TODAS AS LUZES - Coletânea de Natal escrita por Serena Bin, Gessikk, Cardamomo, Miss Houston, Maya, Amauri Filho, Lady Gumi, Maxx, Sr Devaneio, Lucas Freitas, Analu, Nanathmk


Capítulo 13
Todas as Luzes - Sr. Devaneio


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura e Feliz Natal!



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Eles estavam sentados havia cerca de cinco minutos. Ali, no murinho que separava uma das pistas da área de pedestres e ciclistas da Ponte JK. O sol se punha no horizonte à frente, dando ao enorme lago abaixo deles um brilho dourado e excepcionalmente magnífico. Alguns pássaros voavam por ali, despreocupados, vivendo suas vidas completamente alheios ao caos em que o mundo dos homens havia se transformado.

Eram um garoto e uma garota. Um casal, mas não de namorados ou qualquer coisa do tipo. Eram, mais do que tudo, aliados de sobrevivência.

Soprava uma brisa fresca e ininterrupta, que agitava os cabelos castanhos e compridos da garota. Ele percebeu que os últimos raios solares desse dia conferiam-na um belo contorno cor de ouro. Aquilo a deixava muito bonita, apesar de todo o suor seco em sua face delicada e ligeiramente suja. Ele provavelmente estaria da mesma maneira, mas duvidava que estivesse tão belo.

— Todas as luzes. — Ela disse depois de um tempo admirando a paisagem.

— Hã?

A garota direcionou seus olhos castanhos para os dele por um instante antes de fazer um gesto com a cabeça, indicando algo à frente.

Virando o rosto, o menino então viu as luzes dos incontáveis pisca-piscas. Tanto nas casas à beira da água como nas mais afastadas em um lado, quanto no comércio variado de restaurantes e clubes caros do outro, eles faziam-se presentes. Já estavam ali: acesos, acordados, brilhantes, antes mesmo daquele dia cansativo e caótico chegar ao fim em sua totalidade.

— Todas as luzes — Ela repetiu — Luzes de vários tons e cores, com brilhos diferentes. Luzes que carregam mensagens e sentimentos pessoais, compartilhados ou não, das pessoas que as puseram ali. — Ela fez uma pausa rápida e continuou — Claro que não podemos nos esquecer da luz maior, que reflete tanto no lago como em nossos rostos neste exato instante; as luzes finais de um sol que está morrendo por um dia.

A garota deu um logo suspiro.

— Não estou entendendo. — falou com sinceridade.

Ela o encarou de volta.

— Bem, eu estava pensando... o que te trouxe até aqui?

Mais confuso ainda, ele ficou sem resposta por um momento. Ela ainda não havia lhe mostrado esse lado reflexivo. Para ele, aquela garota era forte, sim, corajosa e astuta. Mas só.

— Ah... era caminho para escaparmos...

— Não! Não estou falando da ponte ou do que percorremos para estar aqui. Quero saber o que te manteve vivo e não o deixou morrer como os outros.

Ele franziu o cenho mais ainda. Talvez a conversa se tornasse mais compreensível se avançasse. Então ele resolveu participar:

— Hum... eu simplesmente senti que não poderia morrer. Acho que foi o desespero — Respondeu após pensar por um momento.

Ela assentiu.

— É um motivo bem racional. Vou lhe contar o que me manteve viva. Foi puramente o medo de morrer.

Ele não disse nada, então ela continuou:

— Mas agora, sinto que não faz diferença. Quero dizer, passamos por tanta coisa para acabarmos aqui, mas que diferença faz se sobrevivemos ou não, se supormos que somos os últimos seres humanos vivos do mundo?

Aquela conversa de novo.

— Acho que não faz... — Ele falou.

— Exato. Não faz. Vladimir Nabokov, um escritor russo, certa vez escreveu que nossa existência não passa de um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão. Acho que essa frase nunca foi tão verdadeira agora.

Ela o observou com atenção e deu um sorrisinho desanimado.

— Desculpe, devo estar bugando o teu cérebro. É só que... — Ela tornou a olhar para frente — Observando essas luzes e considerando a proximidade do Natal... Tudo agora parece irrelevante. O Natal, para muitos, era considerado uma data bem importante. Por marcar o fim dos anos e antecipar o início dos subsequentes, era carregado de sentimentos de união, amor e essas coisas bonitas que desejávamos aos outros. Acho que a palavra que melhor descreveria a sensação, para mim, seria recomeço.

— Era uma data que nos lembrava que era possível tentar novamente, se não desse certo na primeira vez... — Ele pensou junto, finalmente começando a entender o fio da meada.

Ela olhou imediatamente para ele.

— Exatamente! Mas eu percebia que, de todos os sentimentos envolvidos e misturados, mascarados ou não, havia um que imperava absoluto. Sentimento este que inclusive está nos panos de fundo do que você acabou de dizer. Já sabe qual é?!

Ele elevou uma das mãos ao queixo de forma pensativa.

— Esperança?! — respondeu quase convicto.

Ela sorriu.

— Esperança. — confirmou — O Natal nos trazia esperança. Esperança em melhorar de vida, sair de uma situação complicada e coisas assim, mas para mim... Considerando o que venho pensando já há algum tempo, acho que não tenho mais onde colocar minha esperança. Por muito tempo eu desejei muitas coisas nessa mesma época. Alguns pedidos meio egoístas, outros nem tanto, mas agora... É como se tudo tivesse sido vivido em vão. Não é possível que nada daquilo tudo possa ser aproveitado... — Ela franziu o cenho, pensativa.

— Eu não acredito muito nisso. Quero dizer, com certeza há alguma coisa que ficou para que estivéssemos aqui hoje. E mesmo que não haja, você não pode chamar tudo o que viver de inútil, ou então... perderá suas próprias referências, baseadas em experiências vividas, e sua vida passará a não ter sentido.

Ela continuou observando-o, escutando com atenção.

— Se tem algo que eu aprendi com tudo isso é que cabe a você fazer valer a pena. Se os Natais passados não acrescentaram nada de muito novo, então faça este acrescentar. Está às portas e as pessoas todas morreram, mas me diga: você realmente vai deixar esses fatos consumirem todas as suas possibilidades de fazer o novo agora?

— É... acho que você tem razão. “Se perdermos a luz do sol, sempre teremos a luz da lua e das estrelas. Nunca estaremos na completa escuridão”. Me disseram isso uma vez...

— Frase bonita. É isso mesmo. Se importa se eu fizer um acréscimo?

— Vai em frente!

— “Principalmente agora, nessa época mágica onde temos pisca-piscas para todos os lados”.

Ela gargalhou. Foi impossível não acompanhá-la no riso.

Ao se recompor, ela o olhou intensamente e disse:

— Tenho uma nova resposta para minha pergunta inicial. Não foi mais o medo de morrer que me trouxe até aqui...

— E o que foi então?

— Foi você. Obrigada por ser a minha luz.

E aquela frase não continha nenhum teor romântico. Não continha nenhuma malícia. Era uma frase que externava amizade e de uma forma bem pura. Era uma frase linda.

Ele sorriu de volta.

— É impressionante como fim do mundo transforma as pessoas. — Ele comentou.

— E é importante como as aproximam também. E pensar que não nos conhecemos nem há dois meses...

— Pois é...

E com essa frase solta no ar, eles deixaram que o assunto morresse, devagar. Ambos voltaram a observar a paisagem à frente e a aproveitar aquele singelo momento.

Mesmo o céu ainda estando claro, foi possível ver a estrela cadente que passou acima deles.

— Faça um pedido! — disseram ambos no mesmo instante, virando-se um para o outro no mesmo instante também.

Ela fechou os olhos.

— Nesse Natal, não quero pedir. Quero agradecer. A quem quer que seja ou até mesmo a ninguém: obrigada. Obrigada por esse momento. E se não houver mais luz amanhã quando acordarmos... bem, valeu a pena.

Ele estava surpreso. Ela abriu os olhos e falou animada:

— Agora você.

Então ele fechou os olhos.

— Bem, nesse Natal eu... — Ele torceu os lábios enquanto pensava, ela o observava com expectativa e divertimento — Desejo que tenhamos um peru bem gordo e que saibamos assá-lo.

Ela gargalhou novamente.

— Não acredito que você disse isso!

— Ué... é o que eu realmente quero. — Ele rebateu, divertindo-se também.

E eles passaram os dois minutos rindo. Só eles. Como vinha sendo há quase dois meses, ele e ela. Sozinhos.

Quando se recompuseram, nenhum dos dois falou mais nada por um tempo. Apenas observaram, num consenso particular, o sol terminar de se pôr no horizonte.

Com a chegada da noite, a luz dos pisca-piscas ganhou força. Verde, azul, vermelho, amarelo, branco...

— Todas as luzes... — Ele comentou em determinado instante. Ninguém estava mais marcando o tempo há muito...

Ela deu um sorrisinho discreto.

— Todas as luzes.


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Notas finais do capítulo

“A felicidade é simplesmente uma questão de luz interior.”

Henri Lacordaire

Qual é a sua?