Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 15
Ameaças em chamas


Notas iniciais do capítulo

Olá! Esse saiu mais rápido para compensar o anterior. A música para ele é Bohemian Rhapsody, de Queens: https://www.youtube.com/watch?v=fJ9rUzIMcZQ
Boa leitura!



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Este havia se tornado, de longe, o melhor dia da minha vida. Apesar de minhas descobertas sobre o passado de Serena – não a parte sexual, mas a trágica – eu havia conseguido duas coisas: a) assumir para mim mesmo e, especialmente a ela, que não consigo mais manter distância; e b) consegui conciliar a questão excitante e sentimental. Nós teríamos nos beijado a noite inteira e, quem sabe, iríamos além se não tivéssemos sido interrompidos pelo alarme de incêndio.

Paramos de nos beijar de imediato, de olhos arregalados. Levantamo-nos rapidamente, sem saber o que fazer. Ouvíamos lá fora todas as professoras evacuando bem próximas, e as vozes das adolescentes ao longe. Alguns desesperados, mas a grande maioria bem calma.

– O que vamos fazer? Se sairmos do quarto vão ver que eu estava aqui! – falou em tom de apreensão. Eu não sabia o que dizer. Não poderíamos saber se o incêndio era perto daqui, se nos alcançaria, se entraria fumaça. Mas não poderíamos sair. Não pela porta principal.

Fui direto ao banheiro, o único lugar com janelas ali. A abri e tentei, mentalmente, calcular se passaríamos. Era intermediária, Serena passaria com certeza. Mas eu... Sou magro, mas tenho o corpo grande. Largo. Talvez emperrasse.

– Vá, vá pela janela. Eu saio pela porta e a encontro aí atrás assim que sair. Certo? – sugeri. Estávamos tensos, nossas linhas de expressão denunciavam isso.

Tentei carregá-la para inclinar-se na janela. Assim que ela pôde pendurar-se ali e pôr a cabeça para fora, jogou-se de novo para dentro, tossindo.

– Há muita fumaça! Mal consigo ver o chão. – falou, então pegou uma toalha e enfiou debaixo da pia. Quando já estava encharcada a levou para o nariz, respirando o ar úmido. Ia perguntar o motivo daquilo, mas entendi. Era uma garota muito inteligente.

Eu precisava achar uma solução. Fui até a porta e tentei olhar pela fresta. Não via o fogo, mas via muita fumaça. Entre ela, alguns vultos correndo, buscando. Vozes por todo lado. Via um grupo de pessoas se aproximando apressada. Rapidamente corri, voltei ao banheiro, puxei Serena para dentro do box, fechando-o. Sinalizei para fazermos silêncio e esperei. Estávamos muito próximos. O box era pequeno – nossos corpos estavam colados de maneira que um respirava o ar do outro. Olhávamos para nossos lábios, respirando profundamente. O chuveiro ainda pingava em nossos rostos, o que a fazia rir um pouco. Sua risada foi cortada imediatamente quando ouvimos batidas na porta.

– Sr. Humphrey, abra! Rápido! Está tendo um incêndio! Vamos evacuar a escola até a fumaça sair. Ele não está aí, está? – ouvimos murmúrios. – Já deve ter saído. Não é tolo. Vamos! – bateram mais algumas vezes na porta e saíram. Nós rimos quando nos afastamos.

– Precisamos mesmo sair daqui. É perigoso. – falei.

– É o seu primeiro incêndio? Pobrezinho. Acho muito mais perigoso se nos virem saindo juntos... Ainda mais mencionando que estou com suas roupas. – ela arqueou a sobrancelha. Em um movimento ágil ela pulou em cima de mim, cruzando suas pernas em volta do meu corpo. – Inclusive se me virem de macaquinho em você. – falou, beijando meu pescoço com os braços em volta de mim. Meu corpo inteiro se arrepiou. Senti os pêlos de meu braço se esticar, um arrepio que vem desde o início da coluna. Eu ergui meu rosto para cima. Era maluco o que ela fazia! Estávamos no meio de um incêndio e ela estava querendo me beijar, querendo estar comigo.

– Você não tem medo de nada? – perguntei, lhe arrancando um sorriso murcho. Ela ia responder, mas ambos sentimos o cheiro da fumaça invadindo o quarto. – Agora temos que sair! Não podemos ficar confinados na fumaça. Vamos!

– Vou trocar a minha blusa. – falou.

Nós fomos até a porta. Abri um pouco e vi se tinha alguém por perto. A fumaça era muita! O que causou esse incêndio?! A passagem estava livre. Olhei para trás para ver se Serena já estava vestida. Logo saímos correndo dali com a mão no rosto. Corremos pelos corredores até chegar ao jardim principal, onde todos estavam com seus pijamas e olhos aflitos. Olhei para o céu. Ainda estávamos no meio da madrugada, nem sinal do dia amanhecer. Ainda nos fitando, cada um foi para um lado. Eu encontrei com a diretora e ela com as amigas.

– Sr. Humphrey! Onde estava? E a Srta. Doolitle? – perguntou de olhos esbugalhados.

– Estavam juntos? – Violet estava ao lado e logo questionou indignada. A encarei por pouco tempo, mas notei que seus olhos estavam diferentes. Avermelhados. Provavelmente engoliu muita fumaça. Será que havia me procurado? Por isso ficou mais tempo lá dentro.

– Encontrei a Doolitle vomitando perto dos banheiros. Viemos para cá o mais rápido possível. O que houve? Onde teve fogo? – perguntei, desviando o assunto.

– Ah, querido... Não sabemos o início, mas foi próximo ao quarto dos professores, debaixo das árvores. Sabe as tendas de sol? Então. Foram todas incendiadas! Elas eram de um tipo de madeira muito inflamável que faz muita fumaça, por isso o alvoroço. Ainda não sabemos quem foi o responsável, e nem mesmo se foi um acidente. Quando os bombeiros chegarem teremos uma resposta mais conclusiva. – falou, preocupada.

Violet, novamente, não manteve-se em silêncio. Ela aproximou-se com um olhar ameaçador que eu conhecia bem. O que ela estava tentando provar?

– Mas... Diretora Wilkes, o que você estava dizendo antes do professor Humphrey chegar? – perguntou.

– Ah, querida, isso não é nada certo. É uma medida cautelar que tomamos, mas nada concreto.

– Bom, Chuck, a diretora estava dizendo que existem dois suspeitos para o crime, propriamente dito. – falou.

– E quem são? – perguntei;

– Ora, os únicos dois que não foram encontrados. Afinal nenhum dos dois estava no quarto na hora da evacuação. – sugeriu, e então entendi o que ela quis dizer. – Onde você e Serena estavam mesmo? E a esta hora? O que faziam fora do quarto? – insistiu.

– Violet! Isso não é hora! – a diretora a repreendeu, mas nem isso tirou seu sorriso vitorioso. – Vejam, os bombeiros!

A diretora correu até os bombeiros e seus automotivos. Fiquei de frente a Violet com o cenho franzido.

– O que pensa que está fazendo? – perguntei em tom ameaçador.

– Estou em nome da justiça. Acho que o responsável por isso deveria ser pego, a não ser que esteja acobertando uma aluna. Aí ela deveria ser expulsa. Ou então, que tal... E se o fogo não tiver nada a ver com eles dois? E se eles estivessem fora do quarto por outro motivo? Ah... Isso seria péssimo. Talvez pior do que pôr fogo na escola.

Ela sorria de um jeito quase maquiavélico. Eu a detestava. Não conseguia entender o que havia gostado nela nos últimos anos. Ela era uma versão mais cruel de Sharpay Evans, como as vilãs de filmes clichês e para público adolescente.

– Está me ameaçando? – aproximei-me dela para parecer mais intimidador. Travei os dentes, raivoso.

– Quem não deve, não teme, é o que diz o provérbio. Afinal, o que você e a sua Cyndi Lauper estariam fazendo demais? Você não abusaria de uma esquizofrênica, não é? – sugeriu, rindo e se afastando.

Foi então que percebi: Violet era ainda mais doentia do que a própria Serena. Ela sabia sobre minha noite, apesar de ter presumido algo que não aconteceu. Ao menos ela ainda não tinha provas, mas era a situação perfeita para ela me encurralar. Ela queria que eu ou Serena nos entregássemos para encerrar essa história logo, já que ela não convencia ninguém de que éramos amantes. Mas não iríamos ceder. Disso, somos inocentes. E eu havia prometido...

Eu e Serena estávamos juntos nessa.


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