Shattered escrita por Nash


Capítulo 3
And I can't understand




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Já haviam se passado dez meses desde que John tinha voltado a morar com Sherlock em Baker Street, dessa vez, com Patricia. Os dois primeiros haviam sido muito caóticos enquanto ele se acostumava a ter que cuidar de um bebê, o que exigia ter que se acostumar a não dormir mais a noite toda, dar comida nas horas certas, trocar fraldas e, como bônus, ainda ter que aguentar os resmungos do Holmes pela manhã. Algumas vezes ele havia dito que se o amigo achasse melhor poderia tentar achar algum outro lugar somente para ele e Pattie, mas, Sherlock sempre fazia uma careta e dizia:

“Não seja estúpido. ”

E ele se sentia agradecido todos os dias pela ajuda que Sherlock lhe dava, não que o moreno fosse um substituto para Mary – nem ele mesmo era –, mas ele já o ajudara inúmeras vezes a cuidar da pequena filha e ele nunca poderia mostrar com exatidão o quanto era grato o bastante por tudo aquilo.

Sherlock lia um livro sobre botânica na sala quando ele chegou em casa após um passeio no parque com Pattie. Pôs o carrinho xadrez do lado da poltrona em que ele estava sentado e falou:

— Eu tenho um compromisso daqui a pouco e preciso tomar banho. Você olha ela para mim, sim?

— Claro – ele ouviu o amigo dizer enquanto levantava os olhos da leitura. Sherlock pôs o livro de lado e pegou Pattie nos braços enquanto tinha um sorriso no rosto. Quando haviam se conhecido a muitos anos atrás, Sherlock era uma pessoa fechada até demais, mas com o passar do tempo ele havia se revelado um amigo insubstituível e John se sentia imensamente feliz por agoraele se dar bem com a filha. O Holmes então completou enquanto ainda brincava com Pattie – Aonde você vai?  

— Claire disse que tinha algo para conversar sobre o consultório. – Por algum tempo, John havia relutado em voltar ao trabalho, mas Mrs. Hudson vinha lhe ajudando com Pattie durante o dia, ficando com a menina até que ele voltasse do emprego.

— Isso é um encontro? – O amigo perguntou sério.

— Não seja tolo, Sherlock. Como se eu conseguisse pensar em algo assim.

— Você sabe que Mary, provavelmente, iria querer que você pudesse seguir em frente.

— Provavelmente, talvez, eu não sei – John deu um sorriso enquanto via Pattie sorrir para o amigo. – Mas, esse não é o ponto, Sherlock. Eu ainda não estou pronto para isso e, também, cuidar dessa aqui ocupa muito do meu tempo e energia. Ela é minha prioridade e não algum encontro qualquer – Ele passou a mão pelo cabelo da filha bagunçando-o.

Sherlock levantou os olhos pela primeira vez de Patricia e o encarou com aquelas piscinas enormes que tinha. – Ok, mas não diga que não avisei.

John revirou os olhos, sabia o tipo de visão que Sherlock tinha de relacionamentos e achava estranho aquele tipo de incentivo. Mas, ainda que o mesmo nunca tenha dito nada abertamente, ele sabia o quanto o amigo se preocupava em como ele estava. E ele poderia dizer que havia sido tudo muito difícil, tinha havido dias que ele só havia levantado da cama porque sabia que a filha iria precisar dele. A saudade de Mary tinha dias que lhe enchia o peito e ele jurava que poderia sufocar a qualquer minuto, mas, saber que tinha as duas atuais pessoas mais importantes da sua vida perto de si ajudava bastante para superar a cada dia. Como ajudava.

O Holmes era alguém importante demais na vida dele, e por um instante, se lembrou dos dois anos em que ele acreditava que o mesmo estava morto haviam sido um dos momentos mais negros da vida dele, e caramba, ele já tinha ido para a guerra! Mas, Mary tinha aparecido e tinha dado um novo sentido a tudo. John sabia que o amava, ele sabia disso a muito tempo na verdade, mas só tinha chegado a entender quando acreditava de verdade que Sherlock havia ido para sempre. Era seu melhor amigo e mais próximo que qualquer um de sua família.

~

Quando John entrou no banho, Sherlock suspirou fundo. Haviam se passado dez meses desde o ocorrido com Mary e menos de uma semana após o ocorrido eles conseguiram identificar o motorista da caminhonete que havia causado o acidente, tinham descoberto que ele era apenas um bêbado irresponsável. Por um bom tempo, Sherlock ficou procurando pistas que levassem o motorista a algum plano maior, algum inimigo cruel por trás, mas não tinha conseguido chegar a nada, então tinha resolvido que a dedução inicial de Lestrade era a certa. Por um momento único, ele havia estado errado e tinha ignorado o óbvio, estava cego com a dor que havia sido causada ao amigo, e de certo modo, meio que não conseguia compreender como após todos os criminosos megalomaníacos que haviam enfrentado havia sido apenas um “simples” motorista bêbado que os tinha ferido tão gravemente daquela forma.

Patricia riu em resposta a uma brincadeira e ele sorriu de volta. A menina tinha transformado a vida dele – e nem mesmo era sua filha –, tinha aprendido coisas que antes nunca imaginaria interesse, tinha começado a dar importância a assuntos que antes consideraria irrelevantes e, principalmente, tinha se sujeitado a assistir fitas e fitas de desenhos infantis para fazê-la companhia. Porém, ela era filha de John e – incondicionalmente – a amava por ser um pedaço do amigo que era quem ele mais prezava na vida, sabia que, assim como ele, sempre faria tudo por ela; mesmo que ainda tentasse continuar com a imagem de durão que sustentara ao longo dos anos, ele já sabia desde o primeiro dia que Pattie quebrara aquela parede com a facilidade de um gigante. A pequena resmungou algo e ele disse em resposta:

— Aposto que está com fome.

Sherlock já havia se habituado aos resmungos dela e acreditava que já os sabia identificar perfeitamente. E, naquele momento, ele se aliviava que já tinham passado da fase da mamadeira em todos os horários. Foi até a cozinha pegar um pote de comida para bebês, mas então, Patricia começou a chorar e quando a pegou novamente no braço um odor pungente invadiu suas narinas.

— Sinto muito, Pattie, eu me enganei – o Holmes se repreendeu. Dez meses depois e ele ainda não conseguia entender como era cuidar de bebês, quando acreditava piamente que já tinha entendido todos os padrões Pattie ia e os mudava novamente. Ele não conseguia acreditar como alguém tão pequeno poderia dar tanto trabalho, balançou a menina nos braços querendo acalmá-la, mas parecia que os movimentos apenas a deixavam mais impaciente. Sherlock olhou para o lado procurando o amigo, mas ainda escutou o barulho do chuveiro e percebeu que o médico ficaria lá mais alguns instantes, afinal tinha que estar limpo e perfumado o bastante para o encontro. Sherlock rangeu os dentes, mesmo que John não admitisse, ele sabia que aquilo era um encontro, mesmo que não fosse por parte dele, seria pela parte de Claire, também conhecida por “nova chefe do John”.

Pattie, então, começou a derramar lágrimas – nem sempre os bebês fazem isso, muitas vezes apenas abrem o berreiro quando se sentem desconfortáveis – e Sherlock torceu a boca desesperado. Por todos os dez meses que haviam voltado a morar juntos ele havia a alimentado por mais vezes que poderia lembrar, levava as roupas da menina para a lavanderia, passava algum tempo brincando com ela, mas, nunca tinha trocado as fraldas. E, ele se lembrou, sabia que Mrs. Hudson estaria longe visitando uma parente. Quando se tocou que não haveria escolha, ele a levou até o trocador no quarto de John.

A pôs deitada, abriu a fralda e fez uma careta. Ele ficou olhando para trás esperando que John passasse pela porta, mas o amigo não vinha e ele já se sentia aflito. Engoliu em seco e pediu baixinho para Pattie:

— Não se mexe, por favor— Sherlock correu até a cozinha e vasculhou as gavetas o mais rápido que pôde atrás de utensílios que pudessem o auxiliar. Ele voltou de lá com uma pinça enorme, luvas de plástico azuis e uns óculos de proteção bem reforçados. Pegou a fralda suja com a pinça e a jogou em uma lixeira que ficava do lado do trocador, achou um pacote de lencinhos e puxou vários de uma vez e depois limpou Pattie, em seguida jogou os lencinhos sujos na mesma lixeira com uma careta. A menina riu dele e ele a olhou com o seu olhar fulminante.

— Quem você pensa que é para rir de mim assim, garotinha? – Ele disse em tom de zombaria. Fez cócegas nela e ela riu mais ainda. Apanhou uma pomada que estava em um pequeno compartimento e passou em Pattie com abundância, buscou também uma fralda limpa de um monte que tinha ali do lado e a vestiu enquanto fazia caretas para que continuasse ouvindo o suave riso da menina. Aquilo era algo que enchia o coração dele e o fazia esquecer de coisas ruins, mal conseguia imaginar como John se sentiria então.

Sherlock arrumava a bagunça que tinha feita quando viu de canto de olho a pequena erguer os braços e dizer em tom ainda muito enrolado:

— Sherl.

O Holmes engoliu em seco, abriu o maior sorriso da vida e pegou a pequena nos braços. Patricia pôs uma das mãos em seu cabelo e o puxou levemente, mas ele não ligou. Então ela repetiu:

— Sherl.

Ele riu alto e deu um beijo na bochecha dela.

— O que foi isso? – Sherlock se virou assim que escutou a voz de John atrás de si. O amigo estava com uma cara emburrada e confusa. – Eu ouvi ela dizer...

— O meu nome – O Holmes completou animado.

— Ela disse a primeira palavra e ...

— Era meu nome.

John se aproximou dele e por um singelo momento Sherlock se preparou para levar um soco. O amigo era muito ciumento com a filha, e sabia que ele deveria estar com raiva por ela ter chamado pela primeira vez seu nome e não o dele. Mas, Patricia ainda estava distraída com um brinquedo nos braços de Sherlock quando enfim o médico falou:

— Não que eu pudesse escolher outra coisa, mas Pattie apenas confirmou o padrinho dela.

— Padrinho?

— Isso, Sherlock. Se algo vier a acontecer comigo, você seria o responsável por cuida da Pattie – John confirmou com a cabeça. Sherlock sabia que devia estar fazendo uma cara de idiota, de uma certa forma parecia que era a mesma cena de quando o amigo tinha ido convidá-lo para ir ser seu padrinho de casamento. E ele ouviu da boca do próprio John que o mesmo o considerava seu melhor amigo, mesmo após ter passado dois achando que o detetive estava morto, mesmo toda a angustia que ele o fizera passar, ainda era seu melhor amigo.

O médico o havia perdoado e ele era seu amigo ainda. Seu melhor amigo. Sherlock, obviamente, já tinha entendido que o Watson tinha entrado na sua vida para ficar a muito tempo, e era, com orgulho, o seu melhor amigo. Mas, até aquele dia que acontecera, o que parecia agora, há séculos, ele não imaginava que  era o melhor amigo de John. Não ele que havia crescido sendo distante de todo mundo.

E agora havia Patricia. E ali na sua frente era John dizendo que ele seria a pessoa que cuidaria dela se o mesmo não pudesse. O Holmes sentiu a garganta ficar seca, o peito quase podia explodir, e os olhos se encheram de lágrimas. Definitivamente, Sherlock tinha certeza, ele tinha sido trocado por algum clone muito obtuso que começava a dar defeitos quando confrontado com sentimentos. Ele tentou abrir a boca para dizer algo, mas, não conseguiu. Acabou apenas por concordar com a cabeça.  

John o fitou. Deu, então, um riso idiota e o puxou para um abraço.

— Quer saber, amanhã eu me resolvo com Claire – ele disse ainda sorrindo. – Vamos ver algum filme? – Perguntou se dirigindo a filha e então a pegou dos braços do detetive. Patricia o olhou e disse mais uma vez:

Sherl.

— Está bom, mocinha – John resmungou. – Que tal aprender a falar papai agora, heim? Vamos, não é tão difícil... Pa-pa.

Sherl.

O moreno riu de novo. E era grato por aquele momento.

~

Com a filha distraída enquanto assistia animada o filme infantil que haviam posto na televisão, John encarou Sherlock enquanto esse continuava a leitura do livro de botânica. Admitiu para si mesmo a enormidade que o moreno tinha na vida e o quanto se sentia bem em saber que ele cuidaria de Patricia com todo empenho possível. Mal conseguia lembrar como é que havia conseguido tocar a vida sem ele quando acreditava que ele estava mesmo morto. Mas, agora sem a esposa e com a pequena Pattie do seu lado, ele sabia que não seria possível novamente. E, ali, naquele momento, com medo de perde-lo outra vez, descobriu que amava Sherlock Holmes. Como um amigo isso era óbvio, mas, talvez, mais do que deveria.


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Notas finais do capítulo

Críticas, sugestões, elogios, etc serão sempre bem vindos :3



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