Sacrifice escrita por Nymeros Martell


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bom, essa é uma one da minha visão sobre os acontecimentos da Torre da Alegria que eu tinha guardado nos meus rascunhos e decidi postar. Essa é uma das partes da história que mais me instigam, e isso me levou a escrever sobre o que Lyanna estaria pensando diante de tanto caos, levando em conta a teoria R + L = J.

Espero que vocês gostem.

Nym, 08/02/2016.



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A pele branca sob a fina seda arrepiou-se com o início da contração. Sabia que as dores ficariam piores e cada vez piores, mas queria aproveitar os momentos para sentir a brisa de Dorne em seu rosto novamente.

Sentava-se à beira da janela, rindo de si mesma pela ironia. Lutara toda a vida para ser independente, forte, suficiente, mas acabara trancada no alto da torre, como uma donzela em apuros. Criticara Robert por ser como era tantas vezes, mas agora sentava-se ali, esperando pelo retorno de um homem comprometido.

Deuses, como as coisas ficaram tão fora de controle? Lembrava-se da primeira vez que o vira, enquanto fugia do Torneio. De como seus olhos índigos se estreitaram ao vê-la e de seu sorriso logo depois. De como seu cabelo prateado esvoaçava enquanto ele a dizia “temo que O Cavaleiro da Árvore que Ri tenha escapado por entre a mata, deixando apenas o escudo para trás...” e de como, com um olhar, disse a ela que o segredo estava bem guardado.

A contração seguinte chegava e ela agarrou a borda da janela, pressionando os lábios, suportando a dor. Seus olhos ainda fitavam a estrada para a torre, em uma ínfima esperança de vê-lo chegar a tempo de ver seu filho nascer, quando ouviu o barulho da porta do cômodo abrir. Virou-se rapidamente e viu os três cavaleiros entrando. Arthur e Oswell tinham os olhos baixos, mas Gerold mantinha o passo firme e os olhos concentrados.

Antes que pudesse perguntar, os homens ajoelharam à sua frente e depositaram as espadas aos seus pés. A dor do entendimento da situação tomou o seu peito de forma tão abrupta que ela só pode cair de joelhos em frente a eles. Ele estava morto. O príncipe prateado jamais voltaria por aquela estrada, pois estava morto. E a Guarda Real estava ali para defender a vida do filho dele.

— Como? – Ela disse, tentando segurar as lágrimas. Era uma nortenha, a loba de Winterfell e carregava o príncipe que fora prometido. Não choraria. Não em frente a eles.

— Sob o martelo de Robert, no Tridente – Disse o Hightower. E ainda que fosse a voz do Touro Branco que enchesse o quarto, era o olhar de Arthur que a matava ainda mais por dentro. Havia a dor de perder um amigo, de falhar em seu dever de proteção, da autopunição. Matava-a, pois, reconhecia nele as suas próprias dores.

— Senhora... nossas espadas são suas. A Rebelião vem ao nosso encontro. Defenderemos a Torre com nossas vidas.

— Obrigada, Sor Whent. Vocês podem ir agora.

Eles se levantaram e saíam do quarto, mas pareciam demorar demais. As lágrimas não poderiam ser contidas, não mais, e ela deixou que seu rosto fosse inundado por elas, que descessem como o rio no qual jazia o pai de seu filho. Não encontrava forças para levantar do lugar de onde estava, não encontrava forças para seguir em frente. Deitou no chão, sentindo outra contração vindo, e deixou com que as lágrimas turvassem a sua visão por completo.

“Deuses, tirem de mim essa dor!” Ela pedia, mas sabia que não seria atendida. Quando chegou na torre, rezou para que sua família não pagasse por suas escolhas, mas seu pai e seu irmão pereceram sob a ira do Rei Louco. Rezara com todas as forças para que Robert desistisse da Rebelião. Rezara pra que Rhaegar voltasse. Talvez os seus deuses não pudessem ouvi-la dali de Dorne. Ou talvez os deuses a tivessem abandonado. Poderia lhes julgar? Tantas mortes, tantas mortes em seus ombros...

Subitamente, sentiu raiva. Em um acesso de ira, levantou-se e empurrou o primeiro vaso de flores que viu, gritando em fúria, em desespero, em dor. A cerâmica colorida se estilhaçou no chão e as rosas azuis foram sujas de terra, trazendo à tona lembranças que ela queria poder esquecer. Lembranças de sua infância nas estufas de Winterfell, vendo as rosas de inverno crescerem. Lembranças de seu pai abraçando-a, dizendo que ela cheirava à rosas e selvageria. Lembranças de Ned tirando a coroa de flores de seu colo antes mesmo que ela pudesse tocar nela. Eram suas flores favoritas, mas agora... não, agora não.

Quebrou o segundo vaso quando a próxima contração veio, mais forte, mais violenta. Esmagava rosas entre seus dedos indefinidamente, sentindo seu líquido escorrer em suas mãos e as lágrimas sobre seu rosto. Não suportaria. Como poderia? Perdera-os todos. Seu pai, seu irmão, seu amor. E foi sua a culpa. Como poderia suportar?

Tinha as mãos tingidas de azul e a garganta doendo de tanto gritar quando braços a seguraram gentilmente. Sor Arthur abraçou-a e levou-a até a cama, o toque suave inesperado de um cavaleiro que tentava amenizar a dor de sua protegida. Ele sentou-se ao lado dela, que se encolhia na cama, chorando silenciosamente quando não havia mais voz que expressasse seu pesar.

Não haviam palavras a serem ditas que pudessem aliviar a dor da perda, perceberam, quando trocaram um breve olhar. A dor feroz de Lyanna era a mesma da silenciosa dor de Arthur e aquela constatação só aumentou a estima da moça pelo cavaleiro.

— Senhora... devo... devo lhe fazer companhia? – Ele parecia escolher as palavras cuidadosamente.

— Não, Arthur. – Ela tentava se recompor, enquanto uma nova onda de dor lhe cortava o ventre. – Há dor demais aqui, em mim e em ti. Você jurou defender o rei e sua família. O privamos de defender Aerys, não tirarei de você o direito de honrar os seus votos novamente.

Ele acenou em concordância e se levantou, fazendo uma breve reverência antes de sair, fechando a porta atrás de si e deixando-a sozinha para lidar com seus próprios demônios.

Não sentia mais a raiva de antes, mas a dor da perda somava com as contrações cada vez menos esparsas, tornando a situação cada vez mais insuportável. “O fim está próximo, meu amor...” ela dizia, imaginando as feições do filho que estava para nascer. Passou tantas noites em claro com Rhaegar, conversando sobre como ele seria, que lhe parecia injusto que somente ela pudesse estar presente naquele momento.

A contração veio mais forte e a voz lhe retornou para mais um grito. “Preciso suportar. Por ele, preciso suportar.”, pensava. Usava de forças que não sabia possuir enquanto lutava para que ele pudesse nascer. Empurrava cada vez mais vigorosamente e pouco resultado via. Sentia os músculos fraquejarem às vezes, espasmos irregulares em todo o corpo. “Preciso suportar... preciso...”

Outro grito cortou o ar dornês quando a dor veio novamente e as lágrimas voltaram a banhar o rosto dela. E se não conseguisse? Falharia também com seu filho? Falharia com o príncipe que fora prometido? Falharia com Rhaegar que colocou tanto em risco por ele?

Voltou a empurrar, ainda mais vigorosamente, com o restante das forças que tinha. Perdera as contas de quantas horas haviam se passado desde que a primeira dor veio. Queria poder contar com a voz mansa do príncipe, dizendo novamente como ela forte. “Você é tão, tão forte, minha loba...” dizia ele no que parecia ser há tanto tempo, mas já não poderia ouvir sua voz ou sentir o seu toque, não mais. Ele se fora e, se não lutasse, seu filho também a deixaria. E então, o que restaria? Restaria Ned e Benjen, que jamais a perdoariam pelo que fez. E sobraria Robert e sua ira implacável.

A cada investida, surpreendia-se consigo própria. “Você estava certo... eu sou forte, eu salvarei nosso filho... eu o salvarei...”. Insistia quando achava que já não poderia o fazer.

Por fim, um choro que não era o seu preencheu o quarto e fez com que seu coração se enchesse de uma alegria que achou que nunca mais poderia sentir. O menino tinha cabelos negros como os dela, mas expressões suaves como as dele.

— Meu amor... – ela dizia, enquanto o abraçava – você vive.

E ali ela ficou, abraçada a ele, sentindo o cheiro das rosas que Rhaegar trouxera-lhe para presenteá-la, que, pela primeira vez no dia, voltaram a lhe agradar. Sentia os últimos raios do sol de Dorne aquecerem o quarto e o filho a chorar, encostado em seu peito.

Mas havia algo de errado. Se estivesse certa, seus ânimos deveriam lhe recobrar aos poucos, mas eles não vinham. Ao invés disso, sentia o lençol cada vez mais encharcado de sangue e o cheiro metálico tomando espaço por entre o doce cheiro de flor. Tentou trazer seu filho ao seio, mas já não tinha força. “Estou morrendo... pelos deuses, estou morrendo...”

A guerra de Robert enfim os alcançara. Podia ouvir agora o tinir das espadas tão abaixo do seu quarto, os gritos de raiva, a vingança cegando os homens. Queria poder levantar da sua cama, brandir a espada que tanto se esforçara a aprender, queria lutar pela sua vida em vez de vê-la escorrendo de si em fios de carmim.

Sua consciência se esvaía aos poucos, mas não poderia desistir. Não ainda. O choro do filho fazia com que se agarrasse ao último resquício de lucidez que lhe sobrara, sentindo-o em seus braços. “Como cheguei a isso?”, perguntava-se. Estava morrendo e as lágrimas não a abandonavam. Sabia que não teria forças para proteger seu filho da ira de Robert.

O desespero a envolvia cada vez mais. Lembranças de sua infância nos jardins de Winterfell, de correr com Ned e de ver Brandon treinar, ansiando ardentemente poder treinar com ele. De sentir o abraço de seu pai. De visitar as criptas, de brincar na neve. De visitar o bosque sagrado e de estar perto dos seus deuses. “Não sou digna de seus esforços, mas salvem-no! Velhos deuses, ele é inocente das minhas escolhas, salvem-no! ”

O príncipe que foi prometido em seus braços. Tão pequeno, frágil e delicado e prestes a ser morto. A razão de tudo, de todas as mortes, de todas as escolhas erradas e com o destino traçado. Não, estava errado. Não deveria ser assim.

Lyanna buscava recobrar a consciência. Não sabia se já não havia tanto barulho de luta lá embaixo, ou se a morte iminente a ensurdecia lentamente. Sentia o filho perto do sono e queria poder se certificar que ele estava bem, mas já não tinha forças para puxá-lo para mais perto.

Sentia a morte aproximar-se e dançar a sua volta, enquanto lembranças dela e de Rhaegar invadiam a sua mente. Sobre encontra-lo nos corredores de Harrenhal, um dia antes do fim do torneio. Sobre a sensação dos lábios dele contra sua pele e da ternura de seu toque. “Hipócrita...” pensava. “Os deuses não deram ouvidos às minhas preces pois não passo de uma hipócrita.”.

Pode ouvir, como se muito longe, o ranger da porta de madeira do quarto. Dois cavaleiros entraram por ela, com os passos firmes ecoando no velho piso, fazendo com que o seu coração fraco voltasse a bater forte. O medo a despertou de suas lembranças, medo de que fossem soldados inimigos, medo que matassem seu filho.

— Lya! Oh, pelos deuses, minha Lya... – a voz doce de Ned encheu o cômodo e a chama da esperança queimou em seu peito. Só então ela o viu, correndo até sua cama com Howland Reed em seu encalço.

— Ned... perdoe-me...

— Não se preocupe Lya, eu a salvarei. Eu prometo, a levarei para casa – sua voz saía como um murmúrio baixo enquanto ele a abraçava. Foi quando ele pareceu notar a presença da criança adormecida ao lado dela.

— Ned – disse ela, mais alto – estou morrendo. Não resta esperança para mim, mas para ele sim. Salve-o, Ned.

Quando ela o encarou, pode ver a dor em seus olhos cinzentos e sabia que havia ali o reflexo dos seus próprios olhos. Como poderia pedir para que quebrasse a sua honra? Como poderia fazer isso com o mais doce dos seus irmãos.

— Perdoe-me Ned. Não tive a intenção... – havia tanto que queria dizer a ele, sobre como ela sabia que estava errada, sobre como ela desejava poder fazer tudo diferente.

— Lyanna... – ele sussurrou seu nome enquanto apoiava o rosto sobre seu ombro. Sentia as lágrimas dele molharem a seda da camisola e sentia seu próprio rosto banhado em lágrimas, com a pele arrepiando violentamente. Quando, nos sete infernos, Dorne tornara-se fria?

— Robert o matará se souber a verdade, Ned. Não pode... – sua fala foi entrecortada por uma tosse – não pode deixar que o façam mal. Eu causei muita dor, Ned, mas foi por ele. Ele é nossa esperança. Salve-o Ned. Prometa-me que o salvará.

— Eu... nós... - As palavras pareciam deixá-lo - eu prometo. Criarei como sendo meu, um Lobo no Norte e nem Robert nem seus homens o alcançarão. - O irmão a abraçou novamente - Não me deixe, Lya. Não me deixe.

Havia sangue na armadura de Ned e sangue pingava da grande espada que trazia consigo. Havia sangue em sua cama e sangue na criança que agora dormia ao seu lado, mas tudo que ela conseguia fazer agora era agradecer aos deuses por salvarem seu filho. "Eu não sou digna de salvação e ainda assim os deuses me ouvem."

Lyanna se esforçou para sorrir para Ned uma última vez, enquanto afagava a cabeça do filho com a força que lhe restava. Sentiu o sono vir implacável, sentiu os músculos fraquejarem e o mundo perder a cor, mas já não lutava contra a morte. Já não podia fazer uma prece completa, mas pode lembrar-se da temperatura da pele de Rhaegar contra a sua enquanto o frio a beijava em um caminho sem volta.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! =)
Comentem aqui em baixo o que acharam.



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