Ela não fazia contato visual comigo de jeito nenhum. Era como se a sanidade mental dela dependesse daquilo. E talvez dependesse.

–Está tudo bem? – eu perguntei sabendo que eu estava caminhando em campo minado. Eu percebi que ela havia visto que eu escutei a conversa, mas não falou nada sobre isso, apenas assentiu um sim com a cabeça em resposta a minha pergunta.

–Eu preciso... Muito... Ou melhor, desesperadamente que você apenas escute, depois eu estou te dando a minha palavra, de que eu vou te escutar. – ela despejou tudo de uma vez, depois de um longo tempo em silêncio.

–Ãhn... Eu... Acho que tudo bem – eu disse sabendo que talvez eu não fosse gostar do que iria ouvir.

–Antes eu não entendia muitas coisas. Eu praticamente não lembrava quem eu era. – ela falou com a voz calma, ainda evitando completamente o contato visual.

Era como naqueles filmes de drama onde você sabe que aquela cena não acaba bem. Você sabe que não vai gostar, porém continua assistindo vidrado, como se talvez o final mudasse. Mas nunca muda.

–Eu sei que foi difícil. E também posso imaginar o quão desesperador deve ter sido para você, lembrar-se de algumas coisas e ter sempre alguém para contrariar suas lembranças. – eu falei tentando ser o mais compreensivo possível.

Mas a verdade é que aquilo havia sido frustrante, era como se eu tivesse perdido a minha esposa, e eu precisava conter muito o meu temperamento, para não despejar tudo em cima da Sakura. Eu ficava tentando me lembrar a todo o momento que ela não havia escolhido perder a memória e que eu havia causado o acidente afinal.

–Eu falo você escuta. Lembra? – ela falou um pouco grossa demais, mas eu tratei de relevar. – A questão é que nós viemos passando esses meses fingindo que nos conhecemos, você me conhece, mas eu não posso dizer o mesmo para você. E... Sinceramente, eu adorei saber da nossa história, de tudo que aconteceu, mas... Eu não quero mais fingir. – ela disse, finalmente olhando para mim.

Ela me encarava intensamente, era como se passasse a vez de falar, mas agora me faltavam palavras. Ela deixou bem claro o que o “fingir” é para ela. Ela não quer mais me ver.

–Foi para isto que você me chamou aqui? – foi a única coisa que saiu da minha boca e eu me senti extremamente idiota por causa disto.

–Na verdade não. – ela falou voltando a desviar o olhar de mim. – Eu realmente estava feliz, mas parece que é tudo mentira! Eu realmente consigo imaginar várias teorias sobre “Porque me apaixonei por você”, mas isso não aconteceu de novo. Eu não sinto borboletas no estômago, eu não recordo sensações que talvez fossem familiares...

–Para de enrolar... – eu sibilei enquanto olhava para a janela. Não consigo mais encarar ela.

–Isso não é justo nem para mim, nem pra você Sasuke. – ela disse com convicção, senti seu olhar cair sobre mim, mas não retribui. – Eu... Quero o divórcio.

–O quê? – eu não ouvi realmente aquilo, ou pelo menos não queria acreditar que havia ouvido. Todos esses anos... Tudo vai acabar?

Vamos nos cruzar nas ruas da vida e seremos dois estranhos. Será como se nada tivesse acontecido. Seremos parte do passado um do outro, mas no caso, eu serei parte de um passado da qual ela nem sequer consegue se lembrar. Eu serei um nada.

–Eu lamento... Eu... Desculpe-me! – ela falou um pouco exaltada demais, talvez estivesse sentindo culpa ou só com medo de eu negar o divórcio. – Queria poder te amar e retribuir seus sentimentos, mas não posso!

–Sakura... – eu falei me aproximando lentamente dela. – É isso o que você quer? – falei me aproximando cada vez mais.

–É Sasuke. É isso o que eu quero. – ela disse ainda com convicção, sua voz não vacilava, ela estava decidida, mas uma lágrima escorreu por sua face.

Eu me aproximei mais um passo e lentamente comecei a levar meus lábios em direção a sua face.

Naquele momento senti uma grande dor no peito. Uma dor mais psicológica.

Vários momentos se passaram pela minha mente. Primeira vez que a vi, o dia em que escolhi minha mala favorita. Primeiro encontro, meu café favorito. Pedido de namoro, momento de começar a pensar na proposta de casamento. Pedido de casamento, o dia em que eu esperei ela buscar uma escada para me responder. Senti algumas lágrimas rolarem minha face.

Eu baixei minha cabeça até meus lábios estarem na altura da sua bochecha e depositei um beijo na mesma. Nossas lágrimas se misturaram, mas nenhum de nós se importou, era nosso momento. E eu esperava que mesmo que ela não se lembrasse de todos os nossos momentos juntos, que pelo menos aquele não fosse esquecido.

Não queria debater com ela, não queria forçá-la a nada, afinal eu havia entendido. Divórcio não costuma ser uma palavra utilizada com duplo sentido. Queria que ela se lembrasse, mas não com rancor, com raiva ou tristeza, talvez se ela for uma lembrança amistosa. Imagino que não será uma lembrança feliz.

–Então estamos divorciados. – eu falei quando finalmente descolei meus lábios da sua pele, e no mesmo momento senti falta.

–Concorda em falarmos com um advogado amanhã mesmo? – ela falou desviando o olhar para a janela da sala, enquanto lágrimas e mais lágrimas rolavam por toda sua face.

–Sakura, nós realmente já estamos divorciados! – eu falei abrindo um sorriso triste e comecei a me explicar diante da sua cara de confusão. – Nosso relacionamento foi formalizado aos nossos termos. Nossa aliança era sentimental e o nosso casamento tinha um grande significado para nós, - foi realmente doloroso precisar falar do nosso relacionamento, da nossa história, no tempo passado. – mas legalmente não há nenhum documento. Caso um de nós quisesse acabar, nós prometemos conversar e sermos sinceros um com o outro.

Sakura virou um tanto quanto espantada para mim, ela começou a chorar tanto que sua cara já estava toda inchada e vermelha. E aí ela se jogou nos meus braços, e nos primeiros momentos eu não retribuí por conta do choque, mas logo passei meus braços em volta do seu corpo.

–Eu... Eu... Não... – ela tentava dizer alguma coisa, mas absolutamente nada saia entre seus soluços.

–Fico muito feliz de saber que mesmo de forma inconsciente você cumpriu a nossa promessa... – falei soltando seu corpo trêmulo de tanto chorar.

Daquela vez eu saí. Eu fui embora, mesmo que sendo pedido dela. Eu a deixei.

Não insisti. Eu soube que naquela situação não faria bem a nenhum de nós dois.

Não acho que eu desisti, acho que aquele foi o momento certo para nós deixarmos cada um seguir o seu rumo.

Eu agradeço sinceramente por cada momento com ela. Eles me fizeram muito bem.

E agora eu quero fazer bem para ela... Mesmo que isso signifique ficar longe dela.