Boys Don't Cry escrita por polaris


Capítulo 1
Nowhere


Notas iniciais do capítulo

espero que gostem.
essa é a música que eu pensei para o capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=g0s6niSbMlg

(be good, human)



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“Não sonhe, viva”


Ele apertou o bilhete contra seu peito. Respirou. E leu de novo. Desde que o recebeu havia lido todas as vezes que pôde. Leu até suas mãos tremerem e seus olhos umedecerem e arderem. Leu quando estava sozinho, quando deitava-se no seu telhado e observava o céu, quando caminhava descalço na praia. Leu até suas pálpebras pesarem e cederem ao sono e depois de novo e de novo, continuamente. Nunca se cansando, nunca esquecendo.


Levava-o para cima e para baixo, cuidadosamente dobrado e colocado no bolso de sua calça jeans. Era apenas um pedaço de papel amassado, arrancado de uma folha sulfite branco, com as bordas irregulares e as palavras nele escritas com um lápis de cor azul não formavam sequer um haicai. A caligrafia era irregular, comprimida e minúscula. Porém aquele bilhetinho simples e feio era o maior bem sentimental de sua vida.


Só havia duas frases nele. A primeira era a mais fácil de ler.


“Não sonhe, viva”


A segunda, nem tanto.


“Não sonhe como eu sonhei”


E então, ele voltava a chorar.


( 1 )


— Ei, Will, você está chorando?


William Graham não respondeu. Permaneceu calado, deixando lágrimas silenciosas escorrerem por sua face. Estava em pé, a cabeça encostada contra a porta do armário do vestiário. Suas mãos estavam cerradas em punhos, os nós dos dedos estavam brancos pela força aplicada e a pele de suas palmas sendo rasgadas pela pressão feita contra elas pelas unhas do garoto. Mas nada doía mais do que as marcas roxas espalhadas pelo seu corpo.


O lugar estava deserto exceto pela sua presença. Em algum canto um chuveiro mal fechado deixou a água escapar e pingar, esse era o único resquício de som. Até a respiração calma de Will era silenciosa. Um garoto de poucas palavras, as pessoas costumava a descrevê-lo dessa maneira. Só ele sabia o quão barulhento conseguiria ser se quisesse. O seu pai fez questão de ensiná-lo a engolir qualquer palavra a não ser que ela fosse extremamente necessária de ser pronunciada. Naquela manhã, Will falou palavras desnecessárias demais.


Por isso chegou atrasado para o treino de natação. Por isso nadou até seus músculos ficarem fadigados. Por isso se permitiu chorar. Por isso ele estava sozinho.


Porém não tanto quanto ele queria.


Trancado do lado de fora do vestiário estava Francis Jamerson que permanecia sem resposta alguma, ele até pressionou o ouvido contra a porta para tentar captar algo, contudo foi uma tentativa em vão. Francis não era o tipo de pessoal prestativa, somente se importava com aumentar sua popularidade. Era tudo uma questão de aparências, sempre era.


Francis, na verdade, era a aparência em si: agradável à vista, à audição e ao olfato. Ele era invejável, mas não odiado. Ele era maravilhoso, mas humilde. Ele era o cara ideal. E todos o amavam. Porém ninguém sabia que ele era uma farsa.


— Hm, eu sei que você não quer abrir a porta, só que minhas coisas estão aí. Na minha mochila vermelha. Se você pudesse pegar para mim — insistiu, elevando a sua voz, sem deixá-la no tom imperativo. Francis olhou para o corredor vazio. — Qual é cara, não tem ninguém aqui. Minha chaves estão na mochila.


William suspirou. Esperou longos segundos. Sua mente processando uma desculpa qualquer. Ele sempre dava um jeito e naquele dia não seria diferente. Do outro lado, Francis estava impaciente e tentava se controlar, mas aquela situação era muito sentimental e demorada para ele. Foda-se, eu vou embora. E ele foi.


William enxugou os olhos com a primeira toalha que viu e molhou o cabelo na pia, para dar a impressão de que tinha acabado de sair do banho. Colocou sua própria mochila nos ombros e penteou o seu cabelo com os dedos. Suspirou de novo. Agora está na hora de vestir a máscara. Will girou a tranca do vestiário. Click.


Olhou para o corredor e viu Francis Jamerson caminhando em direção a saída.


— Jams! — chamou-o e Francis virou e foi ao encontro de Will com uma expressão falsamente preocupada.


O outro se forçava a aparecer o mais cordial e simples possível. Ele não estava chorando. Ele não chora. Meninos não choram.


— Will? Cara, eu tava batendo nessa porta uma dezena de vezes.


— Ah, desculpa. Eu não ouvi — Francis cinicamente pensou: mentira. — Estava no banho.


Repassou os movimentos: sorriso tímido, olhar sinceramente envergonhado e postura solta. William tinha que fingir estar bem, mas não muito. Nada mais, nada menos. William Graham era equilibrado e estável. Ele era na medida certa. Poucas pessoas tinham esse dom. Muitas queriam ter esse dom. Ele preferia não ter esse dom.


— Tudo bem. Boa noite — isso soou como uma mentira para Jamerson.


— Boa noite — isso também soou como uma mentira para Graham.


( … )


Este não foi o início, mas foi o mais próximo de um início que os dois tiveram.


O início deles terminou assim:


William Graham caminhando de noite pela praia. A areia contra os seus pés e a brisa do mar contra o seu rosto. O cheiro do sal inundando suas narinas e o céu estrelado regozijando sua visão. Deixou sua mente viajar e se esqueceu por alguns minutos que existia. Ele se sentou na areia, não ligando se suas roupas ficariam sujas, e fechou os olhos e ficou escutando o mundo ao seu redor e ficou ali por um bom tempo. Não tempo suficiente.


Francis Jameson pedalava o mais rápido que podia pelas ruas de Cape Charles. As luzes das casas permaneciam acesas e ainda se ouviam risadas, choros e interlocutores de televisão. A sua bicicleta Republic Aristotle branca com carmim chamava atenção em meio aquele caminho deserto de asfalto. Francis não pôde deixar de notar a monotonia da cidade. Havia os postes com lâmpadas fluorescentes, as moradias dos habitantes praticamente iguais fora a cor, e havia, por fim, as pessoas as quais faziam questão de ser maçantes e enfadonhas. Era tudo uma melancolia suburbana sem igual. Francis continuou pedalando até chegar em casa.


Naquela noite, ambos dormiram pesadamente. Francis em seu minúsculo colchão e William em uma espreguiçadeira de praia na sacada da casa da sua avó. E sonharam intensamente com amores platônicos, viagens surreais a mundos imaginários e com a tristeza sem fim. Sonharam até o sol raiar e enfim terem que voltar para suas pacatas vidas.


Eles não sabiam que a partir dali não seriam os mesmos e que sonhar seria algo perigoso.


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Notas finais do capítulo

opiniões e opiniões sapecas. achas que tens o que é preciso pra saciares minha sede por reviews?

(see you soon, my friend)