Ainda Vou Domar Esse Animal escrita por Costa


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

E aí, gente? Tudo beleza com vocês?
Mais um capítulo. Espero que curtam.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664666/chapter/16

A visita para minha cunhada me fez bem. Ela é um pouco implicante, mas me fez dar umas boas risadas. É bom poder falar alto, conversar e rir sem se importar com o barulho, coisas que não posso fazer na fazenda. Enfim, tudo que é bom termina e eu preciso do meu ganha pão. Cheguei à fazenda devia passar um pouco das nove horas, era pra eu ter chegado mais cedo se não fosse o ônibus ter quebrado. Essas latas velhas estão caindo aos pedaços, depois reclamam quando as pessoas os incendeiam.  Precisam comprar uma frota nova. Pra minha “sorte”, choveu e a estradinha que tenho que seguir a pé está lamacenta. Ainda bem que estou usando meu sapato gasto. Odiaria estragar mais um par nessa lama.

—Bom dia, Moacir! –O cumprimentei, ao entrar.

—Bom dia, Sofia. Atrasou?

—O ônibus quebrou. O patrão já reclamou?

—Ele nem está. Caiu uma das cercas e ele foi ajudar o pessoal a ajeitar. Eu ainda terei que ir na cidade porque acabou o arame.

—Quer que eu vá? É só escrever o que precisa.

—Não. Você já está atrasada e ele vai reclamar do almoço. Vá fazer seus afazeres. Me viro, dessa vez.

—Valeu, Moacir.

Eu fui cantarolando para a cozinha. Hoje era dia de sopão. Ainda mais com esse friozinho agradável que ficou, depois da chuva. Para minha surpresa, ao olhar na despensa, nadica de nada. Acho que me esqueci de pedir para o João reabastecer ontem. Isso vai me atrasar. Até pedir para ele ir na horta, pegar o que preciso e voltar aqui, umas meia hora, no mínimo.

—Moacir, você viu o João? –Perguntei ao olhar para os estábulos e não o ver.

—Já foi, Sofia. Hoje é folga dele, esqueceu?

—Merda, esqueci!

—O que houve?

—Eu esqueci de pedir pra ele reabastecer a despensa.

—Eu iria pra você, mas tenho que sair agora. Aquela cerca que caiu é um dos locais em que os animais mais ficam. Precisamos fechar ainda hoje.

—Não esquenta, eu dou meu jeito.

—Sele um dos cavalos. Você chega mais rápido e não precisará carregar peso na volta.

—Eu não sei cavalgar e, sinceramente, tenho medo de cair.

É questão de prática. Quando eu tiver um tempo te ensino. Agora deixe eu ir que se eu demorar a chegar o Ricardo me mata.

Ele acenou, entrou na caminhonete e sumiu. Ótimo, agora precisarei colocar as galochas, pegar uma bolsa de feira e ir me embrenhar naquele lamaçal. O dia começou bem...

***

Depois de andar um bom pedaço e demorar mais que o habitual para chegar à horta por ficar atolando os pés na lama, cheguei. Era triste olhar para o local. A lama fazia até poças entre a plantação. Sem escolha, me enfiei lá e sai pior que um porco que fuça na lama. Também enchi logo duas bolsas com os vegetais. Uma semana, pelo menos, sem voltar aqui. O ruim é que ficaram pesadas e eu iria me arrastando nesse lamaçal sem fim.

—Sofia, não era pra você está preparando o almoço? –O animal montado no cavalo se aproximou de mim e perguntou.

—Era, mas a despensa está sem mantimentos.

—Por culpa de quem? Acho que já deixei bem claro para não deixar chegar no zero. Depois atrasa tudo, como imagino que será o caso hoje. –Falou, carrancudo.

—Minha culpa. Esqueci de avisar pro João. Se vai falar algo ou me despedir, faça logo. –Falei áspera com ele.

Ele parou o cavalo em minha frente, também me fazendo parar, e me olhou. Eu e essa minha boca grande. Dessa vez estou na rua. Eu preciso aprender a me controlar e segurar mais minha língua.

—Em primeiro lugar, acho que o patrão sou eu e você está trabalhando aqui tempo o suficiente para saber suas obrigações sem eu precisar te lembrar a cada 10 minuto. Em segundo, acho que essa sua insubordinação está passando um pouco dos limites, não acha? Isso seria motivo mais que suficiente para uma justa causa.

—E por que ainda não me mandou embora? Ouço isso desde a primeira semana que cheguei.

—De todas as empregadas que já passaram por aqui, você é a menos inútil. Também estou sem tempo para procurar por outra, mas, caso queira sair, não te impedirei.

—Sairei assim que arrumar algo melhor.

—Ótimo, só me avise com antecedência para eu poder contratar outra pessoa.

—Ótimo!

—E me dê logo essas bolsas. Você e essas suas manias de tentar fazer mais do que consegue...

Ele esticou a mão e retirou minhas bolsas e prendeu na sela do cavalo. Até esticou o braço para mim subir, mas recusei. Eu não ia me colar nele de novo, ainda mais que ele está ensopado.

—Não dessa vez. Você e esse cavalo estão encharcados, não quero me molhar, e, sem ofender, é um pouco desajuizado de sua parte. Saiu de um resfriado há pouco tempo e está aí abusando, pra cima e pra baixo embaixo desse aguaceiro.

—Acho que minha saúde diz respeito somente a mim e alguém precisa consertar a cerca que caiu. Mas, já que não quer carona, melhor, poderei ir mais rápido e me atrasar menos.

Ele atiçou o cavalo e saíram em disparada. Melhor mesmo eu não ter sumido. Se ele faz isso comigo em cima, tenho certeza que teria caído. Devagar e sempre. A pressa é inimiga da perfeição.

Eu ainda estava no meio do caminho quando ele passou de volta.

—Deixei suas bolsas na entrada. –Ele comunicou, sem parar, ao passar por mim.

Eu nem me dei ao trabalho de agradecer, já que ele se afastou e eu não iria ficar gritando como uma louca. Apenas continuei minha caminhada naquele lamaçal que mais parecia areia movediça sugando meus pés.

***

Já passada de uma da tarde quando finalmente o almoço ficou pronto. Estranhei o fato de o Animal não aparecer para almoçar e nem vir aqui me xingar por ter atrasado o almoço. O negócio lá da cerca deve estar realmente ruim. Pela hora, o Moacir também já deve ter chegado e estar lá ajudando. Odeio ficar aqui nessa casa sozinha. Quase me dá vontade de ir lá ajudar, mas não sei exatamente em qual ponto é e nem vou me atrever a sair com essa chuva. Não quero outro resfriado. O jeito é tentar adiantar a limpeza dos quartos.

Comecei pelo do Moacir, era um quarto simples e até pessoal demais, com fotos da filha dele e alguns objetos de decoração. Em seguida passei para o do Animal, um dos quartos mais impessoais da casa, mais impessoal até que os de hospedes. Eu já tinha superado um pouco a minha curiosidade de futricar nas coisas dele, mas a mente vazia é a oficina do diabo, minha vó sempre dizia e o bicho já estava me tentando. Não resistindo mais, abri umas gavetas e, para minha surpresa e tirando alguns desenhos estranhos feitos à mão e com medidas que acredito ser do tempo que ele era designer, era mais impessoal ainda. Tinham  Apenas algumas peças de roupa, carteira e uns papéis que não sei dizer sobre o que são. Esse cara não tem passado não?! Coloquei tudo no lugar e continuei limpando a casa, mas o diabo ainda é bom e estava me tentando para um outro cômodo, um cômodo que fui proibida de entrar: o sótão.

—Sofia, desgramada, você não pode simplesmente esquecer isso e seguir as regras? –Pensei em voz alta.

O fato é que, desde criança, minha curiosidade sempre foi mais forte que o meu medo. Já passei alguns maus bocados por isso. Lembro de uma vez que entrei na casa do vizinho e o cachorro dele me atacou. Tenho a cicatriz na perna até hoje. Tomei uma surra de cinta por causa disso...  Cheguei na porta. Ainda dá tempo de desistir, Sofia. Pense bem, mulher. Será o que seu emprego vale esse risco? Ah, foda-se. Eu vou ser despedida de todas as formas mesmo.

Eu coloquei minha mão na maçaneta e o sentimento era o mesmo de quando tinha uns 8 anos e roubava biscoitos do armário da cozinha. Esqueci-me com essa sensação pode ser aterrorizante e boa ao mesmo tempo. Comecei a girar. Seria agora, se não fosse pelo som da porta principal se abrindo e me obrigando a sair correndo dali. Merda! Isso precisará ficar pra outro dia.

—Que cara é essa, Sofia? Parece que viu fantasma? –O Moacir perguntou quando eu cheguei na sala.

—Estava limpando. –Menti.

—Sei... Sua cara é a mesma que a minha filha fazia quando eu a pegava no pulo. Estava fazendo merda, não é?

—Moacir, poupe-me você também.

—Tá, não falo nada... O Ricardo não pôde vir almoçar, eles ainda estão enrolados lá na cerca. Precisarão trocar toda aquela área. Devem terminar só mais tarde e pediu para você fazer uns sanduiches.

—Tá eu faço.

—Beleza, ele virá daqui a pouca pegar. Deixa eu ir tomar um banho quente que essa chuva tá gelada.

O Moacir foi para o banho dele e eu para a cozinha.

***

Já tinha terminado os sanduiches e embrulhado em papel alumínio quando o Animal entrou, pela porta dos fundos, encharcado e molhando todo o chão que eu tinha limpado. Como eu queria matar ele por isso.

—Já estão prontos? –Ele perguntou.

—Estão. Espere que eu vou colocar num pote.

—Rápido.

Eu peguei um pote no armário e ele continuava lá parado, como uma estátua ensopada molhando o meu chão e tremendo de frio.

—Não devia abusar dessa forma. Vista pelo menos uma capa para não se molhar tanto. –Falei.

—Quando eu saí não estava chovendo e não tenho tempo para ficar pra cá e pra lá por causa de uma chuvinha.

—Chuvinha?! Quando pegar outro resfriado não reclame.

—Acho que já disse que da minha saúde sei eu, não disse?

—Você é que sabe. Tome seus sanduíches. –Falei, estendendo o pote. Não sei por que ainda me importo.

Ele pegou o pote e sumiu pela porta. Olhei para o chão com tristeza. Precisarei de um rodo para empurrar essa quantidade de água para fora...

***

Já era noite e eu e o Moacir estávamos jogando buraco, um pequeno passatempo depois de um dia cheio, quando o Animal entrou pela porta. O desgraçado tossia de ficar sem ar. Também, pudera. Passou o dia inteiro com a roupa encharcada.

—Terminaram? –O Moacir perguntou.

—Terminamos. –Ele respondeu.

—Vá tomar um banho para se esquentar.  –O Moacir falou, mais num tom de ordem que pedido.

O Animal assentiu com a cabeça. Nem conseguia falar de tanto que tossia. Eu olhei para o Moacir e, apenas pelo nosso olhar, nos entendemos: O nosso jogo tinha acabado.

—Eu vou esquentar a sopa. –Falei.

—E eu vou limpar o chão.

***

A sopa já estava mais que quente quando o animal apareceu na cozinha e, puxando uma das cadeiras, se sentou.

—Eu já ia levar para a sala de jantar. –Falei.

—Não precisa. Só encha um prato para mim. –Ordenou, entre tossidas.

Eu fiz o que ele mandou e ele comeu com gosto e custo, já que a tosse atrapalhava. Esse desgraçado quer pegar uma pneumonia.

—Quer mais alguma coisa? –Perguntei, assim que ele terminou.

—Não. Queria que essa tosse parasse.

—Se você não estivesse lá dançando na chuva a tarde inteira...

Ele me olhou, furioso, abriu a boca para responder, mas mais uma crise de tosse o atacou e ele desistiu.

—Vá para a sala ou o seu quarto se aquecer em uma coberta. –Falei.

—Quando virou patroa que eu não sei?

—Estou tentando te ajudar. Caso ainda não se deu conta, está mal.

—Não sabia que era médica. Acho que estou muito bem.

—Bem e com uma tosse dos infernos?

—Um detalhe infeliz.

—Se continuar assim vai é pegar uma pneumonia. Vá se aquecer e deixe essa arrogância ao menos uma vez.

Ele me olhou com certo ódio, até achei que fosse rebater, mas se levantou e saiu. Esse cabeça dura vai é acabar se matando... Não devia me importar e deixar ele se lascar, mas prefiro ele bom e fora de casa do que aqui. Ele fica insuportável doente.

Um chá também não faria mal para essa tosse. Minha mãe sempre fazia para mim e o Fábio quando ficávamos doentes, na maioria das vezes dava certo.

***

Eu preparei um chá de limão com alho e enchi uma xícara para ele. Por sorte, ele seguiu meu conselho e estava sentado no sofá, conversando com o Moacir. Me aproximei e entreguei-lhe a xícara.

—O que é isso? –Ele perguntou olhando para a xícara.

—Um chá para essa sua gripe.

—Acho que não te pedi nada e ainda não estou gripado.

—Não, mas eu quis ajudar. Isso impedirá a gripe de vir com força.

Ele olhou meio desconfiado para aquilo enquanto o Moacir segurava o riso. Deu uma cheirada, fez uma cara feia, mas tomou coragem para experimentar. Sua cara não foi das melhores.

—Que merda é essa? –Gritou.

—Limão com alho. Faz bem para gripe. Mais tarde, na hora de dormir, para essa sua tosse um pouco de leite queimado com açúcar.

—Eu não vou beber isso. É horrível!

—Se não quiser ficar doente, beba.

—Acho mesmo que você está se achando a patroa hoje.

—Não, não estou. Apenas quero que melhore.  Será que pode deixar de ser rude e aceitar ajuda ao menos uma vez?

O Moacir explodiu em uma gargalhada e ele nos fuzilou com o olhar.

—Só porque estou mal. –Falou, entre os dentes e tomou aquilo de uma golada só.

Eu recolhi a xícara e fui para a cozinha. Ainda o podia ouvir reclamar do mau gosto daquilo.

***

Já era noite e o Moacir tinha ido dormir, apenas aquele Animal teimoso ficou na sala. Eu, mesmo sabendo do outro esporro que tomaria, fiz o bendito leite queimado para a tosse dele.

—Mais chá? –Perguntou rudemente quando me aproximei e lhe entreguei outra xícara.

—Leite queimado com açúcar. Beba em pequenas colheradas. É para tosse.

—Você nunca desiste?

—Quase nunca.

Ele olhou para aquilo e, com certa cara de nojo, começou a tomar.

—Se não morrer de tosse, eu morro de diabetes. Precisava adoçar tanto isso? –Reclamou.

—É a receita. Agora tome tudo e depois vá se enfiar embaixo das cobertas.

Tá, admito, acho que passei um pouco da medida do açúcar. Fiz isso poucas vezes em minha vida, mas ele não precisa saber. Pior que ele está, não fica.

—Entregou os desenhos para o seu sobrinho? –Ele me perguntou.

—Entreguei e ele adorou. Pediu para te agradecer.

—Sempre que precisar, pode trazê-lo para cá.

Essa me surpreendeu. Não esperava que ele fosse tão compreensível com crianças, ainda mais para permitir que um empregado leve crianças para sua casa.

—Agradeço. –Falei.

O assunto tinha morrido ali, mas eu sou mesmo sem noção e não me aguentei com o silêncio, comentei:

—Não sabia que gostava de crianças.

—Não há porque saber. Isso são coisas privadas minhas e que não fico por aí, gritando aos quatro ventos.

—Nunca pensou em ter filhos? –Perguntei, mesmo com a arrogância dele.

—Já estou velho pra isso. –Falou, com a cara mais fechada que o normal.

—Mulheres que tem prazo de validade curto. Homens podem fazer filho até uma idade avançada.

—Sabe, acho que isso são assuntos que não te dizem respeito. Se não me engano, é minha vida particular. –Falou, com ironia.

—Uma família iria te fazer bem. Talvez um namoro, um casamento. Você deve ter algumas pretendentes.

—Vou dormir.

Ele deixou a xícara na mesa e saiu rapidamente. Mal educado! Realmente não entendo esse cara. Gosta de crianças, mas não quer ter filhos. Não dá para entender. Talvez tenha tomado algum chifre ou alguma mulher o tenha enganado com algum filho que não era dele. Ou será que ele não pode ter filhos? Sei lá. Eu também estou cansada e não vou ficar criando mil teorias em minha cabeça. Mesmo sabendo que ele é pintor, ainda desconfio até hoje da plantação de maconha escondida na mata.

Continua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?
Como sempre digo, críticas, sugestões e opiniões sempre serão bem vindas.
Obrigada por lerem e forte abraço, gente!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ainda Vou Domar Esse Animal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.