O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 33
2.01 | Army


Notas iniciais do capítulo

Ok. Vocês devem estar achando isso estranho. "Uéeee, mas vocês voltaram com a fic? Ela não tinha morrido?"
Sim e não. Sim porque, tecnicamente, a história principal de OCDB acabou. Mas isso não significa que seus desdobramentos precisem ficar largados ao relento sem ter o final que merecem. Por isso, eu e a Lola resolvemos organizar uma segunda temporada, CURTINHA, de dez episódios ou menos, para fechar todas as pontas soltas e dar uns finais bem legais que a gente inventou enquanto escrevia este hit.
Neste primeiro episódio da nova fase, vocês vão acompanhar, na verdade, o que aconteceu com Daniel depois do toco que ele levou lá no episódio 22, "Should Have Known", quando o Shawn postou fotinha com a namorada e a Melanie Schmidt em pessoa chegou para animá-lo e tals. Agora, para tentar esquecer o boy louco, Danico vai tomar SEU PRIMEIRO PORRE *O*
Espero que gostem do nosso retorno, e boa leitura!



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“Eu sei que sempre fui problemático. Você nunca me deixou desistir. Todas as noites e as brigas e o sangue e os términos de namoro… Você sempre teve que acalmar as coisas. Eu sou a dor, eu sou como uma criança, eu tenho medo… e ainda assim você me entende como ninguém. Sei que não parecemos grande coisa, mas ninguém arrebenta como nós. Aos 16 e você nunca me julgou; na verdade, eu sempre pensei que você era bom demais para mim. Nos momentos ruins, você sempre conseguia achar o lado bom. Fico impressionado com tudo o que você sacrificava apenas para estar comigo. Então não mude nada; nós sabemos o que falam da gente, mas eles não têm nenhuma chance, pois quando estou com você, estou com um exército.”

— “Army”, Ellie Goulding

 

Washington, D.C.

10 de Dezembro de 2015

129 dias antes da facada que (não) me matou

 

— Daniel, seu inútil, ACORDA! — Melanie Schmidt, esse doce de pessoa, taca uma almofada na minha cara como se eu fosse o seu marido gordo de 60 anos imprestável que só se casou com ela porque a louca já estava grávida no namoro.

— Que foi que eu fiz agora? — Balbucio, tropeçando nas palavras enquanto bocejo e me situo.

Estou na sala de estar do apartamento do meu tio. OK. Melanie veio passar uma semana aqui e por isso estamos na sala de estar. OK. A Netflix está aberta na televisão, num episódio de Once Upon a Time. OK.

Merda. Eu dormi no meio da maratona de Once Upon a Time.

— Dormiu na maratona! Eu quero que você vá à merda, Dan.

— Já fui. Várias vezes. E é uma merda.

— O nome já diz, seu babaca. Se fosse pra ser bom, eu diria “vai à pizza”.

— O sabor é de carne de sol? Porque, se for, ainda é ruim.

— Estava demorando para vocês brigarem… — Andrew surge no cômodo, com seus óculos de leitura na cara e um livro brasileiro nas mãos — sobre o que é a discussão?

— Daniel dormiu na maratona de Once Upon a Time. Vê se pode?

— Qual a temporada?

— Quarta.

— Tá explicado o porquê.

Mel fica com uma expressão meio “como assim?” enquanto eu e meu tio rimos histericamente na cara dela. Logo depois, ele deixa seu livro em cima da mesa de centro, desliga a televisão e se posiciona à minha frente, como se eu tivesse que fazer alguma coisa.

— Esqueci de por o lixo pra fora de novo, foi?

— Isso também — Andy põe suas mãos na cintura. Lá vem o Sermão da Montanha adaptado pra minha vida — mas eu estou preocupado com você. Seu pai também está. Ele ligou pra mim hoje e ficou chocado quando soube que você não arredou o pé pra fora desse edifício desde que veio para cá.

— Ué, eu já não faço isso quando estou em casa? Ele devia estar acostumado.

— Venhamos e convenhamos: a família inteira sabe que você se solta quando vem passar uns dias comigo. Agora nem aqui você está fazendo isso!

— Esse garoto — Melanie aponta para mim — solta a franga e a família sabe? Como é que é? — Ela já termina a frase caindo na risada, e eu reviro os olhos.

— Não é exatamente a alma vadia que ele liberta — meu tio filho da mãe que me expõe ao ridículo nas horas mais inoportunas continua a falar — o máximo que eles sabem, ou pensam que sabem, é que o Danny começa a dar uma de tagarela e piadista de primeira linha.

— Oh, eles não sabem da melhor parte…

— E você não, sua louca — respondo, apontando meu dedo na cara dela — nunca me viu bêbado para constatar isso!

— Você por acaso já ficou bêbado alguma vez?

Fico calado. Pra quê fui tentar ganhar vantagem nessa discussão justo com esse argumento mais inválido que o Dr. Luke depois do escândalo com a Kesha? Meu silêncio é a deixa para que Mel comece a rir novamente da minha desgraça — por mais que eu saiba que ela também nunca ingeriu álcool, deixo-a ter seu momento — e escondo meu rosto entre minhas mãos, como se fosse uma vergonha nunca ter feito isso.

Tecnicamente não é uma vergonha. Não é porque todo mundo já tomou umas biritas aos 16 que você tem de se sentir na obrigação de fazer isso. Até porque beber tão cedo é justamente a coisa errada, e não a certa. Mas ainda assim… é um daqueles motivos que te exclui socialmente da sociedade.

Que foi que eu falei agora, hein?

— Tudo bem, vou parar de rir porque você está certíssimo em não se envolver com bebida agora.

— Sabem que eu estou aqui e posso muito bem fazer um discurso anti-álcool agora, certo? — Andrew nos alerta, e ficamos de olhos arregalados, já esperando o pior — Eu posso, mas não vou — suspiros aliviados tomam conta dos barulhos do ambiente — por outro lado, vou fazer uma ligação agora. Esperem aqui.

— O que porra tu vai fazer, tio? — Grito, mas não obtenho resposta imediata.

— Ainda não me acostumei com vocês dois falando palavrões assim dessa forma tão livre, desculpa — Melanie se joga ao meu lado no sofá de novo (sim, porque ela se levantou apenas pra gritar na minha cara como se fosse uma cena de novela brasileira).

— Tudo começou depois que eu cheguei aqui de surpresa e o peguei quase gozando esperma. Ele já estava quase gritando, inclusive. Desde então nossa relação nunca mais foi a mesma.

— Credo, que trauma! Quantos anos você tinha quando isso aconteceu?

— Treze. E eu nem era gay ainda.

— E você é gay agora?

— Tá me chamando de hétero? Assim eu fico ofendido, garota.

— Tá amarrado em nome de Regina, Robin, David, Mary e companhia!

— Isso inclui a Emma?

— Credo, eu não gosto mais daquele embuste.

— Mas na primeira temporada você era fãzona que eu sei.

— Como sabe?

— Adoro quando o Facebook te lembra dos posts velhos.

— Odeio quando o Facebook me lembra dos posts velhos.

— Enfim. Como foi a experiência de flagrar seu tio transando?

— Ah, querida, ele não estava transando.

Demorou alguns segundos para que ela percebesse o que meu tio realmente fazia naquela hora. E não demorou nada para ela fazer uma cara de nojo e soltar aquele “ugh” que só ela sabe fazer.

Andrew logo retornou para a sala de estar, me encarando como se eu tivesse tirado a sorte grande em alguma coisa. Conhecendo-o como conheço, ele vai abrir o bico em 5, 4, 3…

— Vamos sair hoje à noite. Convide seus amigos.

Wow. Nem terminei minha contagem regressiva. Foi mais rápido do que pensei.

— Para onde a gente vai? Porque, assim, eu não tenho muito dinheiro aqui.

— A gente se vira com dinheiro. Eu só preciso que vocês vistam suas roupas casuais do momento e preparem o estômago para o que eu chamo de “ressaca à la Boone”.

— Tio…

— Cala a boca e me obedece.

— Para onde vamos? Ainda não me respondeu.

— Vamos nos divertir.

 

.::.

 

— OK, por que estamos aqui? — Raven pergunta, assim que desce do carro do Uber. Ela nem nota inicialmente a presença de uma outra garota que não é ela mesma, apenas faz a pergunta.

— Porque vamos nos divertir e porque eu te chamei.

— Não, eu quis dizer: por que estamos especificamente nesse lugar? Eu nem sei que espelunca é essa.

— Não chama essa merda de espelunca — Andrew aponta o dedo na cara da quase-loira-quase-ruivinha-mas-quase-mesmo.

— O senhor acabou de chamar o lugar de merda…

— Eu posso. Vocês não.

— Injusto.

— E quem é essa garota? — Ela finalmente pergunta.

— Tá incomodada por não ser a dona do único estrógeno de bom que eu tenho?

— Não. Estou incomodada com o fato de que não sei quem ela é.

— É a Melanie.

— Ai, meu Deus, é você? — Num passe de mágica, Raven já está abraçando Mel de um jeito desengonçado que me faz rir da brusca mudança no comportamento dela — Dan me falou de você algumas vezes e sempre quis saber como você era pessoalmente. Céus, é você mesmo!

— Como assim, ele já falou de mim?

— Você realmente achou que viveríamos uma Secret Love Song da vida? Ai, trouxa — levo um tapa da doce Schmidt em minha face após ser sincero (porque foi isso o que eu fui: sincero, gente) — tá bom, desculpa aí.

— Podemos entrar agora? — Meu tio chama as atenções para si próprio.

— Claro que não. Ainda falta a chegada dos outros machos desse grupo.

— Machos? Sério que você ainda acha que Peter é macho?

— Você é uma filha da puta com os amigos de uma forma… — resmungo, sendo estapeado no outro lado da face por ela.

— Meu amigo, você tirou o dia para levar tapas de mulher, hein? — O próprio Zaslavski chega por trás, afagando meus ombros e quase gritando no meu ouvido aquela provocação.

— Garoto, você não me instigue — me viro para abraçar meu amigo, após esses dias sem vê-lo por causa das férias.

— Ui, ele está agressivo hoje.

— Ah, claro, só hoje — Edward Hong me cumprimenta assim que me desvencilho de Peter.

— Até você veio, embuste?

— Primeiro: eu não sou um embuste. Sou uma pessoa persuasiva que usou do próprio poder de sedução pra conseguir seu voto na eleição para líder de classe. Segundo: somos amigos, de alguma forma. Mas somos.

— Tá vendo o nível de falsidade dele? — Aponto para Ed (Sheeran?) enquanto me dirijo a Melanie.

— Tô vendo. Mas também tô vendo porque você ficou falando dele por uma semana.

— Falou de mim por uma semana? — O descendente de coreanos indagou, e meus olhos se arregalaram.

Porra, tu tinha que me foder, garota?

— Filha da mãe, eu vou arrastar sua cara no asfalto por ter falado isso — faço menção de atacá-la, mas Raven me segura pelos braços, enquanto Peter, Edward, Mel e tio Andy tomam o rumo do estabelecimento onde teremos nossa diversão.

— Você não vai cometer nenhum crime hoje, pirralho — ela sussurra em tom de ameaça.

— Entrar aqui provavelmente já é um crime, não acha? — Revido, já caminhando a passos largos para longe dela.

— Sim, mas é o tipo de crime que te fará bem.

— Como vai me fazer bem?

— Você vai se libertar — meu tio responde, esperando que eu o alcance para passar seu braço direito em volta do meu pescoço — vai conhecer gente nova, experimentar coisas novas, se divertir de um jeito que nunca fez antes.

— O senhor ainda não me disse que lugar é esse.

— É um pub.

— Como é que a gente vai entrar aí? Não temos idade — Grito desesperado, como parte de minha atuação para fazer todo mundo dar meia volta e ir para seus lares enquanto eu retorno ao apê do meu tio para só depois me arrepender de não ter abraçado a libertinagem.

Mentira, eu só estava mesmo nervoso.

— E você acha que eu não penso nesses detalhes? Observe e aprenda se quiser ser um sucessor da família Boone.

— A família Boone é tradicional. Não quero isso mesmo pra minha vida.

— E quem disse que toda a família é tradicional? E quanto a mim? E quanto ao seu pai?

— Desde quando meu pai é vida louca?

— Quando sua mãe deu um fora no Aaron, lá nos primórdios daquela relação estranhamente perfeita, ele ficou tão mal que tomou um porre. Mas foi um porre daqueles que você só esquece se passar por uma eutanásia, sério! Mamãe fez questão de ir buscá-lo onde ele estava para ensiná-lo uma lição, e desde então ele nunca mais bebeu.

— Por algum acaso o Aaron estava neste pub? — Pergunta o Zaslavski, com as mãos nos bolsos e uma curiosidade tremendamente perceptível em seu rosto.

— Exatamente.

— Então isso aqui é tipo um rito de passagem? Uma geração ensinando a outra como não tomar um porre?

— Claro que não, ou o próprio Aaron estaria aqui no meu lugar — ele ri do próprio comentário, como se trazer meu pai aqui fosse uma espécie de brincadeira impossível de rolar — é um rito de passagem? É. Mas serve para ensinar ao jovem Daniel Arthur Boone como tomar um porre pelas razões certas.

— A curiosidade dele em saber como é o gosto do álcool? Sério? — Diz minha amiga virtual.

— Querida Melanie, você não conhece meu sobrinho do jeito que eu conheço.

— Nem eu me conheço do jeito que ele conhece, acredite — reforço as palavras de Andrew.

— A curiosidade dele é só um pretexto para o mais profundo dos motivos. Eu sei qual é, mas vou protegê-lo de qualquer ofensa que vocês já estejam planejando em fazer.

Assim que ele termina de explicar a historinha, chegamos à entrada do pub. Quem diz que tavernas são lugares bonitos por fora e por dentro realmente não conhecem de verdade esse tipo de lugar, porque o que vejo agora é uma espelunca por fora. Tudo de madeira aparentemente velha e desgastada pelo tempo, e a iluminação também parece deteriorada. É como se eu estivesse a caminho de um chiqueiro, só que na cidade grande. Ou melhor, na capital do meu país.

— Andrew Boone? É você mesmo? — Uma mulher, que aparenta ter entre 25 e 30 anos de idade, exclama ao ver meu tio. Ela se encontra atrás de uma corda vermelha, então suponho que ela seja o obstáculo entre nós e as bebidas.

— Em carne, osso e sensualidade. Obrigado, obrigado — enquanto ele se exalta, ela mesma vem abraçá-lo do jeito que as típicas mulheres o fazem quando querem demonstrar interesse: passando as mãos por toda a extensão das costas do homem.

— Caralho, não te vejo há um bom tempo! E por que trouxe essa creche hoje?

— Natasha, eu te liguei há umas quatro horas pra falar disso. Já esqueceu?

— Vai se foder, eu não tenho obrigação de lembrar de todos os telefonemas do dia. Interessante, né, como o mundo não gira em torno de você?

— E toda a impressão que eu tinha sobre ela ser uma patricinha louca pra dar a perseguida pro seu tio se foi neste momento — Edward comenta em voz baixa, me fazendo rir logo depois.

— Foda-se você. Estamos conversados?

— Estamos. Agora não postem fotos marcando o estabelecimento no Instagram. Não contem aos pais de vocês que vieram se libertar aqui. E se a gente se foder, vocês se ferram junto.

— Agressiva…

— Mas ela está certa — respondo, e observo a tal Natasha retirar do além pulseirinhas de papel para todos nós — isso é pra identificação?

— Se fosse, teria o nome de todos vocês. Mas eu não me importo com nomes e sim com dinheiros — a recepcionista retruca, daquele jeito grosso com o qual só mulheres conseguem falar quando estão de saco cheio dos homens desse mundo.

 

.::.

 

— E então, ainda acha que esse lugar é uma espelunca? — Andrew me pergunta, assim que retorna de sua breve (ironicamente falando) estadia no banheiro masculino do pub.

Pub esse cujo nome eu não me dou ao trabalho de lembrar porque exigiria esforço cerebral e eu estou com preguiça.

— Tenho de admitir que as aparências podem enganar. Um pouquinho.

— Só um pouquinho, né? Uhum, tá. Sei.

— Por que ninguém acredita em mim nessas horas?

— Porque alguém acreditaria? — Edward diz, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa sentada à mesa em que estamos todos juntos.

Só que o infeliz fato de ele estar sentado ao meu lado me faz ouvir o que ele dissera.

— Eu ouvi isso, asiático — resmungo de volta.

— Eu nem sou asiático!

— Mas é descendente de um — tento fazer meu argumento valer a todo custo. Porque sou desses.

Aqui vem a parte onde meu traseiro fecha a ponto de não passar nem sinal de 4G.

O louco, retardado, sádico (oi?), inconveniente e amigo pra todas as horas Edward Hong se aproxima do meu rosto a uma distância que pode me fazer por tudo a perder se eu me render à vontade de provar daquela boca descendente de bocas asiáticas (oi?).

— Por que você está tão perto de mim?

— Pra ver se sua vontade de beijar alguém te faz calar a boca.

— E por que eu me tornei seu amigo?

— Porque você precisava de alguém com músculos pra te defender do bullying.

— Você me defendeu alguma vez?

— Os pombinhos podem nos contar o que está havendo? — Raven grita, do outro lado da tábua de madeira onde nos acomodamos.

— Shiu. Não é da sua conta, ruiva caricata — ele responde, sem nem ao menos olhar para ela.

— Alguém troca de lugar com esse embuste antes que eu o espanque até ele deixar de ser asiático e ser apenas mais um americano branco cis hétero, por favor — exclamo, sem parar pra respirar.

Quase que eu morro engasgado ao final, mas tudo bem. É o necessário para que todos na mesa comecem a rir descontroladamente, e Raven tome o lugar de Edward ao meu lado.

— Calma, garanhão sedutor de asiáticos — diz ela, jogando seu braço esquerdo ao redor do meu pescoço — ele não vai mais te incomodar.

— É o que eu espero. Até porque eu já estou fugindo de um homem, não preciso de mais um pra sair correndo, né?

— Olha só quem está falando! — Melanie aponta pra minha cara e começa a rir de novo — Dan, todo mundo aqui sabe que você não pega nem no seu próprio pinto, quanto mais no de outro cara. Tenha dó do nosso senso comum.

— Você o quê? — Meu tio pergunta, com uma expressão facial que mistura “eu quero muito rir” com “mas isso é pesado, então vou segurar o riso”.

— É mentira, tá? — Tento me defender. Provavelmente vou falhar, mas não custa tentar, certo? — Eu nunca disse isso.

— Mas quis dizer naquela vez que você me contou que nunca tinha tocado um pênis antes do Shawn fazer aquilo lá.

— Aquilo lá o quê? — Edward se intromete.

— Não é da sua conta! — O pub inteiro ouve o grito que eu, Raven, Peter e Melanie bradamos.

— Credo, eu tô sentindo uma aura de stress nessa mesa que não deveria estar aqui. Vamos lá, aproveitem o lugar!

— Andrew, é um pub. Aqui só tem bebida — Mel argumenta.

— Então você ainda não encontrou a porta para o submundo daqui, queridinha.

Dito isso, tio Andy se levanta de seu lugar e começa a andar para o lado de uma parede aparentemente normal. Com um movimento da cabeça, ele nos chama para chegar mais perto. Todos nós vamos até lá, e do nada ele chuta a bendita da parede.

— Qual é a senha? — Ouvimos alguém do outro lado exclamar.

— OK, isso está ficando estranho — sussurro, e Peter concorda comigo ao dar um tapinha amigável em meu ombro.

— Observem e aprendam — Andy diz, depois se direciona à parede e fala em um tom mais alto que o de costume — LARRY É REAL!

— MEU DEUS — Melanie e Raven exclamam ao mesmo tempo. Não só porque essa era a senha, mas porque a parede começou a subir e a revelar o que meu tio chamara de “submundo” há alguns segundos”.

Os burburinhos que eu já ouvia antes da parede sumir agora aumentam seu volume sonoro e nos despedimos da taverna para dar lugar a um espaço um tanto quanto sinistro. Consigo reconhecer “Habits” da Tove Lo tocando ao fundo — o único hit dela até agora ou impressão minha? — e logo percebo a merda em que estou pelo simples fato de que “Habits” fala sobre beber e fumar e ficar chapado pra esquecer o ex. Eu não preciso de mais essa bad agora.

— Eu não queria ouvir essa música logo agora — sussurro para Peter.

— Deixa de frescura e se joga na bebida, meu amigo — ele sussurra de volta, me dando um empurrãozinho rumo ao balcão de drinques.

Ainda meio sem saber como agir, sento-me num dos banquinhos e chamo o barman. Peço um uísque, para começar a noite, e porque sei que meu tio guarda uma garrafa inteira na cozinha para o caso de ficar triste demais. Assim que recebo o copo em minhas mãos, dou o primeiro gole, sob ovações dos meus amigos e uma cara meio inexplicável de Andrew.

— Querido Danny, você não sabe nem disfarçar que o uísque está rasgando sua garganta — e assim ele toma o copo de minhas mãos — você não precisa saborear o negócio. Só tem que fazê-lo descer e agir como ele tem que agir no seu cérebro. Nada com álcool precisa de degustação.

— Exceto vinho — Edward sinaliza.

— Exceto vinho — Andy concorda, devolvendo o copo para mim — agora tenta de novo.

— Tudo bem.

E então resolvo virar o copo de uma vez na minha boca. Quase me engasgo, quase tenho dois AVCs, um derrame e três infartos, mas tomo o uísque com um único gole. E não é que realmente fez diferença? A bebida desceu pelas entranhas com um efeito menos devastador, mais rápido e com certeza num efeito maior.

— E aí? — ele pergunta, já querendo saber a minha reação.

— É… revigorante.

— Não era bem essa a palavra que eu esperava, mas tudo bem, significa que você gostou — Andy responde, já se virando para o barman — duas doses, por favor. Uma pra mim e outra pra ele.

— E quanto a gente? — Raven indaga.

— Olha só, tem mais alguém querendo se entregar ao álcool aqui — Ed (Sheeran?), que não pensa duas vezes antes de falar, resolve zoar logo com a ruivinha estressadinha.

Não deu outra. Soco na cara.

 

.::.

 

Enquanto alguma loira avulsa se compadece do Edward e põe gelo em seu rosto enquanto o paquera, aqui estou eu, com meu tio de um lado, Raven e Melanie de outro e Peter… acabei de perceber que eu não faço ideia de onde Peter Zaslavski está.

— Gente, cadê o Peter?

— Se você olhar para trás agora… — Andrew diz, e antes de tentar me impedir, eu me viro e dou de cara com meu próprio amigo dando uma de retardado e brincando naquelas máquinas onde você pode tirar um urso de pelúcia delas se tiver muita sorte.

— Ele conseguiu o que eu acho que conseguiu? — pergunta Melanie, quando todos nós inclinamos a cabeça para ter certeza de que sim, Peter conseguiu um elefante de pelúcia para si.

— Filho da puta sortudo — resmunga Raven.

— Não fale assim da minha mãe — ele grita, ao passo que se aproxima da rodinha do bar.

— Quer levar um soco meu também e se juntar ao descendente falso de asiáticos ali?

— Se isso significar uma garota daquelas me acariciando… com certeza.

— Raven — viro na direção dela e deixo os olhos bem arregalados para que ela perceba a drasticidade do momento — não vale a pena.

Parecendo entender que ela estava prestes a fazer merda, ela se cala e retorna a bebericar seu copo de cerveja.

— Daniel Arthur Boone. — Uma voz sussurra perto de mim, e eu quase tenho um infarto antes de me virar para saber quem falou meu nome completo.

Ao encarar aquele cabelo fodidamente impecável, aqueles braços fodidamente definidos e a cara de pau da criatura, resolvi revidar na mesma moeda.

— Klaus Donald Furler.

Parecendo saber de tudo antes que eu soubesse, o estagiário da playlist da taverna colocou um remix de “Problem” bem na hora. Cacete, Ariana Grande, tu tinha que aparecer logo agora pra me lembrar que estou em apuros?

— O que faz por aqui? Não pensei que você fosse de beber, Daniel.

— Vamos deixar os pombinhos a sós?

Melanie, não faça isso. Não me deixe, Melanie.

— Acho que eles precisam conversar.

Melanie, não me atiça. Eu vou te atacar, Melanie.

— Vamos, Raven, vamos salvar o Edward das mãos daquela loira oxigenada.

MELANIE, VOCÊ VAI SE VER COMIGO EM CASA.

— E eu vou… dar um pulinho ali… no bar — Tio Andy rapidamente saca a parada, mesmo sabendo que estamos, de fato, no bar.

— Eles vão pagar. Eles vão — resmungo, mais para mim mesmo do que para Klaus.

— Você não respondeu minha pergunta.

— É minha primeira vez aqui, tá? — Quando falo em voz alta, minha cabeça dá uma pontada de dor para sinalizar um “me respeita que eu tô bêbado, porra” — E me deixa sozinho, por favor. Preciso afogar as mágoas.

— Em vodca? Sério?

Sem prestar atenção a nenhuma das três palavras ditas por ele, viro mais um copo do líquido direto na minha garganta. As dores de engolir um troço desses já nem são mais sentidas pelo meu cérebro, que já passou há tempos da fase da tolerância. Enquanto isso, Klaus se senta na cadeira vaga deixada por Raven e se acomoda ao meu lado, como se a conversa fosse ser longa. Entretanto, eu não estou disposto a deixar isso acontecer, já que 1) ele é amigo de Shawn, O Babaca, 2) ele pode fazer o papel de leva e traz como se fosse um participante falsiane do Big Brother e 3) fazer essa noite de merda durar o próximo ano letivo inteiro se depender das piadas do jovem Hans, o Babaca.

— Sai daqui — bato em seu braço, para ver se ele se move — você vai estragar minha noite.

— Você não é assim. Não precisa beber pra esquecê-lo.

Encaro-o nos olhos pela primeira vez hoje.

— Como sabe?

— Você não é especial só porque tem Shawn Hans nas suas redes sociais. Outros mil seguidores também viram aquela foto quase apelativa. E eu sinto muito.

— Não é sua culpa. É minha. Eu acreditei nele… ou algo do tipo. Acho que fingi tanto acreditar nele que acabei acreditando de verdade em alguma parte dessa história.

— O Shawn é assim mesmo — diz, e chama o barman para pedir um copo de cerveja.

— Credo, você bebe essas coisas também?

— Ninguém é de ferro, não é mesmo? Talvez eu tenha minhas tristezas e você nem saiba.

— Está mentindo. E seu nariz vai crescer — começo a rir de minha própria piada idiota — porque você é igual a ele, Klaus. É igual a todos eles, mesmo sendo o menos ativo. Você é um babaquinha de plantão só por ter unido forças com aqueles outros lá — de repente a minha voz se ergue e pelo menos 30% das pessoas à volta começam a prestar atenção no que falo — vocês todos são uns babacas de merda. Todo mundo olha para vocês, e é nessa hora que vocês escolhem alguém com quem brincar. Escolhem o mais tímido, aquele que nunca denunciaria os babacas na direção do colégio. E brincam com o coração dele. E depois pisam nele. E depois pedem desculpas. E começam tudo de novo, porque todos vocês são assim!

— Daniel — meu tio chega por trás, segurando-me pelos ombros — você não acha que bebeu demais?

— Nenhum álcool dentro de mim vai ser suficiente para suprimir a raiva que sinto — respondo, me livrando de seu aperto e começando uma caminhada para fora do estabelecimento — E nenhuma gota d’água vai me fazer ficar menos decepcionado com os héteros desse mundo.

 

.::.

 

Quando volto para o apê do meu tio, tento dormir no sofá da sala. Meus esforços são em vão, já que o borrão de memórias em minha mente me impede de ficar em paz. Sendo assim, me arrasto com o cobertor dado por Andrew até a sacada, onde me sento na cadeira de madeira, me enrolo e assisto ao nascer do sol. O efeito do álcool lentamente vai deixando meu corpo à medida que eu percebo o barraco que causei no pub, e faço um lembrete mental de pedir desculpas ao Klaus pelo ocorrido. Mesmo tendo um pouco de verdade, meu discurso exagerou na gravidade da coisa.

— Você também não dormiu nada, né? — Melanie aparece ao meu lado, quase me dando um susto, com dois copos de café nas mãos — Quer?

— Não sou muito chegado, mas hoje eu preciso — tomo uma das canecas em minhas mãos e dou um grande gole do líquido — obrigado.

— De nada.

Ela se senta na outra cadeira, e ali ficamos nós dois, observando aquele momento tão renegado por pelo menos toda a população preguiçosa desse país que se recusa a ver uma coisa dessas.

— O porre de ontem foi bem porreado, não é?

— É — respondo, ainda encarando o amarelo do céu.

— Sabe, eu sei que você não armou aquele negócio todo por querer… mas tinha um pouco de coisas reais ali, não tinha?

— Com certeza, tinha — inspiro e expiro profundamente — eu só estava cansado de ser feito de trouxa, sabe?

— Todo mundo um dia diz isso. Mas no dia seguinte, lá estão eles sendo trouxas de novo, porque é isso o que as pessoas fazem.

— O quê?

— Elas não saem da zona de conforto. Têm medo. Mas você é diferente, Danico. Mesmo tendo feito isso tudo por linhas tortas, você escreveu certinho essa sua grande atitude de fazer a diferença no seu pequeno mundo. Washington é pequena demais para o que você pode fazer. Você merece o mundo. E eu mereço um planetinha mísero dele só por estar perto de você nessas horas.

Viro minha cabeça e encaro a grande filósofa contemporânea Melanie Schmidt. Minha grande amiga virtual, que veio passar uns tempos comigo para me tirar do fundo do poço onde eu já estava me metendo. Ela, Peter, Raven e — eu sei que é meu tio, mas — Andy me deram essa noite mágica onde eu me libertei.

E sinto a necessidade de falar.

— Você e meus amigos me deram uma das melhores noites da minha vida ontem — falo enquanto vejo o vento bater em seus cabelos e bagunçá-los para dar a impressão de que ela acabou de acordar. Não que o vento precise fazer isso com ela, mas tudo bem — eu bebi, dancei, roubei o elefante de pelúcia do Peter, gritei com o filho do meu professor e bebi mais. Mas acima disso tudo, estive com vocês. E essa definitivamente foi a melhor parte.

— Nós sempre estaremos aqui — Mel estende a sua mão direita para apertar meus dedos, e eu a aceito — não importa o quê, somos seu exército, meu amigo. Faça a merda que você fizer, a gente vai estar lá pra te ajudar a consertá-la.

— Obrigado.

— Mas, claro, faremos isso depois de te dar uns pontapés por fazer a tal merda.


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Notas finais do capítulo

Muito fofinha a amizade entre Daniel e Mel, não é? (NATASGA EU TE AMO) E o que vocês acharam do textão de efeito que ele jogou pra cima do Klaus? Foi justo? Podia ter sido evitado? Quero vê-los comentando, por favor. A gente aqui fica muito feliz sabendo da opinião do público ;)
Voltaremos em abril. SIM, só em abril. Porque o trato foi de retornar com OCDB com apenas um capítulo por mês, e o próximo será da Lola. Então, tecnicamente, a gente se vê em maio ;)



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