouco, mas não desviou o olhar.
Harry balançou a cabeça.
— Na verdade, não tenho mais contato com ele, então acho que não faz diferença, no fim. – lembrando-se de um assunto desagradável, mas importante, o mago hesitou – Foi bom ter esse tempo, Urick, preciso dizer que...
— Eu sei que precisa ir embora, James. – o outro o interrompeu, erguendo a mão – E peço que me ouça com atenção.
O mago aquiesceu com a cabeça, atento.
— Estou morrendo. – Urick começou e quando Harry abriu a boca para interromper, o parou novamente com um gesto. O olhar finalmente se desviou e baixou, exausto – Missy não se contentou em me deixar e abortar meu filho, mas também não quis deixar nada para trás. Minha mãe, antes de morrer, enfeitiçou uma rosa com o seu perfume, para que eu sempre me lembrasse dela. Todos os dias de manhã, eu costumava cheirar a rosa, mas na verdade, não precisava para me lembrar dela. Missy sempre teve ciúme disso e quando foi embora, envenenou a rosa.
Harry empalideceu, chocado. Urick respirou fundo e tomou um pouco de chá gelado.
— Eu não notei nada até dois anos atrás, quando fui ao médico e ele não conseguiu descobrir o que havia de errado com meus pulmões. Tive que encontrar um bruxo que fizesse um feitiço de identificação e então, descobri. – o sorriso veio amargo – Por muito tempo depois que ela foi embora, eu cheirei a rosa todos os dias... e quanto mais cheirava, mais o veneno entrava em meus pulmões...
— Foi cruel da parte dela. – o mago comentou, com um pouco de raiva.
— Eu não entendi nada. Não fui um empecilho para que saísse da nossa casa ou fiz qualquer coisa para envergonhá-la. Apesar de desejar muito uma revanche, fiquei quieto. – o mais velho balançou a cabeça, inconformado.
— Chegou a saber porque ela fez isso? – Harry perguntou, confuso – Quero dizer, se você não a impediu...
— Lucius disse a ela que era melhor queimar todas as pontes.
O mago sentiu o sangue gelar em suas veias. Quando o escândalo estourou e Draco simplesmente se fingiu de morto, foi justamente essa frase que ouviu de Lucius enquanto sua reputação era feita em pedaços. Sem perceber, fechou a mão e apertou-a até que os nós dos dedos embranquecessem.
— Mas ela não teve o que queria. Na época, ele estava já de casamento marcado com Narcisa e pelo que sei, aristocratas como ele não se casam com uma simples atendente de balcão. Ainda mais que já tinha tido um marido. – Urick riu sem humor – Acho que ela pensou que matando a mim e ao meu filho, ficaria limpa para ele.
Harry teve que fechar os olhos e respirar fundo algumas vezes para conseguir se controlar de novo. Quando os abriu novamente, o mais velho estava tentando se levantar. Ergueu-se de um pulo, preocupado.
— O que foi? Quer alguma coisa? – perguntou, dando o braço para apoio.
Urick sentou-se e respirou fundo, tossindo algumas vezes.
— Por favor, James, pegue a caixa grande que está ali na estante. – indicou uma caixa escura, grande, na prateleira.
Harry fez o que ele pediu e estranhou a leveza.
— Não está pesada... – comentou, deixando-a no chão em frente ao mais velho.
O outro sorriu. – Está encantada. – tirando a varinha, a reduziu ao tamanho de uma caixa de fósforos e a estendeu ao mago – É sua, James. – o observou pegar a caixa com a sobrancelha erguida – Não vai te morder! – caçoou, divertido.
— O que tem aqui? – Harry perguntou, guardando a caixa no bolso.
— Tudo o que pude reunir que achei útil e alguns documentos.
O mago estreitou os olhos. – Documentos?
— Não quero mais isso, James. – o olhar sério e duro caiu sobre o mago, decidido – Eu não sei se o feitiço é para me matar mesmo ou me deixar assim por anos e anos. De qualquer forma, eu não quero saber.
O tom definitivo fez Harry se levantar. – Não pode querer dizer que...
— Sim, é isto o que estou dizendo. Não quero mais, James. – o olhar calmo de Urick contrastou com o atormentado do auror.
— Pode haver um contra feitiço... uma poção mais forte... – Harry passou a mão pelo cabelo, desnorteado – Não posso perder mais nada...
— Sei que é difícil para você. E acredite, é para mim também. Sua amizade foi o que adiou minha decisão, mas agora que ambos precisamos estar em outro lugar fazendo outras coisas, creio ser a hora, meu amigo.
Antes que o mago perguntasse, Urick sorriu e balançou a cabeça.
— Eu escrevi uma carta bem longa, contando tudo. – a voz falhou e ele tossiu de novo, mais forte e por um tempo maior.
— Se eu não fosse tão... – Harry parou, agoniado.
— Se você não fosse tão especial como amigo e tão aplicado como aluno, eu não teria ficado tanto tempo, James. Acho muito gratificante que sinta desespero por mim, mas pense que estou enfim descansando. – apesar da tensão da situação, sorriu mais abertamente – Agora vá, meu amigo, e não olhe para trás nem tente voltar.
— Não vou sair daqui para que simplesmente... – o mago parou, inquieto – Não pode esperar que eu aceite isso! Não posso! – encarou o amigo, angustiado – Por favor... eu posso ficar e...
— Não. Não pode, Harry.
Em sua agonia, o mago não notou que foi chamado pelo nome verdadeiro. Continuou inquieto, andando pela sala sem saber o que fazer.
— Vá para casa e leia o que te deixei. Eu prometo a você que vai se sentir melhor. – Urick se levantou com dificuldade e atravessou o espaço, segurando o braço do auror.
— Não posso fazer isso... eu... – os olhos verdes estavam enevoados.
— É muito bom saber que gosta de mim o suficiente para chorar a minha morte, mas agora não é hora disso, meu amigo. Vá para casa e faça como eu lhe pedi.
Sem esperar, guiou o mago desorientado até a escada e o empurrou levemente. Harry ainda demorou a reagir e desceu alguns degraus, antes que se virasse.
— Nunca o esquecerei. – disse, a voz embargada.
— Agradeço por isso.
Urick observou o mago descer o resto dos degraus e sumir no vão da loja. Esperou alguns minutos e encantou a parede, tornando-a transparente. Viu Harry parado na porta, sem se decidir a sair e balançou a cabeça.
— Vá! – murmurou – Não me faça perder a coragem, Leão!
Harry finalmente saiu da loja e quase correndo, subiu a ladeira e desapareceu na noite. Urick se recostou à parede e respirou fundo.
— Adeus, amigo.


******


Harry aparatou no jardim dos fundos e caiu de joelhos, chorando. Agarrou montes de terra e folhas, um pouco engasgado por causa dos soluços desesperados. Ficou ali por um bom tempo, sem notar a posição forçada ou o vento gelado.
Quando finalmente se ergueu, caminhou tropegamente até a casa e entrou. Passou direto pela sala e tirou as roupas enquanto esperava a banheira encher. O mago se concentrou no que estava fazendo e tomou um banho rápido, vestiu-se e enquanto cozinhava o jantar, voltou ao quarto e pegou a caixa do bolso do casaco.
Não a abriu até que terminasse de jantar e então, fechou a casa e apagou as luzes de fora, deixando apenas a lareira acesa. Desfez o feitiço e a caixa ficou enorme e pesada.
— Ainda bem que já estava no chão. – comentou, para ninguém.
Bem no alto, em cima dos livros, estava um envelope grande e um pergaminho. Harry se sentou no sofá e quebrou o lacre.

“Harry Potter
Sei que deve estar surpreso e preocupado por eu saber que não é James, e sim Harry, mas eu posso explicar. Não te reconheci até que veio trabalhar comigo, mas já sabia que tinha algo familiar quando entrou na loja pela primeira vez. Com tudo o que passou, não deve se lembrar de todas as pessoas que salvou, mas eu me lembro de ter te visto durante o ataque a Tinworth. Apesar de não ter sido ferido nem nada, eu estava lá quando salvou a vila e te vi.
No começo, eu não entendi por que estava se escondendo. Depois li um jornal a notícia de que o famoso Harry Potter estava com o ministro do outro lado do país e fiquei confuso, já que estava de pé na minha frente. Achei que podia ter me enganado, então, não pensei mais até notar sua atitude estranha ao vender alguns itens.
Resolvi usar a Bacia das Almas (está dentro da caixa também) um artefato interessante e muito perigoso, que usa um feitiço complicado e sangue, e descobri a volta no tempo e por que. Levei alguns dias para conseguir aceitar e entender, e no fim, acabei te admirando um pouco mais.
Você estava tentando, do seu jeito, fazer alguma coisa para mudar e crescer, e isso é algo para ser respeitado, não criticado. Sempre soube que os leões da Grinifória são corajosos, mas nunca soube o quanto até ver o que foi capaz de fazer. Sobreviver a seus tios (sim, eu pesquisei), à escola, a todas as cobranças e expectativas sobre você, a Voldemort e depois a tudo o que aconteceu... Mesmo que ninguém mais tenha a mesma opinião, eu sei que foi preciso uma quantidade enorme de coragem para fazer o que fez. Você pode pensar que foi desespero e falta de opção, mas eu sei que se não a tivesse, não teria conseguido.
Eu não sabia quanto tempo você ia ficar, então decidi reunir tudo o que podia te ajudar a conseguir o que quer que estivesse procurando, e te ensinei quase tudo o que sei. O tempo foi curto, mas pode ter certeza de que eu o aproveitei bem. Sua confiança e sua amizade sempre vão ser muito importantes para mim e na verdade, foi você que me devolveu a fé nas pessoas.
A poção já estava na gaveta do balcão quando você entrou na loja pela primeira vez. Eu não queria mais estar aqui desse jeito, mas sua presença adiou minha decisão. Finalmente encontrei um propósito que valia a pena, ainda que não fosse ver com meus olhos o resultado dos meus esforços. Isso não importa agora, porque sei que você vai seguir seus dias e espero que encontre o que estava buscando quando girou o vira tempo.
Não me importo que decidiu acabar um casamento infeliz e ir atrás de sua felicidade, ainda que fosse alguém (do meu ponto de vista) indigno de você. Totalmente indigno, mas seu coração decidiu por ele, então, não há nada a fazer.
Contra essa força nada, nem ninguém, pode. Eu sei, porque mesmo depois de ser traído, abandonado e envenenado, eu ainda posso dizer que amo Missy. Amo aquela Missy com quem me casei e com a qual tinha tantos sonhos e não consigo, ainda hoje, reconhecer aquela meiga e suave bruxa na mulher fria e estranha do último encontro.
Lamento que seus sentimentos não fossem correspondidos com a mesma intensidade e sinto muito por tudo o que perdeu. Lamento mais pelos seus que não souberam separar o homem do mito.
Quero que seja feliz, Harry Potter. Com quem seu coração mandar. Seja o homem que eu conheci, corajoso e ávido para aprender, mesmo que seja com os próprios erros, sorria e viva não como as pessoas querem que você o faça, mas por você mesmo. Sei que o preço pode ser alto e difícil de pagar, mas eu tive o privilégio de olhar dentro de seus olhos e ver o brilho que Alvo Dumbledore viu e fez o que pode para proteger. O mesmo brilho que destruiu Tom Riddle.
O brilho da força da sua alma, Harry. Da sua coragem.
Eu tenho fé em você, Harry Potter.

Do seu amigo “do passado”
Urick Havestrung


O mago largou a carta e olhou para o teto, piscando furiosamente para espantar as lágrimas. Decidido, quebrou o lacre do pergaminho e franziu a testa quando as várias páginas se soltaram do rolo principal.
— Uau! – murmurou e então, fechou os olhos e passou os dedos pela face.
Mesmo com todo o desejo de controle, estava chorando. Desistiu de ver a caixa e foi para o quarto, deixando-se cair sobre a cama fria. Chorou e lamentou o amigo perdido até adormecer de exaustão.

****

A porta da loja estava movimentada e Harry puxou mais a gola do casaco, um pouco para se proteger do frio e mais para esconder parte do rosto. Bateu na aldrava e um homem baixinho a abriu, assim que o viu.
— James? – perguntou, a expressão séria.
— Sim. – o mago respondeu, passando pela abertura mínima da porta.
Por um momento, Harry não soube o que dizer, mas foi salvo de qualquer atitude quando o homem pequeno passou a falar, dando-lhe as costas e se dirigindo para o balcão.
— Como deve saber, o senhor Havestrung estava muito doente, já algum tempo. – virou-se e estendeu a mão enluvada – Sou Mails, o advogado dele.
Harry apertou a mão mole do outro e engoliu a vontade de gritar até ficar rouco.
— O que aconteceu?
— Ele não conseguiu mais suportar a dor e o sufocamento e tomou uma poção específica ontem à noite. – o homenzinho encolheu os ombros – Isso já era esperado.
— Esperado? – o mago perguntou, confuso.
— Ele me avisou que faria, meses atrás. Depois disse que tinha algo para fazer e que me avisaria quando terminasse. Recebi a coruja dele ontem à noite, depois que ele... – parou e respirou fundo – Bem. Conforme as instruções, tudo será vendido.
O mago elevou uma sobrancelha e depois de alguns minutos, passou a mão pelo cabelo.
— Não há nada a dizer, então. – comentou, triste.
— Ele deixou tudo para você, mas me instruiu a vender tudo. O valor apurado será entregue, descontado meu trabalho. – o olhar astuto caiu sobre o outro, avaliativo – Ele me disse que são amigos.
— Somos sim. – Harry concordou e balançou a cabeça - E não precisava me deixar nada. Fez muito por mim.
Mails deu de ombros e se aproximou do balcão, abrindo uma pasta.
— Ele não tinha parentes vivos e era separado, sem filhos. – explicou, a voz monótona.
Harry não disse nada e então, passou pelo homenzinho e subiu as escadas.
— O corpo já foi levado, meu jovem.
As palavras gritadas ao pé da escada alcançaram o mago, que não fez caso delas. Ele passou lentamente pelos cômodos e tentou não chorar. Desceu novamente as escadas e passeou os olhos verdes pela loja, tão triste e sozinha quanto ele.
— Quer levar alguma coisa de lembrança? – o homem ofereceu, vendo a tristeza estampada no rosto do mago – Algo de pequeno valor...
Harry balançou a cabeça, negando.
— Tudo o que eu podia desejar, ele já me deu. – respondeu, com um suspiro – Onde vão enterrá-lo?
— No túmulo da família, em Tinworth.

Não houve velório e Harry foi o único presente ao enterro, além de Mails. Os dois ficaram em silêncio enquanto o caixão baixava para o solo e o mago deixou um cristal sobre ele, despedindo-se. – Obrigado, amigo. Por tudo. – disse, baixinho.
Uma lágrima solitária caiu sobre o cristal, refletindo a luz. A terra foi jogada e a lápide esculpida magicamente. Urick Havestrung
Quando Harry viu o coveiro deixando o lugar, tirou a varinha e acrescentou uma frase abaixo do nome e das datas.
Urick Havestrung
O melhor dos amigos. Sentirei sua falta.

Mails acompanhou os movimentos em silêncio e depois de esperar alguns minutos, saíram juntos do cemitério. Harry cumprimentou o outro levemente com a cabeça e quando ia aparatar, o advogado o segurou.
— Espere um pouco. – tirou um saco de dentro do bolso do casaco – Tudo já foi vendido. Aqui está sua herança. – diante do olhar do outro, deu de ombros – Usei o feitiço de redução, mas está tudo aí, de acordo com o que ele me pediu. Tenho testemunhas.
O mago encarou o homem e pegou o saquinho, colocando-o no bolso.
— Eu não ia dizer nada. – comentou, seco.
Com um cumprimento rápido, aparatou.

Harry levou alguns dias para conseguir sair de casa de novo. Plantou uma horta e estudou os vários livros e feitiços. A caixa estava cheia de coisas estranhas e algumas, muito perigosas, mas havia instruções detalhadas sobre o uso e pela primeira vez desde que se lembrava, se sentiu preparado.
O dinheiro foi outra surpresa. O saco, depois do feitiço desfeito, revelou-se grande e pesado. Havia pelo menos cem mil galeões ali e por um momento, o mago pensou em levá-los até Gringotes.
Até que se lembrou de Gina.
— Se eu depositar esse dinheiro, vou ter que explicar como e onde consegui e mais... vai ficar totalmente ao alcance dela e longe do meu. – o homem suspirou, bagunçando o cabelo – Pelo jeito, vou ter que guardar aqui mesmo.
Usando uma velha arca de madeira, Harry guardou o dinheiro e a enfeitiçou com proteções e trancas, antes de reduzir o tamanho e deixar junto com outras coisas na estante. Para uso imediato, abasteceu o pequeno caldeirão e o tampou, deixando-o também na estante.

Isolado por vontade própria, o mago estudou os livros que Urick deixou e seguiu as instruções para conseguir usar alguns itens. Leu e executou alguns feitiços negros de Durmstrang, sentindo-se um pouco culpado por achar alguns feitiços das trevas extremamente úteis. Depois de algumas semanas, concentrou-se na animagia.
Faltavam duas semanas para terminar o tempo.


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