Natural Selection escrita por Paper Wings


Capítulo 7
Cap. 6: Eyes Wide Open


Notas iniciais do capítulo

Voltei, gente! Tudo bem, walkers? Que saudades de vocês. Já vou falando agora: não, eu ainda não assisti ao episódio 9 nem ao 10. T.T Já vi todos os spoilers possíveis e impossíveis, já chorei, já surtei... Argh! O insta é uma fonte de discórdia, fala sério!
Estamos com 35 acompanhamentos, 8 favoritos e 2 recomendações! Yaay! Só me senti na necessidade de dizer isso mesmo. Hahahahaha Muito obrigada, meus walkers de Nutella! {Ai, nojento. Imagina?}
Boa leitura.



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"But only a few ever worried

While the signs were clear, they had no idea

You just get used to living in fear

Or give up

When you can't even picture your future"

Eyes Wide Open - Gotye

 

Talvez eu tivesse sido rude demais. Assim que interrompi Carl, seu semblante permaneceu fechado por muito tempo. Na verdade, tempo demais. Eu não poderia me dar ao luxo de me importar com estranhos, mas algo em meu peito dizia que ser grossa o tempo todo não era uma boa maneira de fazê-los confiar em mim. Só que eu temia começar uma mentira, fingindo simpatizar com eles e, no final, ser pega pelas minhas próprias ações. E se tudo se repetisse e eu desse uma de idiota iludida novamente? Eu tinha duas opções: correr o risco e me destruir durante o processo ou me precaver e acabar sobrevivendo. Simples equação, eu diria.

— Você poderia ser menos chata, sabia? — Ele cuspiu as palavras, irritado. — Só deixa você com mais cara de idiota.

Eu tive de piscar algumas vezes para compreender que o filho do xerife se referia a mim. Virei lentamente o rosto em sua direção, franzindo as sobrancelhas em uma expressão explícita de "O que disse?". Provavelmente, eu não era a pessoa mais agradável do universo, porém, não jogava na cara verdades daquela maneira cruel e fria. Ou jogava?

— O que quer... — Mordi minha língua.

Antes de terminar minha frase, obriguei-me a parar, erguendo o queixo para observá-lo melhor. Analisei o rosto do jovem atentamente. Suas bochechas estavam com uma leve tonalidade vermelha de raiva, seu maxilar estava travado e... Havia algo a mais. Os olhos azuis de Carl pareciam brilhar, premeditando o que quer que eu fosse falar. Ele tentou me manipular? Droga, eu quase tinha caído em sua armadilha... Precisava ficar mais atenta.

Arfei, indignada por minha falta de atenção, e voltei a olhar o absoluto nada e a absorver as palavras dirigidas a mim. Eu estava sendo chata, era verdade. Idiota? Depende... Para ele, até poderia ser idiotice, mas para mim, era uma questão de sobrevivência. Precaução, eu diria. Se eu começasse a revelar informações acerca de meu passado, eu me tornaria vulnerável; fraca. Fraqueza levava à possibilidade de descarte, ou seja, morte.

 — Ahn, Carl, não é? — A tal Maggie surgiu da cozinha, interrompendo meus pensamentos. — Poderia levar essa cesta para o seu grupo? Já está tudo lavado e pronto para vocês comerem. Agradecemos pela ajuda na colheita.

 O garoto esboçou um sorriso educado, algo que me surpreendeu. Então, ele sorria... Por que será que ele passava tanto tempo sem demonstrar alegria? O que aconteceu para que o filho do xerife quisesse demonstrar tanta força? Ele limitava-se a esconder sua humanidade, assim como... Assim como eu.

 Carl pegou a cesta, a qual estava preenchida por cenouras, tomates e batatas. Não havia mais tantos indícios de terra e os alimentos frescos pareciam tão tentadores. Há quanto tempo eu não comia coisas sem serem enlatados próximos da data de validade? Bom, eu tinha jantado uma refeição bem incomum na noite passada, porém, isso era outra história. Eu estava com muita vontade de comer um pouco daquelas cenouras...

 Assim que a mulher nos deixou, o garoto adquiriu a postura fechada novamente e encarou-me. Parecia até de propósito, porém, havia algo nessa história que ainda estava errado. Faltavam peças do quebra-cabeça e eu iria encaixá-las em breve, observando cada gesto do filho do xerife. Eu descobriria o que estava por trás de sua face e, assim, teria mais chances de enganá-lo e sair da fazenda.

 Comecei a andar antes mesmo que ele acenasse, como sempre, indicando para que eu fosse na frente. Eu duvidava um pouco que ele pudesse apertar o gatilho e atirar em mim, caso eu decidisse fugir, porém, não poderia dizer o mesmo em relação ao restante do grupo. Eles exalavam perigo e, desde aquele dia, eu nunca ficará em meio à tanta gente. No fundo, eu sentia que poderia ser esperta o suficiente para enganá-los, contudo, ao mesmo tempo, tinha plena noção de que pensar no passado tantas vezes — de uma maneira tão forte que era impossível não se preocupar — acabaria por me distrair dos meus objetivos.

 Segurando as alças de minha mochila atentamente, analisei o vasto ambiente que a fazenda comportava. Era, de fato, um belo lugar. Como não havia sido tomado por errantes ainda? Bom, era um dos grandes mistérios, os quais precisava resolver; algo me dizia que tinha algo de errado ali. Calmo demais, rotineiro demais...

 Avistei Lori, que vinha em nossa direção, fitando-me levemente desconfiada de mim. Era bem claro que ela não estava nem um pouco satisfeita com a decisão do filho me vigiar. Ao chegar perto o suficiente, aproximou-se de Carl com uma expressão meio ressentida. Provavelmente, conversaria sobre a possível discussão entre eles, a qual ocorrera um tempo atrás.

 — Carl, posso falar com você?

 Fingi não prestar atenção, mas eu estava atenta a tudo. Desde aos dois a poucos centímetros de mim até Carol. Esta, encontrava-se perto do trailer, onde o velho de chapéu de pescador e Glenn cuidavam do perímetro, e segurava algum objeto, com um olhar um tanto perdido. Desviei minha concentração por alguns minutos para descobrir se o filho do xerife iria falar com a mãe ou não.

 O garoto suspirou e também parecia pronto para fazer as pazes, mesmo estando meio revoltado ainda. Não demorou muito para que ele assentisse e a mulher desse um sorriso de lado, aliviada. Ela estendeu o braço e bagunçou o cabelo do jovem, o qual fez uma leve careta, e depois colocou a mão por sobre seu ombro, direcionando-o ao acampamento improvisado.

 Era a minha chance. Se eles se mantivessem ocupados por tempo o suficiente para que eu analisasse o local com um pouco menos de cautela e sem a necessidade de disfarçar minhas falhas tentativas de observação e procura por minhas armas, eu poderia, enfim, conseguir. Eu não aguentaria passar mais longas semanas ao lado daqueles perigosos estranhos, então, tentei ficar minimamente mais otimista, algo que não conseguira fazer durante os anos de isolamento. Parece sem sentido manter o otimismo aceso quando o mundo apenas avacalha com você.

 Percebi que Carol segurava uma encardida boneca de pano. Pelas minhas contas, pertencia à garota desaparecida, sua filha. Deveria ser extremamente difícil para ela, sendo que era óbvio o quanto se importava com a menina. Diferente de certas pessoas... Não, eu me recusava a pensar neles. Já era hora de superar meus demônios... Por outro lado, parecia um objetivo inalcançável a esse ponto.

 — Carol. — A mãe de Carl chamou-a, despertando-a de seus devaneios. — Pode tomar conta dela? — Apontou para mim, enquanto pedia para o filho deixar a cesta de hortaliças no chão. — T-Dog foi buscar água, mas já está voltando.

 A mulher de cabelos grisalhos esboçou um leve sorriso, limpando os traços de lágrimas em seu rosto, e concordou. Lori assentiu algumas vezes, mais para si mesma, vendo que estava tudo certo, e saiu com Carl para conversar, deixando-me ali, novamente à companhia de Carol. Esta levantou, abrindo a porta do trailer e depositando o brinquedo em algum lugar lá dentro e, logo, voltou-se a mim. Era bem aparente o esforço que ela fazia para engolir o choro e tentar passar um pouco de segurança. Eu sabia. Sabia muito bem, pois era o que eu fazia de melhor: mentir para mim mesma, fingindo que era alguém forte, moldada para viver o apocalipse, porém, não passava de um mero nada.

 — Que tal fazermos legumes cozidos para o almoço? — Sugeriu, batendo as mãos contra a calça. — Quando a água chegar, colocamos tudo em uma panela e teremos algo mais nutritivo que aqueles feijões enlatados e próximos do prazo de validade, não acha?

Não respondi. Mantive contato visual por alguns segundos e, em seguida, já estava captando todos os detalhes possíveis da paisagem ao meu redor. Encarei o teto do trailer rapidamente, encontrando, desconfortável, com o olhar de Glenn por um tempo, o qual trajava um boné branco e com aba azul, mas imediatamente fingi prestar atenção no céu azulado e com poucas nuvens. Senti que ele não me fitava mais e voltei a analisar os dois homens. Agora, ambos estavam concentrados na mata, cada um cobrindo um lado do perímetro. Eles ainda não apitavam no meu alarme de perigo iminente, mas aparências poderiam enganar...

 Olhei de soslaio as barracas, imaginando se minhas coisas estavam em uma delas. Eu estava tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe de descobrir. Algumas delas tinham a lona meio entreaberta e aproveitei que Carol estava ocupada com os legumes e dei uns passos calculados e discretos para trás, tentando ver se reconhecia meu machado ou pelo menos uma de minhas facas em uma das tendas, a qual se encontrava mais próxima de mim. Nada. Apenas alguns colchonetes, mochilas e umas latas de comida, aparentemente.

 Praguejei mentalmente. É claro que não estariam ali; seria muita sorte encontrar meus pertences de primeira e sorte não era exatamente algo que andava ao meu lado ultimamente. De modo rápido, virei para trás e enxerguei Lori e Carl sentados nos degraus da varanda de Hershel. Além disso, não parecia que alguém me surpreenderia pelas costas. Engoli em seco e fitei o chão, avistando algumas pedras maiores que poderiam machucar facilmente um adulto, desacordando-o. Era bom saber que, caso alguém me atacasse de surpresa ali, eu conseguiria me defender também com as pedras. Dependendo, combate corpo a corpo não era uma boa ideia, então, era importante me prevenir, ainda mais considerando que não daria tempo de alcançar a tesoura de costura ou as agulhas.

 T-Dog, enfim, surgiu por trás de uma caminhonete, estacionada atrás do trailer, carregando uma espingarda, pendurada em seu ombro, e um balde bem pesado, ao que parecia. Enviou-me um olhar nem um pouco amistoso e depositou o galão próximo à Carol. Logo, sentou-se escorado a uma árvore, na sombra, sem tirar a atenção sobre mim.

 — Vamos descascar algumas batatas e cenouras e deixar os tomates para comermos assim, crus. — Apontou para os frutos vermelhos. — Maggie nos emprestou algumas coisas outro dia... Panela e colher de pau. — Ah, pode pegar aquele pote ali?

 Com as sobrancelhas franzidas, avistei o que ela queria e acabei por entregar à mulher. Rapidamente, Carol colocou água fresca na vasilha, junto com os tomates, deixando-os reservados na sombra, onde eles não aqueceriam pelo intenso sol. Era algo esperto.

Observei mais uma vez o ambiente ao meu redor, atenta se mudanças ocorreram e, ao sentir a presença da mulher a alguns passos de mim, por impulso fui para trás. Mantive uma postura séria e encarei, assombrada, o objeto que havia em suas mãos. Percebi a movimentação imediata de T-Dog, o qual estava em pé e fitava-nos perigosamente.

 — Me ajude a descascar as batatas e as cenouras. — Entregou-me um canivete fechado. — Venha.

 Por um tempo, continuei com o corpo em posição de defesa, preparada para qualquer ação invasiva da mulher, todavia, ela não se mexeu; permaneceu com o braço estendido, aguardando-me aceitar a pequena faca. Quais eram as possibilidades? Eu tentar alcançar o objeto cortante e, antes que pudesse fazer algo, a mulher me acertaria; ou talvez ela simplesmente quisesse que eu descascasse legumes... Era tão confuso e eu não sabia o que fazer.

 Notando minha incerteza, ela movimentou o braço, deixando claro que eu deveria pegar a faca, mas esse súbito gesto fez com que eu desse um instintivo passo para trás. Eu segurava a minha mochila rente ao corpo, imaginando se daria tempo de agarrar uma pedra ou tentar achar a tesoura de costura. Afinal, não fazia sentido. Por que ela queria me armar? Eu era perigosa para o grupo de Rick, certo? Ou eu precisava mostrar mais audácia para deixá-los mais ameaçados? Estava ciente de T-Dog mais perto e a cautela, agora, de Dale e Glenn sobre ambas de nós. Sem tirar os olhos de Carol, por fim, peguei o canivete, ainda desconfiada de que fosse uma armadilha.

 Assim que senti o peso do objeto em minha posse, andei para longe — uma questão de dois metros —, o abri e apontei para a mulher e para o negro, o qual estava preparado para atirar se necessário, revezando meu afoito receio entre eles. Provavelmente, meu rosto indicava mais medo do que deveria... Isso não era o ideal, portanto, forcei-me a suprimir o pavor de ter uma bala atravessando meu crânio e travei o maxilar.

— Por quê? — Indaguei com os dentes cerrados.

— Está t-tudo bem. — Carol tentou dizer, meio assustada pela minha reação. — Ahn, Katrina, não vamos machucá-la...

Arfei e tentei dar um sorriso debochado.

— É mesmo? — Dei mais um passo para trás, enquanto T-Dog deu um à frente. — Diga isso a ele. — Acenei para o negro, que me tinha em sua mira. — Por que você quis me dar isso?

— Eu... E-eu só quero que me ajude com as hortaliças, querida. — Embaralhou-se com as próprias palavras. — Venha. Não vamos machucá-la, não é? — Encarou T-Dog com um olhar mais querendo se certificar se o que revelava era verdade. — Por favor, ela não vai nos machucar. Certo, Katrina?

Estreitei os olhos, observando o semblante quase desesperado de Carol. Ela parecia se arrepender de ter nos colocado naquela situação, porém, e se fora tudo um plano bem arquitetado e a mulher fosse, de fato, a mentirosa que a imaginei sendo? E se ela desejasse que eu causasse alguma discórdia e eu simplesmente seria eliminada? Meu coração batia de maneira extremamente acelerada e eu tentava prestar atenção em tudo.

— É só uma criança, T-Dog. — Dale interveio, perplexo. — Não faça isso. Katrina, não é? — Fitou-me intensamente. — Por favor, devolva o canivete e tudo voltará aos seus conformes. É só devolver, querida.

Mordi os lábios, respirando pesadamente, e contemplei minhas alternativas. Eu nunca conseguiria me defender de uma bala sendo atirada contra mim. Não com um simples canivete, mesmo este me proporcionando um sentimento de coragem. Enfim, com uma ferramenta para me defender, por outro lado, ele não teria muita serventia, considerando as atuais circunstâncias. Decidi, assim.

Ergui os braços em sinal de rendição. Tentei mostrar que não planejava fazer coisas estúpidas e lembrei-me das conversas dos jantares em família, há tantos anos atrás. Papai falava de algum bandido, o qual se viu forçado a se render, contando como era fácil perceber quando eles tinham um ridículo plano em mente. Controlei minha respiração, portanto, e depositei o objeto na grama rala aos meus pés. Continuei com os braços erguidos, enquanto andava calmamente até Carol.

T-Dog recolheu o objeto causador de problemas e voltou a se sentar na sombra, porém, com uma carranca maior sobre mim. Como eu fora precipitada... Constatei que Dale e Glenn estavam aliviados que nada havia acontecido e a mulher começou a cuidar da tarefa de descascar os alimentos sozinha.

Foram uns bons minutos de clima tenso entre nós e eu mantinha minha postura ereta e precavida. Carol já havia terminado de descascar tudo e eu mexia os legumes na panela com uma colher de pau, sentindo o calor da fogueira aumentando o ar abafado da Geórgia. Estava muito calor e eu me sentiria intensamente entediada se não fosse o fato de ter pares de olhos minuciosos sobre cada gesto de minha parte.

— Você me lembra ela. — A mulher rompeu o silêncio. — Não é uma questão de aparência ou suas ações... Você só... Você apenas me lembra ela. Sophia era uma garota incrível... — Ela anunciou com os olhos marejados. — Minha filha virou minha razão de viver. Não posso perdê-la. — Fungou, forçando um sorriso esperançoso. — Você estando aqui só mostra como fui fraca ao cogitar desistir de encontrá-la.

Fitei o chão, desconcertada. Novamente eu me encontrava presa, sem ter a possibilidade de desviar do perigoso assunto do qual ela tratava. Nessas horas, eu admitia: preferia ter o filho do xerife ao meu lado. Ter ciência de T-Dog a poucos metros de mim, fuzilando-me como se, de repente, eu fosse tirar uma granada da mochila, me fazia sentir nada mais, nada menos que coagida. Com um clique, eu estaria morta. Não poderia esquecer que eu era o ser em desvantagem ali, a presa fácil, ainda mais após o pequeno show de minutos atrás.

— Como você sobreviveu tanto tempo sozinha?

Engoli em seco e encarei Carol com certa dificuldade, desconfiada sobre aonde a mulher desejava chegar. Ela não parecia estar atuando, fingindo uma casual conversa sobre o passado... Ou ela mentia absurdamente bem, ou dizia a verdade e não estava sendo usada como meio de adquirir respostas minhas. E se uma nova discussão ocorresse, como em relação ao canivete? Apesar de confiar em meu instinto de observação, esquecer por um segundo de quem esse pessoal desconhecido era — e poderia ser — resultaria em coisas ruins para mim, disso eu tinha certeza.

Dei de ombros, em resposta. Não havia uma fórmula de como sobreviver em total isolamento no fim do mundo. Você somente tinha que avaliar suas necessidades. Se viver era algo almejado, sacrifícios pessoais eram necessários, como, no meu caso, arquivar a palavra e o significado de "família" e tudo relacionado a ela: amor, carinho, confiança cega... Besteiras chamadas atualmente de obstáculos. E que obstáculos...

Notei que Glenn e Dale conversavam aos murmúrios, e o coreano estava ficando meio frustrado. Parecia estar sendo forçado a falar alguma coisa; estava com um semblante perdido em indecisão. Era algo sério. Coisas sérias me interessavam, pois normalmente eram conectadas à possibilidade de sobreviver ou não. Eu queria ficar em silêncio e tentar escutar, porém, não demorou para a mulher voltar a falar, infelizmente.

— Soube que sua família foi cercada por uma horda, anos atrás... — Ela prosseguiu, apesar de eu ter deixado claro que não estava afim de conversar. — Foi assim que a perdeu... Eu sinto muito, deve ter sido difícil.

Eu permanecia séria, sem derramar uma lágrima sequer. Não mais. Eles não mereciam esse gostinho; saber que me abandonar acabou me destruindo por dentro... O restante de beleza do mundo foi estraçalhado por uma simples ação desmedida; uma traição. Eu desejava com todas as minhas forças que Carol parasse de falar. O passado despertava ainda mais a minha fraqueza e não era hora de ser fraca. Pelo contrário, precisava ser mais forte que nunca.

— Me perdoe, querida.

Sentia como se o tema pesasse contra meu peito, sufocando-me. Meu coração palpitava rapidamente e minha respiração ficou entrecortada por um tempo. Fechei os olhos por alguns segundos, tentando canalizar minha dor e raiva em qualquer outra coisa. Já estava na hora de perdoá-los? Ainda mais após nosso último encontro? Não... Ainda não. Eu necessitava dessa dor justamente para sobreviver e não cometer os mesmos erros.

— Me desculpe, deve ser algo delicado. — A mulher expressou pena. — Não posso nem imaginar.

Dó? Eu não queria olhares caridosos ou desdenhosos — como os enviados por T-Dog —, nunca foram precisos. O que eu precisava mesmo era sair daquele ambiente antes de mergulhar em uma loucura sem volta e me afogar. Controlei o ímpeto de recuar e manter meu comum silêncio e decidi transparecer mais confiança.

— É delicado, mas reviver os gritos de dor e agonia deles não me ajudará a viver nesse mundo. — Mordi os lábios, absorvendo o peso das palavras referentes, na realidade, ao meu próprio sofrimento. — O tempo que eles tiveram antes de terem perdido a si mesmos... Algo dentro deles mudou, se transformou... O que eram antes desapareceu. — Obriguei-me a levantar meu queixo. — O luto será eterno, contudo, escondê-lo entre as cortinas é escolha própria... É algo que decide se a pessoa quer ou não sobreviver nesse caos.

— Então, você não pensa na sua família? — Carol estava, no mínimo, chocada. — Nem um pouco?

Demorei um tempo, formulando uma resposta, e notei que ela olhou para algo atrás de mim. Provavelmente, nada. Ela parecia se perder em pensamentos muito fácil... Assim como eu, ultimamente. Com mais de vinte e quatro horas, somente, eu já havia parado para contemplar sobre o passado nem sabia quantas vezes... Dava a impressão de que, a cada palavra dita pelos desconhecidos, uma pontinha sobre minha antiga vida se sobressaltava, implorando por minha atenção. E eu, burra e fraca, obedecia e aumentava minha paranoia.

— Apenas quando é inevitável. — Rebati, porém, decidi complementar meu argumento com algo um pouco mais carinhoso, afinal, era uma família perfeita, a qual a mulher achava que eu possuíra. — Preciso honrar a espécie de sacrifício deles permanecendo viva...

Ela, então, suspirou.

— Eles a amavam. — Tentou me reconfortar, fitando-me intensamente e alcançando minha mão. — Nunca duvide disso.

Fiquei estática, encarando sua mão sobre a minha. Era a primeira vez que diziam palavras de conforto para mim desde... Desde aquele dia. Eu não sabia o que fazer ou o que deveria sentir. Na verdade, eu não estava sentindo muita coisa além de medo. Medo de desabar e deixar a verdade ser escancarada, provando que, no fundo, eu era inofensiva; medo de me permitir sofrer por míseros segundos e não conseguir retornar à máscara necessária para sobreviver; medo de desaparecer entre meus próprios demônios. O pior de tudo era que não importassem quantas mentiras, quantas frases tentando me convencer de que eu era amada... Eu ainda não sabia se, de fato, houvera amor em minha família ou este fora extinto com o resto do mundo.

— Eles voltaram! — Dale, se não me engava o nome, anunciou.

Senti uma movimentação atrás de mim, a qual estranhei, e Carol imediatamente levantou, soltando minha mão de súbito e procurando com o olhar apressado aonde estavam Rick e Daryl. O semblante da mulher era cheio de esperança e ansiedade, porém, assim que notou a postura cansada e aborrecida dos homens, os quais chegavam da mata, ela franziu os lábios e respirou fundo. Provavelmente, tentava dar veracidade a sua força de vontade de acreditar que sua filha um dia retornaria, cercada pelo xerife e pelo caipira, imaginando se era a hora de desistir quando poderia estar tão perto de vivenciar um reencontro com sua "razão de viver", como a própria dissera.

Incomodava-me o fato de que eu era responsável por uma parcela de sua dor e decepção e, por essa razão, virei o rosto levemente, conduzindo uma parcela de meus pensamentos para a paisagem ao meu redor. Fitei minha mão por alguns segundos, ainda sentindo a presença de Carol e a ausência de quem deveria estar lá, guiando-me pelo inferno: minha mãe... Não era certo. Toda a conversa sobre família, passado e presente estava bagunçando minha cabeça. Tudo que fora arquivado tentava escapar pelas diversas portas da minha mente e eu me sentia prestes a explodir em total confusão.

Travei o maxilar e fechei os olhos, concentrando-me no que importava. Armas e dar o fora dali eram minhas prioridades, contudo, precisava ajudar a misturar uma panela de legumes para conseguir brechas e concretizar meu plano. Era cômico, senão trágico...

O prato era meio líquido e ralo e não tinha uma aparência muito apetitosa, por outro lado, deveria ser bem nutritivo, considerando enlatados atrás de enlatados após tanto tempo sozinha. Vire e mexe, eu encontrava algum pacote de bolachas ou balas mentoladas largadas no chão, esquecidas como eu, mas eram raras exceções.

Olhei para trás sem querer e deparei-me, com certa surpresa, que Carl estava ali, vidrado nos homens que apareceram, atento sobre as atualizações sobre o desaparecimento. Desde quando ele estava lá? Teria ele escutado minha conversa com Carol em silêncio, sabendo que eu me fecharia com sua presença? Deu-me a entender que ele havia levantado depressa quando o senhor de chapéu de pescador avisou sobre o retorno de seu pai, portanto, era bem possível que tinha ouvido, sim, a discussão entre a mulher e eu. Assim, uma sensação desconfortável e beirando à irritação surgiu. Eu deveria ter ficado mais atenta e, agora, de alguma maneira estranha, eu estava em uma maior desvantagem, pois ele pôde ouvir sobre o meu passado — apesar deste ter sido mencionado por mentiras ou verdades distorcidas — e eu ainda não encontrara um momento apropriado para conseguir informações sobre meu vigia vinte e quatro horas por dia.

Carol mordeu os lábios, apreensiva, e abriu a boca parar perguntar o que tanto queria, porém, som algum saiu. Ela encarou o chão, respirou fundo e finalmente tomou coragem, já com os olhos avermelhados, contendo lágrimas de dor.

— Nada?

Um simples murmúrio embargado e era evidente seu sofrimento. O caçador caipira, Daryl, suspirou e fez sinal de negação, em resposta. Palavras não eram necessárias naquele momento e, mesmo eu, que não tinha qualquer ligação com a garota desaparecida, sabia disso. Não demorou para a mulher começar a chorar em silêncio e entrar no trailer, seguida pelo cara da besta. Ele também parecia frustrado, porém, não aparentava ser o pai da menina.

Rick possuía alguns respingos de sangue na blusa e não demorou para ser abraçado por Carl. O jovem tinha os olhos reluzentes, como se quisesse chorar, algo que me surpreendeu. Sophia deveria ser bem importante para ele. Seria esse o motivo dele esconder um pouco de sua humanidade?

Após um tempo de breves atualizações, todos estavam sentados ao redor da panela de legumes. Alguns estavam em cadeiras de praia e outros no chão mesmo, comendo a mistura nutritiva e nem um pouco bonita aos olhos e os tomates frescos. Carol havia voltado, amparada por Daryl, e Dale, que havia desaparecido por alguns minutos, também retornara. Infelizmente Shane juntou-se a nós, recebendo uma fitada meio torta do líder do grupo.

— Nós esbarramos com alguns zumbis hoje. — Rick confessou ao grupo. — Não podemos esquecer que o perigo continua lá fora... Ele é constante e não podemos fazer nada para mudar isso. — Pausou para enfatizar. — Não podemos. Acho que as mulheres devem voltar a ter aulas de tiro. É importante saberem se defender bem. — Revezou o olhar entre Carol e Lori, esta que assentiu, concordando; e depois encarou Shane, o qual fez o mesmo. — Andrea, acho que deve ir também. Se não for para treinar, para ajudar no treinamento...

Uma loira de olhos azuis acenou, entendendo e aceitando o pedido. Ela parecia uma mulher forte, a qual deveria ter se tornado o que era a duras custas. Carregava uma pistola semiautomática presa na calça, às suas costas, e tentava transparecer uma coragem que tocava a ignorância. Era meio confuso, na realidade. Talvez fosse apenas uma má primeira impressão, estando cara a cara com ela e realmente notando-a. Taxei-a como perigo iminente, assim como o homem de pavio curto, o qual acabara de descobrir ser o responsável por ensinar as pessoas a atirarem ali.

— Vou falar com Hershel e ver se as moças aceitam participar do treino... — Grimes prosseguiu. — Carl, eu quero você lá também.

Lori parou de comer por um instante, meio avessa à decisão do marido, mas depois de encarar Rick intensamente, como se uma conversa silenciosa passasse entre eles, aceitou o veredicto, desajeitando o cabelo de Carl como uma mãe preocupada faria.

Arqueei a sobrancelha, limitando-me a observar, em meu cantinho na sombra, minha lata com a comida sem sal. Então o filho do xerife ainda era um aprendiz? Quantas vezes ele já havia tido a oportunidade ou a obrigação de usar a arma carregada com tanto orgulho em seu coldre? Como ele havia levado um tiro? Isso mudava toda a equação. Eu poderia imobilizá-lo, prendê-lo em algum canto e tentar, sorrateiramente, achar minhas armas. Seria difícil, tanto pelos pares de olhos ali presentes, como também pela vastidão da fazenda, sendo quase impossível passar despercebida. Quase... Eu daria um jeito. As variáveis mudaram, tudo mudou... Minhas chances de sair daquele espaço poluído por gente mais cedo aumentaram.

— Estavam muito próximos? — Dale indagou, fitando fitando Rick e, após isso, Glenn. — Essas criaturas já tiraram muito de nós... — Negou com a cabeça, pensativo. — Qualquer perigo, acho que devemos tentar solucionar o mais rápido possível, evitando mais mortes dos nossos. — Novamente, olhou para o coreano com um semblante suspeito. — Eles são canibais.

Franzi a testa, imaginando se o velho continuava se referindo ao treino com armas ou não, entretanto, a última parte de sua fala especialmente chamou minha atenção e, antes que pudesse impedi-las, as palavras começaram a sair por minha boca automaticamente. Eu nem olhava para eles. Não havia a necessidade. Contentava-me em observar a grama amassada, cercando o pequeno acampamento, e a sentir o suor em cada poro de meu corpo.

— Eles não são canibais... — Travei o maxilar, contrapondo sua afirmação e presa em lembranças. — Eles não são mais pessoas; deixaram de ser humanos muito antes, provavelmente. Ou não... O ponto é: não podemos acusá-los de canibalismo. Eles não são mais humanos para isto; são criaturas no topo da cadeia alimentar. Não são humanos. — Repeti. — Não é questão de canibalismo... — Pisquei algumas vezes, escondendo o peso que aquele assunto tinha sobre mim. — A essência humana deles se foi há muito tempo.

Eu sentia a surpresa de todos por eu ter, por conta própria, decidido me manifestar. Até eu não me reconheci... Tentar parecer menos como uma ameaça, e sim, como uma simples menina poderia ser uma melhor maneira de conseguir o que eu queria, mas sempre mantendo em mente quem era o inimigo. Esquecer que aqueles grupos eram perigosos resultaria em minha morte e, após tanto tempo lutando por minha própria sobrevivência, simplesmente morrer por um mero detalhe humano era estúpido. Detalhes...

— Nós já vimos acontecer, garota. — Shane desdenhou. — A transformação... Assim que se transformam, o lado humano vai embora.

Dei um riso anasalado, sem sentir o mínimo de graça, e neguei com a cabeça, ainda sem encará-los. Não era hora de mostrar fraqueza, pensei por um instante, contudo percebi estranhamente que não sentira um pingo de intimidação pelas palavras debochadas do homem. Talvez o assunto fosse sério demais para eu querer dar importância para um ser tão baixo como ele...

— Não era disso que eu estava falando. — Esbocei um sorriso triste. — Várias pessoas perdem sua humanidade muito antes de se transformarem. — Eu falava de maneira seca, como se fosse uma máquina programada e sem sentimentos. — Já são monstros antes mesmo de se parecerem com um, mas está lá, escondido... No fundo, na profundeza da pessoa, a escuridão e o medo ditam suas ações. Ela se perde aos poucos antes de se perder por completo para o apocalipse.

Um silêncio desconfortável surgiu e todos pareciam refletir. Os olhares pareciam mais intensos e mais incomodados, porém, eles sabiam que era verdade. Ninguém queria acreditar inteiramente, mas estava lá... E todos nos teríamos o mesmo destino um dia, a não ser que déssemos um fim a nós antes. Eu havia visto. Sem mordidas, sem arranhões... Eles simplesmente se foram. Ou talvez tivessem desaparecido muito antes...

Carl não tirou os olhos de mim desde que abri a boca para comentar minha opinião. Era um pouco irritante, embora mostrar que eu não me sentia assustada ao estar rodeada por estranhos deixou-me, no mínimo, um pouco melhor. Fiz questão de ignorá-lo ou, pelo menos, fingir fazê-lo, afinal, atenção era primordial.

Logo depois, fitei de relance o coreano, o qual se mantinha com os olhos presos no horizonte de suas próprias reflexões, em um difícil impasse. Será que ele revelaria o que quer que estivesse corroendo seu ser de dentro para fora, desde mais cedo? O que quer que fosse, ao que parecia, ele havia compartilhado com Dale... Não seria uma má ideia falar, eu estava ansiosa para a atenção ser desviada de mim e, pelo seu comportamento ao longo do dia, algo me dizia que era algo bem importante.

— Ahn... — Glenn pigarreou, incerto se interromperia ou não o momento de quietude. — Pessoal, eu tenho que falar uma coisa...

Os integrantes não pareceram querer dar muito crédito a ele, como se o homem não fosse muito necessário, assim, continuaram a comer. Somente o xerife deu-se ao trabalho de enviar uma encarada de soslaio e... Dale, o qual lhe direcionou um leve aceno de incentivo, ao que parecia. Essa falta de consideração fez com que eu me identificasse um pouco com a personalidade do asiático, mas imediatamente tirei esse pensamento perigoso da cabeça, pois cedo ou tarde eu acabaria me associando a estranhos e criando laços de confiança facilmente quebrados por parte do grupo de Rick. Era uma questão de tempo. Por outro lado, parecia um tanto rude deixá-lo mergulhar novamente na incerteza quando ele havia, enfim, decido compartilhar suas informações. Assim, mantive um firme contato visual com o Glenn, apesar de manter a cabeça ainda direcionada à grama rala aos meus pés, tentando passar... Segurança, talvez?

Ele captou minha mensagem silenciosa, após passar os olhos por cada um naquele círculo e averiguar que não estava sendo levado muito a sério. Ele suspirou, tomando coragem, acenou em uma espécie de agradecimento a mim e pigarreou mais uma vez. Poderia considerar meu ato como um modo de quitar sua iniciativa de me defender com sua espingarda contra o idiota chamado Shane... Um agradecimento atrelado à necessidade de saciar minha curiosidade. E se fosse algo que ameaçasse minha segurança?

— Têm dezenas de zumbis presos no celeiro.

O coreano falou tão rápido, porém, com tanta clareza, que me deixou aturdida. Tive de piscar algumas vezes, processando a notícia, e não pude impedir meu corpo de ficar imediatamente ereto. Eu estava sem armas potentes, no meio de sei lá quantos estranhos, e ainda havia zumbis do lado de dentro da fazenda, separados de nós por uma simples peça de madeira? Era o mesmo que me taxar como morta.

Todos, enfim, fitaram Glenn, sérios e talvez aguardando o coreano terminar com um "É brincadeira. Só para descontrair...". Rick entortou a cabeça, contendo o impacto da notícia sobre ele, e travou o maxilar. Logo, todos já se levantavam e tiravam a atenção da própria comida, abandonando-a pelos cantos, e marchavam em direção ao celeiro, determinados a descobrir a verdade.

O filho do xerife também fez menção de segui-los, porém, foi barrado por Lori.

— Carl, fique aqui.

— Mãe! — Protestou, tentando se desvencilhar da mulher. — Eu quero ir!

Aqui...

E, então, ela seguiu o resto do grupo, não sem antes enviar um olhar estranho para mim. Carl estava aborrecido e fazia questão de mostrar isso ao chutar pedras. Não conseguia acreditar que ele estava aceitando as ordens de Lori, considerando que havia errantes aprisionados a um pouco mais de vinte metros de nós. Eu precisava saber até que ponto chegaria até desafiar a morte.

Mordi os lábios e coloquei minha mochila nas costas, arquitetando uma maneira de fazer o menino ir atrás de todos. O que eu faria para convencê-lo? Minha cabeça estava a mil e, logo, senti o par de olhos azuis sobre mim. Isso estava me irritando profundamente, pois eu precisava pensar e ele estava me distraindo! Minha vida estava em jogo ali. E ele continuava encarando-me... Precisava pesar. Detalhes, detalhes...

— O que foi agora? — Disparei, levantando-me para ficar mais afastada do garoto. — Me deixe em paz!

— Por que você não fala?

Bufei, sentindo-me estranha. Controlei o ímpeto de dizer que não lhe interessava, mas a simples pergunta pegou-me desprevenida. Falar era difícil. Há quanto tempo eu não falava com outra pessoa a não ser eu mesma? Parecia errado distribuir meus devaneios para outros sobreviventes... Eu não deveria conversar com o inimigo, justamente, pois... Bem ele era o inimigo!

— Eu estou falando agora, não estou? — Rebati, ácida.

Ele revirou os olhos, com a mão sobre o coldre.

— Você sabe do que estou dizendo.

Cada palavra que saía por sua boca deixava-me irritada. Eu não devia satisfação a ele, tanto é que já havia deixado isso bem claro. Era uma novidade sentir um vazio no estômago sem ser o corpo reclamando de fome... Na verdade, eu sentia uma necessidade quase doentia de me afastar do jovem, porque sabia que eu seria a mais machucada no final. Conversar com qualquer um parecia um desafio maior que me aventurar por ruas tomadas por errantes. Era arriscado demais deixar outros saberem sobre mim. Eu estaria à mercê de suas interpretações.

— Você quer que eu fale, Grimes? — Estreitei os olhos, fingindo uma pose extremamente cínica. — Vou falar, então. Eu vou manipulá-lo, mas o ponto importante aqui é: você vai querer ser manipulado.

Carl expressou confusão, franzindo as sobrancelhas.

— E por que eu iria querer isso?

— Simples. Você quer saber das coisas, assim como eu... Vou dar a você a oportunidade de provar a Lori que está pronto para lidar com o mundo. Ganhará, portanto, uma parcial liberdade. — Anunciei. — Você ficará em silêncio, não abrirá a boca quando eu fizer o que estou planejando e ambos sairemos como ganhadores. Juntar forças em prol do bem não tão coletivo, mas cada um acaba ganhando a sua parte e fica satisfeito.

O menino pareceu contemplar minha oferta com cuidado, porém, eu tinha certeza que eu estava ganhando. Enfim, eu estava conseguindo avançar com meu plano. Foi um tanto como um impulso, contudo, estava dando certo. Ainda bem.

— E o que você tanto quer?

Permiti a mim mesma a dar um mínimo sorriso vitorioso. Ele cederia.

— Minhas armas...

— Não posso fazer nada quanto a isso. — Cortou-me, meio frustrado. — Não sei onde meu pai as colocou.

— Ah, não se preocupe, você vai descobrir... — Pausei. — E eu não terminei. Também quero saber dessa história do celeiro. — Estendi a mão. — Temos um trato, Grimes?

Ele fitou meu braço estendido por um tempo, enquanto eu o analisava com minúcia, preparada caso ele tentasse, sei lá, atirar em mim. Seria fácil desarmá-lo. Ele era só alguns centímetros mais alto que eu... Por fim, senti sua mão tocando a minha. Estranhamente, senti um arrepio com esse pequeno gesto. Tolices.

— Temos um trato, Wayland.

Arqueei a sobrancelha e acenei com a cabeça.

— Então, o que estamos esperando?

Carl engoliu em seco, captando minha mensagem, e encarou o caminho percorrido pelo seu grupo, o qual já se encontrava quase no celeiro. Por que ele estava demorando tanto para concordar? Por que ele aceitava seguir as ordens de Lori quando era evidente que ele estava sendo colocado em perigo? O filho do xerife precisava saber o que havia no mundo para enfrentá-lo... Eu descobriria mais tarde a razão.

— Uma hora, você terá que aprender a andar por conta própria... — Murmurei, já começando a caminhar e sem esperá-lo. — Sua mãe quer protegê-lo, mas ela ainda não percebeu que ninguém está seguro.

✖ 

Chegamos bem na hora em que Shane aproximava-se do portão de madeira, o qual era fechado com uma enorme tábua e correntes com cadeados. Aquilo era bem suspeito... Como eles não haviam notado antes? Como puderam ser tão relaxados em relação a confiarem as próprias vidas em um lote de terras tão grande, sem nem ao menos procurar por possíveis ameaças? Chegava a ser ridículo.

Ele voltou ao grupo, praguejando e negando diversas vezes, deixando bem claro: havia, de fato, errantes lá dentro.

— Isso já é demais. — Rosnou. — Não vai me dizer que está tudo bem com essa palhaçada, Rick! — Berrou. — Precisamos juntas nossas coisas e dar o fora desse lugar!

Imediatamente, o pai de Carl não concordou com isso; estava bem claro em sua expressão. Ele não olhava para ninguém em especial, somente pensava em como resolver a situação. Tudo em nome da segurança de seu grupo. De seu grupo completo.

— Nós não podemos ir.

— Por quê?

Era bem óbvia a razão, na verdade, todavia, ele estava tomado pela fúria e pelo... Medo. O que as pessoas costumavam fazer ao serem tomadas pelo medo era perigoso; talvez mais perigoso que as criaturas a alguns metros de nós.

— Porque minha filha ainda está lá fora. — Carol respondeu com o cenho franzido.

— Nós não vamos deixar Sophia para trás... — O xerife declarou, sério. — Eu a tinha... — Contemplou em sua própria... Culpa. — No riacho, ela estava lá... Bem. E a deixei sozinha... Não vamos parar de procurar!

— Olha, acho que já está na hora de todos aceitarem a possibilidade da garota estar... — Ergueu as sobrancelhas. — Já fazem dias... Semanas, Rick! — Shane rebateu, apontando o dedo indicador, como se o acusasse de um terrível crime. — Você vai colocar a mínima — quase inexistente — possibilidade da menina estar viva acima de todos nós, que estamos realmente vivos? É isso?

Senti que o assunto e a frieza de Shane atingiram Carl de alguma maneira. Fitei-o de soslaio, vendo que ele havia travado o maxilar e seus olhos estavam novamente meio brilhantes, contendo algumas lágrimas. Sophia era, de fato, alguém importante para ele... Assim como para boa parte do grupo. Carol, então? A mulher tinha finas lágrimas percorrendo suas bochechas, assustada pela possibilidade de simplesmente desistirem de procurar sua filha.

— Nós estamos perto, cara! — Daryl entrou na conversa com um semblante nada bom. — Achei a boneca dela há dois dias. Estamos perto!

— Era apenas uma boneca, Daryl! — Shane deu um riso anasalado, como se o caipira devesse receber o prêmio de maior idiota do fim do mundo. — Pistas realmente boas são encontradas até, no máximo, quarenta e oito horas!

— Shane, pare! — Rick tentou apaziguar o momento. — Pare!

— Você não sabe de porra alguma! — O caçador avançou contra o homem de pavio curto. — Seu pedaço de...

— Na verdade, parece que sou o único que sabe, de fato, de alguma coisa por aqui! — Interrompeu-o, girando nos calcanhares para olhar cada um dos integrantes. — Ninguém tem bolas o suficiente para fazer o que deve ser feito aqui!

— Seu...

Não demorou para que começassem a gritar verdades um contra o outro. Berravam e esqueciam da existência de mortos, os quais tinham aguçados ouvidos. Eles ameaçavam minha vida, minha sobrevivência... Enquanto minha família simplesmente decidiu resolver o problema, no caso, eu, deixando-o para trás, o desentendimento entre o grupo de Rick não representava somente um indício de que eu deveria estar bem longe dali, era um indício de que acabaria morta por meros conflitos de interesses. Eles brigariam por qualquer coisa e alguém pagaria o preço.

De repente, o portão duplo de madeira do celeiro sacudiu e os grunhidos dos mortos-vivos fizeram-se presentes. Todos imediatamente deram um instintivo passo para trás, assustados com a possibilidade dele ceder e vários errantes saírem, famintos. Quando o movimento acalmou-se, Rick respirou fundo e enviou um olhar quase assassino para Shane.

— Eu não estou de acordo com isso. — O líder apontou para o celeiro, medindo seu tom de voz. — Só que não podemos esquecer que a fazenda não é nossa. Somos convidados aqui! Não é a nossa terra para fazermos as decisões.

— Não podemos apenas varrer isso para debaixo do tapete, Rick. — Andrea também colocou sua opinião à mesa. — É a nossa vida em perigo.

Carl e eu assistíamos a tudo em silêncio, despercebidos pelas pessoas devido ao tema em discussão. Eu não sabia como reagir. Por um lado, era uma ameaça crescente permitir que aquelas criaturas permanecessem ali, contudo, o xerife tinha seus pontos: ele não poderia decidir por Hershel e... Bom, ele deixou claro que não abandonaria Sophia. Minha cabeça, portanto, parecia querer explodir. No final, porém, eu não teria mesmo o direito de opinar, afinal, eu não passava de uma refém. Refém esta que seria a primeira a ser descartada quando as coisas fugissem do controle.

— Deixem-me falar com Hershel. — O xerife prosseguiu. — Essa é a terra dele e, se quisermos dar um jeito no celeiro, eu preciso convencê-lo.

— Hershel não os vê como uma ameaça. — Dale anunciou. — Quando vocês voltaram, eu fui conversar com ele... Hershel os vê como pessoas. Pessoas doentes! — Enfatizou, arregalando os olhos. — Sua esposa, seu enteado... Todos estão lá dentro.

Arquejei. Nunca havia me ocorrido tal linha de pensamento. Imaginar errantes como gente? Gente aprisionada por uma carcaça putrefata? Enxergar além de suas ações selvagens? Era difícil, apesar de ser uma maneira quase poética de pensar. Houve dias em que era capaz de ver as coisas dessa forma; tudo era belo... Só que, agora, não passava de uma distração fraca, a qual levava à morte.

— Aquele velho é louco, Rick! — Shane murmurou. — Não importa se estão vivos ou mortos, eles são perigosos!

O líder respirou fundo mais uma vez, pensativo. Ele estava com raiva também, mas não a deixava nublar seu bom senso. Rick, então, fitou a todos, transparecendo um pouco de segurança em seu olhar, e repetiu sua decisão de falar com o dono da fazenda sobre o celeiro. Deu sua palavra final, mesmo com alguns sentindo-se injustiçados.

Aos poucos, o grupo foi se dissipando, cada um para um canto. Glenn estava prestes a ter um surto provavelmente, notando até onde as coisas chegaram e se sentindo responsável pela discórdia. Não era a sua culpa, entretanto. Foi bom ele ter contado, no final. T-Dog e Andrea também pareciam meio avessos à resolução do xerife, porém, aceitaram-na. Somente Shane estava enfurecido e permaneceu cobrindo o perímetro da construção de madeira por mais um tempo.

Eu não sabia o que fazer. Na verdade, não havia muito o que se fazer; pelo menos, não de minha parte. Assim que Lori percebeu a presença de Carl e eu, ela ficou brava, porém, decidiu relevar, ao que parecia. Os recentes acontecimentos ainda estavam muito frescos e discutir mais não resolveria nada. E ela tinha razão.

Segui o filho do xerife em direção ao acampamento improvisado, trocando olhares com ele vez ou outra, como se dissesse: "Lembre-se: temos um trato.". Mais do que tudo, eu precisava tirar vantagem disso, pois algo me dizia que a história do celeiro seria somente uma entre muitas outras que estavam por vir. Eu não estava nem um pouco animada para vivenciar todas, ou seja, precisava ficar de olhos bem abertos, atenta, e forçar o garoto a encontrar minhas armas o quanto antes. Antes que tudo começasse a ruir.
        


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Notas finais do capítulo

O que acharam, walkers? Bom, quem assiste TWD percebeu que não segui com rigidez os acontecimentos da série, mas isso já havia sido previamente avisado lá nas notas iniciais da fic.
Espero que tenham gostado e, por favor, não esqueçam de deixar suas opiniões nos comentários.
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