Shattered escrita por Nash


Capítulo 17
But I know, all I know's




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Sherlock ainda podia lembrar da primeira vez que a tinha visto. A beleza fria da loira havia chamado sua atenção e mesmo naquele momento repleto de tensão não pôde evitar de reparar como ela era bonita. Obviamente, ele não se interessava por mulheres, mas da mesma maneira que Irene havia prendido sua atenção com aquele fogo embaixo dos olhos, Morgan havia feito o mesmo. Porém, seu olhar era repleto de gelo. Uma frieza assustadora que se escondia por debaixo dos olhos cinzas. E que, mesmo agora, dentro do seu quarto, enquanto ela saía da banheira, o detetive podia rever.

Qualquer um que a olhasse agora podia perceber como já havia sido bonita uma vez, mas com seu corpo mutilado apenas provocaria repulsa agora para quem o visse. E para os mais virtuosos, pena.

A perna esquerda do joelho para baixo havia desaparecido e uma prótese metálica – que ela tirou do lado da banheira assim que se ergueu – a substituía, uma cicatriz em formato de meia lua possuía o lado direito do seu rosto e uma marca no seu baixo ventre. Ela ainda pingava de água após lançar lhe um olhar cheio de ódio e ao sair da banheira buscou uma toalha para secar o corpo. Só então Sherlock viu que seus antebraços apresentavam queimaduras.

— Eu não o esperava agora, Mr. Holmes. – A loira disse com um sorriso completamente falso quando seu assistente veio até ela. – Esperava encontra-lo na sala de hóspedes. Não estava sendo bem assistido lá?

Sherlock fez uma careta em resposta. Aquela família deve ter sido amaldiçoada em algum momento para ser capaz de produzir indivíduos tão sínicos. Primeiro, havia sido Moriarty, agora, a mulher à sua frente. Em um gesto brusco ele sacou a arma que tinha pego de um dos dois seguranças que tinha nocauteado na sala que havia sido levado e apontou para a cabeça dela.

O assistente da loira, Phillip, se distanciou erguendo os braços, mas Morgan não mexeu um músculo sequer. Apenas sorriu debochada e disse:

— Aconselho a baixar essa arma, Holmes. Você não vai sair vivo daqui se me matar. – Em seguida, as portas do quarto se abriram com um empurrão e três seguranças armados entraram de uma vez só.

Sherlock olhou a sua volta analisando a situação. O nervosismo e a excitação se misturam no seu âmago e em seu interior ele só queria que tudo acabasse de uma vez.

Por um breve momento ele foi capaz de visualizar com John um futuro ideal em que ambos viveriam uma vida comum, como uma família normal, criando uma filha que amavam mais que tudo. Mas, agora ele entendia que aquilo nunca estivera realmente ao seu alcance antes. Não estivera no passado, não estaria agora e continuaria não estando no futuro.

Afinal, seus feitos tinham chamado a atenção de inimigos poderosos e ele deveria pagar pelo que tinha feito. E era apenas o que ele queria fazer. Pagar por chamar a atenção de gente como Morgan e deixar John e Patricia livres de um peso daquele para sempre. John seguiria em frente como sempre havia feito e daria um jeito. Um peso enorme no fundo da garganta quase o fez pedir a Deus que ajudasse o médico com isso.

— Você falou naquele maldito bilhete. Eu ou Patricia. Se minha vida acabar agora, você deve liberta-la. – As palavras do moreno saíam cheias de desespero e no instante em que saiam ele se recriminava por aquela entonação raivosa. Estava demonstrando fraqueza, estava fazendo o que ela queria.

— Que diabos faz você pensar isso? Pff.— Morgan dispensou um olhar severo para os seguranças atrás dele e disse ríspida – Levem-no daqui! E se livrem dos imbecis que deixaram ele escapar.

E no instante em que Sherlock se viu arrastado e a loira sumiu atrás das portas, ele tentou lutar contra os três homens armados, mas um deles o chutou no estômago e outro deu um soco no seu rosto. Por um momento, quase desmaiou, mas a raiva que tinha dentro de si fez com que soltasse um grito. Ele se odiava naquele instante. Não entendia como não havia a matado. Estava completamente decepcionado por ter falhado. Se alguém deveria pagar por esse erro. Deveria ser apenas ele.

Sherlock foi levado a uma sala diferente da que estava antes. A anterior era pequena como um escritório, com uma grande mesa de madeira escura no meio, mas essa de agora era grande como uma sala de estar espaçosa. Apenas um segurança entrou no aposento junto a ele e ficou na frente da porta maior. Ele analisou o cômodo e viu três portas secundárias aparentemente desprotegidas, mas que deviam ter outros seguranças armados atrás delas preparados para o que pudesse ocorrer.

Meia hora depois Morgan apareceu vestida em carmesim e com luvas negras que cobriam até seu cotovelo como em um modelo de época que se vê na televisão. Ela quase parecia como se saída de uma dessas novelas se não fosse pelo olhar desdenhoso. Foi em direção até uma poltrona e se sentou. O moreno a olhou durante todo o trajeto, mas não se moveu.

— Vamos lá – ela parou um instante querendo prender sua atenção – como é que eu começo isso? Hm, já sei! Que tal com um bom e velho “eu te avisei”? Ou é trivial demais? É, não é?

— Aonde está Patricia? – Sherlock perguntou sério. Não importava os avisos, sermões ou qualquer coisa que ela fosse lhe falar. Apenas queria saber se a filha estava bem e como fazer para devolvê-la para John.

— O que te faz pensar que você tem poder para fazer uma pergunta que seja aqui? Maldito seja Jim que te acostumou mal com aqueles jogos de gato e rato para mostrar quem estava no comando. E maldita seja eu por querer repetir uma parte disso. Eu sempre disse a ele que uma bala na cabeça era mais eficiente. Afinal, as pessoas são estúpidas demais para entenderem os avisos!!! – Ao terminar a fala, Morgan já praticamente gritava. Se Sherlock sabia que seu interior borbulhava de raiva por não ter terminado o serviço que estava vivo e respirando na sua frente, ela só poderia estar repleta de ódio por ter sido mutilada como estava. – O que você me diz?

— Eu quero a minha filha. – O Holmes disse sério.

— A sua filha? Ela não é sua filha, seu idiota. A única pessoa que tem um dedo nessa história é aquele seu namorado imbecil. Ou marido. Que seja. – Morgan lhe deu um olhar curioso e perguntou docemente – Como foi o casamento? Fiquei curiosa. Porque, olha, fiquei completamente ofendida por não ter sido convidada.

Quando Sherlock apenas a olhou sem entender nada, ela repetiu irritada.

Como foi o casamento? Quero te lembrar que você não está na posição de decidir a conversa. Eu quero saber sobre o casamento, então desembucha...

— Eu te respondo uma pergunta e você responde uma minha.

— Tudo bem. – Morgan falou antes de levar a boca uma xícara de chá que Phillip havia lhe levado – Aceita?

— Não, obrigado. – O moreno respondeu. Quando viu que a mulher continuava o encarado esperando a resposta, começou a descrever os detalhes do casamento. Descreveu todos os pormenores enquanto Morgan ia concordando com a cabeça e dando pequenos sorrisos como aprovasse as escolhas e quando Sherlock se calou, ela falou:

— Eu sempre disse a Jim como os gays tem bom gosto. Ele mesmo era alguém maravilhoso para escolher o que quer que fosse. Sempre do bom e do melhor.

— Você – Sherlock parou um instante para chamar a atenção da loira – Como você sobreviveu?

— Ah – ela tomou mais um gole de chá e só então completou – você sempre subestimou até onde iria meus contatos. Sempre. Não foi fácil. Eu perdi minha perna e quase perdi... outras coisas. Meus rins foram esmagados e eu tive que substituí-los depois de um tempo.

Sherlock não disse nada, apenas engoliu em seco calado. Então, uma das portas se abriu e a mulher de cabelos pretos que invadiu seu casamento estava lá. Usava calças pretas e uma blusa da mesma cor colada ao corpo. Se aproximou de Morgan e cochichou algo em seu ouvido. A loira ainda tinha os olhos cinzentos claros demais presos em Sherlock e deu um sorriso quando a outra se ergueu.

— Eu acho que você já conhece Victoria. A conheci na França. Ela é linda, não é? Me disse que é meio russa. Acho que puxou todo o charme deles. Você não acha? – Sherlock continuou calado – Ela ainda não é tão boa como a Amanda, mas um dia chega lá. – Morgan dispensou a morena com um menear de cabeça e quando ela saiu porta a fora, ela finalmente disse – Então, como fazemos isso? – A voz tinha voltado a ficar ríspida.

— Eu quero uma garantia que Patricia vai ficar bem. Que ela voltará para o pai dela e que eles poderão seguir tranquilos.

Garantia? Por que é suposto que eu deveria lhe dar uma garantia, Mr. Holmes?

— Você disse no bilhete que haveria uma troca. Eu ou Pattie. Eu estou aqui me oferecendo, então...

— Ah, não. Aquilo era apenas para chamar sua atenção. A garota é minha.

— Mas...

— Oh, não se preocupe. Eu nunca faria mal a ela. Que tipo de monstro pensa que eu sou?

Então a solte! Deixe que viva ao lado do pai. Ele precisa dela.

— Eu já lhe disse. Ela é minha. — Morgan tinha a respiração pesada como se estivesse buscando ar para controlar a raiva – Minha da mesma maneira que a mãe dela era. – Quando viu que Sherlock a olhava confuso, ela riu debochada e continuou – Amanda era minha. Ofereceu seus talentos a mim e eu a tive. Oh, sim. Entendo a confusão... Como vocês a chamavam mesmo? Mary? Era isso?

— Mary... Ela...

— Ela era uma vacazinha maldita. Achou por um instante que poderia me dar as costas depois de todas as merdas que havia feito. Depois de todo o tempo espionando o medicozinho e em seguida você. Achou que eu simplesmente a deixaria ir porque iria dar à luz. Mas ela aprendeu a lição quando aquele caminhão bateu nela.

— O caminhão? Foi você? – Morgan respondeu com a cabeça.

— Essa criança era para ter morrido junto, mas agora que não foi assim, ela pertence a mim. A mãe dela me servia, ela me servirá também.

— Não. Ela não vai. – Sherlock disse calmo. Ele nunca permitiria que isso acontecesse.

— E o que diabos você pode fazer para impedir isso, Mr Holmes? Eu já disse. Mesmo que você me mate, aqui e agora. Você nunca seria capaz de passar por todos os seguranças que estão nessa casa. Você nunca chegaria até ela. Nunca a acharia. – Morgan mexeu no vestido e tirou debaixo dele uma pistola e apontou para Sherlock. – Ela é minha! Você é meu! E nada vai me impedir de fazer o que eu quero! Você me entendeu? Nada!

O dedo dela foi de encontro ao gatilho.

Um barulho enorme.

Sherlock fechou os olhos no instinto.

O primeiro tiro. O segundo tiro. E o terceiro.

Quando abriu os olhos, o sangue cobria o chão.

Uma pequena força tarefa havia entrado no aposento. John apareceu atrás deles e quando percebeu Sherlock acuado foi até ele e o abraçou. 

— Você está bem? Sherlock? Me diz que tá tudo bem, por favor.

— Sim. Sim. – O moreno balbuciou desajeitado e nervoso, mas quando fitou John nos olhos ficou mais calmo. Deu até um meio sorriso – Por que demorou tanto?

John sorriu de volta e o cobriu de pequenos beijos.

— Ela se foi, Sherlock. Para sempre.

Ao ouvir o médico dizer aquilo, os olhos azuis se espantaram e com um gesto brusco ele se desvencilhou do esposo e foi até Morgan. Ela ainda estava viva, mas dava suas últimas respirações banhada em sangue.

— Me diga aonde ela está.

— Ja... mais...

— Me diga aonde ela está! – Sherlock repetiu aflito. John pôs uma mão no ombro dele e ele explicou – Ela nunca deixaria Patricia aqui. Estaria sujeita demais a ser resgatada. Fácil demais.

— Não... – Morgan disse tão baixo que ele mal entendeu.

— Me diga! Por favor! Ela é só uma criança! – A loira fechou os olhos como que esperando a morte ignorando o apelo do moreno. Sherlock deu um grito rouco de frustração, olhou ao seu redor, procurando algo que pudesse usar no apelo e, então, seus olhos viram algo que ele mal podia acreditar, mas usou mesmo assim – Ele é só uma criança! Ninguém deve crescer sozinho. Você sabe disso mais do que ninguém!

Morgan abriu os olhos outra vez. Puxou o ar com força, mas só fez com que o sangue transbordasse com mais força pelo buraco que a bala tinha feito em um dos pulmões. Os lábios dela se mexeram, mas o som foi tão baixo que Sherlock teve que se curvar para ouvir. Era uma sequência de números. De novo, coordenadas.

Foram questão de poucos segundos para que a loira morresse definitivamente.

Sherlock suspirou de alívio. Havia tudo finalmente acabado?

Ele foi para fora buscar ar fresco. John o seguiu preocupado, então falou:

— Eu falei. Nós estaremos para sempre um lado do outro, Sherlock. Para sempre juntos. E ninguém vai tirar você de mim. – O moreno o puxou para um beijo e ele sorriu quando se soltou. – Agora, aonde está minha filha?

Próximo dali um agente do serviço secreto foi até Mycroft e cochichou lhe algo no ouvido. Lestrade o observou preocupado e quando ele foi embora, perguntou para o Holmes:

— Então?

— Foi um sucesso. Sherlock conseguiu as coordenadas para Patrícia e já temos homens a caminho. Fica no sul do país.

— Que ótimo.

— Sim. – Mycroft pegou o celular e apertou alguns botões enquanto se retirava do aposento – Agora se me der licença, eu tenho um outro problema a resolver.

Porém, antes que o Holmes saísse, Lestrade segurou seu braço. O grisalho sorriu quando o outro lhe dirigiu um semblante confuso e então o puxou para perto.

Ele nunca iria adivinhar que beijaria Mycroft Holmes em algum ponto da sua vida e iria gostar. Mas agora essa era a verdade. A mais crua e nua verdade.


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