Sobre Príncipes e Princesas escrita por Hanna Martins


Capítulo 34
Sem vencedores


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demora. Tive alguns problemas e acabei me enrolando para escrever...



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Reviro o espaguete no prato. O longo fio de macarrão por um instante lembra algo nada saboroso, algo como cobras se mexendo... Afasto o prato com asco.  

— Você não vai comer? — pergunta Leon. 

— Comi mais cedo — respondo sem o olhar.  

— Emma... — Suas sobrancelhas se contraem, observo pelo canto dos olhos.  

— Estou sem apetite, acho que exagerei no sorvete antes do almoço. — Tento esboçar um sorriso, que sai insípido.  

— Você não tem comido direito — afirma, preocupado.  

— Bobagem — tento desconversar. —  Quero saber como foi sua viagem! Anda, me conta! — coloco um tom animado em minha voz, ou pelo menos, tento.  

— Reuniões, visitas a lugares importantes, mais reuniões chatas, bem, como todas as viagens. Mas, quero saber de você, como você está? — Ele não irá me deixar escapar pela tangente. 

Leon acabou de chegar de uma viagem ao interior do país. Foi uma visita breve, apenas três dias, era para serem cinco, mas ele deu um jeito de encurtá-la.  

— Estou bem, apenas preocupada com o começo das aulas! Dá para acreditar que as férias de verão já terminaram! Três meses passaram muito rápido, não é? — falo quase sem parar, até pareço uma máquina. — Lá vem outro semestre na faculdade. Esse vai ser ainda mais difícil que os anteriores! 

Ele me escuta atentamente, com as sobrancelhas levemente arqueadas. Não será dessa vez que irei enganá-lo.   

— Emma, vamos dar um passeio — diz, estendendo a mão, que apanho quase automaticamente.  

Leon passa o braço por meu ombro.  

— Você está mais magra... bem mais magra — observa, preocupado. 

— Estou? — tento soar surpresa, mas não me saio muito bem. Não há como eu não ter notado que minhas roupas estão mais largas. — É... deve ser por causa do verão. O verão sempre me deixa com menos apetite...   

Ele me aperta contra si, passo o braço por sua cintura. Andamos pelo jardim completamente calados por um tempo. Gosto de sentir o calor de seu corpo, seu cheiro, a leve pressão de seus dedos em minha cintura.  

— Emma — ele interrompe subitamente o silêncio. 

— Sim? 

— A rainha continua insistindo com o plano do bebê real, não é? — Há inquietação encobrida por seu tom divertido.  

— Oh, sim! — respondo. — Uma criança destinada a salvar a nação — digo também no mesmo tom.  

— Eu falei com ela... 

— Outra vez? — Leon tem tentado persuadir a rainha e os demais a desistir desse plano, porém, sem grandes resultados. — Eles não vão nos escutar...  

— Eu sei... mas, não podemos não fazer nada. — Ele para e recolhe uma pequena flor. — Pensei que resolvendo o problema com Mia Coulter, eles poderiam esquecer desse plano... 

Pelo menos por enquanto conseguiram dar um jeito em Mia Coulter, tirando-a do país. Não faço a mínima ideia de como eles conseguiram fazer isso. A rainha tem lá seus truques. Tantos truques.   

— Mas há ainda a princesa Sylvia — pondero.  

— Princesa Sylvia... querendo ou não é da família... — fala laconicamente. — Mas, tenho certeza que a rainha dará um jeito... — diz com certa resignação. — A rainha sempre dá um jeito para tudo.  

— É — concordo. — Sempre.  

 Voltamos ao silêncio.  

Caminhamos mais um pouco.  

— Às férias da faculdade estão quase terminando e você ainda não viu seus pais — diz ele.  

—  Tudo bem... falei com eles ontem por telefone. Eles estão muito bem.   

— Talvez, eu possa fazer com que eles façam uma visita a você. 

Uma visita dos meus pais? O pensamento por um breve segundo me anima. Mas... 

— Não, isso provavelmente colocaria você em problemas. Já temos problemas suficiente para resolver! — tento utilizar um tom brincalhão e despreocupado.   

A verdade é que não quero ver meus pais agora. Mentir por telefone já é o suficiente. Se os visse pessoalmente, eles perceberiam tudo. 

— Emma... — Leon para de andar e me encara. Seus olhos verdes tentam capturar algo em mim. — Está tudo bem, mesmo? 

Assinto.  

— Você sabe que estamos juntos nessa, somos parceiros. Por favor, não... se afaste de mim... Você... eu sinto que você tem algo para me falar... Estou errado? — Ele ajeita uma mecha de cabelo minha. — O que há com você, Emma?  

Os olhos verdes estão nos meus. Seus límpidos e preocupados olhos. Eles me dizem para confiar neles. Me suplicam para não colocar um muro entre nós. De certa forma, é isso que estou fazendo, colocando um muro entre nós, mesmo prometendo que não iria fazer isso outra vez.  

— Leon, eu... — começo a falar hesitantemente.  

— Sua Alteza, o carro está preparado — interrompe o guarda-costas de Leon. — O primeiro ministro telefonou dizendo que já chegou no campo de golfe.  

— Obrigado, Michael, já estou indo. 

O guarda-costas faz uma leve reverencia e se vai.  

Leon volta-se para mim, procurando por meus olhos.  

— Vá para seu golfe. O primeiro ministro não gosta de esperar, mesmo que esse alguém seja o príncipe herdeiro — sorrio, divertida.  

Não, eu não posso. Não agora. Ele já tem preocupações demais nesse momento. Há tantos problemas para serem resolvidos. Preciso esperar outra hora para falar sobre isso.  

— Emma... 

Puxo a gola de sua camisa e o fazendo se inclinar. Calo-o com meus lábios.  

Sua mão direita vai até a minha nuca e a apoia, permitindo-o ter mais acesso a minha boca. Sua língua procura desesperadamente pela minha. Quando a encontra, me transformo em um pequeno cubo de açúcar que se derrete até não restar mais nada.  

— Vá — digo, com muito esforço me separando de seus lábios. — O primeiro ministro não vai esperar para sempre — falo travessamente. 

— Maldito primeiro ministro! Até mesmo em uma tarde de domingo, ele me persegue! 

Rio e dou-lhe um rápido beijo nos lábios. 

— Vá! — Coloco a mão em seu peito, o empurrando.  

Leon faz carinha de cachorrinho. Rio, não me deixando persuadir. Ele se vai. 

Esse é único dia da semana que tenho a tarde toda para mim. Como não quero ficar em casa, se ficar serei atormentada por certos pensamentos, resolvo ir até o clube de hipismo. 

Dou um jeito de despistar meu novo guarda-costas, Friedrich, que realmente não se parece nada com Sebastian. Ele sempre está com cara de quem acordou do lado errado da cama e depois chupou um saco de limão azedo. É bom ter um tempo fora do alcance de visão de minha sombra taciturna, enquanto galopo sobre o macio pelo de Morango.   

Deixo o vento tocar meu rosto e me concentro no galope de minha égua. Fecho os olhos e por um breve momento, finjo que nada mais existe. Nada. Apenas esse instante. Não há passado, nem futuro, apenas o agora.  

— Emma! — Uma voz me retira desse mundo.  

Volto-me para a voz e vejo Will galopando atrás de mim. Seguro firmemente as rédeas de Morango e a faço parar.  

— Não pensei encontrar você aqui — fala, parando o cavalo ao meu lado.  

Após o que aconteceu na festa de despedida de Lyane não havíamos nos encontrado mais.  

Desmonto Morango e ele também salta de seu cavalo.  

— Você não estava na Itália? Pensei que ficaria um bom tempo por lá — falo.  

— Ah, sim... Minha mãe achou prudente que eu ficasse um tempo com meu pai — diz, reticente.  

Solto um suspiro. A família real e suas manobras.  

— E como estão as coisas por aqui? — pergunta ele.  

— Elas estão... complicadas.  

Will passa a mão pelos exuberantes cabelos castanhos.  

— Emma, eu nunca pensei que as coisas chegariam a esse ponto. — Há sinceridade nele.  

— Eu só não entendo o porquê... Posso entender até compreender o motivo de ser escolhida como alvo, sou o alvo mais fácil de ser atingido — falo casualmente, dando os ombros. — Mas não entendo o porquê disso tudo... poder? 

Seus olhos pairam por um instante sobre mim.  

— Há na família real muitos segredos... mentiras, traições, manipulações... Ninguém pode dizer que conhece um membro da família real verdadeiramente... Nem mesmo outro membro da família real. — A voz é calma, baixa e um tanto resignada. — Há sempre segredos escondidos. Segredos demais.  

Will acaricia o pelo de seu cavalo com gestos lentos e distantes. 

— Eu não sei de todos os detalhes... apenas algumas coisas... Sei, por exemplo que minha mãe e a rainha Felipa eram amigas na juventude — continua. — Melhores amigas... Por mais absurdo que possa parecer, um dia aquelas duas foram tão amigas que uma não vivia sem a outra, acredita nisso?  

— Acho que a essa altura não duvido de mais nada... 

— Mas... aconteceu algo... Elas se afastaram. Existem tantas especulações por causa dessa briga. Minha mãe nunca me falou sobre ela. Ah, Emma, há tantos segredos que cercam nossa família, tantos. Você ficaria espantada com muitos deles. Mas o fato é que elas brigaram. E a briga foi tão extrema que chegou ao ponto de envolverem outras pessoas. Não quero falar das coisas que elas fizeram para atingir uma a outra, só digo que não foi nada agradável. Era uma verdadeira guerra. As coisas só iriam se acalmar com o casamento de minha mãe com Vicenzo Ferrara, meu pai. Um homem terrivelmente encantador, com uma reputação, digamos que não das melhores, multimilionário, que a levou para longe daqui, para a Itália. Muitas pessoas respiraram aliviadas com esse casamento. Finalmente, teriam um tempo de paz, pelo menos, foi o que pensaram. Lá, na Itália, eles viveram um casamento com seus altos e baixos... Às vezes um conto de fadas, outras, um verdadeiro pesadelo. Anos se passaram assim. Minha mãe alimentando cada vez mais ódio contra a família real, principalmente, se tratando da rainha Felipa. Acredite, Emma, o coração da minha mãe já foi muito magoado. E deve ser por isso que ela deseja atingir a imagem de perfeição da família real, que a rainha Felipa se esforçou tanto para conseguir criar e manter. Atacar essa imagem é uma forma de se vingar... Mia Coulter com seu ódio pela família real foi um instrumento perfeito... 

— É como eu pensei, fui apenas um peão utilizado para atacar o verdadeiro oponente — falo com mais cansaço do que raiva.  

— Sinto muito, Emma, você é uma ótima pessoa. Não deveria estar envolvida no meio dessa guerra.  

Uma dor de cabeça que tem me acompanhado persistentemente nesses últimos dias se resolve aparecer.  

— Você sabia dos planos de sua mãe? 

— Não... — Will desvia os olhos e brinca com o chicote o batendo na grama. — Mas... eu sabia que minha mãe estava planejando algo, sua súbita amizade com Mia Coulter... Não sou cego, mas naquele momento eu fechei meus olhos para tudo isso. 

— Por quê? 

— Talvez por ciúmes, raiva... inconscientemente buscando um modo de me vingar de Leon por ter me roubado a única mulher que eu realmente amei... —  Ele passa as mãos pelos cabelos e me olha. — Não sei ao certo... — Há tristeza em sua voz.  

Somente ouço o barulho de pássaros ao longe e minha dor de cabeça aumenta um pouco.  

— Obrigada, por ser honesto comigo — digo, após um instante. 

— Me desculpe, Emma, queria que você não estivesse metida em toda essa merda. 

— Eu também — falo, subindo em Morango.  

Com um aceno de cabeça me despeço dele. Faço Morango trotar e Will desaparece de meu campo de visão.   

Uma chuva fria e fina começa a cair. Deixo que a chuva me lave.  

Tanta tristeza, dor, mágoa, cerca a realeza. E eles ainda querem que mais uma criança venha ao mundo para ser utilizada e criada em meio a todo esse jogo de manipulação em que não há vencedores, somente perdedores. Nunca vou compreender esse mundo. Nunca vou pertencer a ele. Nunca vou aprender como sobreviver nele. 

Volto ao palácio com minha cabeça preste a explodir e completamente encharcada. Mal consigo subir as escadas até meu quarto, preciso me agarrar no corrimão e dar um passo de cada vez. Sou atacada por uma tontura.  

Quando chego ao meu quarto, me jogo em cima da cama e fecho meus olhos, caindo em um sono tumultuado por pesadelos. 


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? O que será de nosso casal?
Mais três capítulos para encerrarmos essa jornada...



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