Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 32
XXVIII - Inconsciência


Notas iniciais do capítulo

VOLTEI.

P.S.: editei o capítulo XIII - Thánatos, agora chamado XIII - Oathkeeper. Há cerca de uma página a mais. Não é crucial para a história, mas recomendo ler, principalmente porque fiquei sem dormir escrevendo isso =p

P.S.2: editei o capítulo XIV. Mesma coisa do XIII: adicionei cerca de uma página a mais, mas não é crucial. Porém leiam porque eu (ainda) não dormi escrevendo isso. Provavelmente vai haver mais uma edição em mais um capítulo, mas ainda estou analisando essa ideia.

P.S.3: finalmente terminei todas as edições. Dois capítulos se tornaram um só - ou seja, Entropia tem "um capítulo a menos" - com mais adições de alguns trechos. O capítulo é o XVIII - Lost, para quem quiser conferir as alterações que acabam por aqui. A partir de agora, vou apenas escrever coisas novas ao invés de reeditar capítulos antigos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/653186/chapter/32

XXVIII

Inconsciência


De novo, estava mergulhando dentro da mente alheia. Era frio e a envolvia, mas ela não se importava com a sensação.

Mergulhou sem esperar que as ondas bravias a derrubassem; simplesmente se enfiou na água etérea da mente e nadou.

O que procuraria? Nem ela própria sabia. Apenas procurava a esmo em meio ao mar de memórias algo que pudesse saciar sua curiosidade sobre a dona daquela consciência conturbada, tão conturbada quanto aquele mar raivoso.

Sons, cores, sensações, sentimentos; Alice respirava tudo aquilo, era tudo jogado sobre ela, tudo aquilo boiava ao seu redor, a tocava, a rondava. Era como se o mar fosse composto não de água, mas de memórias, emoções, imagens e sentidos. Eles apareciam sem ordem, aparentemente, misturados num turbilhão aquático. Era uma água etérea, onde as memórias eram vistas em cada onda. Cada porção d’água continha imagens diferentes, gostos, cheiros, toques, sons, etc. Era um amálgama de lembranças. A água daquele oceano não tinha apenas sabor, e se tivesse, não era só salgado. Era amargo, doce, insípido, azedo. Tinha gostos de comidas variadas, desde saladas coloridas e deliciosas até alimentos tão nojentos que chegam a dar náuseas. O cheiro também não era cheiro de mar, apenas; tinha cheiro de suor, sangue — principalmente sangue —, perfume, carniça, entre muitos outros. Os cheiros, gostos, toques e tudo mais, eram predominantemente ruins e negativos. As cores, quando havia, eram em sua maioria vermelhas e amarelas. Vermelho do sangue e amarelo das areias do deserto.

Em meio a tudo aquilo, havia boas sensações. Eram escassas, mas havia. Possuíam muitas cores, como um espectro, sabores doces como balas, e até mesmo transmitiam à Menina a sensação de estar tocando em algo macio e quente, feito um cobertor. As emoções eram fortes e apertavam o coração da Menina como se ela fosse a dona das memórias, como se estivesse no lugar dela e revisitasse todos aqueles momentos. Sentia um aperto por causa da nostalgia, do fato de saber que eles jamais iriam se repetir e que tudo o que estava por vir era o oposto de toda aquela felicidade.

No entanto, não havia apenas memórias boas e ruins. Havia memórias neutras, sem gosto, sem cores, sem emoção, ou com emoções confusas que oscilavam de complacência a arrependimento. Assim era o gosto: às vezes insípido, às vezes amargo, às vezes alcoólico. As cores eram praticamente nulas. Era apenas cinza, como num filme antigo.

Esse tipo de memória era ainda mais raro, e a Menina só conseguia lembrar-se de uma. Lembrava-se dessa justamente por ser misteriosa, incompreensível, quase uma história de terror. Essa memória a assustou mais do que as lembranças de morte e desgraça que constantemente eram vistas dentro d’água.

Havia duas figuras, pelo que se lembrava. Annik, claro, e uma outra, alta, aterradora, macabra e, poder-se-ia dizer, até divina. A sombra do ser se projetava como se fosse a sombra de uma enorme torre, de tão longa. Parecia ter quilômetros de quilômetros de distância, assim como o homem. De tão alto que era, ele parecia ter muitos metros de altura, enquanto Annik era um ser fraco, pequeno e frágil diante dele. Uma reles formiga diante de um grande ser humano, prestes a esmagá-la. A sombra do homem era tão cheia de escuridão que Annik, caída no chão, se arrastava para longe dela à medida que as trevas se aproximavam de si. Era como se ela se escapasse de seres abissais, serpentes negras que queriam engoli-la, envolvê-la, encobri-la.

— Você!! — ela berrou, enquanto tentava escapar da negritude de sua sombra quilométrica — Vá embora, seu desgraçado! Você acabou com a minha vida! Eu não tenho mais nada e é culpa SUA!! — sua voz era cheia de ódio e tristeza. Seu grito continha tanto sofrimento que o próprio ato de gritar deveria doer. Doía a garganta, o peito, a alma. Era gutural, cru e profundo, tal como um uivo. O grito de alguém que não tinha nada, que se tornara nada.

— NÃO OUSE FALAR DESSA FORMA COMIGO — sua voz, por mais calma que soasse, era tão grave e tão alta que deveria tremer o chão por onde passava. — Danz mnoy — sua voz, quando falava o kra’vstan, soava exatamente oposta à de quando falava a língua comum: mais leve, baixa e um pouco menos grave, mas ainda era tão temível quanto a outra. A voz da língua comum parecia alterada, enquanto a da língua kra’vstan parecia ser natural.

NIR!!! — ela gritou tão alto que sua voz parecia ter saído de dentro da memória para preencher todo o oceano de sua própria mente. Parecia ter saído de dentro do Mundo para alcançar outros universos além daquele. — It nir ve’lent bo’lyem!! Prashtan, nir...!!!

Ust vudromhaas. Danz mnoy — ele repetiu, ainda mais gravemente. — Ot it teynar vus.

Seguiu-se um silêncio medonho. Pôde ver o vento balançando os cabelos de Annik. Eles pareciam vivos, brilhantes. Pareciam até recém-lavados. Supôs que aquela memória deveria ser de muito, mas muito tempo atrás, de quando Annik ainda não era Vaerteyn e nem havia fugido pelo deserto após o massacre dos Legionários. Annik balançou a cabeça levemente. Não podia ver sua expressão naquele momento, mas Alice podia sentir dor, muita dor, naquele menear tímido.

Da — ela disse simplesmente.

Mais silêncio, dessa vez preenchido com o vento. Toda aquela ventania parecia ser o início de um ritual macabro, mas quando Alice pensou que ele estava apenas começando, logo terminou, com a fala do ser completando aquela... coisa que supunha ser maligna.

— Hahaha! — o ser gigante riu malevolamente. Sua risada soava como se formasse uma grande redoma sobre eles. — Schon, menya Annik, schon! Hahahaha...!

Ele pareceu mergulhar na própria sombra como se ela fosse um abismo e desapareceu em meio às suas próprias risadas, que ainda ecoavam, inundando o ambiente. Um dilúvio de risadas malignas, trevas e desgraça, e todas as ondas se quebravam sobre Annik.

Annik foi deixada ali, debruçada na areia, ainda assistindo o que aconteceu, ouvindo a risada do gigante negro que ainda caía sobre si. Ela tentou se levantar, mas era visível a sua fraqueza naquele momento, tão óbvia que a Menina sentiu-se instantaneamente fraca, com uma vontade de cair e não levantar nunca mais. Dormir para todo o sempre.


Dormir.


Expirar-se.


Morrer.


Sentiu-se instantaneamente triste. Não apenas triste, mas sem disposição para nada, como se estivesse com um sono gigantesco e não tivesse ânimo para fazer nada. Tudo lhe era tão ruim...! Tudo era tão pesado, como se fosse um fardo a ser carregado! Não havia mais nada pelo que lutar! Tudo parecia ser tão ruim a ponto de querer que tudo fosse destruído. Ninguém, nem mesmo os seus amigos que um dia foram tão queridos, lhe importavam. Eles eram nada, não faziam nenhuma diferença, nem sequer ligava para a existência deles. Não ligava nem mesmo para a sua. Ela não fazia diferença nenhuma naquele Mundo, que estava condenado.

É, realmente, o fim seria uma bênção. Não só para mim, mas para tudo e todos.


Era o fim. O fim do ser. O fim do existir. Era apenas vagar sem rumo, sem objetivo.


Annik, dentro da memória, levantou-se, e naquele momento, a Menina sentiu um vigor!... que logo se esvaiu. Se esvaiu, pois Annik levantou-se e tornou a cair na areia. Estava fraca, mentalmente fraca, tinha a alma fraca, e toda aquela fraqueza mental e espiritual recaía sobre seus membros, que, consequentemente, também vacilaram.


E se curvaram para o Deserto. Seus joelhos se dobraram perante Ele. Logo depois, suas mãos O tocavam e, por fim, seu rosto O beijou. O Deserto a havia dominado, e agora ela era temente a Ele.


E silêncio.


Pensou que ela fosse chorar, mas sua existência fora reduzida a nada que nem mesmo isso ela fez. Aliás, duvidava de que ela estivesse pensando. Imaginava que, naquele momento, ela tivesse se reduzido a um vegetal: não se movia, não pensava. Era um cadáver, praticamente, com a diferença de que o coração ainda batia. Mas não havia nenhum outro resquício de vida além desse.


E silêncio.


Annik iria se levantar, era o que imaginava, mas quanto mais tempo permanecia dentro daquela memória, menos esperança a Menina tinha. E Annik não se levantava.

Sua existência realmente havia se dissipado quase que completamente. Não havia mais nada dela ali, apenas seu corpo. Sua consciência fora quebrada. Não se esvaíra pouco a pouco; ela subitamente desapareceu, e a Menina não mais sentiu vida em Annik.


Estava morta.


E o sopro silencioso...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entropia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.