A Órfã Doce 2.0 escrita por morangochan


Capítulo 2
Hematomas


Notas iniciais do capítulo

Oi morangolinas, aqui é a Morangochan :3
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Tem alguma leitora antiga aí? O que está achando das cenas novas?
Boa leitura ♥



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O automóvel de Mila percorria a avenida de um modo normal, ou do modo mais normal que ela conseguia dirigir sóbria e sã.

— Desculpe por ter demorado a ir buscá-la ontem. Fiquei presa numa reunião.

— Sem problemas.

Um dos meus maiores defeitos é ser péssima em conversas. Às vezes quando termino de falar o silêncio estala com força. Eu tento pensar em algo para continuar, mas tudo que me vem a cabeça soa idiota.

— Como foi o dia ontem? — Mila perguntou simpática.

— Normal.

— Fez algum amigo?

— Acho que sim.

E novamente o silêncio. Meus olhos fecharam espremidos, minha respiração foi funda e silenciosa, arrependida também. Olhei para o painel do carro e desejei um dia saber me comunicar direito com as pessoas. Não só isso como também rezei para que Mila não achasse que eu me incomodava em falar com ela.

"Fala alguma coisa, por favor", pensei.

— Ah! Sua diretora me ligou e disse que você não entregou os papeis que eu te dei.

— É que eu... esqueci.

Na verdade eu estava zonza de tanto sacolejar dentro do carro e não entendi o que era para fazer com aquelas folhas.

— Não se esqueça de entregar hoje. São o seu histórico e a sua transferência.

— Mas não são os papéis que se entrega quando está fazendo  matrícula?

— Bom, sim. A diretora da escola militar, minha mãe, tinha se esquecido de emitir. Então tive que segurar sua vaga ou você ficava sem ela. Sorte que o colégio foi tolerante.

Assenti em silêncio com a cabeça.

— Não se esqueça, ok?

— Sim, senhora.

O freio soou com força, meu corpo foi de leve para frente, voltou e bateu no banco. Aquela parecia ser a forma de Mila dizer que havíamos chegado. Deus abençoe quem inventou o cinto de segurança.

— Tenha um bom dia.

— Bom dia para a senhora também.

Entrei pelo portão da escola e depois de alguns passos, parei em frente à fonte de água. Tantas portas com placas douradas me deixavam em dúvida para qual deveria ir entregar os papeis importantes.

— Ai! — exclamei.

A alça acolchoada da mochila cobria meu ombro quase que por completo, mas mesmo assim a trombada foi forte o bastante para machucar. Não cheguei a cair, a pessoa que esbarrou em mim também não, mas seus óculos voaram e pousaram em meus pés.

— Sinto muito. — ele disse.

Abaixei-me para apanhar os óculos escuros e me deparei com o menino fazendo o mesmo. Nossos rostos se encontraram e não pude esconder a expressão de espanto ao ver o rosto do rapaz. Ou haviam lhe dado uma surra ou o acidente foi horrível. Porém, o que me deixou atônita foi o fato de conhecer aquele cara. Ele era o mesmo que salvou minha vida e minha sanidade ao segurar a porta do elevador do Green Place ainda ontem.

— Está tudo bem com você? — perguntei erguendo-me e lhe estendendo os óculos.

E arrisco dizer que ele também me reconheceu. Sua reação foi parecida, se não igual a minha.

— Sim, obrigado.

Então pegou os óculos e saiu praticamente correndo dali. Fiquei de pé parada como estava antes do menino trombar comigo. E embora não fosse da minha conta, fiquei intrigada com o que havia acontecido com ele. Lílian Maxine não é lá uma pessoa sensitiva, mas um mau pressentimento estava começando a me travar a garganta.

— Lílian?

Virei meu rosto. Era Elizabeth Faber com seu cabelo de molas acobreadas quicando no ar. Sinceramente não tenho palavras para definir a felicidade sentida por ela ter lembrado meu nome. Agora você, que está lendo isso, deve estar me achando triste ou patética – ou os dois. E eu concordo com você. Mas inevitavelmente os seres humanos sorriem para aquilo que é raridade em suas vidas. No meu caso, era a amizade.

— Bom dia, Elizabeth.

— Você estava falando com o Nathan? — ela arqueou as sobrancelhas ruivas. — Estranho, ele não fala com ninguém.

— Nós só nos esbarramos. — expliquei.

— Você vai para a sala agora?

Eu pensei um pouco. Os papeis tinham que ser entregues, não é? Mas não precisavam ser entregues naquele EXATO momento como se a vida de alguém dependesse deles.

— Sim.

O dia seguiu tranquilo. Daniele deu sua aula de história pra valer. Estávamos discutindo a queda da monarquia. Na época que o sistema monárquico vigorava no país, os casamentos por contrato eram tendência entre as mais altas classes sociais. A Revolta de Maya ocorreu quando uma jovem chamada Maya foi assassinada por seu noivo. Seus pais juntaram-se a um pequeno grupo rebelde da época e lideraram um protesto que começou por conta do assassinato da garota. Todavia, tomou proporções estratosféricas, resultando num forte contribuinte para a queda do governo.

Daniele comentou que ainda faltava muito para que Morgana Mística aparecesse em nossos debates. Olhei para Elizabeth e ela ainda parecia aborrecida.

O sinal indicou o almoço. Assim que desci impetuosamente às escadas, procurei meu armário naquele odioso corredor. O pior é que parecia que eu tinha andado até o fim o universo para achá-lo.

— Você viu o rosto do Nathan?

Dois caras, um alto e um moreno, próximos de mim, cochichavam entre si, mas não baixo o suficiente. Meus ouvidos se alertaram quando percebi qual era o assunto. Por isso voltei a abrir meu armário e iniciar uma tremenda atuação de quem ainda procurava alguma coisa.

— Ah, cara. Você não acha que foi o Charlie, né?

— Claro que não, seu animal. — rebateu o mais alto com indignação. — Você sabe que... — e baixou ainda mais o tom de voz, tanto que tive que me concentrar muito para continuar ouvindo. — Você sabe que o Charlie não bate em ninguém. Ele paga para que resolvam as coisas por ele.

— Eu acho isso muito patético e covarde.

— Fala baixo, cara.

— Por quê?

— Quer acabar como o Nathan?

Houve uma pausa, os dois garotos trocaram olhares apreensivos.

— Se eu tivesse grana e não pudesse me meter em confusão porque minha mãe é uma figura pública, faria o mesmo que ele.

— Meu Deus, que comentário idiota. Assim fica difícil ser seu amigo.

— Espera um pouco.

Por alguns segundos a voz do garoto mais alto transformou-se num sussurro indecifrável, por mais que eu tentasse prosseguir com o que estava fazendo. Até cheguei a me esticar sutilmente para o lado a fim de ouvir melhor.

— Ei, você!

O urro do garoto ecoou pelo enorme corredor. Além do susto e do micro pulo que dei, senti o coração disparar, um frio percorrer pelo corpo, meus pelos se arrepiando. Naquele momento eu só conseguia pensar em quatro coisas: briga, diretoria, morte e em como eu era uma péssima atriz.

— Quem? Eu? — perguntei.

— É. — ele confirmou intimidante. — Está ouvindo nossa conversa?

— Quê?! — disparei fingindo indignação.

— Olha só, ela nem sabe fingir. — disse o garoto para seu amigo. Por dentro eu até que estava concordando com ele. — Sua bisbilhoteira.

— Cara, vamos logo. — insistiu o moreno.

Passos rápidos vieram em nossa direção. Quando achei que me envolveria numa confusão, Elizabeth surgiu com seu mar de cachos acobreados pulando sem parar.

— Aí está você. — ela disse sorrindo.

Os dois rapazes olharam para a ruiva como quem olha para um troço muito estranho, em especial o que estava me acusando de ser bisbilhoteira. Notando a tensão no ambiente e a presença dos dois garotos que falaram comigo, Elizabeth os olhou e perguntou:

— Querem alguma coisa?

— Não. — disse o rapaz moreno quase que automaticamente.

Novamente os dois trocaram olhares. Aparentemente o garoto menor estava bronqueando seu amigo por querer retrucar com Elizabeth. E antes dos dois irem embora, o mais alto soltou, quase que em um suspiro:

— Tanta gente no colégio e esta menina resolve andar justo com a Faber.

Os remédios que eu tomo não curam e nem jogam a ansiedade para longe de mim. No máximo eles tornam tudo mais aceitável para que minha linda cabecinha não exploda. Em virtude dos remédios atuarem apenas como amaciadores do meu problema, passei várias aulas problematizando a frase daquele garoto. "Justo com a Faber" por quê? Será que ela era algum tipo de terrorista e eu não sabia?

Às vezes meu modo de problematizar situações pode deixar meu psicológico um caco. Porque acima de tudo, eu tenho uma imaginação fértil. Minha capacidade de criar situações mega problemáticas deveria ser digna de oscar. Infelizmente ninguém te premia ou te paga por ser uma pessoa de pouca sanidade. Pois eu, sem sombra de dúvidas, poderia ganhar a vida sendo maluca.

Talvez seja por isso que amigos me faltem. Além de não saber me expressar, é como se eu fosse uma peça que não encaixa em nenhuma outra. A maioria das pessoas gosta de buscar amizade em quem tem algo em comum. Bom, até hoje não houve muita gente que achou algo em comum comigo.

— Lílian, você está bem?

Era a hora do almoço. Eu estava no refeitório, sentada numa mesa solitária. Elizabeth chegou com a sua bandeja nas mãos e uma expressão esquisita no rosto.

— Eu estou bem. — respondi.

— Ah, é? Não estava me evitando?

— Elizabeth, estávamos na mesma sala. Você senta na minha frente. Como eu poderia estar te evitando?

— Uma pessoa pode evitar a outra mesmo que seus corpos estejam ocupando o mesmo espaço. O que não é possível, já que a física comprova isso.

Ela arqueou as sobrancelhas. Seu ar explicativo chegava a ser cômico, então com meu riso ela viu uma permissão para sentar comigo e comer.

— É por causa do que aquele mané falou no corredor dos armários? — a ruiva não precisou exatamente de uma confirmação. Ela começou a jogar as palavras no ar gesticulando com a mão e revirando os olhos quando achava necessário. — Olha só, Lílian, eu nunca fui uma pessoa da qual as outras costumam ver como a melhor opção para se ter como amiga. Na verdade eu sou bem a última opção mesmo. E por mais que a dura realidade seja essa, eu tinha uma amiga que gostava muito. Porém ela foi expulsa ano passado por jogar uma garota pela janela e todos acham que, por ser amiga dela, eu sou igual a ela.

Balancei a cabeça em concordância. Parecia que tínhamos mesmo algumas coisas em comum. No caso era a solidão e a falta de encaixe. Agora a história dessa amiga que jogou uma aluna pela janela ainda me deixava intrigada. E ao pedir para que a ruiva narrasse o acontecido, o sinal tocou.

— Eu te conto depois. — prometeu.

Procrastinar pode ser a maior desgraça na vida de uma pessoa. Na minha não era, pois sou impaciente demais para procrastinar. Mas às vezes acontece, por exemplo, naquele exato momento estava me arrependendo profundamente por não ter entregado os malditos papeis assim que cheguei à escola. Todos já tinham ido embora enquanto eu ainda rodava feito uma barata tonta imaginando em qual porta eu deveria entrar para entregar os documentos.

O som de maçaneta alcançou meus ouvidos e senti vontade de pular em cima da primeira pessoa que visse para implorar por ajuda. Já estava ficando tarde e eu queria ir para casa. E para completar com a cereja do bolo, Mila me havia mandado uma mensagem avisando que não poderia ir me buscar na escola.

Meus olhos encontraram um rapaz alto de óculos escuros, Nathan. Assim que ele me viu tratou de apressar o passo, mas eu pularia no pescoço dele se fosse preciso.

— Com licença. Hum... Você saiu da sala do grêmio estudantil, não é? É representante?

— Sou. — ele respondeu objetivamente. — Precisa de algo?

— Na verdade eu tenho uns papéis para entregar. — expliquei extendendo-os ao garoto.

Nathan avaliou as folhas e me deu o veredicto:

— Deveria ter tratado disso mais cedo. A diretora foi embora.

Uma onda de desanimação tomou conta de meu corpo. Certo! Eu teria que mentir para Mila e dizer que os documentos foram entregues assim como ela me instruiu. Possivelmente ela perderia a paciência se eu contasse a verdade, afinal não é nada útil tomar a guarda de alguém que sequer te escuta. Ah, meu Deus. Mas e se a diretora ligasse novamente pedindo os papeis? Ah, meu Deus!

— Mas se você quiser eu posso ficar com esses papeis e amanhã posso entregá-los por você.

Soltei um suspiro de alívio como se tirasse das costas um saco de batatas. Deu-me vontade de beijar aquele garoto e agradecê-lo milhares de vezes por ter feito esse favor. Assim que virou as costas, eu emendei:

— Espere! Você vai para casa?

— Sim.

— Nós moramos no mesmo prédio, sabe? Você até segurou a porta do elevador para mim uma vez. — ele assentiu com a cabeça. — Posso te acompanhar? Minha tutora não vem me buscar hoje.

— Por mim tudo bem.

E assim seguimos a pé um trajeto não tão longo sob o céu nublado de Shaper's Green. Estávamos numa parte da tarde que anseiava o crepúsculo. Nathan seguia o trajeto em silêncio. Além de não ser falante, ele parecia não se importar nem um pouco com a falta de diálogo. Ou seja, o loiro não era como eu, que não sabia como falar com alguém, ele só não queria mesmo.

— Rum, rum. — fiz ao limpar a garganta.

Nathan me olhou por dois segundos e voltou a vista para a calçada que andávamos. E quando fui abrir a boca para arriscar o início de uma conversa, o garoto me cortou:

— Não me pergunte sobre o olho. — ele pediu, logo em seguida emendando. — Por favor.

— Eu não ia perguntar.

Na verdade, depois dessa interupção tão inesperada, eu sequer lembrava o que ia falar.

Nossos passos eram quase iguais, a calçada às vezes mostrava rachaduras em suas listras desreguladas que iam de ponta a ponta. Meus pés desviavam de todas as listras. Por tanto silêncio entre nós, passei a prestar atenção no ambiente em volta. No barulho dos carros, no soprar do vento e no farfalhar das árvores. Mas confesso que logo fiquei nervosa, pois notei a presença de uma pessoa que vinha logo atrás de nós. Essa pessoa andava no mesmo ritmo que eu e Nathan e não parecia querer tomar outro destino. Era como se nos seguisse.

"Fique calma, Lílian. Ele é estudante, olhe só o uniforme. Mas que porra ele está fazendo na rua sem mochila? Ele não está voltando da escola. E se for um dos alunos daquela escola em que matam aula para bater carteira?".

— Você disse tutora, não é?

— Hum?

Logo notei que Nathan estava bem nervoso. Possivelmente ja havia percebido o cara nos seguindo a mais tempo do que eu. Respirei fundo e tentei calcular quantos segundos levaria para tirar o canivete de dentro da mochila. Eu sei, eu sei! Eu não deveria ter isso na mochila da escola! Todavia eu estou em Shaper's Green, que embora tenha uma boa política de segurança pública, bate o record do estado em desaparecimentos. E por falar nisso, por que Mila foi tão irresponsável em me deixar voltar para casa a pé?

— Onde estão seus pais?

— Na verdade eu nunca os conheci.

— Sinto muito.

O sinal de pedestres nos fez parar e ficar no aguardo. Eu já estava me preparando para reagir a qualquer movimento do cara em nossa retaguarda. Mas ele não fez nada. Ele não só fez nada como também dobrou a esquina e saiu andando normalmente. Meus músculos relaxaram por um segundo.

O sinal abriu e eu fui segui. Quando cheguei à metade da faixa de pedrestes percebi que Nathan havia ficado petrificado exatamente onde paramos. Intrigada, voltei.

— O que houve?

Só então que, ao olhar para o outro lado da rua, vi mais três caras de uniforme nos encarando. Observando bem o brasão da escola no lado esquerdo do peito, reconheci que era o da Elite Acadêmica de Shaper's Green.

— Nathan?

Ele não respondeu. O garoto estava com medo. Com medo não! Claramente apavorado e catatonico. E por mais que eu devesse ter medo, não tive. Fiquei encarando os três rapazes como se estivesse prestes a acabar com a vida de cada um deles. E ao cochicharem entre si, se foram. Esse foi o período de tempo do sinal fechar e abrir novamente para que passassemos em paz.

Nosso ritmo estava mais rápido depois desses terríveis sustos. E em questão de pouco tempo já havíamos passado a recepção do Green Place e entrado no elevador vazio. Respirei fundo como se estivesse em baixo d'água prendendo o fôlego há muito tempo. Por mais que estivesse tudo bem, Nathan ainda parecia incomodado.

As portas do elevador se abriram para o oitavo andar. E ao invés de andar normalmente até meu apartamento, fui puxada para dentro do elevador. Este, então fechou suas portas e foi descendo em direção a outro andar. Nathan apertou o botão da parada de emergência e o elevador se estacionou ali mesmo. Ao ver minha confusão, ele tirou seus óculos:

— O que aconteceu comigo foi aqueles caras. — e não satisfeito completou. — Os hematomas.

— Eles te bateram?

— Aconteceu ontem depois da aula. Mas nunca imaginei que eles voltariam para me pegar no mesmo lugar. Eu até deixei o número da polícia na discagem rápida.

— Mas por que está me contando isso? Disse que não queria que eu perguntasse sobre seu olho.

Ele deu de ombros e encerrou, antes de apertar o botão para o elevador seguir:

— Eu acho que você os afugentou.


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Notas finais do capítulo

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