Sobre Príncipes e Princesas escrita por Hanna Martins


Capítulo 1
Eu não sou Cinderela


Notas iniciais do capítulo

Essa é minha primeira história original. Obrigada por darem uma chance!



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— O príncipe é tão lindo! — exclama Eliza, uma das minhas colegas, debruçada sobre uma revista de fofocas. Vejo até os corações saindo de seus olhos.

Amy, que está ao seu lado, precisa limpar todo balde de baba que derrubou no chão com urgência. Podemos ter acidentes gravíssimos se alguém escorregar naquela poça de baba. Só estou avisando. Depois que alguém quebrar uma perna e processar a universidade por isso, não digam que eu não avisei.

Pensei que iria encontrar menos adoradores da família real na universidade. Entretanto, estava redondamente enganada. Esse é o problema de se viver em país cujo regime político é uma monarquia constitucional. A família real é tida como a grande celebridade da nação. Mais do que isso. Eles são como deuses gregos descidos do monte Olimpo. São adorados. As pessoas do meu país são um tanto bizarramente aficionadas pela família real.

Tenho que confessar que estou um pouco cansada disso. Afinal desde o colégio tenho que conviver com garotas que sonham em ver o príncipe Francis ou Leon de perto, e quem sabe viverem uma historinha como a da Cinderela. Quer dizer, roubar o coração do príncipe Leon, porque Francis, se casou o ano passado com Guinevere, deixando uma nação de garotas chorando.

— Meninas, vocês ouviram que o príncipe Leon irá se casar? — informa Wanda, outra de minhas colegas.

Eliza e Amy só faltam cair no choro. Bem, eu tenho mais preocupações (muito mais importantes. Afinal, o que exatamente vai se alterar em minha vida com o casamento do príncipe mais cobiçado do país?), e uma delas é terminar o ensaio que a professora Florence pediu. Pego a minha mochila e saio da sala.

Moro um pouco longe da universidade, por isso tenho que pegar um ônibus para chegar em casa.

Aproveito para começar a ler Fausto de Goethe que o professor Candence pediu para a aula da próxima semana. Estou no primeiro semestre da faculdade. E agora passo pela grande questão: como vou sobreviver aqui? Tenho milhões de coisas para ler (não, infelizmente, não é exagero), milhares de trabalhos para fazer e ainda preciso estudar para as provas que se aproximam. A faculdade é certamente um caminho para quem deseja viver a agradável experiência de enlouquecer.

A primeira coisa que faço ao chegar em casa e retirar meu tênis e jogar minha mochila. Estou exausta.

— A mãe disse para você fazer algumas entregas — diz meu irmão, em meio a uma garfada de espaguete.

— Ok, Andy — digo, pegando um prato. Estou morrendo de fome.

Ataco o prato de espaguete como um náufrago que ficou alguns anos em uma ilha deserta.

— Argh! — Andy me olha como se eu fosse um zumbi que estivesse devorando cérebros em sua frente.

Mostro a língua para o pirralho e continuo a comer.

— E onde está a mãe?

— Ela e o pai saíram — diz Andy, ligando a TV.

— Aonde foram?

Andy apenas dá os ombros. Típico de meu irmão cabeça de vento.

Termino de comer. Desço até a lavanderia de meus pais. Essa é vantagem de morar em cima da lavanderia.

Nossa casa é bem pequena. Quatro pessoas que se espremem em uma mini caixa de fósforo. Mas eu gosto dela. Desde que nasci moro aqui.

Pego os embrulhos que minha mãe deixou para serem entregues. Coloco tudo na velha bicicleta verde, que embora esteja bem velhinha funciona muito bem. Dessa vez, não tenho que entregar muitas coisas, e os lugares são todos perto daqui.

Avisto um carro preto, daqueles de luxo, em frente a lavanderia. Dois homens, trajando ternos pretos, saem do carro. Dão uma boa olhada em nosso pequeno estabelecimento. Só há duas possibilidades nessa situação:

a) Agora temos clientes ricos.

b) Os homens de preto estão realizando seus serviços em nosso bairro. Um ET deve ter aparecido por aqui e eles precisam apagar a memória de algumas pessoas.

Obviamente, é a opção “b”.

Eles vêm em minha direção. Os dois usam ternos pretos e óculos escuros idênticos. São altos e fortes. Acho que eu estava certa sobre os ETs.

— Emma Jones? — um deles pergunta, o louro com jeito de modelo da Calvin Klein.

— Sou. Por quê?

— Venha conosco — diz, ou melhor, ordena o moreno que tem a cara de um astro de seriado teen.

Não é porque dois caras gatos me abordam no meio da rua que vou entrar em um carro com completos desconhecidos.

— Quem são vocês?

— Desculpe, esquecemos de nos apresentar — diz o louro educadamente. — Somos empregados do palácio. Você foi chamada. 

Ele me entrega um cartão. Reconheço-o imediatamente. É um dos cartões utilizados exclusivamente pelos empregados do palácio, tem até o selo do rei. Sei disso porque meu avô serviu ao palácio por algum tempo como guarda. Isso foi há muito tempo. Na época de sua juventude. Não tenho muitas lembranças do meu avô, já que ele morreu, quando eu tinha seis anos. Minha avó sempre nos mostra o cartão de funcionário do palácio do meu avô, quando a visitamos. Eu e meu irmão estamos acostumados a ver a famosa relíquia, toda vez que minha avó inicia uma conversa com a célebre frase: “Quando seu avô era guarda do palácio...”. Aposto que isso ainda vai se tornar uma espécie de herança da família. A mais valiosa herança.

Olho para eles perplexa. O que o palácio quer comigo? Sou uma reles plebeia. Será que fiz alguma coisa de errado? Revejo mentalmente todas as ações que já fiz na vida. A não ser aquela vez que rabisquei a revista da família real edição limitada acidentalmente (que fique bem registrado), eu não fiz nada que pudesse me levar a prisão, certo? Ou estou me esquecendo de algo?

— Por que o palácio me chamou? — indago na defensiva.

— Temos apenas ordem de levá-la até lá — responde o candidato a astro de seriado, encerrando definitivamente o assunto.

Acompanho os empregados do palácio. Mentalmente vou levantando argumentos para qual seja lá o meu crime. Eu só tenho 18 anos, sou muito jovem para ser presa.

Demora um pouco até chegarmos ao palácio. Ele fica no centro da cidade. E eu moro, digamos que em uma área não muito privilegiada. Os empregados seguem silenciosos durante todo o trajeto, e eu não me atrevo a fazer qualquer pergunta. Sabe aquele direito: “você tem direito a ficar calado. Tudo o que disser poderá ser usado tribunal”? Então, o estou usando agora.

Eu já vi o palácio diversas vezes pela TV, e algumas vezes o avistei pessoalmente. Mesmo estando familiarizada com o palácio, não posso deixar de ficar espantada com toda a riqueza e beleza que o cerca. Ele é enorme, caberia facilmente todas as casas no meu bairro aqui e ainda sobraria espaço.

O carro ainda percorre um bom trecho depois que atravessamos os portões. É impressão minha ou a grama é mais verde aqui? Aliás, tudo neste local beira a perfeição.

Os empregados do palácio me conduzem — sem qualquer explicação, o ponto forte deles, com certeza, não é dar explicações — até uma sala. Uma sala em que caberia, sem sombra de dúvidas, toda a minha casa.

— Espere aqui, por favor — pede o louro.

Antes que eu possa perguntar o que ou por quem devo esperar, eles se retiram.

Meu lado curioso não pode evitar olhar tudo. Cada detalhe desperta a minha atenção. Os móveis escuros e solenes, as cortinas pesadas em tons pasteis, as paredes cobertas por uma interessante tapeçaria, que retratam figuras de cavaleiros cavalgando e damas acenando com lenços. 

Porém, mesmo com minha forte curiosidade nem por segundo as perguntas deixam de martelar em minha cabeça. O que está acontecendo aqui? Era mais um dia normal de minha vida, quando repentinamente fui abduzida pelos homens de preto, também conhecidos como empregados do palácio. Por que essas coisas só acontecem comigo?

Um rapaz alto usando um moletom com capuz, que esconde boa parte do seu rosto, entra na sala. Ele tem um andar cauteloso, sua cabeça está abaixada. Não consigo ver seu rosto. O rapaz olha para a porta da sala por alguns segundos e sem retirar os olhos de lá começa a andar. Pelo visto, nem percebeu a minha existência. Seus passos são largos e rápidos.

Ele é tão rápido que não consigo sair do seu caminho. E o inevitável ocorre, há um tremendo de um choque entre nossos corpos. Isso doeu. Ele e eu caímos no chão.

— Por que você não saiu da minha frente, garota? — resmunga, irritado. — Não tem olhos?

Quem ele pensa que é? A sua alteza real? E foi ele quem me derrubou. Era ele quem estava andando sem olhar o caminho. Será que pensa que todos devem sair do caminho porque ele quer passar? Acho que temos alguém que levantou com o pé esquerdo da cama hoje.

Estou com minha cara no chão e ainda preciso ouvir esses desaforos. Perfeito. Meu dia só melhora.   

— Você é quem não me viu! — rebato.

— Você que deveria ter saído da minha frente! — insiste, cheio de raiva, se levantando do chão.

Ah, qual é o problema desse cara?

Finalmente consigo me levantar do chão. Olho para o senhor “sou importante demais para olhar para os lados”. E... nossa senhora da bicicletinha! Engulo em seco. O capuz dele caiu revelando fartos e dignos de algum comercial de shampoo cabelos negros que contrasta com sua pele alva e perfeita. Olhos incrivelmente verdes me fitam. Oh, não, dessa vez me enfiei em uma grande enrascada real. Por que de todas as pessoas existente na face da terra, eu tinha que trombar justamente com ele? Será que não sair do caminho de um dos membros da família real é por acaso um crime? Se for, adeus, liberdade.

— Ele está aqui — diz um homem, entrando na sala. — Sua Alteza Real está aqui — anuncia em seu rádio de comunicação.

Eu acabei de esbarrar com o príncipe Leon. Tem como esse dia ficar mais surreal? Será que fui parar em uma das telas de Salvador Dalí? Isso explicaria muita coisa. 

— Perfeito — Leon divide seu olhar furioso entre mim e os seguranças que começam a entrar na sala, cerca de 10, e o rodeiam. — O que foi? — indaga rispidamente.

— A rainha solicita a presença de Sua Alteza Real no gabinete — informa o que aparece ser o chefe dos seguranças.

Ele bufa e me olha como se quisesse me matar, até parece que eu sou a culpada de todos os seus problemas.

Se eu contasse sobre a cena que presenciei, aposto que certo príncipe perderia algumas fãs. Sempre soube que o príncipe encantando da nação não era tão encantado assim.

— Você também precisa nos acompanhar — fala o chefe dos seguranças para mim.

Leon faz um muxoxo. No entanto, começa a andar na frente dos seguranças que não tiram os olhos dele por nenhum segundo. Alguém deve ser um rebelde por aqui.

Acompanho os seguranças. Eles andam tão rapidamente que tenho que praticamente correr para acompanhá-los. Por que eles não veem que sou pequena e minhas pernas não são longas como as deles? Obrigada pela consideração.

Depois de quase perder meu fôlego, tentando acompanhar os passos dos seguranças, chegamos em frente a uma pesada porta. Uma porta branca decorada com desenhos em relevo dourados (isso é ouro?). Um dos seguranças abre a porta. Leon entra. Também entro.

A porta é fechada as nossas costas com um grande baque, fazendo meu coração pular. E algo ainda mais chocante me espera dentro desse local. Meus pais. Antes que eu possa perguntar qualquer coisa, eis que noto que eles não estão sozinhos. Uma figura que estou acostumada a ver diariamente em jornais e revista se destaca em meu campo de visão. Os longos cabelos louros, os olhos verdes, o jeito de andar de uma fada, tudo a torna tão irreal. A rainha. A rainha Felipa está aqui. Os olhos dela voltam-se para mim.

— Estávamos esperando por você, Emma — ela caminha até mim com seus passos de fada.

— Por mim? — consigo balbuciar.

Meu olhar vai parar em meus pais. Alguém bem que poderia me explicar o que está acontecendo aqui, não? Lembrar de dar explicações a pobre garota desinformada é bom de vez enquanto.

— Ouça, querida — diz a rainha me olhando. — Sei que deve estar confusa — temos um milagre aqui, alguém percebeu o óbvio. — Mas esperamos que possa compreender a nossa situação — ela gentilmente apanha minha mão melada de suor, ainda bem que a rainha é educada demais para largar minha mão melequenta imediatamente. — Será uma honra para nossa nação tê-la como esposa do príncipe Leon.

Eu acho que ouvi mal as palavras. Ou perdi a capacidade de distinguir o significado das palavras. Porque seria loucura eu me casar com um príncipe. Eu não sou a Cinderela, nem sapatinho (ou qualquer outra coisa) eu perdi.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Por favor, me digam. Devo continuar?



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