Cebola chegou na ONG em cima da hora, mas percebeu que quase nenhum aluno tinha chegado ainda, agradeceu mentalmente por não atrasar para a aula e foi para a diretoria tomar um café.

– Bom dia careca – Cascão chegou logo após ele.

– Fala Cas, beleza? – Cebola o cumprimentou sorrindo. – O que faz por aqui tão cedo?

– Beleza, passei aqui pra deixar a programação de atividades lá da escolinha de futebol, a diretora me falou que a turma de society aqui da ONG vai participar. – Cascão explicou entrando e pegando um café também.

Cascão estudava educação física, era professor de futebol em uma escolinha do bairro, e sempre que possível incluía a turma da ONG em seus projetos. Tinha vinte anos e estava solteiro há uns 5 meses, terminou com sua ex Cascuda devido ao ciúme, não agüentava mais ser controlado.

– Ah da hora, vou ver se passo lá pra assistir – Cebola respondeu queimando a boca com o café quente.

– Careca, véi, preciso te falar uma coisa que não sai da minha cabeça – Cascão comentou coçando a testa.

– Ihh, que que manda? – Cebola previu que vinha bomba por ai.

– Você sabe que eu e a Maga estamos bem próximos né? Depois que terminei com a Cascuda, a Magali se tornou minha confidente, ela está super presente – Cascão começou a falar sorrindo.

– Ta apaixonado! – Cebola concluiu batendo nas costas dele fazendo ele se engasgar.

– Er... Velho, venho pensando muito nela, acha que tenho chance? – Cascão perguntou o olhando atento.

– Ah Cas, pode ser que sim, a Maga é super meiga e doce então tenta não confundir isso com ela estar afim ein – Cebola concluiu cruzando os braços.

Eles eram muito amigos, e a sinceridade sempre prevalecia na hora do conselho, por mais que doesse.

– É... Pode ser né – Cascão respondeu pensativo.

– Mas você nunca vai saber o que ela realmente quer se não tentar nada – Cebola respondeu sorrindo.

– Vou analisar os vestígios – Cascão concluiu rindo – Vou indo careca, falou!

– Até mais Cas – Cebola se despediu.

–-

Magali tinha 20 anos e amava dançar, foi a procura de uma boa escola de dança que encontrou a do bairro do Limoeiro, já havia morado lá quando criança, e quando viu a oportunidade de voltar, logo ligou para sua amiga de infância Denise para propor a idéia de retornarem ao bairro.

Denise também morou lá de pequena, mas demorou um pouco para aceitar a proposta, só se convenceu quando leu que a Limon Dance era uma das maiores escolas preparatórias no ramo.

Desde então alugaram um apartamento numa república e ali se encontravam, Magali estava solteira há um tempo já, depois de Quinzinho não se interessou por mais ninguém, tinha seus amigos, a dança e estava bem, continuava meiga, simpática, paciente e linda.

Ambas dançavam balé, não viviam disso ainda, mas gostavam muito do que faziam.

Magali além da dança fazia um curso especializado em nutrição, Denise fazia cursinho preparatório para vestibular, queria cursar comunicação social em uma federal.

Denise tinha acabado de completar 20 anos, há pouco tempo começou a se envolver com o Xaveco um amigo de infância, que tornou a se aproximar assim que voltou para o bairro, estavam saindo há alguns meses quando foi pedida em namoro, resolveu aceitar, ele era um fofo e o tempo tinha feito muito bem pra ele.

–-

A aula de balé acabou, e Monica ficou deitada no chão em frente ao espelho da sala.

Passou um tempinho se sentou de perna de índio, e se analisou no espelho atenta, será que estava apta para prestar essa prova?!

Não sabia lhe dar muito bem com “nãos”, tinha medo de prestar e não passar, e isso a desmotivar.

Foi percebendo a cara da aluna que Marcos se aproximou sentando ao seu lado.

– O que que é essa carinha de preocupação? – Ele perguntou a olhando pelo espelho.

– Professor... Você me conhece desde pequena, sabe que não gosto de reprovações... Acha que eu vou bem nessa prova? – Monica perguntou tirando os olhos do espelho e encarando os dele.

– Monica, te vejo ensaiando todo dia da vida, você já sabe de cor e salteado todas as coreografias, os movimentos, você é ótima – Marcos respondeu sorrindo.

– Tenho um pouco de medo, de não passar – Monica respondeu soltando seu coque.

– O medo cega os nossos sonhos Moniquinha, lembra quando você deu o seu primeiro salto com movimentos impecáveis? Você tinha na faixa de 9 anos, e não estava com medo nenhum, olhei em seus olhos na sua primeira apresentação como personagem principal da peça de final de ano e você também não demonstrou nadica de medo, por que isso agora? – Marcos perguntou reparando que a menina se segurava para não chorar.

– É que um passo desse... É tudo muito novo, a prova é em São Paulo, e meu pai, eu acho que ele não vai deixar eu ir para lá se eu passar – Monica respondeu chorosa.

– Monica, é seu futuro menina, é seu sonho, seu pai já vive o dele, acha que ele não ficaria irradiante vendo você feliz vivendo seu grande sonho, a Le Ballet carrega em sua equipe os melhores bailarinos do mundo – Marcos concluiu se levantando.

– É... Isso é – Monica respondeu se levantando e ajeitando seu cabelo.

– O sonho do seu pai é ver você feliz – Ele sorriu ao ver a menina sorrir também.

– Ain professor, você é incrível, obrigada – Monica o abraçou sorrindo com os olhos lacrimejados.

Marcos observou a menina pegar a bolsa e sair pirilampa da sala, ele sabia que incentivar ela a ir significava perder a melhor bailarina da escola, mas isso não se comparava a ver sua filha de consideração realizando um sonho.

Monica saiu de lá mais tranqüila, mas ainda pensativa, nunca tinha viajado sozinha, sempre que viajou com a equipe de dança foi junto com pessoas que seu pai confiava, tinha certeza que ele ia intervir nessa decisão.

Parou no caminho para tomar uma água de coco, comprou do quiosque mais próximo e saboreou com sede, pegou o celular para checar suas redes sociais.

Estava imersa em seus pensamentos passando o olho pelas noticias do face quando viu a pagina do Le Ballet divulgando as audiências, seu coração palpitou forte, abriu o link de informações aos candidatos, e foi embora para casa lendo.

–-

Cebola chegou na escola sorrindo, viu uma fila para o lado de fora e logo lembrou do que a Magali disse, eram os dançarinos se inscrevendo para a audiência da Le Ballet, passou por eles, tirou o crachá e entrou na escola encontrando seu professor já la dentro.

– Fala professor beleza? – Cebola o cumprimentou com um toque de mão.

– Beleza Cebola e você? – Ele respondeu reparando na fila.

–Beleza também, viu o tanto de bailarinos vindo se inscrever, pelo jeito vai ser pesada essa audiência – Cebola comentou vendo que a fila só aumentava.

– Ah mas não é só pra audiência que estão se escrevendo, não ta sabendo que uma das principais professoras da Le Ballet virá aqui no final de semana, vai falar um pouco sobre a academia de dança, das umas dicas aos candidatos, essas coisas. – Denise falou se aproximando deles ouvindo a conversa.

– Nossa, já vi que sábado vai ta cheio aqui, vamos ter aula mesmo assim? – Cebola perguntou ao professor.

– Claro, nem adianta pular fora, quero montar a coreografia de hip hop da festa da ONG, e você tem que participar sendo que foi você quem nos convidou – Ricardo respondeu lhe dando um empurrãozinho.

– Haha, demoro! – Cebola concluiu sorrindo.

–-

Monica chegou correndo em casa e subiu para seu quarto ansiosa, deitou na cama e abriu seu note, logou na pagina da Le Ballet que já conhecia a tempos, e começou a navegar em busca de noticias e informações para convencer seu pai de que seria realmente incrível participar e ser aprovada na audiência.

Foi enquanto estava voltando para a pagina inicial que reparou numa noticia que lhe chamou atenção.

“Venha participar das palestras com os professores da Le Ballet, fiquei por dentro das dicas que eles darão durante o evento e esteja preparada para as audiências”.

Monica clicou rápido no link de inscrição, procurou, procurou e procurou alguma palestra em sua cidade, porém não encontrou. Rolou o mouse um pouco mais para baixo, encontrou alguns lugares que iriam receber a palestra, olhou as datas e a mais perto era nesse final de semana, viu um número e resolveu ligar.

Pegou o celular, abriu e discou, atenderam e ela ouviu do outro lado,

– “Lemon Dance boa tarde, em que posso ajudar?”...