Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 49
Coragem


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas :3 Voltei, como de costume, pouco depois de episódio novo. Aliás, que episódio, mas enfim...Aproveitem.



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A presença de Priya já não me incomodava tanto. Tudo bem, não deveria ter incomodado desde o início de qualquer jeito, mas pelo menos eu resolvi essa parte da minha vida. E parece que eu não era a única formando opiniões sobre a novata. Ambre e suas duas amiguinhas discutiam um dia, no banheiro.

─ Acham mesmo que devíamos convidá-la, então? ─ A voz irritante de Ambre chegou até mim dentro da cabine. ─ E se ela não for isso tudo?

─ Já discutimos isso tudo. ─ Charlotte. Só ela tinha aquele tom esnobe nojento. ─ Ela é bonita, parece bem educada e saber das coisas que importam. Ela não teria porque não querer andar conosco.

Mais alguma discussão imbecil e elas saíram do banheiro. Suspirei e abri a porta da minha cabine, pegando a mochila no gancho atrás da porta. Seria uma decepção se Priya realmente quisesse virar amiga delas. Eu preferia imaginar que ela era mais esperta.

Encontrei Nathaniel na escada, com uns cinco livros num braço, uma caneta na mão e um caderno equilibrado numa coxa, com o pé apoiado na escada. Peguei os livros do braço dele, causando alarde.

─ Ah, oi. Só um minuto. ─ Ele acabou de escrever qualquer coisa e enfiou a caneta no bolso da jaqueta, pegando os livros de volta. ─ Obrigado.

─ Não sabia que estava virando equilibrista.

─ Seria bastante útil. Que cara é essa?

─ Sua irmã escolhe as amizades a dedo.

─ Amizades? Qual é dessa vez?

─ Querem Priya no grupinho delas.

─ Não existe compatibilidade. Uma é inteligente, a outra…

Tive que rir. Eu sei que ele se sentia meio mal em falar assim da irmã, mas que também tinha noção que era a verdade. Dei de ombros, ajudando-o a deixar os livros na biblioteca e indo para a aula. Mais um horário arrastado sob as ordens de Delanay.

No fim da aula, Priya estava parada, lendo algo em seu caderno, quando Ambre foi até ela, sozinha. A indiana ergueu os olhos, calada, com a pose tranquila de sempre. A loira deu um sorriso pouco simpático e começou seu discurso.

─ Sabe, Priya, eu e minhas amigas gostamos muito de você.

─ Obrigada. ─ Ela ia voltar a ler, quando a outra prosseguiu. Notei uma leve irritação no olhar da morena. Segurei o riso.

─ Você vai ser bem vinda no nosso círculo. Só precisa se manter leal e…

─ Não, dispenso.

─ Como é? ─ Aquilo desconcertou nossa abelha rainha, mas Priya nem mediu as palavras ao justificar.

─ Vocês são fúteis, irritantes e sem graça. A última coisa que eu gostaria seria sua companhia. Além disso, acho que vocês iriam regular meu relacionamento com os outros, feito a Anna, por exemplo. Logo, dispenso.

─ Você não pode simplesmente dizer que não quer.

─ Claro que posso, acabei de dizer.

Sem mais uma palavra, Ambre apanhou a bolsa na cadeira e saiu, pisoteando o chão com os saltos. Não me aguentei mais e cai na gargalhada, fazendo Priya se virar, também sorrindo.

─ É mesmo a primeira vez que ela ouve isso?

─ Nem ideia. ─ Dei de ombros. ─ É a primeira novata que eu conheço, sem me contar. E ela nunca seria minha amiga, considerando nosso passado.

─ Conhecidas de longa data?

─ Podemos dizer que sim. Eu já quebrei umas duas bonecas dela junto do Nathaniel. E empurrei ela de cara na caixa de areia do parque uma vez.

Priya deu uma risada, finalmente fechando seu caderno e indo para o almoço. Acabei acompanhando-a, ainda falando sobre a cena na sala. Ela me contou como nas outras escolas já lidara com todo tipo de patricinha metida. Ambre parecia fichinha.

─ Ainda assim, fique atenta por um tempo. Você machucou o ego dela.

─ Eu sei me cuidar, mas obrigada pela consideração. Bem, vamos? ─ Abri a porta da cantina para ela, que agradeceu, e a segui.

Sim, eu fora injusta antes. Era vergonhoso. E era pior ainda como eu precisei de uma leve massageada no ego para conseguir levar a situação numa boa. Digo, eu fiquei com um certo ciúme dos meninos. Pelo menos do tratamento. Tudo parecera tão mais difícil para mim.

Depois de uma semana, Priya já sabia das maiores histórias e confusões daquela escola, até mesmo antes da minha chegada. Claro que eles sempre deixavam as minhas confusões para o final. Eu fingia ficar emburrada, mas Alexy sempre ria mais ainda.

Naquela tarde, assim que eu sai da última aula mais tarde que o normal, vi Ambre fechando seu armário e andando na direção de Priya. Eu ia chamar a menina, mas ia acabar causando a distração necessária para o diabo loiro. E no fim, eu nem precisei avisá-la de nada. Assim que a ponta brilhante da tesoura saiu da bolsa, Priya agarrou seu pulso e tomou a tesoura.

─ Olha só, isso é para mim? ─ Ambre ia fugir, mas Priya ainda a segurava. ─ Acho que meu cabelo está num bom tamanho, não? Já o seu, tem muitas pontas duplas. O que acha de acabarmos com algumas?

Até estranhei a reação de Priya. Ela abriu a tesoura e a fechou sem o menor receio, e sem reparar no estrago. As madeixas loiras iam se espalhando, até ela conseguir se livrar e gritar antes de correr.

─ Sua louca. Vagabunda.

─ Me deixa em paz. ─ Ela resmungou, tacando a tesoura no chão e fechando o armário, saindo de lá. Aquilo era o que ela chamava de lidar com metidas e entojadas? Parecia radical. Era melhor do que meu método, que envolvia simplesmente tentar retribuir a frase venenosa.

─ Minha nossa…

─ Eu te disse para não se preocupar. Bem, você vai para casa? ─ Calma e sorridente como sempre. A reação era um tanto assustadora, mas decidi não julgar. Cada um com suas decisões.

─ É, estou indo. Já vi que posso te deixar sozinha. Te vejo amanhã.

─ Até mais.

Sai meio na pressa. Eu, talvez, preferisse não ter visto a cena. Ignorei a situação e tomei o rumo de casa, colocando os fones nos ouvidos. Dentro de casa, eu deixei a mochila no chão e fui conversar com Alexy pelas mensagens, já que ele tinha me mandado algumas antes.

Na manhã seguinte, eu quase perdi o alarme. Pulei na primeira roupa que eu achei, que estava longe de ser bonita como Rosalya gostava de me cobrar, e corri para a cozinha, enfiando dois biscoitos na boca e deixando o apartamento.

Cheguei minutos antes do sinal, Priya e Iris ainda conversavam no portão. Elas me deram bom dia, ao que respondi com um aceno e entrei no pátio, limpando os farelos dos cantos da boca. Tive que passar no banheiro para lavar o rosto mais uma vez, por isso perdi o bendito sinal. Faraize simplesmente indicou o assento vazio quando cheguei na sala.

Ocorria de ser bem ao lado de Castiel. Ele ria, segurando parte do cabelo para trás com a mão. Peguei um elástico dentro da mochila e joguei na mesa dele, fazendo-o dirigir o sorriso diretamente para mim.

─ Não é normal te ver atrasada.

─ Você de bom humor é menos ainda. ─ Achei que ele ia resmungar, mas ele sorriu mais ainda e prendeu o cabelo com minha gominha. Não é que ele ficava bonito com o rosto mais exposto? Fazia sentido, ele tinha traços bonitos.

Sacudi a cabeça e passei a anotar a bendita matéria. Ele fez o mesmo, ou pelo menos escreveu algo no caderno. Quando finalmente fomos liberados da aula, vi Li e Charlotte correndo para encontrar Ambre. Considerando a cena do dia passado, fazia sentido ela estar se escondendo.

Acabei decidindo fazer a mesma coisa. Eu queria ver como ela tinha resolvido daquela vez seus problemas estéticos. Entrei numa das salas vazias, dando de cara com Nathaniel falando de braços cruzados com Kim, sentada de cara emburrada.

─ Vamos, Kim, já está melhor.

─ Para de encher, já tem uma semana e eu ainda sou uma porta.

─ Você quem está dizendo. Seu problema está sendo falta de confiança.

─ Ah, vai pro inferno com esse papo de confiança.

─ Vai por mim, já vi piores. Bem piores. Trigonometria não é fácil para a maioria dos estudantes.

─ Claro, mesmo assim, hoje não dá. Eu nem tenho um transferidor nem nada.

─ Não por isso, eu te arrumo um. Quer ver… ─ Só então eles me viram na sala, quando eu já ia desistindo de achar Ambre ali. ─ Ah, Anna. Você tem um transferidor?

─ Tem um largado no meu armário. Quer que eu pegue?

─ Não, eu mesmo vou. Obrigado. ─ Ele agradeceu, saindo comigo da sala e indo para o meu armário. Indispensável dizer que até minhas senhas ele sabia, não é? Pelo menos a maioria. Voltei à procurar a demônia.

Olhei pela escola toda, mas não a encontrei. E logo a aula começaria. Resmunguei, saindo do prédio e indo ao jardim. Por um acaso, achei Nina, murmurando sozinha. E pela cara dela, tinha algo de errado. Até ia perguntar se estava tudo bem, mas ela continuou perdida em si mesma. Deixei.

Quando o sinal tocou e eu estava para voltar para a sala, a loira chegou, numa roupa bem chamativa. Dava para ver a linha do collant preto na perna, onde o jeans ainda não cobria. Ela quase conseguiu escapar de mim. Quase.

─ Olha quem apareceu. ─ Ela até pareceu gelar no lugar, o celular preso na mão com tanta força que parecia que ia quebrar. Cruzei os braços, meio decepcionada. ─ Ficou muito bom.

─ Cala a boca.

─ Eu estou falando sério, infelizmente. Pelo menos no seu caso não foi um surto seu. ─ Apontei pro meu próprio corte, pouco maior que o dela. ─ E se te conforta, cresce mais rápido.

─ Eu não ligo. Sai daqui. Vai rir com seus amiguinhos. ─ Ela saiu batendo pé. Fui na frente, correndo para a sala. Não tinha do que rir. Eu realmente estava falando sério. Ela ficou mesmo mais bonita, mais elegante.

O que ainda me incomodava era o motivo da mudança. Não me entenda mal, eu até acho que Ambre precisava de um bom sacode de vez em quando, mas aquilo tinha sido agressivo demais. Rosa reparou que eu estava pensativa, no fim da aula, e acabou perguntando enquanto íamos para o almoço.

─ É sério isso? Quer dizer, ela não me parece ser assim.

─ Eu pensei nisso também. Você conhece meu histórico com Ambre e se nem eu fiz aquilo…

─ Ok, mas ela também nunca te atacou assim. Supostamente.

─ Bom, a Li esfolou minha mão no início do meu ano aqui.

─ Não foi a Ambre. ─ Fui obrigada a concordar, pegando a bandeja e entrando na fila. Rosa aproveitou que estávamos sozinhas na fila para encher seu prato, mudando de assunto. ─ Agora, vamos ao que interessa. Como anda sua situação com nosso querido Lys-fofo?

─ Situação? Que situação?

─ Você gostar dele, idiota. Quando pretende chamá-lo para sair?

─ Se depender de mim, nunca. ─ Ela ia me bater com o almoço, eu estava pressentindo. ─ Eu tinha desculpa antes, Rosa. Não dá pra chegar assim.

─ Claro que dá. Oi, eu acho que estou tendo uma leve quedinha por você, podíamos passar uma noite juntos e nos beijarmos logo. Quanta enrolação, credo.

─ Não dá não. Dá para me ajudar?

─ Olha, eu estou te dando muito apoio, dando dicas e tudo sobre ele, mas… ─ Ela esperou eu acabar de me servir para continuar. ─ Leigh e eu costumamos sair muito, num restaurante da beira da cidade. Não é exatamente perto da sua casa, mas...É um ambiente legal.

─ No que isso me ajuda?

─ Lys nos acompanha de vez em quando. Leigh se sente meio mal por deixá-lo sozinho por muitas noites, então ele acaba levando o irmão. Nós vamos lá na sexta feira a noite. Você pode aproveitar e convidá-lo, dizendo que eu te chamei para ir com a gente.

─ Não faria isso por mim, faria? ─ Perguntei, sorridente. Okay, eu achava um jantar meio formal demais, mas estávamos falando de Lysandre. Achei a cara dele um primeiro encontro num jantar, mesmo que de dupla. Ela sorriu de lado, abrindo sua caixinha de suco. ─ Ah, obrigada, linda.

─ Agora, você chama. Já estou te dando o queijo e a faca, só falta você fincar um no outro.

─ Por que eu fincaria a faca no queijo? A ideia é que eu deveria usar para fatiar o queijo.

─ Porque eu espero que ele finque algo em você, não te fatie. ─ Ela comentou, séria. Eu fui obrigada a cair numa gargalhada, meio envergonhada pela situação. Alexy abriu lugar para nós na mesa, perguntando o que era, mas Rosalya mudou o assunto. Aquela menina ainda ia me matar, fique claro.

Ela tinha razão, no entanto. Eu só tinha que chamá-lo. A ansiedade aparecia só de pensar em como fazer isso. Muito direto seria um pouco assustador, pros dois. E muito indireto, sejamos francos, era capaz que ele não entenderia. Sutil e ainda assim claro. Ótimo. Só que eu provavelmente ia começar a me enrolar na própria língua.

Acabei de comer e fui para o jardim, querendo esvaziar um pouco a cabeça. Ironicamente, adivinhem quem estava sentado no banco, caneta e bloco de notas nas mãos. Até pensei em deixá-lo em paz, mas Rosa tinha me dado uma dica de tentar passar mais tempo com ele. Respirei fundo e fui andando para as costas do banco.

A poucos passos, mesmo sem intenção, eu consegui ver partes do papel do bloquinho. E não eram escritos. Parecia, na verdade, que ele estava distraído, desenhando algo bem simplório nos cantos que sobravam em branco. Não me contive, vendo parte de uma bonequinha na folha.

─ O que está desenhando?

Foi engraçado ver um homem daquela altura dar um pulo, alarmado. Comecei a rir, indo para seu lado no banco. Ele fechou a capa, ainda preocupado em não me deixar ver mais nada, o semblante fechado.

─ Relaxa, eu não vi nada demais. Só uma meia boneca. Até ai, quem não desenha esse tipo de coisa durante a aula, ou distraído? Era algo demais?

─ Não, você só me assustou. Não era nada. ─ Sorri mais ainda, deixando-o meio sem graça.

─ Desculpa. ─ Dei de ombros, fechando a boca. Ele deu um sorriso fraco, guardando a prova do crime. Aquele silêncio entre nós era relativamente confortável. Me dava uma vontade de escorar a cabeça no ombro dele e simplesmente sentir o cheiro dele. Era a chance ideal para chamá-lo. Só que eu, feito uma idiota, não consegui nem puxar assunto.

Fiquei ali com ele, nas conversas simples até poucos minutos antes do fim do almoço. Pedi licença e disse que tinha que ir pegar meu material, ao que ele só acenou e me deixou ir. Fui até meu armário, decepcionada comigo mesma. Alexy estava lá, esperando ao lado da minha portinha. Sorriu do jeito malandro quando me viu. Lá vinha.

─ Então, alguma novidade?

─ Rosa te falou, não foi?

─ Se não fosse ela, não ia saber nunca, pelo que eu estou vendo.

─ Não exagera, Alexy. Eu só estou esclarecendo algumas coisinhas antes de decidir mesmo.

─ Tipo qual menino você realmente quer? Porque nunca vi dar bola pra tanta gente assim.

─ Eu não faço isso.

─ Kentin e meu irmão provam o contrário.

─ Seu irmão quem me assedia. E Kentin já me superou. Nem vem.

─ E Nathaniel?

─ Amigo de infância, já disse mil vezes. É realmente só Lys, Alexy.

─ Entendi. Bom, espero que você continue me atualizando. Seu segredo está a salvo comigo.

─ Muito obrigada.

─ Já vou entrar, quero falar com Rosa antes do Faraize chegar. Priya vem ai. ─ Ele me deixou, acenando para a menina no corredor. Ela acenou de volta, sorrindo para mim.

─ Olá.

─ Ei, Priya. Precisando de algo?

─ Hum, não necessariamente. Eu vi você ontem, sabe, depois do ataque da Ambre. ─ E seu também, mas não disse nada. ─ Desculpa pela cena, mas espero que concorde comigo.

─ Priya, ela merece. E não sou eu quem vai te ensinar a lidar com ela. Relaxa.

─ Sim, obrigada. ─ Ela hesitou um pouco antes de prosseguir. ─ Posso perguntar algo?

─ Claro, manda.

─ Você e Lysandre...Você gosta dele? Tipo…

─ Oh.

─ Desculpa, eu não…

─ Não, tudo bem. É só que geralmente perguntam isso sobre Nathaniel, porque a gente não se desgruda. ─ Ela sorriu, compreendendo a situação. Lysandre ser o primeiro palpite dela foi surpreendente. Até ai, eu senti que deveria marcar meu território. ─ Eu tenho meu interesse, mas ele ainda é solteiro e livre.

─ Não se preocupe, ele não faz meu tipo. E além do mais, eu só queria confirmar. Obrigada pela confiança.

─ Tudo bem. Bem, vamos para a aula?

─ Claro, vem. ─ Nós duas ficamos juntas durante a aula, enquanto eu olhava para Lys, bancos na minha frente, distraído. Até para ele, era uma situação incomum a falta de atenção na aula. Pelo menos naquele nível. Nem Castiel parecia entender direito.

Fui falar com ele quando a aula acabou. Tive que correr até o portão, mas quando ouviu seu nome ele parou e esperou. Agradeci, sorrindo. Ele sorriu de volta. Eu tinha reunido toda minha coragem depois de falar com Priya, era a hora.

─ Oi, Lys. Tudo bem?

─ Sim, você?

─ Hum, tem certeza? Parece mais perdido que o normal. ─ Ele riu de leve, negando com a cabeça. ─ Bloqueio criativo? Brigou com Leigh? Não, vocês se dão bem. Ah, Nina?

─ Por que pensou nela?

─ Eu a vi mais cedo, parecia meio confusa. E falando sobre você, para variar.

─ É. Bom, digamos que está ficando insustentável. Eu sei que ela é criança, mas é por isso mesmo. Ela não ouve ninguém, mesmo que eu já tenha dito que ela precisa de outros hobbies além de me seguir.

─ Bem, criança não é bem o termo, mas ela é bem mais imatura que a gente. Eu acho. Agora, se tem alguém que ela ouviria, é você. Ela gosta muito de você. Tipo, sério, ela vigia meu prédio só para me perguntar de você.

─ Sua casa?

─ Se ela fosse uma louca de vinte e qualquer coisa eu teria medo, mas seus quatorze, dá pra relevar. De todo jeito…

─ Entendo. Bem, ela sempre foi exagerada, mas agora parece pior.

─ Confesso que me preocupa um pouco que ela saia de casa durante o dia todo só para te seguir. Como você disse, ela é bem nova.

─ É, mas eu vou tentar falar com ela. Ela vai acabar ouvindo. ─ Concordei, segurando a alça da mochila. ─ Mas foi para isso que veio me ver?

─ Ah, não. ─ Realmente, aquilo tinha sido um baita desvio. Voltei a ficar com as mãos suadas e o coração a mil. Merda. ─ Eu queria te perguntar algo, na verdade.

─ Pois não?

─ Hum, Rosa me chamou para jantar com ela e Leigh nessa sexta, num restaurante que eles vão sempre e...Eu achei que ia ser meio vela ir de bico no encontro dos dois e você é irmão dele, logo…

─ Eu te acompanho, se é isso que você quer. Digo, eu entendi assim e…

─ É o que eu quero mesmo. ─ Sorri, meio sem graça. Ele sorriu, colocando meu cabelo atrás da minha orelha. Tive que me controlar para não fechar os olhos e inclinar a cabeça na direção da mão dele, feito um gato que gosta de carinho.

─ Vai ser um prazer.

─ Obrigada. Te vejo na sexta então?

─ Claro. ─ Agradeci mais uma vez, sorridente. Meu Deus, eu realmente não sabia disfarçar. Ele riu e voltou a andar para sua casa. Fui correndo para a minha. Agora era só falar com minha mãe e fim.

Passei num caixa rápido e saquei um dinheiro da minha poupança, indo direto para a loja de Leigh. Rosalya estava lá e me viu antes mesmo de entrar no lugar. Ela sorriu, esperando eu dizer algo. Comentei.

─ Ele disse sim.

─ Ah, eu sabia. Temos que escolher uma roupa para você, tem que estar linda. Hum, deixa eu ver. Amor, onde estão as peças da coleção nova?

─ A arara da entrada.

Aceitei a ajuda. Tudo que eu via ela falava que era muito simples, até achar um vestido cinza. Ok, achei estranho a primeira vista. Primeiro pelos detalhes coloridos no meio do cinza, depois pelos cortes das mangas e decote. E nas laterais. Não era bem meu estilo. Olhei para ela.

─ Confia em mim uma vez na sua vida. Eu sei o que eu estou fazendo.

─ Eu não estou duvidando. Só que eu acho que isso vai deixar minhas coxas mais roliças ainda.

─ Coxa grossa é o sonho de toda mulher. E acredite, ninguém vai reparar nisso. Só veste, eu pego os sapatos. ─ Os sapatos sim eu estranhei. Vale lembrar que eu não tinha hábito de usar saltos tão altos assim. Ela teve que me treinar por uns dez minutos, até eu ficar sozinha. ─ Pronto. Você vai ficar maravilhosa. Marca os olhos, batom vermelho e pronto. Linda.

─ Obrigada, Rosalya. ─ Ela sorriu, mais triunfante ainda. ─ Agora me dá a facada.

─ Eu pago.

─ Como é? Deve ser caro, anda, fala logo.

─ Não. Fica sendo meu presente. Só aceita.

─ Ok, mas eu te retribuo depois.

Ela pegou a roupa e foi até o balcão, embalando o vestido do jeito mais cuidadoso possível. Parecia que estava mexendo com uma peça de cristal. Peguei a sacola e fui para casa, checando a hora. Minha mãe ainda não estaria em casa. Excelente.

Abri meu guarda roupa e enfiei a sacola lá, deixando a mochila no canto de sempre e fui para a sala. Na exata hora, ela chegou. Sorri com a sorte que eu dera. Sorri e lhe dei um abraço, disfarçando.

─ Mãe, posso te pedir uma coisa?

─ Claro. Se importa de ir buscar pão, antes? Estou louca por uns croissants também. ─ Ela pegou umas notinhas amassadas do bolso de trás da calça. ─ Aqui. Fique com o troco.

Bom, não me custava. Fui correndo comprar no mercado que ela gostava e voltei para casa, as moedas do troco no bolso. Deixei o lanche na cozinha e voltei a tocar no assunto. Ela aceitou ouvir, ligando a cafeteira.

─ Então, Rosa me chamou para sair nessa sexta e…

─ De novo? Vocês têm saído bastante, hein?

─ Bom, sim. Dessa vez ela queria me levar num restaurante nessa sexta feira e…

─ Oh, temos o jantar da tia Ágatha na sexta. Eu não sabia, então confirmei sua presença. Ela anda me perguntando muito o motivo dos seus sumiços. Vai ter que desmarcar com Rosa.

─ O que?

─ Não faça essa carinha, ela vai entender. Sempre podem ir outro fim de semana. Precisa aproveitar sua família também.

Merda. Eu não podia simplesmente não ir naquele jantar bendito. Se eu falasse de Lysandre ela até poderia considerar, mas eu não queria me abrir assim. Ela era minha mãe, afinal de contas, era meio embaraçoso. Desanimada, subi pro meu quarto. Uma chance perfeita indo por ralo abaixo.


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Notas finais do capítulo

Tive que dividir porque estava mesmo muuuito grande. Um grande abraço ♥