Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 24
Em chamas


Notas iniciais do capítulo

Weeeee~ Chegamos aos 100k! Estou feliz por ter chegado numa marca dessa ;-; Obrigada a todos que me acompanharam por esse árduo caminho ♥
(Not so much) Fun fact: originalmente, eu pretendia postar esse capítulo ANTES do lançamento do segundo filme de Jogos Vorazes para os nomes não se relacionarem. O meu nível de organização com a escrita é esse. Shame on me.
Ah, esse é mais um capítulo que acabei desmembrando, mas não foi por ele ter rendido muito (se bem que ele originalmente teria rendido um tanto mais de 10k de palavras, o que é muito, mas tem sido o meu normal hue), mas sim porque eu tava com dificuldade com as cenas finais deste capítulo, então achei melhor postar logo para não deixar vocês tanto tempo sem atualização. Espero que o capítulo seja satisfatório! Apesar de eu, bem, cortar ele logo no ponto que seria o principal do capítulo todo :’D
O lado bom é que o capítulo seguinte deve sair mais rápido por ser mais curto. O maior empecilho atualmente tem sido a faculdade, que voltou (em EAD, mas voltou) e tá consumindo a minha alma porque esse curso que entrei agora é ainda mais pesado kkkkk cada k uma lágrima. Tô fazendo essa atualização entre uma prova e outra só porque resolvi me dar uma folga e tava inspirada pra escrever. Mas olha! Em um mês eu tô de férias :)

Um alerta: se uma pessoa convulsionar na frente de vocês, NÃO tentem segurar. A recomendação é que a pessoa apenas seja virada de lado com um pano ou algo assim por debaixo da cabeça e tenha seus acessórios retirados e roupas afrouxadas. Os membros e resto do corpo devem ser deixados para se moverem livremente durante o ataque, não sigam o exemplo do pobre do Itachi, que acabou agindo no desespero.



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Era tênue a linha entre uma coerente preocupação de Itachi e o exagero da superproteção devido ao trauma daquela noite. Ou melhor, essa linha parecia mais como um borrão. Provavelmente, até para ele - principalmente para ele -, entender a diferença entre os dois era uma tarefa complexa e pessoal demais para se policiar e se corrigir cedo o bastante.

Acontece que, após o meu desmaio, me debati descontroladamente, a ponto de fazer Itachi pensar que eu estava sofrendo uma convulsão. Na confusão, acabei arranhando meu próprio rosto (uma longa linha vermelha abaixo do maxilar, presente da unha não aparada), o que provavelmente ativou o modo superprotetor de Itachi com bônus extra, e ele tentou me segurar. Ao final, tudo se converteu para o abraço para o qual acordei. Alguns sinais vermelhos disparam para Itachi, que julgou aquela reação como sendo causada pelo meu trauma cerebral.

Após eu me estabilizar com a sopa de missô e um pouco de comida requintada, Itachi quis logo me levar para o hospital. Mesmo com a tempestade forte do lado de fora, ele achava que conseguiria se locomover de carro. A simples cogitação de entrar numa caixa de metal de mais de uma tonelada, grande o bastante apenas para acomodar pessoas adultas sentadas dentro, sem grande possibilidade de movimentação - sem grande possibilidade de defesa ou fuga - e de vidros escuros o bastante para tornar o mundo externo alheio a qualquer coisa ali - alheio à necessidade de ajuda - já fez todos os meus pêlos do corpo se arrepiarem e meu estômago se contorcer, perdendo o conforto recém-adquirido com a comida quente de Itachi. Eu, definitivamente, com toda a certeza, não queria pôr os pés dentro de um carro, se possível, não tão cedo - talvez nunca.

Controlando meus nervos como podia, soltei qualquer baboseira minimamente lógica sobre as ruas possivelmente estarem piores, já que a locomoção ferroviária, que era prioridade na cidade, estava suspensa. Itachi ponderou um pouco enquanto me encarava, sobre o quê, não tinha certeza, mas torcida para que tivesse apenas a ver com os estradas cheias de neve pesada e trilhos congelados. Ele cedeu, ao final, resolvendo ligar para o meu médico para contar sobre o que havia acontecido.

Como num milagre de uma prece atendida, o neurologista achou que uma aparente convulsão não seria caso de emergência, uma vez que eu já havia me estabilizado - e passei bem nos sucessivos testes e perguntas que ele pediu para Itachi fazer comigo. Mas eu teria que ir, sem falta, logo de manhã cedo para uma consulta e, como nem tudo são flores, ele pediu para que Itachi mantivesse um olhar atento e constante sobre mim até lá.

Eu podia estar numa fase de reconciliação com meu irmão agora, mas dormir juntos no mesmo quarto era um pouco além do que eu esperava. Não que eu não soubesse dividir espaço, mas o constrangimento que me abatia só de pensar em Itachi testemunhando de perto uma noite minha de sono era grande o bastante para eu perguntar mais de uma vez se aquilo tudo era necessário - afinal, havia meses que não sabia o que era uma noite bem dormida, sem monstros e fantasmas do passado para visitar.

— Não tenho como saber que você está tendo outro episódio se estivermos em cômodos diferentes. - E, simples assim, Itachi finalizou o assunto.

Não fosse a minha exaustão acumulada desde a noite anterior, eu talvez teria conseguido passar a noite sem dormir, apenas observando o jeito que Itachi se revirava de um lado para o outro no colchão dele, propositalmente deixado rente à lateral da minha cama. Ele estava tão perto que, se eu rolasse até a beirada, poderia facilmente tocar nele. Eu sabia que essa proximidade era proposital: qualquer agitação denunciada pelo roçar das cobertas, qualquer respiração ou barulho anormal seria identificado por Itachi sem grande dificuldade.

Mesmo a minha teimosia não me ajudou por muito tempo a permanecer acordado, logo sendo vencida pelo esgotamento físico e mental. Eu só esperava que isso fosse o bastante para certificar uma noite de sono profundo e sem sonhos.

 

Era um branco de cegar, e todo o ambiente estava tomado por ele. Apertei mais as pálpebras e pus uma mão acima dos olhos até que as pupilas se ajustassem à claridade ridiculamente excessiva. Não havia nada, era apenas um vazio de horizonte infinito. Não era possível, devia ter algo a mais ali além de mim mesmo.

Caminhei sem rumo, nunca certo se estava ou não caminhando constantemente na mesma direção. Porém, não tardou muito e, quando me virei após desistir de mais uma rota, perto de mim - muito perto para não estarem lá todo esse tempo -, havia um pequeno grupo de pessoas. Suas costas estavam viradas para minha direção, mas não tive a mínima dificuldade em identificá-los. A menor, vestida na costumeira saia azul e blusa vermelha, essa minimamente coberta pela cabeleira rosa, que balançava suavemente de um lado para o outro. Ao seu lado, o óbvio casal estava abraçado de lado, ao ponto que seus cabelos negros se misturavam e formavam um novo tom de mesclados.

Engoli em seco. Por que Sakura estava junto aos meus pais? De maneira divertida, meu cérebro logo formulou algumas fofocas e coisas bobas do dia-a-dia que Sakura diria a eles, principalmente sobre mim e o tempo que temos passado juntos. Mesmo com um pouco de vergonha, aquela era uma roda de conversa a qual eu gostaria de me juntar, e caminhei até a frente deles, um sorriso se formava em meu rosto sem eu ao menos perceber.

Meu sangue gelou e a expressão feliz sumiu ao mesmo instante em que meus olhos pousaram sobre seus rostos. As laterais da cabeça de meu pai estavam abertas, um lado ainda mais estourado do que o outro, mas não havia sangue, o que permitiu que eu visse cada detalhe de osso e pele destroçados. Minha mãe compartilhava de uma abertura semelhante à de meu pai, mas conseguia ver apenas uma, que tomava boa parte de sua testa - o ferimento de entrada devia estar coberto pelo cabelo atrás, a justificativa mórbida cruzou rapidamente meus pensamentos de forma odiável. Ela também não apresentava uma gota de sangue sequer, e o alívio pela sombra formada pelo seu cabelo esconder os detalhes internos de sua caixa craniana só serviu para me deixar enjoado de mim mesmo. Sakura estava absolutamente normal, mas não era como se apenas aquilo fosse amenizar todo o horror daquela visão que eu tinha.

— Oh, Sasuke. - Minha mãe falou, quase me fazendo pular com o som inesperado. - Estávamos falando de você agora mesmo. - Ela disse com o seu costumeiro sorriso afável. Aquilo era tão… ela que meu coração se apertou.

Meu pai e Sakura acenaram com a cabeça, concordando com o que ela havia dito. Eu estava completamente petrificado, nem um som sequer saía de minha boca, e tinha dúvidas se eu estava ao menos respirando. Todos estavam olhando diretamente para mim, expectantes de alguma resposta, e assim ficaram, mesmo quando não esbocei mais nada além do nervosismo que devia estar emanando de mim.

Tentei produzir alguma saliva para molhar a boca e os lábios, que pareciam tão secos agora, mas quase nada veio. Engoli alguns nadas algumas vezes até me coagir a falar.

— S… Sobre o quê? - Minha mãe inclinou a cabeça para o lado, fazendo um pequeno beiço.

— Ora, sobre o que mais poderia ser? - As sobrancelhas dela saltaram um pouco e… seus olhos tinham se tornado opacos, até mesmo um pouco acinzentados.

Quando foi que…?

— É claro que estávamos falando sobre como você matou cada um de nós. - Meu pai interferiu, seus olhos se esvaíram de vida também.

Mais uma vez, meus pulmões se comprimiram e sentia como se tivesse perdido todo o ar de uma só vez. Eu queria negar, dizer que não, não havia sido eu quem tinha apertado o gatilho, queria repetir as palavras de Itachi, que mais cedo soaram tão sensatas, mas agora elas não significavam absolutamente nada. Eram meus pais ali, na minha frente, me acusando do que eu achei que fosse tão óbvio por todo esse tempo. Não tinha como resistir contra aquilo.

— É mesmo. - A voz de Sakura soou mais perto de mim, mas não tive coragem desgrudar o olhar dos meus pais para encará-la.

— Pois você nos entregou nas mãos daqueles homens como animais para o abate. Ficou apenas nos vendo morrer, sem fazer nada para impedir ou sequer dar conforto. - Meu pai continuou, seu tom era ríspido como o que ele usava nas piores broncas.

Sentia-me cada vez menor, cada vez mais impotente e frágil. Queria sumir dali, mas era como se meu corpo inteiro tivesse desligado.

— Eu tenho vergonha de você. - Minha mãe cuspiu com um desprezo que eu nunca havia testemunhado antes. - Que tipo de filho faria uma coisa dessas?

— Era pra ter sido você. - Meu pai deu um passo à frente largo o suficiente para estar pairando sobre mim, sua boca revirada em desgosto. - Você deveria ter morrido, não a gente. - Minhas pernas já estavam fracas de tanto tremer, nem sabia como me mantive em pé quando ele ergueu o dedo indicador em direção à minha testa, os demais dedos dobrados enquanto o polegar erguia-se para cima, fazendo um som agonizantemente familiar de mecanismo metálico.

Tec, tec, tec.

Um grito ameaçou se formar quando processei o barulho de tambor de revólver, mas ele morreu ainda na garganta quando o polegar do meu pai se dobrou e eu de repente estava caído no chão. O corpo inteiro doía, mas nada se comparava a agonia em minha cabeça, que era tamanha que meus pulmões ficaram sem ar, e nenhum som saiu da minha boca aberta de choque e dor.

A cabeça de meus pais apareceram em meu campo de visão num contraste com o céu, branco como tudo mais que havia ali.

Minha mãe contorceu o rosto num semblante insatisfeito, estalando a língua nos dentes.

— Eu sabia. Não serve nem pra morrer.

— Se achar melhor do que a gente, Sasuke-kun? - O tom de Sakura mandou fortes arrepios gélidos por toda minha espinha.

De súbito, não havia mais nenhum branco. Sakura estava desleixadamente em cima de mim, suas mãos apertando forte cada ombro meu. Minha voz se encontrou um pouco, e um grunhido passou por entre meus dentes com a dor de seu toque. De alguma forma, a expressão em seu rosto era ainda pior do que o seu tom de voz.

— Sasuke.

— Por que logo você fica vivo enquanto todos nós temos que morrer, hm? - Seus olhos cada vez mais demonstravam mais raiva, mais rancor. - Você sabe como é péssimo morrer afogada?

Notei seu corpo se distanciar enquanto ela erguia um pouco seu tronco, apenas para retornar subitamente, jogando seu peso contra mim. Com o impacto, não havia mais chão firme abaixo de nós, estávamos afundando. Não houve tempo para preparo algum, e meus olhos permaneceram abertos o bastante para serem tomados pelo mais puro carmim, minha boca e nariz foram saturados de metal.

Eu estava imergindo em puro e fresco sangue.

— Sasuke!

Sakura ainda tinha um agarre firme em meus braços, levando-me cada vez mais para baixo, deixando-me cada vez mais cercado e pressionado por todo aquele fluido, mas, para o meu horror, ainda conseguia vê-la claramente: no lugar de seus olhos, havia apenas buracos negros, que não eram nem cobertos pelas pálpebras. Dessas, sobravam apenas uma fração mordiscada.

— Você vai apodrecer aqui como eu apodreci. - Sua pele paulatinamente ganhou volume e se tornou putrefata, a cor cada vez mais verde a acinzentada, ao ponto de Sakura não parecer mais ela mesma.

E, logo então, ainda que não pudesse ver a mim mesmo, sabia que meu corpo acompanhava-a naquele processo, decompondo-se e desfazendo-se em meio a todo aquele sangue que me afogava. Os dedos de Sakura afundavam na pele e músculos, agora inconscientes e moles demais para resistir à força imposta.

— Sasuke. Sasuke!

Uma voz que não era de Sakura invadiu minha mente gradualmente, o registro do cheiro forte de sangue ainda ocupando boa parte da minha atenção para que eu começasse a me importar com isso. Senti meus olhos se abrindo para apenas encontrarem a escuridão, tão desnorteante e assustadora. Aquele era o fundo? Eu estava morto?

Uma dor maçante nas mãos me chamou a atenção. Tentei puxar os braços para mais perto de mim e fui impedido pelos meus próprios dedos, que estavam enrolados e agarrados com força bruta a tecidos grossos, macios e familiares. Minha coberta?

Uma mão que não notei estar sobre o meu ombro esse tempo todo deslizou de leve para cima e para baixo, num completo contraste ao toque imperdoável de Sakura. O que era óbvio, porque…

Aquilo tudo foi um sonho, sim. Era tudo apenas fruto da meu subconsciente perturbado. E eu ainda me deixei achar que teria uma noite tranquila.

Tolo e ingênuo devaneio.

Era claro que, depois de toda a conturbação com as notícias sobre Sakura e a memória da morte meu pai, uma noite pacífica era a última coisa com a qual eu seria agraciado.

— Acordou? - Ouvi Itachi perguntar em meio à negritude do quarto, sua silhueta quase não sendo distinguida ali.

Sua mão continuava em contato, nunca parando com o gesto reconfortante, e me permitir relaxar contra ele. Aquilo, sim, era sólido, era real, e era isso que precisava manter na cabeça.

Não seguro de minha voz, apenas acenei com a cabeça à pergunta feita, torcendo para que Itachi entendesse, fosse enxergando um pouco ou ouvindo o roçar da minha cabeça contra o travesseiro.

— Quer falar sobre isso? - Como se fosse possível, sua voz soou ainda mais delicada, mas não ajudou nem um pouco na tensão que a questão me causou. Não que eu tivesse completa certeza do que seria “isso”, nem que o próprio Itachi saberia ou não.

Talvez um pouco rápido demais, balancei a cabeça negativamente. Eu só queria alguma de paz.

Itachi ficou quieto por alguns instantes, um tanto além do que seria normal para ele, até que ele tirou a mão de mim, finalmente me respondendo.

— Tudo bem.

 

Estresse”, foi o que o neurologista usou para explicar sobre o meu “episódio” vexaminoso na frente de Itachi - e Sakura. Nada de “deslocamento do projétil alojado” ou “infecção cerebral”, apenas um “colapso após sucessiva exposição ao estresse”. Não havia motivo mais idiota e humilhante do que aquele, certeza.

Depois de tantos exames e perguntas, a conclusão era algo tão ridículo. Não pude evitar de sentir o rosto queimando em todo o caminho de volta para casa. Itachi, no entanto, parecia aliviado. Os outros possíveis prognósticos não eram animadores e nem fáceis de tratar. E, bem, estresse poderia ser resolvido com descanso e melhores cuidados com a saúde, e Itachi achou que esses dias preso em casa por causa da tempestade eram a ocasião perfeita.

Parecia que uma barreira invisível havia se desfeito entre nós dois depois daquele dia. De alguma forma, era mais fácil trocar palavras com Itachi, e ele não parecia estar pisando em ovos quando compartilhávamos do mesmo espaço.

Não que estivéssemos tendo a relação perfeita entre irmãos, mas, quando eu terminava as atividades enviadas pelo colégio, não permanecia trancado em meu quarto até o horário da próxima refeição, e sim me juntava a Itachi no sofá, assistindo com ele qualquer filme que ele estivesse vendo.

— Desde quando você assiste essas coisas água-com-açúcar? - Questionei quando ele colocou no segundo filme consecutivo que era o extremo oposto dos costumeiros filmes de ação dele.

Ele apenas deu de ombros, ainda agachado trocando o DVD, suas costas viradas para mim.

— Sempre assisti de vez em quando.

Não era verdade.

 

Por outro lado, o convívio entre Sakura e eu ganhou uma tendência à tensão. Não sabia se o motivo era ela querer me dar mais espaço para ficar com o meu irmão, ou ela estar sem jeito por ter testemunhado um momento tão delicado entre nós dois, ou se a vergonha por isso era minha, ou se a descoberta sobre sua morte ainda estava me afetando… Ou se era tudo isso junto.

De qualquer modo, um grande incentivo para eu ficar mais com Itachi foi eu querer evitar a possibilidade de uma interação com Sakura.

Não era por maldade, aquela situação toda não me agradava nem um pouco, ainda mais depois de tudo que já passamos juntos. Eu apenas precisava dar um tempo e deixar que as coisas se arranjassem na minha cabeça. Não era momento de forçar contato.

E assim foi durante todos os quatro dias em que a neve pesada impediu que a normalidade retornasse a Tokyo.

Mas, inevitavelmente, a neve parou de cair, as ruas foram limpas de vez, juntamente com os trilhos, e as pessoas puderam voltar aos seus afazeres, Itachi e eu inclusos.

— Sem estresse, ok? - Itachi reiterou logo antes de eu deixar o apartamento.

Eu ia revirar os olhos para tentar fazer ele entender o quão desnecessária era toda aquela preocupação dele, até que me lembrei que hoje seria finalmente o dia em que eu denunciaria o Toya para o diretor. Seria um dia e tanto.

Tentei manter o rosto neutro ao respondê-lo.

— Sem problema.

Ao fechar a porta, notei que aquele também seria o dia em que Sakura e eu ficaríamos a sós por um tempo considerável. De repente, o nervosismo para o dia dobrou.

 

— Vamos ver como o Sho está antes da aula? - Sakura começou de uma forma tão casual e descontraída que só pude sentir vergonha de mim mesmo ao reagir à voz dela quase pulando de susto.

Eu tinha que agir normalmente, Sakura não sabia de nada sobre as matérias que eu havia lido. Sim, ela havia presenciado uma cena delicada e íntima entre meu irmão e eu, mas isso não justificaria tanto tempo de embaraço com Sakura, principalmente agora que a rotina já estava voltando ao normal e eu, inevitavelmente, estaria mais tempo sozinho com ela.

— Sho? - Tentei acompanhar, mas aquela pergunta soou mais aleatória do que eu esperaria.

— Sim, o cachorro que você adotou mas se recusa a dar um nome. Eu tomei a iniciativa e pensei em um.

Ah, sim. O filhote de cachorro. Ficamos mais tempo sem visitá-lo do que eu esperava, mas estava contente por ter feito todo aquele esquema de alimentação a longo prazo. A casinha térmica também havia sido uma boa escolha, definitivamente.

Mas… Sho? Eu não me recordava de Sakura debater sobre nomes, pelo menos não sobre esse.

— Quando isso? - Ergui uma sobrancelha para ela em suspeita.

— Agora mesmo. - Sakura simplesmente respondeu.

Típico.

— Quer dizer que você se autonomeou madrinha dele sem minha autorização?

— Oh, quer dizer que você se considera o pai dele? - Ela se inclinou para a frente para me encarar melhor, fazendo seu sorriso sacana impossível de passar despercebido.

— … Não.

— Mas você gostou?

— Do quê?

As íris verdes quase sumiram tamanha a intensidade que Sakura revirou os olhos.

— Do nome.

— Ah. - Testei o nome algumas vezes mentalmente antes de responder. - Talvez curto demais. Faz parecer muito bobo.

— Shiro, então.

— Você só acrescentou duas letras no meio ou é por causa da cor dele? (N/A: em japonês, “shiro” quer dizer, literalmente, “branco”.)

Sakura me direcionou um pequeno sorriso maroto.

— Talvez ambas as opções.

Uma risada mínima escapou pelo meu nariz, uma versão diminuída da risada que Itachi costumava dar.

— Então ficou duplamente bobo.

Sakura pendeu a cabeça mais uma vez, sua expressão agora era estranhamente próxima à do Daruma que havia comprado dias antes e que havíamos tentado imitar a carranca.

—  Você é difícil de agradar, sabia?

Aquela cara, o tom, a situação por si só foram demais para me aguentar e só notei que estava rindo quando já estava no meio da ação. Foi então que notei que, de alguma forma, já estávamos de volta à nossa normalidade, seja lá quais parâmetros fossem esses para nossa relação.

 

O galpão de depósito continuava o mesmo por fora, salvo a neve acumulada nos telhados, mas o mesmo não podia ser dito a respeito do seu interior. Apesar dos prédios da escola em volta, o vento ainda bateu com força contra a frente da estrutura e arrombou a frágil tranca da porta. Como consequência, a bagunça organizada de caixas e itens entulhados virou um absoluto caos. Era difícil achar uma passagem que levasse até o fundo do galpão, mas se houve um ponto positivo na queda de tantas caixas, foi que algumas pequenas janelas ao topo haviam sido reveladas, e luz extra entrava suavemente por elas, o que se provou muito útil quando as lâmpadas não podiam ser ligadas, afinal, não era como se eu quisesse que alguém soubesse que alguém estava naquele lugar praticamente abandonado.

— Acho que vamos ter que tirar um tempo depois para arrumar um pouco essas caixas, né? - Sakura comentou ao observar o meu claro descontentamento em ter que me esgueirar em meio a toda aquela bagunça empoeirada.

Ri de leve pelo nariz. Engraçado como ela usava o plural quando seria apenas eu quem faria todo o trabalho.

— Bem que você podia voltar a mover as coisas como antes. Seria uma bela de uma ajuda. - Resmunguei enquanto tentava passar por cima de uma caixa talvez grande demais. Sakura caminhava do meu lado, num esforço completamente oposto ao meu, que se resumia a simplesmente atravessar o objeto.

Ela balançou a cabeça um pouco para o lado, pensativa, seus dedos se entrelaçando um pouco mais após ela passar pela pesada caixa de madeira que eu apenas havia acabado de escalar.

— Hm… - Apesar de um pouco à minha frente, podia ver que ela formava um pequeno bico com os lábios enquanto olhava para baixo. - Me projetar nesse mundo é bastante difícil, mas eu acho que, se eu treinar, posso ficar melhor nisso. - Ela virou o rosto para mim, um sorriso animado pairava sobre ele. - Boa ideia!

— É difícil? Quando nos conhecemos no hospital, você fez tanta coisa assustadora que fez parecer ser fácil.

Pensar naquele dia (re)conhecendo Sakura agora era estranhamente bizarro. Aquela garota alegre, tão nova e de aparência inocente nos proporcionou um momento digno de filme de terror, e não foi nada legal estar do lado da vítima perseguida. 

Sakura apenas balançou a cabeça negativamente, voltando-a para a frente novamente, mas vi seu sorriso desaparecer antes disso.

— Naquela época, eu estava sozinha há muito tempo… Estava assustada e com raiva. - Senti sua voz pesando significativamente, isso não parecia nada bom. - Quando te reconheci, tudo explodiu.

Ow. Aquilo foi, definitivamente, por uma vertente que eu não esperava. Sakura parou de andar e parecia não estar mais lá. Seus ombros estavam erguidos em direção às orelhas, culpa claramente pesava sobre ela.

Ao invés de descer da caixa, sentei em sua borda, deixando as pernas balançarem para fora.

— Mas você também me ajudou, lá no hospital e no metrô.

A cabeça de Sakura estalou para cima e os ombros perderam a tensão de imediato. Sucesso.

— Você tem razão. - E ela finalmente voltou a me encarar, algo como gratidão brilhava em seus olhos, que ficaram me encarando por um tempo quase que longo. - Talvez sentimentos fortes me ajudem a canalizar minhas vontades para esse mundo.

— Tá aí algo com o que podemos começar, esse depósito vai ficar brilhando. - Nossas risadas soaram juntas pelo lugar. Era incrível e esquisito como o clima entre nós estava oscilando tão abruptamente. - E aparecer para os outros? É a mesma lógica? 

— Nah. - Novamente, ela balançou a cabeça. - É bem mais fácil, na verdade. Projetar uma imagem é muito mais simples do que impor uma presença efetivamente.

— Hm. - Concordei com ela. - Faz sentido.

— É por isso que… - O que quer Sakura ia dizer, nunca foi concluído, pois um latido fino ecoou pelo depósito. Ela se adiantou para frente, aos poucos obstáculos que nos restavam, e pareceu encontrar o que procurava, pois disparou para os fundos, fazendo com que eu perdesse até sua cabeleira rósea de vista quando ela se pôs de joelhos no chão. - Olha como ele cresceu!

Não demorou mais que alguns segundos para que eu conseguisse alcançar Sakura e a pequena bola de pêlos branca, que pulava e balançava o rabo na mais genuína expressão de felicidade que se pode encontrar. Tirando toda a alegria, era o mesmo cachorrinho que havia deixado ali poucos dias atrás.

— Pra mim, continua o mesmo tamanho.

Sakura torceu a cabeça um pouco para o lado enquanto recuava com o tronco para observar melhor o filhote que ainda a recepcionava de maneira incansável.

— Tem certeza? Você tem que olhar com mais atenção.

Não havia crescido um centímetro sequer.

— Mas eu já olhei ele bastante, até carreguei ele dentro da minha roupa, lembra? Parece o mesmo tamanho.

— Ele vai ser um cachorro imenso, aposto. - Sakura deu de ombros, voltando a dar a maior parte de sua atenção ao animal.

— Reconhece a raça dele?

— Mínima ideia. - Ela simplesmente respondeu.

— Então como…?

Seus ombros se ergueram descompromissadamente mais uma vez.

— É só um pressentimento.

Suspirei, desistindo de insistir naquilo para verificar como estava o nível de água e comida do cachorro. O nível de aleatoriedade ao qual ela podia chegar sempre me surpreendia. Quando concluí que o esquema montado havia funcionado perfeitamente e só precisava acrescentar água, utilizei de minha própria garrafa para o reabastecimento.

Um ponto gelado em minha canela me interrompeu ao final da ação, e me virei a tempo de pegar o filhote com o focinho ainda enfiado na barra da minha calça. Ainda tentava compreender o que ele estava fazendo quando Sakura riu ao meu lado.

— Ele gosta de você.

Demorou para aquilo processar, e apenas permaneci olhando a criaturinha que tão avidamente me cheirava.

Era… fofo?

Com pouca certeza do que fazia, estiquei a mão até ele e, quando meu toque não foi recusado, passei a ponta dos dedos atrás da longa orelha caída. O filhote prontamente se inclinou para o contato, o que me encorajou a coçar mais naquele ponto. Senti, em algum momento, que um leve sorriso repuxava minha bochecha, só não sabia desde quando.

Sakura estava certa, tínhamos que ver logo um nome para ele.

 

— Sasuke! - Não era nem necessário me virar para saber que aquela voz excessivamente alta e estridente àquela hora da manhã (ou em qualquer outro momento do dia) pertencia a Naruto. - Qual é, você não tava no ponto de encontro hoje por quê? E você tem o celular só de enfeite? Tava tentando te ligar agora há pouco. Na verdade, tava tentando falar com você nesses últimos dias e nada.

Seria mentira se eu dissesse que não me sentia culpado?

O celular havia descarregado na primeira noite da nevasca e não me dei ao trabalho de recarregá-lo. Naqueles dias de confinamento, a simples visão do aparelho me deixava inquieto com a memória das matérias que havia lido nele. Não desejava mexer naquilo tão cedo, não havia um por quê.

Talvez eu devesse ter pensado nos outros querendo me contatar, mas, para ser franco, eu só estava com o celular carregado dentro da minha pasta porque estava indo para a escola e, claro, Itachi.

— Foi mal, fiquei ocupado. - Ser vago é uma alternativa muito boa quando se quer logo se livrar da situação sem entrar em detalhes inconvenientes.

Mas, claro, aquele era Naruto, e sutileza não era seu forte, nem que só fosse para detectá-la e entendê-la.

— Ocupado num recesso? - Seu rosto se contorceu no desentendimento que só alguém que gasta todo seu tempo livre dormindo ou sendo ainda mais improdutivo poderia ter.

— É, meu irmão e eu ficamos - Chorando juntos, indo ao médico para saber se eu estava morrendo, tentando voltar a ter alguma relação.— fazendo muitas coisas de irmão. - Sério mesmo?

Ao meu lado, Sakura balançou seu peso inexistente sobre os próprios pés.

— Hm. Imagino que sim, ttebayo? Mas sério, a gente tava querendo falar com você sobre o lance de denunciar o Toya pra valer. - Ele abaixou o tom de voz significativamente, finalmente mantendo a conversa só entre nós. - Todo mundo ficou nervoso com a ideia.

Espera, como assim “todo mundo”?

— Todo mundo está sabendo já? - Acompanhei-o no tom, olhando em volta e vendo que os outros já se aproximavam de nós.

— Claro, isso envolve todos nós. Somos um por todos e todos por um aqui. - Naruto falou como se fosse um herói de TV, estufando o peito em orgulho.

— É problemático. - Shikamaru massageava devagar seu pescoço quando adentrou com os outros à nossa não mais singela roda. - Mas o Toya é mil vezes mais pé no saco.

— Pois é, estivemos conversando bastante nesses dias… - Kiba começou a explicar.

— Mesmo sem um certo alguém. - Suigetsu interrompeu, olhando-me de forma acusativa.

— … Todos sabem disso, não me interrompe...

Kiba começou a reclamar, mas Naruto também o cortou:

— Decidimos que concordamos em fazer a denúncia contra o To… - Mas a mão de Shikamaru voou contra sua boca, sobressaltando a todos.

Não demorou muito para que entendêssemos o motivo daquilo quando Toya passou andando, bem ao nosso lado, suas sombras o acompanhando.

Cada músculo meu travou ao notar que Toya encarava Naruto diretamente enquanto passava, seu rosto carregando uma carranca que era difícil de dizer se era o prenúncio de um ataque ou apenas desprezo.

Minhas mãos se fecharam em punho inconscientemente, estava pronto para intervir caso ele decidisse fazer qualquer coisa, nem que fosse dar um único passo na direção de Naruto - pois era esse o mais perto que ele conseguiria antes de ter um encontro com o chão.

Mas ele nada fez, apenas continuou andando para dentro do prédio. E, quando ele não estava mais sob nossa vista, todos visivelmente relaxaram em alívio.

— Ele me ouviu, não ouviu? - A voz de Naruto era assustadoramente pequena, seus olhos ainda estavam arregalados em direção ao último ponto onde Toya ainda era visível.

Do fundo da minha alma, eu esperava que não.

— Eu não acho que ele estava perto o bastante para ouvir qualquer coisa. - Shikamaru o respondeu com uma mão amiga em seu ombro.

Um clima tenso de incerteza se instaurou entre nós, e qualquer fala passou a ser feita aos sussurros.

Neji se juntou a nós uns dois minutos depois. Totalmente alheio ao recente acontecimento, ele chegou falando normalmente, o que nos sobressaltou novamente, apesar de todos disfarçarem da melhor forma que conseguiam.

— A sorte não está do nosso lado. - Ele soltou um pequeno suspiro cansado. - O diretor vai chegar tarde de novo.

— Quê? Ainda o problema com o carro? - Não pude deixar de estranhar.

— Ele não sabe pegar metrô, não? - Kiba questionou.

Mas Neji apenas balançou a cabeça negativamente.

— Tem algo a mais. Dessa vez, ele não perdeu o horário por causa do carro. Me disseram que ele foi na delegacia registrar um boletim de ocorrência porque atacaram o carro dele de novo.

— Eita. - Ouvi a interjeição de Sakura.

— Hmm, essa história tá ficando boa! - Suigetsu esfregou as mãos em empolgação.

— Será que é algum aluno? - Shikamaru indagou mais para si mesmo do que para o resto de nós.

— Não sei, mas espero que sim! - Suigetsu sorria de orelha em orelha, já um pouco mais animado do que deveria. - Já pensou num aluno processado pelo próprio diretor? Seria o que faltava para agitar essa escola de vez.

Segurei-me a tempo de não falar das suspeitas sobre Toya. Não era como se eu pudesse dizer que segui Toya no dia em que concordamos em cada um voltar para casa sozinho, porém em segurança.

O entusiasmo sadista de Suigetsu contagiou o grupo e, em pouco tempo, todos se juntavam em teorizar sobre a nova fofoca. Bem, todos menos Naruto, que permaneceu atipicamente quieto em seu próprio canto o resto de tempo que tínhamos até o início da aula.

Eu não era um grande expert em loiros hiperativos, mas eu sabia que, quando Naruto ficava quieto, bom sinal aquilo não era.

 

— Alguém viu o Naruto?

— Ele não tava com vocês?

Ah, pronto. Um sinal de alerta tocou dentro de mim e, de repente, fui de fingir que estava prestando atenção no que quer que Suigetsu estava falando para o maior interesse possível pela conversa dos outros ali.

— No início do intervalo, sim, mas ele disse que ia comprar pão de melão com vocês.

Pela cara de confusão de Kiba, aquilo não chegou nem perto de acontecer.

— Já olharam nos banheiros? - Interferi, entrando no espaço da conversa. - Vai que ele tomou leite estragado de novo.

— Claro que já. - Shikamaru revirou os olhos porque, sim, aquela não seria a primeira nem a segunda vez que uma coisa do gênero aconteceria com o idiota do Naruto.

— Vou ligar pra ele. - Kiba se pronunciou, já puxando seu aparelho do bolso.

Nem dois segundos de silêncio se completavam, quando o toque estúpido e característico de Naruto soou pela sala, abafado pela sua própria pasta. O imbecil havia largado o próprio celular para trás.

Desconforto se vincou no fundo do meu estômago. Já estava para pedir ajuda à Sakura quando a vi voando através do vidro da janela, rápida no pensamento e na ação, e eu não ficaria atrás, não logo quando se tratava de encontrar o meu amigo. Corri da sala antes que o professor pudesse chegar e os outros me seguiram quase pisando nos calcanhares.

Eram tantos corredores, tantas salas, tantos pontos cegos e ninguém nem sabia mais por onde recomeçar a procurar e o Naruto não estava em nenhum lugar e ele sequer estava com a porcaria do celular-

— Sasuke-kun! - Sakura veio sobrevoando o pátio onde eu estava junto com os outros, sua voz fina se destacando dentre todos ali. - Achei ele! - Aquelas duas simples palavras foram tudo. De repente, o peso extra que estava dentro de mim era muito mais leve, a ponto de minha cabeça parecer que ia sair flutuando. Só esperava que ele não estivesse caído ao lado de outra caçamba de lixo ou pior. - Lá em cima.

Seu dedo apontou para o topo do edifício que ficava ao fundo do terreno do colégio. Olhando com cuidado, era possível identificar o pingo amarelo acima das muretas de proteção acinzentadas. Era por isso que não o havíamos achado ainda, o garoto estava no prédio mais distante do nosso usual ponto de passar o intervalo.

— Vamos tentar outro prédio. - Disse, ainda olhando para cima.

Não demorou muito para que os outros seguissem o meu olhar até Naruto e fossem em disparada para encontrá-lo. Só esperava que sobrasse um pouco de couro para esfolar quando eu os alcançasse no terraço.

Dito e feito, quando terminei de subir os aparentemente infinitos lances de escadas, o vento leve, porém gelado, me recepcionou quase antes das reprovações acaloradas que já estavam sendo lançadas ao Uzumaki sem mínima dó.

Naruto estava levemente encolhido contra a mureta e, pela primeira vez na História, sem conseguir falar. Não era por falta de tentativa, suas mãos estavam erguidas, pedindo calma, sua boca não se fechava, esperando um momento de menor escândalo alheio para começar a trabalhar numa explicação. Acho que sentiria pena da situação dele, não fosse a situação que ele nos havia feito passar antes.

Chegando mais próximo, notei que a atenção de Sakura estava dividida entre todo aquele rebuliço e algo atrás de Naruto, não, abaixo? Ao alcançar a mureta, olhei para além dela, encontrando apenas uma vista dos campos esportivos. Olhei confuso para Sakura, mas ela deu de ombros.

— Ele estava olhando para algo ali embaixo esse tempo todo. - Ela apenas respondeu.

Voltei minha atenção para o escarcéu ainda sendo feito contra um Naruto que continuava tentando se esclarecer, sem muito sucesso ou indícios de que conseguiria logo. Isso, claro, se não tivesse uma ajuda.

— O que você veio fazer aqui em cima?

Por algum milagre, minha pergunta tomou a atenção de todos, um pouco de racionalidade em meio a tanta descarga de frustração e nervosismo.

Naruto visivelmente suspirou aliviado, vendo-se livre de ser a ponta receptora tanta exaltação.

— Era exatamente isso que eu tava tentando explicar há uma hora e ninguém deixa, dattebayo! - … Só para ele próprio se tornar a exaltação. - O Toya tá logo ali embaixo - Naruto balançava os braços em gestos muito mais exagerados do que o normal - e eu acho que ele tá fazendo alguma merda porque ele e o pessoal dele tavam estranhos hoje e eu tive que ir atrás deles pra ver o que era senão ia perder eles de vista e não dava tempo de achar vocês então tive que vir sozinho senão-

— Ok, Naruto, respira. - Levantei as palmas para ele, pedindo para que se acalmasse. - Daqui a pouco você vai ficar roxo. - E voltei os olhos rapidamente para além da mureta, verificando se algo havia mudado por lá. - Você disse que o Toya tá por aqui? Porque não vejo ninguém.

— Ah, mentira! - Naruto praticamente gritou enquanto corria para o meu lado e se escorava contra o concreto e olhava para baixo. Nem tive como segurar a careta quando meus tímpanos foram atingidos. - Só pode tá sacanagem, ttebayo! - Ele esganiçou na mais pura frustração. - Pra onde aqueles putos foram?!

E, sem mais delongas, o loiro foi em disparada para a outra aresta do terraço, repetindo o ato de praticamente se jogar contra a mureta - nada seguro, nada seguro!— para logo enxergar o que havia além dela. Num xingamento engasgado, ele foi para outra aresta, agora paralela à que estávamos ainda parados, apenas observando confusos o pequeno show de maluco que estava sendo apresentado ali.

— O que esse lunático tá fazendo? - Naruto expressou muito mais contido, o que foi bom, já que ele, aparentemente, havia encontrado o seu alvo.

Completamente cobertos de curiosidade - mas também apreensão porque, afinal, era do Toya que estávamos falando -, nos apressamos para onde Naruto se encontrava. 

Estava meio longe por causa da altura, mas era possível identificar Toya e seus comparsas ocupando-se com alguns objetos que não conseguia distinguir o que eram, só podia dizer que eram pequenos o bastante para caberem na mão.

— Por que eles estão aqui atrás durante o horário de aula? - Suigetsu questionou.

Naruto balançou a cabeça em negação.

— Acho que é a aula livre deles agora.

— O que significa que só a gente vai tomar esporro por estar matando aula. Muito justo. - Kiba cuspiu.

Lá embaixo, o grupo se moveu, e a atenção de todos foi tomada por um foco de luz que dançava no meio dele. Eles haviam acendido fogo? Então, sem que qualquer um conseguisse antecipar, a figura minúscula de Toya estava se movendo rápido, carregando a língua de fogo e um dos objetos consigo, que viajaram ainda mais rápido quando foram lançados contra o galpão que estava à sua frente. Uma imensa bola de fogo eclodiu ao mesmo tempo em que o som de vidro estourando ecoou pelo ar, fazendo com que todos nos encolhêssemos em reflexo.

— Mas o quê?! - Alguém gritou-sussurrou num tom agudo.

Mais duas chamas se acenderam, e logo voaram também, encontrando o mesmo destino no edifício, estourando em esferas de fogo ainda maiores, que agregaram à brasa que já ardia ali. Uma verdadeira labareda já ameaçava se formar na entrada da construção quando nos recuperamos do choque. Não tinha como aquilo acabar bem e, pela quantidade restante dos objetos que ainda não haviam sido transformados em foco incendiário ambulante, o planejamento era para que as coisas ficassem muito piores.

Ergui o meu olhar para Sakura, seus olhos encontrando os meus imediatamente e entendendo o que se passava ali. Naruto já se virava para correr para fora dali, os outros o seguindo de perto enquanto eu via Sakura meramente dar um passo para a frente e pular para as dezenas de metros de nada que ali havia.

Já estava quase a meio caminho da escadaria quando um grito de susto reverberou pelo ambiente, sendo seguido pelo barulho de vidro quebrando. Sakura havia performado uma boa entrada, afinal. A voz furiosa de Toya foi ouvida logo depois, mas não pude registrar mais o que se passava lá à medida em que embrenhava-me mais nos lances de escada, descendo um, dois degraus a cada passo.

Mas não fomos rápidos o suficiente. Ao chegarmos ao nosso destino, não havia uma única viva alma lá para encontrarmos, apenas o choque térmico provocado pela nova “obra de arte” de Toya e seu cérebro formado por dois neurônios.

— Alguém liga pros bombeiros. - Shikamaru disse, os olhos grudados do fogo dançante que só aumentava e aumentava.

— Já tô na linha. - Kiba logo respondeu.

— Sasuke-kun! - Sakura surgiu correndo de dentro do fogo. Suas orbes pareciam que estavam para pular do rosto de tão abertas que estavam (droga, que pensamento horrível para se ter agora). - Sasuke-kun! O Sho… O cachorrinho tá lá dentro!

Apesar do ar cálido imperdoável sobre a pele e a neve até estar derretendo sob meus pés, meu corpo se sentiu subitamente gelado. Incrédulo, chequei meus arredores para verificar onde realmente estava e, sim, a localização era aquela, era logo ali o lugar que achei isolado e seguro o bastante para deixar aquele filhote de cachorro e agora ele estava preso naquele galpão que estava sendo consumido pelo fogo.

— Ô, tá indo aonde? É perigoso chegar muito perto. - De repente, Suigetsu estava segurando o meu braço, meu corpo uns passos à frente do que eu lembrava que estava.

Sangue bombeava em meus ouvidos, adrenalina corria forte pelos membros e senti-os tremer, e não era pelo frio do inverno. Ao longe, o fogo dourado e laranja crepitava por praticamente toda a fachada do galpão e já caminhava para suas laterais. Não tinha como entrar.

Estava tudo em chamas.

 

Continua…


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Notas finais do capítulo

Ah! Entre este capítulo e o anterior, eu postei uma oneshot chamada “Late Night Talk Under the Stars”, que é focada no bromance sasusaku no canon. Se quiserem, dêem uma olhadinha ♥ foi uma forma que achei pra tentar me animar em escrever. Tava pensando em fazer uma série nesse estilo pra manter a escrita em dia em momentos em que estivesse empacada com essa fanfic aqui.



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