Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 17
Capítulo 16 ― Ocioso


Notas iniciais do capítulo

Aoooooo!
TRÊS FUCKING recomendações na mesma semana?! Sério isso? Poxa, assim meu ego começa a crescer. Então, claro, eu gostaria de agradecer muito a Brúhh, TheCrazyGirl e a Patty Mellark pelas belas palavras. Leitoras como vocês são pérolas aqui no Nyah! Muito obrigado mesmo. E também tenho que agradecer pelo incrível feedback que a fic está recebendo!
Bom, é só isso mesmo.
Boa leitura, cambada!

NOTA: Ao encontrarem o [ * ], favor clicarem nele.

REVISADO EM 23.04.2017



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É O LEVE FARFALHAR DE folhas sendo pisoteadas que me acorda. Sobressaltada, seguro o cabo do machado com ainda mais força e faço uma varredura completa no local com os olhos, esperando me deparar com mais bestantes raivosas multicoloridas. Entretanto estou sozinha e concluo que deve ser apenas o vento. Ou minha imaginação.

Olho para o céu azul-escuro e percebo que o dia está prestes a clarear ― devo ter dormido pouco mais de quatro horas. Tenho certa dificuldade em levantar, pois sinto todo o meu corpo enrijecido e a coluna quebradiça como um galho seco. Aparentemente não é muito sensato dormir sentada duas noites seguidas, encostada a uma rocha fria. Coloco as mãos no quadril e inclino-me para trás. Paro apenas quando ouço o estralar das juntas.

Checo meus ferimentos e descubro que não estou tão ruim quanto imaginava. Os arranhões e a queimadura no braço ainda estão doloridos, mas não tão feios quanto poderiam estar. Retiro o curativo improvisado e encaro o corte profundo feito por uma bestante. Está limpo, uma fina crosta de sangue coagulado impedindo que mais escorresse, mas tenho certeza que poderia ser pior.

― Já se passaram quarenta e oito horas e ainda estou viva, hein? Aposto que ninguém esperava por isso ― digo alto o suficiente para que as câmeras capturem. Que toda Panem veja que estou bem, que não sou aquela garotinha assustada da colheita. Quem sabe eu consiga atrair um patrocinador disposto a bancar algo para meus ferimentos. Coisas assim vivem acontecendo na Capital. Quando o sujeito vê que seu tributo está ferrado, acaba indo para bandas mais verdes.

Estou agachando-me para pegar a mochila quando algo me interrompe. O zíper está aberto, e tenho certeza que o deixei definitivamente fechado antes de apagar. Prendo a respiração, olhando para os lados, atenta a qualquer sinal de perigo, de invasores. Mas há ninguém. Nem mesmo ouço os pássaros cantando. Entretanto não posso ignorar os fatos: alguém mexeu em minhas coisas. Mas quem?

Encaro a mochila por um longo tempo, pensativa. É quando ela se mexe, quase saltando do chão. Tem alguma coisa dentro dela. Bestantes? Não. Se fosse mais uma aberração da Capital, provavelmente teria tentado me devorar no lugar de se enfiar entre meus suprimentos. Então imagino que seja outro animal ― talvez um natural da arena. Serpentes? Roedores? Percebo que a única maneira de descobrir é investigando.

Uso a cunha do machado para cutucar o calombo na mochila, que se agita freneticamente assim que é tocado. A coisa se desespera e tenta fugir pelo lado errado e acaba trombando repetidas vezes na costura do objeto. Com certeza não é uma criatura inteligente. Bom, seja o que for, é melhor dizer adeus, penso enquanto ergo o machado e desço com tudo contra o animal, usando a parte romba e achatada da arma como um porrete. A última coisa que quero é rasgar minha mochila. A criatura não se meche mais, mas, para ter certeza, bato novamente.

Com cuidado, puxo a boca da mochila para enxergar dentro dela. Entre latas de comida e a frigideira, há uma bola cinza de pelos. Morta. Viro a bolsa de cabeça para baixo e chacoalho-a até que tudo caia. O invasor é um animal pequeno, com no máximo quarenta e cinco centímetros, cinzento e com um focinho pontiagudo. A pelagem é preta na região dos olhos como uma máscara natural. Encaro a figura peluda, sorrindo como se tivesse recebido um belo presente de aniversário. É um mapache*. Bom, na verdade um filhote.

Pego-o pela cauda listrada para sentir o peso. Nada como uma boa refeição fresca para substituir os enlatados. Talvez a sorte esteja sorrindo a meu favor pela primeira vez desde quando tive meu nome anunciado na colheita.

― Você é uma gracinha, sabia? E vai ficar ainda melhor quando estiver assada.

Volto meus suprimentos dentro da mochila ― no processo descubro que a criatura devorou todo o meu estoque de frutas cristalizadas ― e dou um jeito de amarrar o animal pelas patas na corda curta. Jogo o mapacha nas costas, acima da mochila, segurando-ao como se fosse uma trouxa de roupas sujas.

Enquanto caminho em sentido sul, pergunto-me que outros animais devem haver aqui. Parando para pensar, não encontrei muitos rastros pela floresta. É estranho. Com exceção do mapache, e dos bestantes, lembro-me apenas da coruja vista no dia anterior. Nada a mais. 

Não é necessário andar muito para encontrar outro pequeno cânion raso de piscinas de águas quentes, quase idêntico aos outros dois. Isso me deixa com certa raiva, pois algo me diz que ninguém morrerá nessa edição por desidratação. Penso na floresta que me cerca. Mesmo que de maneira relativamente escassa, há árvores frutíferas e caça aqui. Aposto que tudo isso é intencional da parte dos Idealizadores. Se ninguém morrer de fome ou sede, é claro que haverá mais tributos na arena para digladiarem-se.

Com cuidado, desço a escada de pedra e ajoelho na primeira lagoa para pegar mais água. Após encher os cantis, levanto-me. Não sei ao certo o que me chamou a atenção ― talvez um pássaro voando ―, mas quando dou por mim, estou olhando para o céu. Uma fina cortina de mormaço dificulta a visão, mas não torna impossível identificar as formas. De onde estou dá para ver com perfeição os picos dos quatro vulcões. Sinto um leve formigar na minha espinha. Mais cedo ou mais tarde, um desses vulcões entrará em erupção, quem sabe todos e ao mesmo tempo, e o verdadeiro caos se espalhará. Pergunto-me se ainda estarei viva quando isso acontecer e percebo que não me importo. De qualquer maneira, eu estou ferrada.

•••

O resto do dia se arrasta, entediante. Caminhar, caminhar, caminhar. Andar, andar, andar. Nada de interessante acontece ― nenhum encontro inesperado com bestantes; sem tropeçar em algum carreirista; tampouco ouço tiros de canhão. Apenas a velha e monótona familiaridade de desbravar uma floresta tão estranha. Paro para terminar minha lata de comida e aproveito o tempo de descanso para limpar minha presa. Não é um trabalho emocionante, mas serve muito bem para distrair. Arranco as entranhas do mapache, corto as patas e a cabeça fora. Tenho certa dificuldade em despelar o animal, coisa que parecia muito mais fácil quando vi o garoto do Distrito 10 fazendo ano passado. No final, quando acabo, percebo que a carne do roedor está picotada onde tentei arrancar a pele com a faca. Acendo uma pequena fogueira e grelho o animal sem pressa, virando-o ocasionalmente nas brasas. Quando fica assado, jogo-o sem cerimônias dentro da mochila. Sei que essa não é a maneira correta de lidar-se com alimentos, mas estes são os Jogos Vorazes e nada de correto acontece.

Volto na rotina confortável de uma caminhada moderada. Encaro as bétulas e azevinhos que vou deixando para trás, observando suas ranhuras únicas. Há muitas delas por aqui. Não é uma madeira tão apreciada pela Capital, portanto não tem muito delas no meu distrito. O ponto forte do 7 está na extração do mogno, uma árvore particularmente feia, mas com uma madeira caríssima.

Penso no que deve estar acontecendo em casa nesse momento. Aposto que toda a minha família está com os olhos grudados à televisão, torcendo por mim. Meus pais ainda devem ter esperanças, imagino. Mas o que será que está se passando no lar dos Underwood? Se não estiverem consumidos pelo luto, tenho certeza que passam cada segundo me odiando mais do que tudo. Afinal, fui eu que deixei seu filho para morrer.

A noite está prestes a cair quando decido encontrar um lugar para acampar. Escolho uma rocha imensa à dedo ― há um mar delas aqui na arena. Assim como na noite anterior, sento-me com o machado no colo, recusando-me a deitar. Abro a mochila e pego um pedaço suculento do mapache, que ainda está morno. Enquanto mastigo, agradeço aos Idealizadores pelo clima agradável. A última coisa que quero é ter que acender uma fogueira para aquecer meus membros congelados e ser descoberta, seja por tributos ou por bestantes.

A insígnia da Capital surge no céu acompanhado pelo hino, mas não há rostos hoje. Foi um dia estranhamento silencioso. Aposto que deve haver pessoas loucas por alguma emoção e isso me deixa preocupada. Tenho medo que façam com que um vulcão entre em erupção para agrupar alguns tributos assim como fizeram no ano passado com o rompimento da represa. Lembro-me de assistir o restante dos sobreviventes morrerem afogados até que restou apenas Annie Cresta. Substituo a água por lava e os pelos da minha nuca arrepiam.

Começo a ficar inquieta, questionando-me se realmente fiz escolhas decentes. Quanto mais perto chego do Vulcão Sul, mais apreensiva me torno. Usar a área mais perigosa e remota da arena como esconderijo não parece mais ser uma boa ideia. Aliás, não sei se escolhi bem ao decidir esconder-me agora nos primeiros dias. Eu deveria estar caçando tributos para matar, mas no lugar disso, aqui estou, afastando-me cada vez mais de qualquer ser humano. Burra, burra, burra.

É isso. Blye, minha mentora, está errada. Não é sensato ficar escondida para sempre. Ainda mais em um momento tão crucial quanto os primeiros dias nos Jogos. Estou quase me levantando para dar meia-volta, rumo à Cornucópia, quando a sensatez fala mais alto. O céu está escuro. Sei que eu conseguiria locomover-me com facilidade aqui contando apenas com a luz das estrelas para clarear meus passos, mas não acho a ideia muito atrativa. Mesmo que não haja tributos nesse pedaço da arena, sempre pode ter mais daquelas aves bestantes à espreita. A hipótese de enfrentar outro bando daqueles à noite não me agrada.

Lambo a gordura do mapache em meus dedos e tento dormir, mesmo não me sentindo segura o suficiente para isso.

•••

E é assim que os três próximos dias se passam. No final, acabo decidindo continuar andando no sentido sul apenas para ver o que há no sopé do vulcão ― talvez eu consiga dar a volta pela montanha e me deparar com uma segunda parte da arena, embora seja pouco provável. Nada de novo acontece. Sem bestantes ou até mesmo o tiro do canhão. Tenho a felicidade de encontrar uma toca de roedores, onde capturo dois outros apaches gordos e suculentos. Imagino que talvez sejam os pais daquele que furtou minhas frutas cristalizadas.

No quinto dia de Jogos Vorazes, além de entediada, começo a sentir-me paranoica. Cada farfalhar das folhas na copa das árvores e até mesmo a sutil mudança do vento é o suficiente para fazer-me saltar. Sei que a Capital deve estar impaciente, sedenta por ação. É questão de tempo para que os Idealizadores decidam agir. Além do mais, posso jurar que nos últimos dias o cheiro de enxofre está ficando mais intenso. Pergunto-me se é um sinal. O mais estranho é que acho que sim. E mesmo se não for, não quero estar aqui para descobrir a verdade.

Está demorando demais para outro azarado morrer. Nas edições passadas, os Idealizadores dos Jogos sempre davam um jeito de fazer com que um grupo de tributos se encontrassem rapidamente. E posso jurar que a Capital nunca esperou tanto ― quatro longos e entediantes dias. Isso só pode significar uma coisa: algo muito grande está sendo preparado.

Pode custar minha vida, mas mudo meus planos. O sul não é um bom lugar para se estar. Preciso voltar, mostrar aos Idealizadores que não é necessário desencadearem um grande espetáculo, que apenas eu posso dar conta do recado.

Dou meia-volta. Conforme vou calculando todo o tempo e a energia que gastei para chegar até aqui, mais zangada fico. Estúpida. Eu sou muito estúpida! Burra, burra, burra! Eu não devia ter traçado esse caminho, andado direto para a cova dos lobos. Saber disso me deixa furiosa. Essa minha idiotice ainda vai acabar me matando, isso sim.

•••

Na alvorecer do nono dia após o soar do gongo, procuro um amontoado de rochas e faias antes da noite cair e jogo a mochila no chão. Tudo está silencioso demais, suspeito demais. Não há qualquer ruído de animais, nem mesmo o chilrear de uma maldita coruja. Talvez eles estejam escondendo-se em suas tocas, prevendo o desastre eminente. E eu? Onde me esconderei quando o vulcão for ativado? Resta apenas contar com a sorte. Se ela estiver do meu lado, ainda há outros três vulcões além do que está mais perto de mim. Mas, como já foi provado mais de uma vez, a sorte tem uma grande inimizade por mim.

Retiro a atadura improvisada do ferimento do braço. Não está tão ruim, apenas um pouco inchado. Ao menos não há indícios de que pode vir a infeccionar. Após voltar a cobrir o machucado, dou-me o luxo de jogar um pouco da água do cantil no rosto. Nunca pensei que diria isso, mas estou com saudades do chuveiro requintado e entupido de botões da Capital.

Estou exausta, exaurida. Entretanto não quero dormir. Acontece que tenho medo de, ao acordar, deparar-me com um mundo engolfado em uma enorme bola de fogo e lava. Convencendo a mim mesma que apenas descansarei a visão, fecho as pálpebras por um segundo.

Acho que devo ter cochilado, pois quando volto a abrir os olhos, percebo que uma fina linha de saliva escorre por meus lábios entreabertos. Seco-a com o pulso, sentando-me no chão da floresta. Flexiono meus dedos dormentes de tanto segurar o cabo do machado e olho para cima no intuito de usar a posição da lua para saber que horas são.

Então o primeiro floco aterrissa na ponta do meu nariz. Fico confusa, atordoada. Há mais deles no céu, rodopiando lentamente, descendo até a terra dura. São minúsculos, levíssimos, porém visíveis. Acho que já os vi antes, em alguma edição anterior. Neve, a apalavra estranha, quase estrangeira, salta em minha mente. Chacoalho a cabeça negativamente como para assentar meus pensamentos. Não é neve, pois não está fria. O tempo continua quente demais para nevar. O ar ao meu redor está abafado, pesado. Não percebi antes, mas estou suando.

Estico a mão e deixo alguns flocos perolados pela luz da lua pousarem em minha palma. Cada vez cai mais, gradualmente. Aproximo a mão do rosto com cuidado, com medo de que o material estranho voe com o movimento. De perto, consigo ver melhor. Mesmo se eu achasse que talvez fosse neve no começo, agora poderia tirar a conclusão exata de que não é. Não se parece em nada com os flocos que vi na televisão. Pego um com o dedo e esfarelo-o com facilidade, deixando uma mancha de fuligem na palma. Por fim, reconheço.

Cinzas.

É quando o chão treme violentamente sob meus pés.


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Notas finais do capítulo

Talvez (bom, isso está mais para um "provavelmente"), a passagem de tempo desse capítulo tenha ficado um pouco confusa. Mas, resumindo, já estamos no nono dia de Jogos Vorazes; e Johanna decidiu dar meia-volta, ou seja, caminhar em sentido norte para a Cornucópia, no quinto dia. Portanto, concluindo que ela tenha andado em um ritmo moderado, ela não está tão longe assim do centro da arena. Capiche?
Sim, galera, aposto que todos devem ter entendido esse final de capítulo. Algo me diz que a Capital cansou de esperar por emoção (hehe).

NOTA: Para os desenformados, mapache é apenas outra denominação para guaxinim.

Até.