Hope Tanner escrita por Moriah


Capítulo 5
Capítulo Quatro: Sobre atrasos


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá ♥

Eu demorei porque quando o capítulo já estava quase pronto, parei e pensei "Não, quero algo diferente. Hack falar sobre os pais de Hope? Okay, mas eles tem que fugir daquele clichê Lily&James que todos estão acostumados." refiz o capítulo para que não deixasse claro como Anne e Cameron se conheceram, apesar de eu ter amado a ideia.

Espero que gostem do capítulo, eu gostei de escrevê-lo.



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Capítulo Quatro:

Sobre atrasos

 

 

A escada de incêndio era suja e estava escorregadia, uma consequência do temporal em que a cidade se encontrava, apesar de tudo Hope não pode deixar de notar que, ao menos, seu único meio de sair dali não rangia acordando todo mundo. Um ponto ao seu favor, mas havia tantos outros contra.

Um deles era a chuva, caia como um jato rápido e gelado sobre Hope, fazendo a garota tremer e fraquejar, pensando seriamente em desistir. A escada começava no terraço do prédio, que seria o quarto andar, mas ainda assim o lar foi criado um andar acima da rua principal e por ser em uma lomba o lado pelo qual Hope teria que descer estava a mais um andar a abaixo, eram no total seis andares para descer em uma escada pouco segura com uma chuva maldosa.

O esforço para que não deixasse seus dentes baterem de frio era demasiado e por vezes Hope apenas parava encostando a testa na escada enferrujada e fedorenta, suas roupas pesavam e a deixavam ainda mais desanimada. Toda sua energia estava se esvaindo rapidamente como a chuva.

Hope percebeu que precisava mesmo tomar uma decisão, e se agarrar nela, quando em um momento de pouca concentração sua mochila quase caiu levando-a junto, enquanto a mesma descia com pouca vontade as escadas. Hope nunca havia imposto sobre si um objetivo grande, pois nunca teve muitas perspectivas ou sonhos. Notou aos poucos que sonhar com algo era inútil e apenas desafios a faziam completar algo.

A garota respirou fundo e lembrou do motivo pelo qual estava fugindo. Não era só Hallock que não havia aparecido, eram as cartas que ninguém mais lia além dela, era o diretor estranho, era Fran que havia sumido, era seus pais que haviam desisto da mesma, era as crianças que jamais se esforçaram um pouquinho para ter sua amizade, era a vida por ser tão injusta, era como tudo sempre tinha que fracassar quando se tratava dela. Era por ser ela.

Supostamente há perigos em andar sozinha pelas ruas de Londres, mas chovia tanto que os perigos não se atreveriam a sair de casa. O pior que podia acontecer para com Hope era ser atropelada, ou tropeçar em alguma coisa, pois mal se via o chão, talvez acabar se batendo em algum prédio. Não é exagero dizer que Hope não enxergava nada, a garota tocava seu braço de cinco em cinco minutos para conseguir sentir a própria presença, pois não via as mãos se não quando as aproximava demais do seu rosto.

Já estava a duas quadras longe do orfanato. Sabia disso porque contou todas as vezes que tropeçou ou pisou em falso quando subia e descida dos meios fios. Foi enquanto andava de cabeça baixa para que não entrasse água nos olhos que algo curioso aconteceu, trombou com algo quase macio, quente e enorme. Chacoalhou a cabeça, mas não levantou os olhos até ouvir o “algo” gemer de dor.

— Desculpe, estava distraído — a voz que soava bem acima de Hope disse em meio a chuva.

A garota ergueu a cabeça, mas a única coisa que indicava onde estava o rosto da pessoa que com ela falava era a fumaça que se dissipava rapidamente no ar a cada respiração que o estranho dava. Trazia consigo o que Hope supôs ser uma bengala pelo barulho que fazia, mas ela tinha quase que o tamanho da menina e um guarda-chuva pendurado no outro braço.

Por que o homem se molhava se tinha um guarda-chuva?

— Esses mapas, esses mapas são tão confusos — o estranho murmurou para si mesmo com a voz grave, mas distraída e quase simpática. Tudo o que a menina sabia até agora era que o estranho era muito alto.

— A chuva não deve ajudar muito — ela comentou, sentindo a voz se quebrar por causa da chuva e os primeiros sinais de um resfriado aparecerem.

— Do que me adianta um mapa se mal consigo vê-lo? — irritou-se o homem.

— São uma hora e doze da manhã, independente do que procura já estará fechado... Senhor?

— Ah, não, não, estava procurando uma pessoa — ele respondeu e Hope teve impressão de que pela primeira vez o estranho a olhava, ou se esforçava para fazê-lo. — É-é, uma pessoa. Me perdi no meio do caminho e agora estou muito atrasado.

Hope concordou e dando de ombros voltou a andar para frente, em direção a qualquer lugar longe do orfanato.

— Espere garotinha — o gigante chamou e com poucos passos alcançou Hope. — O que faz tão tarde nessas ruas escuras? Também está perdida?

— Não acho que seja do seu interesse e já não sou mais uma garotinha.

— Ah, me perdoe se lhe ofendi, não costumo conversar com muitas... pessoas da sua idade.

O motivo era bem claro, o homem era enorme, tinha uma voz grave e um jeito assustador, Hope tem certeza que não era apenas impressão.

— Sua mãe botava fermento na sua mamadeira?

Perguntou estupidamente olhando para cima enquanto tampava os olhos com uma das mãos.

— Minha mãe não me dava mamadeira — o gigante responde depois de um tempo, de repente ficando tristonho.

Hope fechou os olhos, apertando-os e balançou a cabeça.

— Sinto muito.

— E seus pais? — O gigante perguntou curioso.

— Nem sei.

— Como?

— Sou órfã. Essas crianças sem pais. — Hope responde rapidamente.

— Qual seu nome?

— Se eu tivesse pais acho que eles teriam me ensinado a não dizer meu nome para estranhos, principalmente se eu estiver na rua à uma e meia da manhã no meio de um temporal em Londres.

— Ah, certo. É — o grandalhão chacoalhou a cabeça concordando e então se calou por alguns minutos antes de tornar a olhar para Hope, abaixando a cabeça. — As pessoas me chamam de Hack.

Hope revirou os olhos e apertou os lábios tentando não sorrir, chacoalhou a cabeça concordando também. Só podia ser brincadeira que o homem gigante achasse que isso fosse o suficiente.

— De onde você é Hack? — Foi lutando para proferir essas palavras que Hope se deu conta de onde estava: no meio de uma tempestade, molhada e com muito frio.

— Ah, de longe, bem longe. — Hack responde, observando a sombra de uma mochila nas costas da garota. — Você está fugindo de algum lugar?

— É, da minha antiga casa.

— Talvez você possa me ajudar. — O gigante desviou de assunto rapidamente. — Você sabe onde fica o orfanato Rainbow?

— E é disso que eu estou fugindo. Fica a uma duas quadras daqui, se você seguir por ali. — Hope aponta o caminho por onde veio para o grandão.

— Por que está fugindo do orfanato?

Outra vez Hope avaliou a situação, estava com um desconhecido que queria saber até demais. Entretanto a pergunta ressoou dentro da menina, fazendo-a parar para refletir, pois de repente não sabia como responder. Agora que toda a energia passou e a única coisa que a fez se sentir viva é o frio — que desce pela parte de trás do seu pescoço e arrepia todo seu corpo — por estar molhada, não consegue encontrar bons motivos para ter deixado uma cama quente, um teto seguro e comida de graça para estar ali. Haviam motivos, mas nenhum deles parecia fazer tanto sentido.

Ela só sentia que seu lugar não era lá, e sentir é o que resta quando todas as suas respostas na ponta da língua somem. Sentir é o que restava para Hope quando notou que todo o seu sistema contra sentimentos capazes de dominá-la falhou. 

— Não importa minha resposta, vou parecer uma garotinha ingrata — resmungou. — Apenas não me pertencia. Não eram minhas roupas, nem meu quarto ou minha cama. Não eram minhas irmãs e nem parentes.

Hope parou por um momento, realmente parecia ingrata e odiava ingratidão.

— Quero dizer, foi maravilhoso ter sido cuidada todos esses anos, mas mesmo que tentassem fazer daquilo um lar, mal se assemelhava a uma casa.

— Eu não acho que a rua seja muito melhor que isso — o gigante comentou. — Segure isso para mim — alcançou o mapa e quando a menina pegou o gigante rapidamente tomou o guarda-chuva do seu braço e o abriu. Parecia mais um guarda-sol, grande e pesado. — Acho que assim fica melhor para você — aquilo em seu rosto devia ser um sorriso, mas era difícil ver na escuridão.

— Acho que sim — Hope comentou, mesmo que já estivesse toda molhada era gentil da parte dele, alcançou para ele o mapa outra vez. Ela bem que tentou segurar com apenas uma mão, como é natural se fazer com guarda-chuvas simples, mas tão logo Hallock havia soltado e o objeto já caia rumo ao chão. Rapidamente a garota abraçou o cabo de ferro, onde recostou sua bochecha esquerda enquanto respirava fundo se concentrando em não deixar o objeto cair.

— Se você era de lá talvez pudesse me ajudar — ele comenta. — Você conheceu uma garota de cabelos roxos?

— Eu tenho cabelos roxos — foi a primeira coisa que saiu de sua boca.

— Deve ser algo normal então — Hack murmurou para si mesmo.

Hope franziu as sobrancelhas, algo dentro da menina borbulhava, mas não sabia ao certo dizer o quê. Não queria se iludir, não podia se iludir.

— Conhece Hope Tanner?

Ali estava as palavras que esclareciam tudo, ainda assim o lado desconfiado da garota fez ela dar um passo para trás com certa dificuldade e fingir ser outra pessoa.

— O que quer com ela? — saíra em um tom rude, mas Hope logo coçou a garganta. — Deve ser a garota excluída, ninguém nunca procura ela, sabe?

— Então você a conhece? — a animação podia ser quase pegada e jogada para cima de tão concreta que estava sendo mostrada. — Ela é importante para mim, preciso vê-la e explicar-lhe algumas coisas.

— Vocês se conhecem?

— Ela nunca me viu — ele respondeu, dobrando o mapa feliz. Hope não ficaria surpresa se o gigante começasse a assobiar ali mesmo.

— Vai levá-la para onde?

Hack provavelmente não havia escutado a pergunta, assobiava como um louco para a escuridão, mas não estava cantando, estava chamando alguma coisa. Depois de se cansar em assobiar e não receber nada em troca, se virou para a menina e aquilo em seu rosto era claramente um sorriso.

— Pode me levar até Hope? — pergunta animado. — Pode me levar até ela?

— Hack, qual seu nome? — Hope ignorou completamente a pergunta do gigante.

— Hallock e o seu?

Hope se aquietou, respirando fundo. Não podia acreditar na sua sorte ou desgraçada. Pensou em bater naquele gigante, pensou em fechar o guarda-chuva e mesmo que com dificuldade jogar em Hallock. Mas ele estava ali e ao contrário do que imaginava não havia esquecido dela, apenas se atrasado.

— Hope.

O sorriso no rosto do gigante congelou.

— Outra Hope? — aparentemente não era apenas a menina que não conseguia acreditar na própria sorte.

— Não outra, Hope Tanner.

 O silêncio pareceu durar mais do que ela gostaria e foi impossível não repensar se havia sido uma boa ideia, talvez devesse ter preparado o terreno ou apenas escondido seu nome. Talvez ele fosse um maníaco ou tudo não passasse de uma grande piada. Era muitos “talvez” passando pela cabeça dela quando a voz do gigante a interrompeu em um grito:

— Céus — exclamou alto, batendo as mãos uma na outra. — Como você está grande! Seu cabelo não parece roxo... Pintou ele?

— Não, é que estou usando touca — respondeu calmamente, aliviada por não ter sido tudo tão estranho. — Não cresci tanto quanto você — completou, rindo.

O gigante deu outro dos seus sorrisos enormes.

— Sua piada trouxe-me muitas lembranças — comentou, abaixando a voz.

— Hack, era você em todas as cartas?

— Oh, não. Era Mathias, eu apenas me ofereci para escrever o bilhete, Price convenceu-o a me ajudar. Não sou muito bom com letras.

— Mas você sabe o que é Hog Warts? E por que tem um nome grotesco assim? É um pouco nojento...

Haviam tantas perguntas, quem era Price ou o tal Matthias, onde ficava Hog Warts...

— Fala-se Hogwarts — respondeu, pegando o guarda-chuva da mão da menina que espichou os braços se alongando, foi literalmente tirar um peso de cima dela. — É uma escola de bruxaria, como você é uma bruxa recebe a carta. Como todas as outras foram ignoradas, mandam outras porque medo de não estar recebendo. Foi realmente chocante descobrir que você estava as ignorando.

— Eu não as entendia, sendo sincera ainda não entendo.

— O que importa é que finalmente encontrei você. Eu deveria aparecer apenas amanhã de manhã para irmos comprar seu materiais, mas queria me apresentar antes.

— Vamos ir só amanhã? E para onde vamos ir?

— Apenas amanhã, acho que irei lhe fazer uma surpresa.

— É como essas cidades com tradições de outras nacionalidades?

— É bem mais que isso Hope, Price diz que é como ter um mundo dentro de um mundo. Você sempre parece estar à parte de Londres.

A garota digeriu aquilo.

— Vamos andando de volta — ele diz e começou a dar longos passos, fazendo a garota se apressar.

— Estamos voltando para onde? — perguntou apressada.

— O orfanato, precisa de um lugar para dormir.

— Eu fugi de lá — parou de caminhar instantaneamente. — Eu não vou voltar, de jeito nenhum. Seria como engolir meu orgulho, Hack.

—  Onde vai passar a noite? Orgulho não mantém ninguém aquecido.

— Onde você vai passar a noite? — rebateu. — Nada está aberto a não ser pubs vinte e quatro horas e não tenho certeza se você passa na porta deles.

— Eu não sou gordo. — Hallock murmura. — Não muito.

— Não é isso, você... Você é meio grande Hallock. Demais.

— Durmo em um lugar qualquer, vi um estacionamento coberto abandonado na rua de trás. É o suficiente para mim.

— Ótimo, para mim também — a garota sorri de lado. — Para que lado era o estacionamento?

— Você não pode fazer isso, é-é — Hack procurou as palavras. — Você é Hope Tanner.

Hallock parecia não encontrar as palavras para explicar o quanto ser Hope Tanner significava, segundo Price a salvação deles estava ali querendo dormir no chão de um estacionamento, com roupas molhadas em meio a uma tempestade.

— Não pode dormir em qualquer lugar — completou.

— Não pode me obrigar a voltar para lá, Hack. Não quero.

— Você não tem escolha, vai voltar — Hack respondeu. — Não me diga que puxou ser teimosa também.

— Vou seguir você, queira ou não. E duvido que passe pelas portas duplas do orfanato, então terá que procurar outro lugar para passarmos a noite.

Hallock respirou fundo, pensando. Era melhor ter a garota por perto, mesmo que em um lugar totalmente desconfortável do que vagando sem rumo por pura teimosia.

— Era à duas esquinas daqui — ele disse por fim, virando-se e voltando pelo caminho de onde veio.

— Vá devagar — Hope pediu, tentando acompanhá-lo.

Andaram um tempo em silêncio, enquanto Hallock continuava assobiando em busca de alguém.

— Maldita seja — ralhou. — Pois parto sem ela.

Não parecia verdade, soou bastante como quando Adora tentava deixar Tracey de fora de alguma coisa, elas agiam como se odiassem a outra, mas se cuidavam de um jeito até invejável. Hope não conseguia imaginar quem deveria ser a Tracey de Hallock.

— Se eu tenho uma vaga nessa escola posso me tornar uma bruxa?

— Você já é uma bruxa — ele respondeu calmamente. Claramente um poço de paciência infinita, o que era ótimo porque ouviria muitas perguntas dali para frente.

— Nunca me inscrevi, como posso ganhar uma vaga?

— Não é assim que as coisas funcionam, as cartas são enviadas pela escola e você entra se quiser. Quem não recebe carta não possui magia.

— Meus pais... eles...?

— Bruxos brilhantes — Hallock sorriu para ele mesmo.

Seus pais ainda eram um assunto que Hope não se sentia confortável o suficiente para entender, até então tudo o que sabia era que haviam a deixado no orfanato. A abandonaram, esquecendo-a para sempre.

Cada vez que passavam por algum ponto com luz Hope guardava um pouco da fisionomia de Hack. Era barbudo, mas nada excessivo, parecia até cuidar dela. Tinha um sorriso pequeno para seu rosto grande e redondo, o que fazia ele sempre parecer uma criança quando sorria. Seu olhos pequenos na maior parte do tempo ficavam arregalados, mostrando para quem quisesse ver o tom castanho assim como o cabelo que apesar de grande não passa do seu pescoço.

— Magia tem a ver com essa cicatriz?

Hope lembrou de todas as vezes em que pesquisara acidentes, tentando entender como havia acabado com aquele risco cortando sua bochecha. Nada se assemelhava nem um pouco com sua cicatriz. Não era horrenda ou causava repulsa. Era apenas a causa de uma falha na sua sobrancelha e um espaço entre os cílios, fora isso era uma pequena linha em um tom mais claro que a pele que cortava um lado do seu rosto. Ainda assim era impossível não notar e parar para observar.

 — Magia tem a ver com tudo.

Hallock se aproximou da garota e andaram lado a lado, as vezes o gigante ia rápido demais e Hope pedia para que ele diminuísse a velocidade. Hack pediu para Hope contar o que costumava fazer e suas coisas favoritas e ele contou que morava nas dependências da escola, era o guardião das chaves e uma das pessoas em que Price confiava. Parecia ter grande respeito pela tal Price. Aquele nome despertava algo em Hope, ela já o havia visto em algum lugar, mas não conseguia lembrar onde, sua cabeça já doía e era provável que ficasse doente, tudo por ter se esquecido de furtar um guarda-chuva qualquer de alguém no orfanato.  

— Você não se molhou — ela observou confusa, notando só então aquele fato.

Hack apenas deu mais um dos seus longos sorrisos.

— Vamos. Você ainda está com frio?

— Um pouco.

— Tome meu casaco.

Hope não havia notado até o peso empurrá-la para baixo , era tão pesado quanto o guarda-chuva, mas dessa vez o peso, ao menos, estava dividido cobrindo sua mochila e seus braços. Era difícil imaginar como alguém conseguia suportar tanto peso, o casaco apesar de estar exposto a chuva continua completamente seco.

— Me ajudou bastante — Hope sorri. — Então... toda sua família é alta?

— Bem mais altos — Hack sorriu.

— Então são gigantes — Hope tentou zoar.

— Acertou, pequena esperta — ele respondeu feliz por ela saber de algo.

— E o que você é? Maior que humanos, menor que gigantes...

— Um meio gigante — riu-se.

Hope riu balançando a cabeça negativamente, o casaco retardava seus passos e Hack pareceu perceber, pois passou a andar bem vagarosamente.

— Então, como se sente tendo quatorze anos?

— Normal, é como todas as outras idades para mim — dá de ombros.

— Por quê? — Ele pergunta e Hope se vira para o gigante.

Sabe aquelas crianças pequenas que perguntam coisas que são obvias demais, mas que você simplesmente não consegue responder? Tipo porque o céu é azul? Você vai responder e elas vão perguntar “Por quê? Por quê? Por quê?” e você se segura para não gritar com ela, afinal é apenas uma criança. Na verdade queremos gritar não porque elas são irritantes, queremos gritar porque não sabemos a resposta e isso nos deixa desconfortáveis, porque como “adultos” gostamos de ter o controle, de saber as respostas. Chega um momento em que nem nós sabemos o porquê. Apenas é.

— Eu... Sei lá, não sei, isso é idiota. Eu só queria crescer logo, tudo continua um mar de tédio desde sempre, mas o tempo passa cada vez mais devagar e nunca muda. 

— Querer crescer é natural, e também é natural perceber que não há grandes coisas nisso — respondeu solidário.

— Eu sei, não esperava grandes coisas, só esperava mais do que estou tendo até então, com certeza.

— Mas você não é adulta.

— Não mesmo, só que quando você cresce em um orfanato tem que se desenvolver mais rápido, ser independente e matura para lidar com seus erros.

— Isso é bom?

— Não sei Hallock. Isso é bom?

— O que você acha?

— O que eu acho? Bem, é bom em alguns momentos e em outros não.

Às vezes o que mais queria era apenas chorar, ter aqueles ataques, mas não conseguia. Antes mesmo de começar um ataque já começava a se sentir estúpida, pois sabia que qualquer motivo era bobo demais perto dos de outras pessoas e assim quando percebia já não havia lágrimas ousadas o suficiente para caírem dos seus olhos.

{...}

Hallock não fez um prédio ou casa se materializar na frente de Hope, porém fez as goteiras sumirem e aquilo foi mágica o suficiente para ela. Hope estava deitada sobre alguns papelões que encontrou no chão, usando sua mochila macia pelas roupas como travesseiro e o casaco de Hallock como edredom.

— Professor Matthias me mataria se visse as condições que estou te deixando — Hack lamentava enquanto observava o estacionamento abandonado.

— Agradeço a preocupação desse senhor Matthias, mas é uma escolha minha — não havia adiantado, a culpa ainda se encontrava no rosto do gigante. — Não é sua culpa. Eu só quero dormir — ainda não era suficiente. — Isso parece um sonho sem gritarias e passos correndo no corredor. Sério.

Ela não sabia ao certo porque estava fazendo aquilo que Adora costumava fazer com Tracey, de pegar exemplos de situações piores para fazer a mais nova crer que tudo estava bem, mas Hallock ficou mais aliviado e Hope ficou feliz em notar isso. Quando o gigante se encostou em uma pilastra e um som estranho soou pelo local a menina arregalou os olhos.

— Certeza que essa pilastra aguenta você?

— Sim — respondeu, sem dar a devida importância.

Hope sentia os olhos de Hack mesmo quando estava de costas, Hallock passava sim segurança, mas era impossível não pensar em como tudo aquilo era perigoso para ela. Havia um homem logo adiante que a observava dormir.

— Acho que perdi o sono — ela murmurou.

Sentou-se sobre os papelões e se encostou-se à pilastra logo atrás, observando o gigante. Por mais que devesse tomar cuidado, e Hope sabia disso, não conseguia desconfiar do gigante. Ele tinha o rosto redondo e as bochechas rosadas, olhos escuros e fundos, como fendas, mas calorosos. Ao olhar aqueles olhos algo fez Hope acreditar que tudo ficaria bem.

— Como vai ser depois daqui?

— Quando? — Hack perguntou, olhava distraidamente para um jornal.

— Amanhã, para começar.

— Vamos comprar seus materiais, depois terá que esperar até o primeiro dia de aula para ir até a estação.

— Como é o outro mundo Hack?

— Acho que é diferente para cada pessoa, Hope. Mas para você será especial, você é importante.

Hope franziu as sobrancelhas.

— Fui proibido de te explicar as coisas, professor Matthias disse que você deveria saber de tudo lá.

Ela era uma garota curiosa que sempre odiou informações pela metade.

— Achei que você recebesse ordens de Price.

— E recebo — o gigante concordou.

— E Price não é mais que o professor Matthias?

— Sim — o gigante parecia confuso, não entendia onde a garota queria chegar.

— Price não mandou você cuidar de mim?

— Uma ordem que estou tentando cumprir da melhor forma — lamentou-se, observando o estacionamento onde estavam dormindo.

— Me contar ao menos uma base de tudo é cuidar de mim Hack. Imagine eu embarcando nesse mundo sem fazer ideia de nada.

Hack abriu a boca pronta para falar, mas então se calou. Abrindo um sorriso caloroso em seguida.

— Puxa, você lembra muito Cameron, geralmente os filhos puxam a mãe, mas isso você puxou dele.

— Cameron era...?

— Cameron Tanner — Hallock explicou, vagarosamente. — Você é quase tão teimosa e astuta quanto ele com sua idade.

Ali estava o motivo para o professor Matthias ter pedido para Hallock não contar nada, o gigante não saberia lidar com a dor da garota. Não saberia filtrar as palavras... Mas agora que havia começado o olhar da garota deixava claro que devia terminar.

— Quem escolheu seu nome foi ele, sua mãe queria um nome mais simples, mas ele queria um nome significativo. Acabou que acertou em cheio. Hope, você é a esperança.

— De quem?

Hallock apenas sorriu.

— Sua mãe se chamava Anne.

Os olhos de Hope brilharam intencionalmente e Hallock não conseguiu segurar o sentimento de piedade pela garota.

— Você a conheceu? — O sono já havia realmente passado e Hope dirigia toda sua atenção em Hallock.

— Se eu conheci Anne? — Hallock ri e seus olhos ficam desfocados, como se visse todas as lembranças acontecendo ali na sua frente — era perspicaz, como você. Todos que estudaram em Hogwarts na mesma época que ela conheciam seu nome.

Hope não conseguia se imaginar tendo uma mãe popular.

— Por quê?

— Anne Hampton tinha as melhores respostas, os melhores planos e sabia as passagens secretas que até mesmo Price desconhecia. Era manipuladora o suficiente para fazer até mesmo a diretora cair nas suas próprias palavras.

Quando se tratava de Anne, cada palavra devia ser pensada. Como em um grande jogo de xadrez, Hack lembrava bem como se fosse há poucos dias que fora obrigado a tirar-lhe de dentro da floresta negra. Matthias sempre dizia para Hallock que boa parte dos cabelos brancos de Price foram causados por Anne e seu pequeno grupo.

— E Cameron?

Hallock sorriu, conseguia lembrar o jovem de cabelos ralos e castanhos claros bufando quando citavam o nome de Hampton na sua presença.

— Ele não gostava muito da sua mãe, da fama toda que ela tinha. Era uma encrenqueira.

Hope franziu a sobrancelha.

— Quando um garoto beija muitas garotas costumam o chamar de cafajeste, mas é incrível como meninas sempre se encantam por esse tipo. Quando uma garota beija muitos rapazes, ela sempre será chamada de... — a voz de Hack sumiu, não conseguiria xingar a pequena Anne. — Por algum motivo sua mãe se encantou pelo seu pai. Mal sei como se conheceram, mas foi uma surpresa vê-los conversando.  

— Meu pai sabia da fama de Anne? — “meu pai” eram palavras estranhas e que saiam com dificuldade da boca de Hope.

— Antes mesmo de vê-la pela primeira vez — Hack concordou. — Ninguém acreditava neles, mas acabou que se casaram.

— E então morreram — Hope completou, em voz baixa.

— Tiveram você antes disso — lembrou o gigante.

Hope não pensou muito antes de soltar as próximas palavras, e depois se arrependeu amargamente, pensando se estava pronta para saber.

— Eles morreram depois de me deixar? — indagou de súbito.

Hallock negou várias vezes com a cabeça.

— Foi na mão do único bruxo que controlava e amava as trevas, Hope e não posso te dizer nada além disso, não insista. Mas não duvide do amor de seus pais por você.

Amar as trevas? Não era uma boa informação.

— Eu não estava por perto quando eles morreram?

— Estava, por isso a cicatriz — o gigante avaliou o rosto de Hope, sorrindo levemente.

— Por que não me matou ao invés de apenas me ferir?

— Não acho que a intenção fosse te deixar uma marca, pequena.

Então o vendaval arrastara seus pais, Anne e Cameron, mas só beijara seu rosto.

— Por que o Rainbow? Não havia nenhum parente próximo?

— Quem escolheu o orfanato foi Price, ela julgou ser o melhor para você.

Hope ficou em silêncio, observando, enquanto pensava na próxima pergunta que iria fazer.

— É tudo o que eu sei. Agora você precisa dormir, amanhã iremos às compras e você precisa estar disposta a andar bastante.

A garota respirou fundo enquanto engolia as perguntas que formavam um caroço em sua garganta e espanou a sombra de lágrimas que não permitiu que caíssem nas suas bochechas. Deitou e virou de costas para Hallock, em algum momento pegou no sono.

No meio da noite achou ter ouvido uma risada ecoar pelo estacionamento, a risada era cortante e a fez ficar arrepiada. Uma claridade invadiu rapidamente seus olhos, como se tivessem ligado todas as luzes do estacionamento e desligado rapidamente. A cicatriz no seu rosto coçava e doía, latejando, Hope pensou em falar algo para Hack, mas sua boca estava pesada de sono e cada movimento fazia sua cicatriz doer mais. Algo quente se aconchegou ao seu lado e  minutos depois Hope cedeu a inconsciência outra vez.


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Notas finais do capítulo

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Curiosidade:
Supostamente existem mais de 3 mil feiticeiros na Inglaterra, nos livros de HP.

Até sz



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