O Guia de Gui para Quebrar uma Maldição escrita por Juliiet


Capítulo 1
Gui é um idiota


Notas iniciais do capítulo

Não sei o que dizer...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/670544/chapter/1

– Você precisa parar com isso – falei irritado enquanto colocava gelo numa toalha e me voltava para o homem sentado no balcão da minha cozinha. – Um dia vai acabar com mais que um nariz quebrado.

Narciso sorriu, apesar do inchaço em seu nariz e do sangue que ainda escorria por seu queixo.

– Tudo bem, eu já estou acostumado – murmurou enquanto eu tentava colocar o gelo em seu rosto o mais delicadamente possível.

Suspirei enquanto olhava para meu melhor amigo e guarda costas.

É, guarda costas.

Tudo começou no primeiro ano do ensino médio.

Narciso já era meu melhor amigo naquela época, nos conhecíamos desde pequenos, já que morávamos no mesmo prédio e estudávamos na mesma escola. O dia fatídico foi o início das aulas, quando uma das meninas da sala deixou um espelho em cima da carteira e eu, desastrado como sempre, tropecei e derrubei tudo, inclusive o espelho, que se quebrou em um montão de pedacinhos.

Ela nem ficou muito irritada comigo, apenas aceitou minhas desculpas e seguiu com sua vida. Mas a minha tinha mudado para sempre.

Narciso, enquanto tirava lascas de vidro da minha mão no banheiro dos meninos, disse:

– Você sabe que foi amaldiçoado, não sabe?

– O quê? – havia sido minha resposta confusa.

– O espelho, Guilherme. São sete anos de azar.

– Ah... – eu não acreditava nessas coisas.

– Mas você não precisa se preocupar – ele tinha dito com um sorriso. – A partir de hoje, eu vou ser seu guarda costas. E vou te proteger pelo tempo que durar a maldição.

Eu não havia levado aquilo a sério, a princípio, mesmo que soubesse que quando Narciso metia algo na cabeça, não havia modo de fazê-lo mudar de ideia.

Bom, mas aqui estávamos, quase sete anos depois, e ele continuava firme em seu “emprego”. E se metia em todo tipo de encrencas para me “proteger”. O negócio é que eu, de fato, parecia atrair todo tipo de acidente, mesmo antes de quebrar o espelho, e com o tempo isso só piorou. Às vezes, até cogitava a possibilidade da maldição ser verdadeira, mas...

Não, que besteira.

– Eles eram três, seu idiota – falei, apertando seu nariz com um pouco mais de força de propósito, o que o fez gemer de dor. – Qualquer pessoa com o mínimo de auto preservação teria ficado na sua e ignorado.

Ele fez uma careta quando me afastei um pouco, só para depois pressionar o gelo do lado mais machucado e então disse:

– Mas, Gui, eles estavam chamando você de perdedor. Eles mereciam uma lição.

E eu era um perdedor. Estávamos na época dos jogos da faculdade e meu time havia acabado de perder. A galera de Pedagogia – o meu curso – nem se ligava muito nisso, nós sempre perdíamos todos os jogos. Os caras que estavam me provocando eram apenas um bando de bêbados de Economia que não sabiam a hora de parar com as brincadeiras de mau gosto. Mas Narciso estava atenuando a situação. Perdedor foi o adjetivo mais lisonjeiro que aqueles idiotas haviam usado.

– Que grande lição – resmunguei. – Aposto que os dedos deles estão doendo bastante por terem quebrado seu nariz.

– Não está quebrado. Eu já quebrei uma vez, lembra? Não está doendo nem um pouco do que aquilo doeu.

Ah, eu lembrava. Narciso havia se metido numa briga com um caminhoneiro num posto de gasolina depois que eu acidentalmente passei uma das rodas do meu carro em cima do seu pé.

O cara tinha uns dois metros, braços da grossura de troncos de árvore e uma tatuagem com um coração atravessado por um punhal no bíceps. Dentro estava escrito “mamãe”.

Isso me assustou mais que qualquer outra coisa.

– Você é um idiota – eu disse, virando de costas para ele e pegando mais gelo. – Por ficar levando socos em meu lugar.

Ele disse algo bem baixinho que eu não pude entender.

– O quê? – virei-me.

Narciso balançou a cabeça, fazendo seu cabelo escuro ir de um lado para o outro, parecendo incrivelmente ridículo com o nariz roxo e um sorriso bobo.

– Eu disse que eles doem menos em mim – respondeu.

Eu não entendi.

...

Em um mês, minha suposta maldição expiraria. No início, eu costumava tentar de tudo para quebrá-la, ou melhor, convencer Narciso de que eu a havia quebrado. Cheguei até a falsificar um trevo de quatro folhas, mas meu melhor amigo viu através de todas as minhas tentativas (e cola de isopor não funciona tão bem em trevos). Com o passar do tempo, acabei deixando pra lá. Minhas tentativas de provar que eu não era amaldiçoado foram rareando até eu esquecê-las completamente.

Costumávamos falar sobre isso o tempo todo. Sobre a maldição, não sobre minhas tentativas fracassadas de quebrá-la (e nunca mencionávamos o trevo falso, aquilo foi simplesmente patético). Eu estava sempre reclamando que não precisava de babá enquanto Narciso dizia coisas como “deixa eu soprar seu café, a maldição vai fazer você queimar a língua” (“eu posso soprar meu próprio café, Narciso!”). Era ridículo. Ele era quase dez centímetros menor que eu na escola e era extremamente humilhante ser defendido de tudo por um moleque pequeno e magrinho, que parecia ainda estar no fundamental. Embora eu não pudesse deixar de admitir que vê-lo perseguir o pombo que fez cocô no meu ombro no segundo ano foi meio fofo. E engraçado.

Narciso acabou crescendo bastante no nosso último ano. Por um bom tempo, um dos seus passatempos preferidos era se vangloriar do meio centímetro que tinha a mais que eu (mesmo que nem chegasse a ser meio centímetro) (eram quatro milímetros).

Quando entramos na mesma universidade (eu em Pedagogia, ele em Bioquímica), eu já estava acostumado a tê-lo sempre por perto. Estava até, de certa forma, acostumado a tê-lo cuidando de mim e brigando com qualquer um que me olhasse torto, mesmo que fosse terrível em brigas e acabasse quase sempre precisando que eu o remendasse e colocasse gelo em seus hematomas. Talvez eu devesse ter escolhido cursar Enfermagem.

Morar juntos não foi exatamente uma decisão, foi mais uma consequência natural do nosso relacionamento (e Narciso gostava de estar por perto se eu tivesse pesadelos). Já nessa época deixamos de falar da maldição. Se não fosse pelo costumeiro comportamento protetor de Narciso, eu diria que ele já havia esquecido tudo sobre isso.

Eu não esquecia. Nem por um segundo.

E o tempo estava acabando.

...

– Por que a cara de enterro, Gui?

Olhei por cima do meu notebook para a mulher esparramada em meu sofá.

– Estou concentrado, Leo – respondi, ajeitando os óculos na ponte do nariz. – O prazo do meu TCC tá acabando.

– Eu tenho cara de idiota? – ela perguntou com um bufo. – Você está sem fazer nada há mais de vinte minutos, olhando para a tela do computador como se estivesse vendo a foto do seu cachorrinho atropelado.

Leonora era a outra amiga inseparável de Narciso (eu era o primeiro) e moradora honorária do nosso apartamento. Ela era alta e gordinha, e uma das mulheres mais bonitas – e irritantes – que eu conhecia. Os dois estudavam juntos e ela acabou sendo uma das poucas pessoas a entrar no nosso mundinho.

Minha timidez nunca me permitiu ter muitos amigos.

– Eu estou bem – minha voz não convencia nem a mim mesmo.

– Ah, tenha dó, você está me deixando depressiva – falou, levantando do sofá e indo para o quarto vazio de Narciso, que estava no trabalho.

Mas eu estava bem.

Apenas precisava me lembrar disso umas duas ou três vezes por dia.

Ou vinte.

...

Estava na aula de Gestão Escolar quando recebi uma mensagem de Narciso.

Tem mais de uma semana que você não compartilha vídeos de gatinhos no facebook.

Eu sorri discretamente. Ele devia estar entediado. Acontecia frequentemente nas aulas em que não tinha Leo para lhe ajudar a passar o tempo jogando forca.

Eu não compartilho vídeos de gatinhos no facebook. Esse é você.

Sua resposta não demorou a chegar. Eu até podia imaginá-lo mexendo no celular bem embaixo do nariz do professor sem nem disfarçar. Seus polegares praticamente voando pelas letras porque ele digitava com uma velocidade assombrosa.

Certo, faz mais de uma semana que você não curte os MEUS vídeos de gatinhos.

E antes que eu pudesse pensar numa resposta, mais duas mensagens chegaram, uma atrás da outra.

Você está bem?

Leo diz que você não está bem.

Meu sorriso morreu. Deixei meu celular cair ruidosamente no chão e recebi um olhar sujo do professor. Peguei-o e percebi que a tela tinha rachado, mas ele parecia continuar funcionando.

Eu estou bem, Narciso.

...

Eu não estava bem.

Demorei um bom tempo para admitir, mesmo que apenas dentro da minha cabeça.

Quase sete anos, para ser mais exato.

Eu não estava bem há sete anos.

Narciso estava jogando batalha naval com Leo no chão da sala – seus exames tinham sido semana passada – enquanto eu trabalhava no meu TCC. Seus risos e “como você consegue afundar meu porta aviões toda vez, sua bruxa?” e “eu sou uma excelente estrategista militar, Ciça, e você é um invejoso” não me incomodavam. Eles tinham até perguntado se eu preferia que eles mudassem o jogo para o quarto para não me atrapalhar, mas tinha dito que eles podiam ficar.

Eu não estava conseguindo avançar muito no meu trabalho, de qualquer jeito.

E queria vê-los. Vê-lo.

Quando Narciso ria, ele apertava os olhos e jogava a cabeça para trás. Quando se concentrava para afundar os navios de Leo, colocava a ponta da língua entre os dentes e juntava os dedos indicadores em seu lábio inferior. Enchia a mão de pipoca e tentava colocar tudo na boca, mal conseguindo fechá-la para mastigar. As que caíam em seu colo, ele usava como munição, tentando acertar Leo e desconcentrá-la (o que nunca funcionava; ela sempre vencia em batalha naval).

Eu sabia de todas essas coisas sem sequer precisar observá-lo. Mas eu não conseguia tirar meus olhos dele. Não queria tirar.

Acho que estive apaixonado por meu melhor amigo desde o ensino médio. Quando ele me disse que me protegeria de uma estúpida maldição. Quando se meteu na minha frente enquanto jogávamos queimada porque a bola podia me machucar. Quando levou aquele primeiro soco por mim, quando eu estava brigando com o Álvaro, um garoto grandalhão que gostava de implicar comigo na escola. Quando levou todos os outros socos, chutes, beliscões – e uma cuspida uma vez – por mim. Quando soprava o meu estúpido café todas as manhãs antes de sairmos de casa para que eu não queimasse minha língua.

Acho que o amei todas essas vezes. Acho que o amo ainda mais quando ele ri e joga batalha naval com Leo. Um pouquinho mais a cada segundo. E muito de uma vez quando ele olha pra mim com aqueles grandes olhos castanhos que sempre parecem brilhar, seja com alegria, ternura ou lágrimas (ele chorou bastante quando o caminhoneiro quebrou seu nariz).

Como ele estava fazendo naquele instante. Fixando seu olhar carinhoso em mim, seu sorriso nem precisava tocar os lábios, porque estava todo no jeito como me olhava, como se estivesse feliz apenas por me ver ali, jogado na poltrona, com o notebook em cima da barriga. Como estou na maior parte do tempo.

Estava tão perdido em seu olhar que não percebi que ele estava falando comigo.

– Terra para Guilherme – ele disse e então fui atingido por uma pipoca. – Você está me olhando meio estranho...

Pulei quase um quilômetro e senti todo o meu rosto esquentar enquanto rezava para minhas orelhas não estarem tão vermelhas como eu sentia que estavam.

– E-eu... – gaguejei e então tentei me levantar.

Narciso sempre teve reflexos muito rápidos. Antes mesmo que percebesse que meu pé estava enrolado no cabo da bateria do computador, ele já estava lá, me segurando antes que eu desse com a cara no chão.

E isso me deixou puto.

Soltei-me dele na mesma hora e me recusei a olhar em seus olhos.

– Eu...eu vou fazer um sanduíche – falei, passando por ele e indo em direção à cozinha.

Ele me alcançou em dois passos e apoiou a mão em meu ombro.

– Eu posso fazer pra você, eu já estava indo fazer mais pipoca mesm –

Virei-me e tirei sua mão do meu ombro com raiva.

– O quê? Eu não sou mais confiável com uma faca agora? – gritei, ainda sem olhar para seu rosto. – Foda-se, Narciso, eu não preciso de você!

O silêncio depois das minhas palavras foi o mais pesado que já vivi. Dei as costas aos dois e fui para o meu quarto, batendo a porta.

Eu era um idiota.

...

– Você é um idiota – Leo falou ao entrar no meu quarto sem bater, nem cinco minutos depois.

– Vai embora – murmurei da cama, onde estava enrolado, de frente para a parede.

Como se um dia essa mulher me escutasse. Ela acabou afastando todos os meus livros e apostilas e sentando na minha escrivaninha.

– Qual o seu problema? – perguntou, a irritação clara em sua voz. – Ciça está...bom, ele saiu de casa e parecia bem mal, achando que fez algo que magoou você.

Só Leo pode chamar Narciso de Ciça. Ela diz que é seu direito de chamá-lo por um apelido de menina, já que ela tem apelido de menino. Eu não me importo, gosto de chamar Narciso por seu nome de verdade.

E Ciça é um apelido idiota.

– Vai embora! – falei de novo, agora me sentindo ainda mais culpado que antes. Afinal, ele não havia feito nada de errado. O errado ali era eu.

– Não – ela teimou e eu quase podia vê-la levantar o queixo, mesmo de costas. – Não até você me dizer o que diabos está acontecendo. Você tem sido uma sombra de si mesmo essas últimas semanas, Guilherme, alguma coisa está errada e eu quero saber o que é.

Nisso, ela e Narciso eram parecidos. Nenhum dos dois largava o osso.

Acabei me virando para ela e sentando na cama com as costas para a parede e as pernas contra meu peito. Abracei-as e apoiei a cabeça em meus joelhos ossudos. Era melhor falar logo ou ela nunca iria embora.

– Você sabe que dia é sexta-feira? – perguntei numa voz pequenininha.

Sexta-feira? – ela zombou, rolando os olhos.

– Não, sua insuportável. Estou perguntando se você sabe o que essa sexta-feira significa – expliquei, irritado.

Ela fez que não com a cabeça. Eu engoli em seco, sentindo meu nariz arder.

– É o dia em que minha maldição acaba – murmurei.

Leo me olhou como se eu tivesse começado a cuspir sapos.

– Sua o quê?!

– Minha maldição! Espelho quebrado, sete anos atrás! – ela sabia dessa história, eu ainda lembrava que ela passou pelo menos um mês no nosso primeiro ano de faculdade me chamando de “donzela em perigo”.

– O que uma brincadeira de criança tem a ver com o fato de você estar tratando a pessoa que mais te ama no mundo como lixo, Guilherme? – Leo parecia tão irritada que achei que ia quebrar algo na minha cabeça. Meu abajur estava bem perto de sua mão esquerda.

– Será que você não entende, Leonora? – perguntei, minha voz falhando perigosamente. Eu realmente não queria chorar, não na frente dela. – Quando essa brincadeira de criança acabar, Narciso vai embora. Ele não vai ter mais uma promessa para cumprir, não vai ter nada que o prenda a mim – e com um fio de voz, acrescentei. – Ele vai me deixar.

Baixei o rosto porque não confiava em mim mesmo para não começar a chorar como uma criancinha. Ouvi quando ela se levantou, mas só a olhei quando ela deu um tapa na minha cabeça (que doeu bem mais do que eu imaginava).

– Eu não vou nem... – começou, mas mudou de ideia e só balançou a cabeça. – Você é um idiota.

E foi embora.

...

Na sexta-feira, eu quebrei todos os espelhos do apartamento. Não é como se fossem muitos. Havia o espelho do banheiro, um na porta do meu armário e um de corpo inteiro no quarto de Narciso. Quebrei ainda o espelho do pó compacto que Leo havia esquecido por ali. Vinte e oito anos. Não era o suficiente. Pensei em sair de casa e comprar e quebrar todos os espelhos que encontrasse. Ou eu podia quebrar os espelhos do corredor e dos elevadores do prédio.

Acabei não fazendo nem uma coisa nem outra, porque fui ao meu quarto vestir uma camisa, tropecei na cortina e caí com as mãos em cima dos cacos do que um dia havia sido o espelho da porta do meu armário.

Doeu bastante. E eu chorei. E eu nunca chorava, isso era coisa do Narciso.

Foi assim que ele me encontrou, alguns minutos depois.

– Que m...Gui, você está bem?! – correu até mim e me fez levantar do chão, olhando com horror para o sangue escorrendo das minhas mãos. Eu não havia feito nenhuma tentativa para tirar os cacos ou limpar o sangue. Não era como se aquilo fosse me matar, eram só alguns arranhões (que doíam como se eu tivesse sido arranhado pelas presas venenosas de um cachorro demoníaco).

Era cedo, Narciso devia estar na aula. Era só o que eu pensava enquanto ele me arrastava para o banheiro, onde seus tênis trituraram mais alguns cacos de espelho, fazendo-o soltar um palavrão (coisa que não fazia normalmente) e me olhar preocupado.

Acabamos indo para a cozinha, porque eu estava descalço, onde ele me fez sentar no balcão – o mesmo em que eu havia cuidado do seu nariz machucado – e correu para pegar o kit de primeiros socorros no banheiro. Ele lavou minhas mãos com água e começou a tirar os cacos presos em minha pele.

– Gui, o que aconteceu aqui? – ele perguntou, concentrado em seu trabalho. Suas mãos eram mágicas, eu não sentia dor alguma enquanto ele me tocava. – Por que todos os espelhos estão quebrados?

Ele tirou o último pedaço de vidro e lavou minhas mãos de novo antes de passar Merthiolate – o que não arde – em meus cortes.

Ele estava mumificando minhas mãos com band-aids quando eu respondi:

– Vinte e oito anos.

Ele me olhou, confuso.

– O quê?

– O espelho do banheiro. O do meu quarto e o do seu. O do pó compacto da Leo. Eu quebrei todos. São vinte e oito anos de azar – quanto mais eu falava, mais a situação toda me parecia ridícula. Mais eu parecia patético. Continuei mesmo assim, porque...porque era minha única esperança. – Vinte e oito anos em que vou precisar de você, Narciso.

Seus olhos castanhos não estavam brilhando com alegria nem ternura naquele momento. Nem lágrimas. Era outra coisa.

Ele se afastou e franziu o cenho. Minhas mãos que latejavam e estavam enfeitadas com band-aids caíram dos dois lados do meu corpo, meus braços parecendo pesados demais para que eu pudesse mexê-los.

– Você...- ele começou, ainda com o cenho franzido e o olhar que eu não conseguia classificar. – Você quebrou os espelhos para...para eu ficar com você?

Senti minhas orelhas ficando quentes.

– Bom, quando você coloca assim...

– Guilherme!

Baixei a cabeça quando senti meu nariz e meus olhos arderem. Eu ainda estava com o rosto baixo, olhando para minhas mãos, quando respondi:

– Sim. Eu não quero que você vá embora. Não quero que me deixe. Quero que fique aqui comigo.

– Por vinte e oito anos? – sua voz era suave.

Engoli em seco.

– Quantos espelhos eu teria que quebrar para...para você ficar pra sempre?

Senti a mão de Narciso em meu braço e levantei os olhos para fitá-lo. Agora eu parecia entender o que estava vendo nos olhos dele.

– Você é um idiota – disse, com um sorriso curvando seus lábios finos.

Era esperança.

– É, eu ouvi – falei, sorrindo quando Narciso apoiou a cabeça em meu ombro e me puxou para mais perto, ficando entre minhas pernas.

Meu coração começou a bater tão rápido como as asas de um beija flor. Narciso estava me abraçando, suas mãos quentes em minha pele, seu cheiro familiar se tornando tudo o que eu podia respirar.

– Você nunca esteve amaldiçoado – ele sussurrou em meu pescoço.

Balancei a cabeça bem devagarzinho para não fazê-lo se afastar.

– Estive sim – não sei como consegui achar minha voz para falar. – Acho que ainda estou.

Ele acabou levantando a cabeça, deixando frios os lugares em minha pele antes aquecidos por sua respiração morna.

– Por sorte, eu sei como quebrar maldições – continuei, sem conter o sorriso em meus lábios.

– Com um beijo? – ele adivinhou.

E, naquele momento, eu soube que a maldição estava quebrada.

Não que eu acreditasse nela, para começo de conversa.

Mas nunca se sabe, é melhor não arriscar.

E por isso que, quando os lábios de Narciso encontraram os meus, eu fechei os olhos e o beijei de volta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

< 3



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Guia de Gui para Quebrar uma Maldição" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.