Luke, meu menininho... escrita por Helly Ivone


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Sugiro uma música bem triste e melancólica.
Boa leitura!



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Haviam cinco crianças paradas perto da casa de May Castellan. Falavam baixinhos, de maneira excitada, estimulando um deles ir até a residência da mulher como um ato de coragem. Por fim, um menino aceitou o desafio, esgueirando assustado até o quintal da casa. Tentou reter os arrepios enquanto passeava por entre os bichinhos de pelúcias de monstros mitológicos e quando chegou enfim a porta, olhou para trás, os amigos se escondiam atrás de uma árvore, estimulando-o a seguir. Virou-se novamente para a frente, mas antes que pudesse bater à porta, a figura de um caduceu se materializou com uma cobra em volta.

O menino gritou, mas não se moveu. Um homem apareceu logo atrás do caduceu, alto e imponente.

— O que faz aqui? — Perguntou seriamente.

O garoto deu outro grito e saiu correndo, seguindo os amigos que fizeram a mesma coisa, berrando algo sobre casas assombradas e cobras. O homem só balançou a cabeça de maneira cansada.

A noite estava tão turbulenta quanto o estado da casa, o que pareceu o certo para Hermes, pois sentia-se também turbulento, sombrio e deprimente. A maneira como os raios estalavam entre as nuvens carregadas parecia conversar com a maneira que as memórias triste do deus infiltrava em seus pensamentos carregados de remorso e desespero.

— Não deixem ninguém entrar. — Dirigiu-se as cobras primeiramente, e então entrou na casa sem bater, pelo menos isso parecia o apropriado a situação.

May encontrava-se na cozinha, mais uma vez preparando inúmeros biscoitos e sanduíches. Ela estava mais magra, Hermes notou, com a pele estirada sobre os ossos. Estava suja de massa, tremia e o ritmo que fazia as coisas era quase em câmera lenta, obviamente estava cansada e desnutrida. Nunca antes estivera tão semelhante ao antigo oráculo de delfos.

Ela sabe”, Hermes pensou. “No fundo ela sabe que ele está morto”.

Aproximou-se delicadamente da mulher, quando ela percebeu sua presença abriu um largo sorriso que fez doer ainda mais o coração do deus.

— Meu amor! Que bom que veio! Já estava começando a ficar preocupada! Sente-se! Nosso menininho vai chegar logo! — ela exclamou cada frase com uma alegria doentia, enquanto apressava-se para ir ao encontro do amado. Seu corpo não aguentou a ação abrupta e ela amoleceu, Hermes a segurando antes que fosse ao chão. — Oh, me perdoe! Acho que tropecei em algum lugar! Sabe como sou desastrada!

— May... — Hermes tentou falar, dizer seu nome parecendo uma tortura, causando uma dor excruciante na alma do pobre homem.

— O que foi meu amor? Está preocupado? Não fique, nosso menininho vai chegar logo. Não quer que ele te veja triste.

Hermes olhou para cima, tentando conter as lágrimas. Segurou a mulher com cuidado e levou-a até o sofá, acomodando-os em um local não muito abarrotado de comida.

— May, preciso te contar algo...

Ela focou os olhos assustadoramente destacados pela inanição, a expressão concentrada em tentar acalmar o homem.

— Meu amor, não se preocupe. Nosso menininho vai chegar logo. Não quer que ele te veja triste, não é? — repetiu de maneira segura, tentando animá-lo. Uma lágrima deslisou pela face do deus dos ladrões.

— Minha querida... — ele percorreu os dedos pelos cabelos sujos e embaraçados. — Nosso menininho... Ele não vai voltar.

— Que besteira! — ela riu. — Claro que vai voltar! Nosso menininho já vai voltar. Alegre-se meu amor!

— May! — Hermes chamou mais forte. — Ele não vai voltar. Ele não pode...

— E por que não poderia? — inqueriu, as mãos calejadas na cintura fina.

— Porque... Porque... — o deus esbravejou internamente. Por que era difícil dizer que um maldito semideus estava morto? Ainda mais um que havia causado a morte de tantos outros semideuses, que havia abandonado a mãe insana, que havia traído o próprio pai, que havia traído todos os amigos. Era só um maldito traidor. — Porque acabou, May. É tarde.

— Não, não é. Você está insano, querido? Nosso menininho já vai voltar! Já deve estar chegando! Talvez já tenha chegado e está no balanço, sabe como ele ama aquele balanço! E ele está tão crescido! Está tão lindo quanto você, meu amor. Ele ama ficar naquele balanço voando tão rápido como você, meu amor. Luke, nosso menininho. Ele já vai voltar.

Hermes não conseguia mentir para si mesmo. Não era um maldito traidor. Era Luke Castellan, o menininho de Hermes e May Castellan. O garotinho que adorava fingir voar tão rápido como o pai e que quando sorria fazia a vida parecer melhor. Era o menininho que teve seus sorrisos roubados e desperdiçados cedo de mais.

— May... A profecia... Nosso menino se foi.

As palavras pareceram fazer efeito na mulher por alguns momentos, um grasno de dor fugindo da garganta, os olhos lacrimejando, o corpo se contorcendo em lamento. A insanidade desaparecendo por um instante para assimilar a pior dor que uma mãe pode sentir.

— Não... Hermes... Não... Luke, meu menininho... Não, querido... — a mulher soluçou, levando as mãos ao peitos e arranhando, como se tentasse tirar a dor. — Luke, meu menininho... Luke, meu menininho... Luke, meu menininho... — repetia freneticamente, o desespero fazendo lágrimas escorrerem pelo rosto. Hermes a apertou em um abraço, soluçando também e amaldiçoando as parcas. Apertou-a até que ela ficasse imóvel e então afasta-se, a loucura novamente presente.

— O que foi, meu amor? Não fique triste, Luke, nosso menininho, vai chegar logo. Não quer que ele te veja triste, quer?

O deus respirou o fundo, rendendo-se.

— Não, meu amor. Não quero que ele me veja triste.

Mulher sorriu largamente, esforçando-se para levantar.

— Preciso fazer o almoço. Luke já vai chegar.

— Espere um pouco, minha querida. Deite um pouco comigo, até nosso menino chegar. — Hermes pediu e a mulher cumpriu feliz, depois de alguns lamentos sobre ter que fazer o almoço.

Ela começou a falar sobre o filho, repetindo sempre que ele ia voltar, que estava belo como o pai, grande, e que adorava o balanço que o fazia voar. Hermes escutava tudo calado, chorando sem fazer barulho, a dor o aniquilando de tal maneira que já parecia anestesiado. Seus olhos percorreram a enorme bagunça de comida velha, queimada, estragada e nova, a quantidade de sanduíches e biscoitos feitos para um menino que nunca ia voltar.

Desviou a visão para a janela aberta que deixava entrar o vento gelado da tempestade eminente, mas que também deixava a vista uma grande árvore que sustentava um balanço de madeira. O balanço que muitas vezes havia sustentado o menino que fazia estrapolia nele, sempre impulsionando mais para ir mais e mais rápido, tentando alcançar a velocidade do vento, a velocidade do pai, o balanço que havia presenciado tantas gargalhadas de Luke, nos momentos em que ele se sentia liberto, em que tudo importava era ser rápido.

Agora o velho brinquedo agitava-se com a força dos ventos, mas jamais seria tão rápido, jamais presenciaria a alegria do pequeno filho de Hermes, porque o menininho jamais voltaria. Ou voltaria?

Hermes deixou seus pensamentos vagarem na ilusão de uma vida dos três que pudesse ter sido feliz, com o filho sempre alegre brincando, nunca tendo que enfrentar monstro nenhum, seja mitológico, seja os da vida. Uma vida em que Hermes pudesse abraçá-lo e protegê-lo, uma vida em que May pudesse ser a mãe que tanto sonhou ser. Uma vida em que Luke seria somente uma criança.

A ilusão se quebrou quando Hermes percebeu uma sombra conhecida passar pelo balanço de Luke, mas não era de maneira nenhuma o menino. O deus olhou para May e percebeu como suas palavras agora estavam bem mais baixas e enroladas, e resumia-se a “meu menininho”, sua respiração estava fraca, assim como seus batimentos. Os olhos lutavam para permanecerem abertos, mas não estavam focados em local nenhum. Hermes beijou-lhe suavemente a testa, sabendo o que aconteceria em seguida, e sussurrou cinco palavras no ouvido da mulher que sorriu e o olhou realmente, sem demonstrar insanidade, e em paz.

Nesse mesmo jeito seu espírito foi colhido. Hermes, os olhos treinados para serem ágeis, consegui ver o momento que Thanatos a convidava a segui-lo, e como ela foi, livre e feliz, finalmente em paz. Viu-a partir com uma tristeza ainda maior, e permaneceu ali por muito tempo, até ter coragem de transformar o corpo da mulher em uma flor, uma flor nova e única, da cor dos olhos de Luke, com a delicadeza nas pétalas tais como havia sido sua devoção aos deuses, mas parecia tão forte quanto sua persistência em sempre esperar o filho. E com tantos espinhos quanto havia sido capaz de aguentar. Uma flor que atrairia de pessoas que conseguiam ver o que era especial.

Hermes a colheu cuidadosamente para plantá-la no Olimpo, onde estaria em segurança. Preparou-se para sair de uma vez por todas daquela casa e nunca mais voltar, preparou-se para esconder e enterrar suas lembranças, preparou-se para superar a morte do menininho de May que adorava balanços, repetindo para si mesmo as últimas palavras ditas a May:

“Nosso menininho agora está bem.”

Hermes esperava um dia acreditar nisso.


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Notas finais do capítulo

Hey, já que leu até aqui, o que acha de deixar um comentário? (Prometo que respondo!) Ou talvez recomendar, favoritar, você decide...
Tenho outras fanfictions com o Luke, uma Thalico de drama (Jar Of Hearts) e outra focada em romances que tem Percabeth e o Luke mais certo alguém... (Murderer).
Enfim, espero que tenham gostado e obrigada por lerem...