A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 43
Cárcere


Notas iniciais do capítulo

Vixeeee, que demora! Perdoem a autora que vos escreve e boa leitura! =)



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Tudo foi muito rápido no começo. Hiei, o vidro explodindo, os demais chegando no quarto. Depois, veio em câmera lenta, como se cada movimento fosse precioso demais para passar despercebido.

Kiki viu Hiei arrancar as ataduras do braço de uma maneira quase simbólica. Ficou hipnotizada pelo gesto repetitivo, assim como pela tatuagem negra que se revelou na pele do demônio. Se levantou, espetando a mão nos cacos de vidro ainda pelo chão. Deu alguns passos até a varanda. Um estrondo ecoou quando estava ainda no meio do caminho e todo o apartamento estremeceu, como em um terremoto. Precisou se escorar para não ir ao chão.

Um a um, se juntaram na varanda. Estavam todos calados, olhos aguçados encarando o escuro da noite. Ela pensou ter ouvido alguns gritos distantes, vindos da rua ou talvez de outros apartamentos, mas não teve certeza, e preferiu ignorar. Manteve o rosto firme, cravado no espaço diante do prédio, certa de que Bozukan apareceria a qualquer momento. Tão certa que a convicção a impedia de fazer qualquer outra coisa senão esperar.

E quando ele surgiu, tomou conta de todo o horizonte. Ela ficou sem ar ao vê-lo tão perto. Pregou os olhos nele e só desgrudou quando, de supetão, Hiei saltou na sua frente, tomando impulso no parapeito e mergulhando na direção do youkai. Kiki abriu a boca, estupefata.

Foi quando tudo ficou rápido novamente, como um filme de ação.

Um estrondo maior ainda se ouviu, junto de uma nova onda de gritos. As luzes dos prédios e postes subitamente se apagaram, deixando a rua ainda mais escura.

No apartamento, Yusuke e Kuwabara correram para a porta, a escancarando e sumindo pelo corredor. Kiki não pensou em nada, apenas os copiou. Kurama foi o último a os seguir, deixando Botan sozinha no apartamento às escuras. Ela partiria para o Reikai logo em seguida.

No térreo, encontraram a rua deserta — a não ser pela silhueta de Hiei ao longe, recortando o cenário noturno. Parecia fincado no chão, cabeça ligeiramente abaixada e punhos cerrados. Deram tudo de si para encurtar a distância entre eles, os pés mal tocando o asfalto. Só quando chegaram entenderam o que tanto o demônio encarava.

Uma enorme cratera, dez a quinze metros de largura, ocupava o meio da avenida. Um buraco completamente oco, com paredes internas de terra e uma profundidade que eles não conseguiam medir naquela escuridão.

— Foi você que fez isso? — Kuwabara perguntou, olhos arregalados em direção à Hiei.

Hiei bufou. Seu corpo todo estava aquecido, quase em brasas.

— Não — respondeu, um pouco contrariado — O miserável escapou do meu alcance quando pulei. Ele fez isso sozinho.

— Não vai me dizer que esse infeliz vai continuar brincando de pique-esconde com a gente? — Kiki perguntou.

Yusuke se agachou na borda da cratera. Apertou os olhos, tentando enxergar o fim daquele poço diante de si.

— Ele não está se escondendo — falou — Ele quer ser encontrado.

— Uma armadilha? — Kurama disse, agachando ao lado de Yusuke.

— Só tem um jeito de descobrir...

(...)

A madrugada era escura como sempre, apesar das luzes da cidade abaixo de seus pés. Botan nunca tivera problema com a noite ou a escuridão, mas daquela vez ela se sentia consumida pelas trevas. Navegava entre as nuvens cor de chumbo e o céu de uma tranquilidade nefasta com os pensamentos em qualquer outro lugar, deixando o remo fazer seu trabalho sozinho. Até as Relíquias, que motivaram sua ida ao Ningenkai, já haviam escapado da mente da guia.

Botan demorou a entender o que estava acontecendo ao chegar nos portões do Palácio Celestial. Estranhou a movimentação de tropas do Esquadrão de Defesa e, mais ainda, quando foi abordada por oficiais com rostos nada amigáveis.

Pensou em Koenma e também em Kurama. Teve receio pelos dois. Pensou no que o Rei Enma poderia estar fazendo, pensou nos amigos no Ningenkai, lutando sozinhos contra Bozukan. Pensou se havia algo que deveria ter feito, se, em algum momento, teria errado.

Não encontrou as respostas. Apenas o olhar inquisidor do oficial.

— Identifique-se — ele ordenou.

— Bo-botan — respondeu. Não entendia porque deveria identificar-se — Shinigami¹.

Um oficial olhou para o outro, que deu de ombros. Juntos, abriram os portões e a conduziram para o interior.

Botan tomou mais um susto. Os corredores, comumente tomados por ogros a trabalho ou outras guias espirituais, agora estavam quase que completamente desertos — a não ser por mais oficiais do Esquadrão de Defesa, que patrulhavam, vigilantes, cada espaço.

— O que está acon-

— Calada!

A guia levou um empurrão ao ser jogada para dentro de uma sala. Caiu de joelhos, enquanto ouvia a fechadura se trancando logo atrás. Olhou ao redor. Reconheceu Ayame² e mais um ou outro rosto familiar.

— Botan! — Ayame a socorreu, correndo a seu encontro — Você está bem?

— O que houve? Por que toda essa proteção?

Ayame a fitou com as sobrancelhas caídas.

— Liu invadiu o Palácio — disse, com a voz mais triste que Botan já tinha ouvido — Estamos sitiados.

(...)

A cratera era mais profunda do que eles haviam pensado. Se tivessem simplesmente pulado, a morte seria certa. Por via das dúvidas, preferiram a segurança da sugestão de Kurama, que semeou algumas plantas trepadeiras na margem da fenda. As plantas rapidamente fincaram suas raízes na terra das paredes laterais e criaram cipós que se estenderam em direção ao fundo da gruta, firmes o bastante para todos se agarrarem. Apoiados no vegetal, iniciaram a trajetória descendente.

Um leve, mas incômodo, cheiro de podridão, começou a rondá-los quase na metade do caminho. Era um cheiro acre, rançoso, como de um pedaço de carne esquecido fora da geladeira por muito tempo. A medida que desciam, mais pungente ficava o ar.

Quando finalmente alcançaram o solo, cem metros abaixo da superfície, o cheiro era tão nauseante que chegava a ser irrespirável. O odor parecia querer entrar pelas narinas e preenchê-los por dentro, ocupando cada célula até que se sentissem sufocados. Chegaram a tentar tapar os narizes, mas era completamente inútil.

Mais uma vez, precisaram lançar mão dos recursos de Kurama. Dessa vez, pequenas plantas luminárias brotaram no chão, criando círculos de luz que clarearam palidamente o local. E enfim eles confirmaram o motivo do odor estragado.

Era como estar em uma tumba violada. Centenas de corpos se espalhavam pelo local, alguns tão destroçados que sequer poderiam ser chamados assim. Pedaços gelatinosos marrons e acinzentados se misturavam a ossos e poças de sangue — algumas secas, outras ainda frescas. Crânios, unhas, vísceras: tudo parecia ainda mais cadavérico sob a luz fraca das plantas.

— Ele está tentando nos intimidar — Kurama falou.

— Não está funcionando — Hiei respondeu, se adiantando para frente do grupo.

De repente, o lugar todo se acendeu, com uma claridade tão forte que chegou a ofuscá-los. Antes mesmo que seus olhos se acostumassem com a luz intensa, puderam sentir a presença de Bozukan — não apenas pela energia maligna que envolveu o ambiente, mas pela mesma risada satírica que já conheciam.

— Bem-vindos — ele falou, surgindo do outro lado do que agora parecia uma enorme galeria. A roupa estava em frangalhos pelas lutas recentes.

O solo se estendia indefinidamente adiante. Eles deram alguns passos apressados para frente, saindo da área circular que formava o túnel vertical por onde tinham descido. Pararam alguns metros de distância do youkai.

O teto começava baixo, quase formando um hall de entrada. Depois, aumentava tanto que era impossível enxergar onde terminava. Para frente e para os lados, o espaço crescia. Paredes de rochas farelentas contornavam a câmara, com sulcos e protuberâncias a alturas irregulares.

A origem daquela luz forte era totalmente desconhecida.

— Espero que aproveitem a estadia — o demônio falou de novo. O ser que eles encaravam, no entanto, mantinha-se calado. A voz surgia de outro lado, como se viesse de um alto-falante.

Eles então se viraram na direção do som. Outro Bozukan, exatamente igual ao primeiro, os admirava com um sorriso diabólico. Kuwabara imediatamente formou sua Leiken. A espada pulsava radiante em suas mãos.

— E não se preocupem com o mau cheiro, em breve vocês já não estarão sentindo mais nada — A voz do youkai ressoou, fazendo eco na galeria. Não viera, no entanto, do segundo Bozukan.

Com um gesto rápido, se viraram para o primeiro. Quase como que por instinto, Kiki virou mais um pouco. Teve medo de estar certa.

— Merda... — xingou baixinho, fazendo os demais olharem na mesma direção.

Um terceiro demônio sorridente, tal qual os dois primeiros, agora estava de pé em uma das pontas da câmara.

Defensivamente, os cinco jovens chegaram mais perto um do outro. Tentavam manter os três youkais no seu campo de visão.

Até que ouviram uma nova risada. E mais outra, se sobrepondo à primeira. Yusuke virou o rosto, frenético, como se sua vida dependesse disso.

E viu duas novas figuras, que o garoto tinha certeza que não estavam lá antes, rindo para eles. Todos idênticos. 

De costas um para o outro, o grupo se juntou ainda mais, encostando os ombros e formando um círculo. Agora, cada um se voltava para um lado da galeria. E cinco Bozukans o encaravam de volta.

— Qual é o verdadeiro? — Kuwabara perguntou. O suor começava a lhe descer pelas têmporas.

— Isso não importa — Yusuke respondeu ao seu lado — A gente acaba com todos.

Kuwabara sentiu quando os ombros se desencostaram. Olhou para o lado e viu Yusuke sair na frente, braço erguido, cotovelo para trás e o punho fechado. Voltando o rosto para frente, focalizou o Bozukan que o espreitava. Apertou a espada de energia ainda mais perto do corpo.

Correu. A adrenalina se manifestou na forma de um rugido, uma espécie de grito de guerra que ele não conseguiu controlar. Levantou os braços e desceu a espada com toda força que conseguiu. Bozukan se deslocou para o lado na mesma hora e pulou para trás do garoto.

Kuwabara girou nos calcanhares, decidido a repetir o ataque. Puxou a arma horizontal ao lado do rosto. O suor já escorregava pela nuca. A energia e a raiva aumentavam em igual proporção. Com um novo grito, empurrou a espada com força para frente. No mesmo instante, Bozukan juntou as palmas na frente do corpo, aparando o golpe. Mãos e espada colidiram.

Um campo de proteção envolvia os punhos do youkai e impedia a investida de Kuwabara. Ele ainda forçou a Leiken, mas ela parecia ter batido em algo mais duro do que aço. Nem com toda sua energia conseguiu perfurar o bloqueio do adversário.

Bozukan então afastou um pouco as palmas. O espaço criado entre as mãos ampliou a barreira energética, formando uma rede cintilante entre elas. Fagulhas se desprendiam de seus dedos.

A rede se expandiu. Agora criava uma borda de quase meio metro ao redor das mãos do demônio. Kuwabara puxou a espada de volta, tentando se afastar. E, ao mesmo tempo, Bozukan empurrou o ar com as palmas. A energia concentrada explodiu, jogando Kuwabara para longe.

Ele caiu de costas a metros do oponente. Sentiu o baque da coluna no chão duro, seus ombros se arranhando ao contato com a aspereza do solo. Quando se recuperou do choque, percebeu os restos mortais mutilados ao seu lado. O cheiro podre, que ele chegou a esquecer enquanto golpeava Bozukan, voltou a encher seu olfato.

O cotovelo escorregou em algo pegajoso quando ele tentou se levantar. Ao perder o equilíbrio, viu Kiki pelo canto de olho. A garota caía de joelhos ao escapar de um ataque, mas levantava correndo logo em seguida. Havia sangue em suas mãos, mas ele não sabia dizer se eram dela ou de Bozukan. 

Voltou a querer levantar, e dessa vez, procurou apoio em um pedaço limpo do piso. Quando olhou para cima, no entanto, viu o inimigo saltando em sua direção. Ele já estava no alto, demoraria menos de um segundo para atingí-lo. E Kuwabara escorregou de novo, perdendo a janela de tempo que teria para desviar do golpe.

Como último ato de defesa, concentrou novamente a energia nas mãos. Duas espadas se formaram dessa vez, uma de cada lado. De costas coladas no chão, esticou os braços para cima. Quase fechou os olhos, mas preferiu mantê-los abertos.

Gritou uma última vez ao ver Bozukan mergulhar diretamente até ele.

(...)

Koenma estava sozinho, sentado na parte de baixo de um beliche. Tinha as pernas cruzadas, a cabeça apoiada nas mãos, os cotovelos sobre os joelhos. No rosto, um misto de desalento e revolta se confundiam com as rugas de preocupação da testa.

O espaço era modesto. Além do beliche, uma pequena escrivaninha e um banheiro apertado era tudo que ele tinha. As paredes pareciam de concreto cru, exceto na frente, onde davam lugar a uma sequência de grades que iam do chão ao teto.

Aquela ala do Centro de Detenção estava praticamente abandonada, motivo pelo qual ele fora levado para lá. Isolá-lo, tinha sido a ordem. Nenhum outro ser — espiritual ou youkai — era visto pelo corredor ou em qualquer outra das 30 celas daquele setor.

De repente, ouviu passos no corredor. Koenma levantou a cabeça, atento. Os passos aumentaram o volume, um grosso pisar de botas que ecoava pelos cubículos vazios.

Com cuidado, apoiou os pés no chão e saiu do beliche. Inclinou o corpo para frente para tentar ouvir e ver com mais exatidão a chegada do visitante. Em pouco tempo, um jovem cadete, cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo baixo, surgiu na sua frente por trás das barras de metal. O mesmo que o interpelara no corredor antes de levá-lo para lá.

— Botan está no Palácio — ele falou com a voz baixa. Olhou nervosamente para os lados — A trancaram em uma das salas com outros shinigamis.

Koenma pulou até porta do cárcere, as mãos agarrando a grade.

— Me leve até ela!

— Senhor Koenma, eu não tenho autorização pa-

— Kai! — ele pediu. Era esse o nome do oficial — Por favor!

Kai recuou hesitante, o rosto pálido. Olhou novamente para os lados.

— Sinto muito, Senhor Koenma... — falou, com o mesmo tom de voz penoso que usara antes de levá-lo para a cela. Abaixou o rosto, evitando olhar para o prisioneiro — Eu nem podia estar aqui. Só queria avisar que Botan está bem.

Koenma apertou com ainda mais força as grades.

— E meu pai? E Liu? O que está acontecendo?

— Eu... sinto muito — repetiu com a voz falha. Virou-se para a saída.

— Kai! — Koenma ainda tentou chamar, mas ele já marchava de volta, a cabeça ligeiramente curvada para o chão.

O filho de Enma urrou, agredindo as barras de ferro. O grito acompanhou o cadete por todo o corredor, até definhar e virar não mais do que um zumbido. 

Koenma estava sozinho novamente.


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Notas finais do capítulo

Eu acho que já expliquei esses dois antes, mas não custa relembrar:

¹Shinigami - Deus da Morte, guia espiritual na mitologia japonesa.

²Ayame - Outra guia espiritual, que fez uma breve aparição no mangá e no anime.

Aaahhhh, que esse capítulo deu trabalho, heim? Desculpa cortar a luta dos nossos heróis bem no meio, hehehe. No próximo tem mais (vou tentar demorar menos, prometo)! O clímax se aproxima (e, snif, o final. Oh, que dor!)

Um pequeno adendo sobre o Esquadrão de Defesa: No mangá e no anime, os vemos poucos, e não temos assim MUITA informação à respeito. Na minha visão, eles funcionam como um braço armado do Reikai, quase uma força militar. Por isso dei essa cara meio de exército para eles, com tropas e patentes. Imagino que deva ter alguma escola de treinamento ou algo do tipo, não?

Enfim, beijos e abraços e até o próximo!