A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 16
Red Society




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— Quer dizer que agora o Esquadrão Especial precisa da minha ajuda?

— E nós precisamos da deles... acho que isso nos deixa quites — Kurama retrucou, em resposta aos resmungos de Yusuke.

— Deixa de ser orgulhoso! — Botan exclamou — Não é apenas o Esquadrão que está em jogo aqui. Isso é só a ponta do iceberg!

O grupo estava reunido no apartamento que Yusuke dividia com a mãe, convocados pela guia espiritual. Até mesmo Hiei estava presente: não que se importasse com os problemas do Reikai, mas a curiosidade do demônio de fogo falava mais alto. Amontoavam-se na sala de estar, ouvindo com atenção as informações que iam sendo reveladas pessoalmente por Koenma. Kurama sabia o que isso significava: o príncipe do Reikai não viria ao Mundo dos Humanos para discutir uma missão se não tivesse um motivo muito forte para isso.

Ele limpou a garganta e continuou:

— Tráfico de pessoas não é algo novo no Ningenkai. Organizações criminosas do mundo inteiro sempre se aproveitaram dos mais fracos, e a política do Mundo Espiritual é não se envolver com esse tipo de assunto mundano: os homens têm seus próprios mecanismos para isso. No entanto, as coisas mudaram.

Koenma acenou para Botan. A deusa imediatamente o entregou uma pasta escura de elástico, feita de um plástico firme e opaco.

— Red Society — anunciou, retirando da pasta uma folha com alguns rostos e um símbolo kanji envolto por um círculo — Acredito que isso seja familiar.

Todos reconheceram o ideograma. Kurama tirou do bolso os dois cartões de visita recolhidos com Kiki dias atrás e os colocou ao lado da folha que Koenma havia mostrado, posicionando os papéis em uma pequena mesa de café no centro da sala. O desenho era o mesmo em todos.

— O grupo sempre agiu em diversos países, porém recentemente decidiu expandir seus negócios e há seis meses vem destinando parte das suas vítimas ao Makai. Os números são desconhecidos, mas Liu acredita que a quantidade de humanos esteja crescendo exponencialmente, dado o aumento no fluxo de energia percebido entre os portais.

— O portal, onde ele está? — Questionou abruptamente Hiei, atraindo a atenção dos presentes.

Os portais — corrigiu Koenma — Sim, são mais de um. O localizado por Yusuke e Kuwabara se tornou inativo e posteriormente, foi fechado. Mas ainda existem outros.

— Eu não entendo — interrompeu Yusuke novamente — Sensui teve todo aquele trabalho e agora você está dizendo que existem outros?

— E isso significa que todo tipo de demônio pode estar agora mesmo circulando entre a gente? — Kuwabara acrescentou.

— Sim e não — respondeu Koenma — Sensui não tinha o poder de abrir passagens para o Makai a seu bel-prazer e precisou contar com muita energia, própria e de outros, para quebrar a barreira. Modular a frequência entre os mundos, no entanto, não é algo tão complexo para o Reikai. Membros de elite do Esquadrão Especial podem fazer isso com muito mais facilidade, rompendo as membranas que separam as duas dimensões.

Ele tomou um gole de água antes de continuar.

— Os portais, porém, são escondidos do restante da população: apenas poucos humanos e demônios conhecem sua localização exata, que pode mudar de tempos em tempos, caso necessário. Isso evita que tenhamos um aporte massivo de demônios do lado de cá, fazendo a operação a mais discreta possível.

Koenma voltou sua atenção novamente para a folha disposta na mesa.

— Demônios de classes intermediárias vinham agindo como aliciadores — e apontou para alguns rostos no papel. Dentre eles, Kurama e Yusuke imediatamente identificaram dois homens.

— Foi esse que me atacou! — o detetive exclamou, apontando para uma das figuras.

— Pare de enrolar, Koenma — Hiei mais uma vez levantava a voz, impaciente — vocês estão atrás do peixe grande dessa história, e não desses imbecis. Por que não vai logo ao ponto?

Koenma tomou um susto, mas encolheu os ombros. 

— Um dos líderes é um humano. O contato com o Makai o permitiu desenvolver habilidades avançadas no uso do seu reiki. O Comandante Liu acredita que ele pode ser a chave para identificar o esquema de corrupção do Mundo Espiritual. Por isso... precisamos dele vivo.

— Então é isso? A única coisa que vocês estão preocupados é com a imagem da corporação? — exclamou Yusuke, exasperado.

— Eu sabia. No final das contas, somos apenas peças de xadrez para o Reikai — Hiei falou, apertando os olhos irritado.

— Não acredito que tudo isso seja uma jogada política do Comandante para benefício próprio — Kurama ponderou — Trazer a verdade a tona pode provocar mudanças profundas nas relações do Reikai com o Makai. Porém, Koenma, isso poderia trazer também a desmoralização do Esquadrão Especial e até do Rei Enma. Você está disposto a correr esse risco?

Botan e Koenma se entreolharam. Já haviam discutido o assunto anteriormente, e chegaram com pesar numa conclusão unânime.

— Esse é o humano que vocês devem procurar.

E o príncipe puxou mais uma folha da pasta. A página mostrava a foto ampliada de um jovem sério, cabelos loiros penteados com esmero.

— Akira Tsubaki.

(...)

Kiki já tinha chegado havia meia hora, mas até o momento, nada de Akira. Ela estava acostumada com as festas do amigo, mas nunca viu o local tão cheio quanto daquela vez: centenas de pessoas riam, dançavam e bebiam ao som da música eletrônica forte que enchia o galpão fechado e mal iluminado, provocando-lhe um leve mal-estar.

Aquele lugar não era novidade. Já havia estado ali uma ou duas vezes antes. A maioria das festas de Akira eram em quartos de hotéis ou lugares reservados, mas quando ele decidia comemorar em grande estilo, era para lá que levava suas celebrações. O galpão era simples, com grossas paredes de concreto e um mezanino de metal que o amigo transformava em "Área VIP", permitindo o acesso apenas a alguns convidados especiais. 

No canto da parede, uma espécie de balcão fazia as vezes de bar, e ela agora encontrava-se ali, com um copo alto na sua frente onde despejou o conteúdo de uma lata de refrigerante e duas doses de vodca. Podia ter uma visão de quase todo o lugar, e notou a distribuição de uma pequena pastilha rosada entre os presentes — balas de ecstasy, que ela conhecia muito bem, mas que preferiu ficar longe daquela vez.

Passaram mais alguns minutos até que ela finalmente avistou Akira andando pelo espaço com um copo de uísque nas mãos e rodeado de amigos.

— Kiki, você veio! — ele abriu um sorriso ao ver a jovem se aproximar — Chegou bem na hora do espetáculo.

Ela olhou com uma expressão confusa enquanto ele sussurrava algo no ouvido de um dos homens ao seu lado. 

— Você já vai entender. Venha comigo — e conduziu a menina até uma escada de ferro que levava ao mezanino.

(...)

Eles olhavam para o galpão à distância. Luzes no interior e uma forte batida eletrônica davam ao lugar a aparência inocente de uma festa, mas a energia maligna que dominava o local não deixava dúvidas de que estavam no endereço certo.

Uma porta dupla na lateral entreabria para o ambiente e os convidava a chegar mais perto. Aproximaram-se cautelosos e observaram atentamente o interior: demônios de todos os tipos se misturavam no enorme espaço aberto, alheios aos recém-chegados.

— Eles são muitos... — murmurou Kuwabara.

— Então vamos acabar logo com isso — Hiei respondeu, as mãos prestes a sacar a katana.

— Espere — Kurama esticou o braço na frente do amigo — Não vamos nos precipitar. Estamos em território inimigo e em menor número. Ainda não sabemos o que nos espera.

— Kurama está certo, vamos nos ater a missão. Encontrar Tsubaki e levar o verme para Koenma. Depois acertamos pessoalmente as contas com o resto da quadrilha — Yusuke respondeu, socando o punho fechado de uma das mãos na palma aberta da outra.

(...)

Ele pegou um pequeno estojo de metal e colheu uma pastilha redonda. Engoliu o comprimido, oferecendo o estojo à menina para que fizesse o mesmo.

— Eu não tomo mais essas coisas — Kiki recusou, impaciente — O que estamos fazendo aqui em cima?

Akira apenas acenou com a cabeça para a porta aberta no andar de baixo, por onde quatro figuras acabavam de entrar. Ela apertou os olhos, tentando vislumbrar alguma coisa diante da luz fraca e inclinou o corpo para frente. A vasta cabeleira vermelha não deixava dúvidas.

— Kurama! — ela exclamou — O que...

Ela ficou sem palavras quando percebeu o que acabara de acontecer. 

(...)

Eles estavam cercados. Em menos de um segundo, ataques surgiram de todos os lados e eles não tiveram tempo de pensar, apenas reagir. Rapidamente os quatro entraram em ação, empunhando suas armas e dilacerando como podiam os monstros que se aproximavam.

O som continuava forte, abafado apenas pelos gritos da batalha e o zunido dos golpes certeiros que cada um desferia. Yusuke, Kuwabara, Kurama e Hiei saltavam em todas as direções, em movimentos rápidos que acompanhavam a batida da música. A melhor defesa continuava sendo o ataque.

— Quem é aquela? — Hiei perguntou a Kurama ao ouvir o nome dele sendo chamado pela garota na plataforma de metal. Ambos lutavam lado a lado, katana e chicote em punhos, em uma coreografia macabra que resultava em corpos decapitados e mutilados por toda parte.

Kurama olhou rapidamente na direção apontada pelo amigo, o suficiente para vislumbrar um rosto familiar banhado por um facho de luz que serpenteava pelo galpão. Tomou um choque ao ver a figura de Kiki, que agora virava o corpo em direção à escadaria, indicando a intenção de descer até o local onde se dava o combate.

— Não! — ele gritou — Fique aí! Não desça!

Ela parou, hesitante. 

— Se eu fosse você, ouvia seu amigo. A menos que queira morrer também... — ela ouviu a voz de Akira às suas costas e girou o corpo, enraivecida. 

— Por que está fazendo isso? — exclamou.

—Soube que Koenma estava se metendo nos meus negócios e que mandaria seu detetive espiritual atrás de mim... achei que o Esquadrão Especial do Mundo Espiritual fosse conseguir manter esse pirralho sobre controle, mas são incompetentes demais para isso. Não queria, mas fui obrigado a agir.

Kiki arregalou os olhos, assustada.

— O cartão... Aka... então você está mesmo envolvido nisso tudo?

— Surpresa? — ele riu — Fiquei me perguntando até onde você sabia dessa história, depois que vi você e seu amigo resgatarem Urameshi naquele beco...

— Como você sabe que ele foi.... — ela interrompeu a frase, levando a mão à boca — Você atacou Yusuke?

— Eu podia tê-lo matado ali mesmo, sabia? Mas valeu a pena esperar: agora podemos assistir tudo de camarote.

— Desgraçado! 

Furiosa, ela ergueu o punho direito fechado e empurrou o ar com toda a força que conseguiu. Apesar de desprevenido, Akira aparou o golpe com facilidade.

— Ora, ora... você está mais forte do que eu lembrava! Mas não gaste sua energia comigo, é perda de tempo.

Ela ignorou o aviso e preparava-se para um segundo ataque quando sentiu os braços sendo puxados para trás. Uma força emanava das mãos do homem a sua frente e se dirigiam a ela, prendendo seus pulsos.

— Por que você tem que ser tão desobediente, Kiki?

No solo abaixo deles, o grupo começava a dar sinais de cansaço. Mais da metade dos demônios jazia sem vida — para o horror de Kiki, que demorou a perceber que não se tratavam de pessoas comuns, e sim seres do Makai.

"Eu ainda tenho quatro Leigans", Yusuke pensou, "Se conseguir encurralá-los em um canto, apenas um disparo já vai ser suficiente". 

Ele era o único que ainda se defendia apenas com os punhos, em socos frenéticos que deixavam os nós dos dedos avermelhados. Olhou pelo salão e encontrou o que procurava: o mezanino de metal era sustentado por vigas de ferro, que delimitavam relativamente o espaço abaixo dele. Sinalizou para que o grupo o acompanhasse e correu até lá, esperando atrair a turba de demônios que ainda permanecia de pé.

Kiki e Akira perderam a visão do grupo quando eles sumiram por baixo do balcão onde se encontravam, mas sentiram a estrutura tremer ao ver um clarão iluminar todo o lugar. Praticamente todos os agressores restantes caíram, mortos ou extremamente feridos pelo impacto do golpe.

A energia emanada pelo Leigan foi suficiente para também nocautear o sistema de áudio, deixando o local em um silêncio profundo. A quietude, no entanto, durou apenas poucos segundos, e os quatro puderam ouvir um ruído baixo de duas mãos que batiam uma na outra, produzindo um aplauso vagaroso.

— Estou impressionado — Akira enfim falou, interrompendo as palmas — Achei que o show iria durar pelo menos mais uma hora.

— Seu maldito! Você é o próximo! — Kuwabara gritou, ainda exausto, sendo seguido por Yusuke:

— Você vai vir por bem ou teremos que ir te buscar?

— Sinto desapontar vocês, mas vou ter que deixar a brincadeira para mais tarde.

Eles avançaram para a escada, a adrenalina ainda correndo pelas veias.

— Acho que vocês não entenderam... — Akira voltou a falar, mantendo o tom inalterado da voz.

Ao mesmo tempo, Kiki caiu de joelhos no chão, levando as mãos ao pescoço. Ela tentava com todas as forças respirar, mas sua garganta parecia fechada. Mesmo nas piores crises de pânico não se sentia assim.

— Quantos minutos vocês acham que ela aguenta sem oxigênio? — ele perguntou, fingindo curiosidade — Três? Talvez cinco?

Os quatro estancaram diante da cena. Mesmo sem encostar na menina, era como se ele a estivesse estrangulando.

— O que você está fazendo? Ela não tem nada a ver com isso! — Yusuke berrou.

A garota já estava curvada no chão, alheia à discussão. Seu coração batia acelerado e ela sentia sua visão ficar cada vez mais embaçada, seu cérebro lutando para se manter ativo. 

— Pare com isso! — Kurama agora gritava, dando um passo ameaçador a frente.

— Isso é só um aviso. Deixem meus negócios em paz — E recuou, sumindo na escuridão da plataforma de metal.

A ausência de Akira fez com que o ar voltasse com toda força para seus pulmões. Ela inspirou fundo, ofegante. Tentou se levantar, mas os braços ainda tremiam demais, e a fizeram desabar novamente. A visão ainda estava turva quando ela percebeu a aproximação de parte do grupo, enquanto Hiei corria até o fim do mezanino, tentando localizar o fugitivo.

— Maldição! — ele exclamou ao perceber que tinha perdido seu alvo. Uma abertura escondida na parede indicava uma segunda escada que subia para o telhado do galpão. Com saltos rápidos, o demônio de fogo chegou ao topo, apenas para constatar que era tarde demais: Akira já havia sumido.

— Você está bem? — ela ouviu, vindo de uma voz familiar. Acenou, ainda confusa, tentando restabelecer a consciência que por pouco não havia perdido durante a falta de oxigenação. 

Conseguiu se erguer e foi surpreendida por uma espada que quase lhe tocou o rosto. Hiei voltara da cobertura do prédio e agora se encontrava a poucos centímetros da menina, a katana em punho.

— Onde ele foi?

Ela tomou um susto.

— E por que você acha que eu sei?

— Hiei, o que está fazendo? — ouviu Kuwabara gritar.

— Ela era a única aqui em cima com ele. Ou é só mais uma humana idiota ou — e aproximou a espada ainda mais do rosto da jovem — é sua cúmplice.

Ela apertou os olhos, com raiva. Começou a esboçar alguma reação, mas Kurama foi mais rápido e colocou a mão no ombro do amigo.

— Ela não tem nada a ver com isso, Hiei, abaixe a arma.

— Caso você não tenha percebido, eu quase morri, seu animal! — ela gritou mesmo assim, quando a katana de Hiei já estava a uma distância segura — E alguém pode me explicar o que diabos está havendo? E você — disse, se virando para o ruivo — o que está fazendo aqui? Esse era seu compromisso, seu cretino?

Eles se entreolharam, com um misto de frustração e cansaço no rosto. Esperavam levar a cabo o plano daquela noite, mas o rumo dos acontecimentos havia esfriado os ânimos e os deixado levemente irritadiços.

Aquela seria uma longa noite de volta para casa.

 


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