Viajantes - O Príncipe de Âmbar [HIATUS] escrita por Kath Gray


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Não tenho nenhum leitor ainda, mas, de qualquer forma, aqui vai o capítulo I ♥



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Vozes.

Vozes radiantes. O som de pés descalços correndo sobre a grama.

E risos. Risos pueris melodiosos como sinos.

.

Senhor Gray.

O garoto ergueu os olhos abruptamente.

A professora o encarava da frente da sala, com um olhar cortante.

Irritadiça, ela abriu caminho pelas carteiras de maneira brusca até chegar à dele.

– Hunf, bonito desenho - resmungou ela, debruçando-se para olhar por cima da sua mesa. - Mas talvez devesse guardá-lo para a aula de artes.

– Ahn?

Confuso, Dean baixou os olhos para a mesa.

Sua mão segurava um lápis no fim do que podia-se descrever como um desenho simples e elaborado ao mesmo tempo.

Era a imagem de uma garota.

O desenho só a mostrava do peito para cima. Era "limpo", com poucos traços, mas também detalhado e preciso. As linhas eram fluidas e artísticas, sem a rigidez comum de um traço demorado.

Era um desenho de grande habilidade.

Dean o encarou, ainda confuso, mas a confusão perdurou apenas por uma fração de segundo. Assim que vislumbrou a garota da imagem, ele lembrou-se. Apenas um rápido vislumbre era suficiente para lembrar.

– Devo pedir que se retire da classe. - a professora disse, com um tom de irritação. - Eu quero vê-lo na minha sala após o intervalo. Até lá, a coordenadora lidará com você.

.

­- O senhor poderia me explicar o que aconteceu aqui?

Dean estava sentado na mesa circular da secretaria onde os alunos geralmente tiravam dúvidas com o professor menos de um dia antes da prova. Ou, como era mais comum, eram interrogados pelos professores e coordenadores a respeito de tarefas não entregues, brigas ou até coisas mais sérias.

A professora - sra. Parks - apontava com exasperação a prova no meio da mesa.

Dean deslizou os olhos para o que ela indicava.

Era sua prova multidisciplinar. Era uma prova periódica, que valia metade da média final do semestre.

E estava em branco.

Seu nome, ano e data estavam preenchidos; a matéria estava escrita pela metade; o número de matrícula e o código da prova mal mostravam sinais da caneta azul, e nenhuma pergunta estava acompanhada de resposta.

– Esse garoto - afirmou a professora à coordenadora, que observava a tudo quieta e pensativa. - está levando a escola com a barriga! Ele desdenha dos métodos de ensino, dormindo acordado durante as aulas... fazendo desenhinhos durante a aula de história... deixando em branco provas de importância vital e incontestável para a nota, como se fosse nada mais do que uma lista de compras que ele está com preguiça de fazer!

A coordenadora ouvia a tudo, ponderada.

– Eu exijo que ele seja suspenso! Seu desrespeito está passando dos limites!

– ... Certo. - respondeu Vivian, calmamente. - Vou pensar um pouco a respeito. Poderia nos deixar a sós por alguns minutos?

A professora assentiu. Porém, quando passava ao lado de Dean, ela se aproximou e disse, em um tom agressivo:

– O que seu irmão pensaria disso, hein? O que ele pensaria se o visse agora?

E, dito isso, se retirou.

A coordenadora tinha uma aparência bem diferente da professora. A segunda parecia diretora de colégio interno, vestindo sempre sua camiseta social branca, casaco cinza-azul-marinho e saia justa até os joelhos, da mesma cor. Sempre tinha seus cabelos castanhos tingidos presos em um coque bem firme com uma piranha. Já a primeira sempre vestia calças escuras de cores neutras, uma camiseta simples branca ou creme e o avental padrão que era o uniforme dos professores do Colégio Rosa Branca. Além disso, a sra. Parks era alta e de corpo esguio e um tanto magrelo, sempre com a expressão fechada e rabugenta, enquanto Vivian tinha um corpo não gordo, mas um tanto cheinho, e uma expressão um pouco mais agradável, gentil e paciente.

Assim que a professora fechou a porta atrás de si ao sair, a coordenadora esperou um pouco e então sentou-se de frente para Dean.

– Certo... - disse. - O que aconteceu na sua prova, Deaniel?

Ela não perguntava no mesmo tom inquisitivo da colega. Parecia mais uma psicóloga do que uma professora naquele momento. Isso era parte do motivo de os alunos geralmente abrirem com ela.

Dean demorou um pouco para responder.

– Eu... não sei - disse, por fim. Não era verdade, mas ele não sabia como explicar à coordenadora o que realmente acontecia. - Eu não estava me sentindo muito bem no dia... Não sei direito o que aconteceu.

– Olha... eu não posso fazer nada agora. - disse ela, com suavidade. - O prazo de entrega de um atestado ou documento para requerir uma prova substituta é de dois dias, e você teve essa prova há duas semanas. Você vai precisar correr atrás da sua nota. - Ela olhava firme para os olhos do garoto ao falar. O assunto era realmente sério. - Se não conseguir recuperar, pode até repetir de ano.

O garoto a olhou por alguns instantes, e baixou o rosto, suspirando.

– Eu sei.

– Olha, eu gostaria de dizer que estou aqui para ajudá-lo, se precisar. - afirmou ela, se levantando. - Você pode não ser o melhor aluno da classe, mas é esforçado. Tenho certeza de que, se tentar de verdade, você conseguirá sair dessa.

Assim, ela também se retirou.

Dean ficou imóvel por vários minutos.

Ele sabia que a coordenadora tinha fé nele. Mas também sabia que ela estava enganada.

Cinquenta por cento da nota era algo realmente grande. Sua média era sete de dez. Mesmo se gabaritasse todas as provas de todas as matérias no próximo bimestre, nunca conseguiria recuperar a nota perdida. Sua única chance eram as provas de recuperação.

Mais um suspiro.

Por que ele tinha a sensação de que o mundo ao seu redor estava se desfazendo pouco a pouco?

.

Júlia corria, abrindo passagem por entre a multidão que se aglomerava no portão da escola, puxando o desconcertado Will pelo pulso no trajeto.

Assim que o sinal tocara, todos os alunos se apressaram em direção à saída, ansiosos, como um enorme tsunami que engolia tudo o que entrava em seu caminho.

Às vezes, nos dias mais agitados, os três amigos esperavam a multidão se dissipar, mas nesse dia Dean não hesitou em se dirigir ao portão.

– Ei, Dean! - Júlia chamou, tentando alcançá-lo, ainda conduzindo o amigo através da massa de gente.

– Ei - disse, ao alcançá-lo bem debaixo do arco do portão, ajeitando a mochila nas costas. - Você está bem? Lá na classe, eu...

– Até mais tarde.

Dean se virou para uma das ruas e começou a andar, afastando-se dos dois.

Mesmo bem depois de ele sumir do campo de visão de Júlia, a garota continuou olhando em sua direção, as sobrancelhas inclinadas e o lábio mordido numa expressão preocupada.

.

Dan olhou novamente para o irmão.

Em casa, eles eram três: Daniel, o mais velho; Deaniel, o do meio; e o caçula, Simon.

Na aparência, eles eram bem semelhantes: todos tinham a mesma pele amorenada e os cabelos escuros do pai. Dean tinha também seus olhos castanho-escuros, embora Dan e Simon tivessem puxado os olhos da mãe, de um tom esverdeado.

Apesar da diferença de seis anos, eles também tinham quase o mesmo tipo físico, embora o de Daniel fosse um pouco mais atlético. Simon, com seus pouco mais de dez anos, não se encaixava na categoria. Era do tipo meio magricela, que combinava bem com seu jeito infantil.

Mas as semelhanças paravam por aí.

Deaniel nunca se destacava, não importava o ambiente. Na escola, tirava notas na média. Não era um prodígio no esporte, e só aparecia nas aulas de basquete porque as normas o obrigavam a participar de pelo menos uma atividade física. Não fazia parte de nenhum clube, e tampouco era popular; sempre se contentara com seus dois amigos mais próximos, Júlia e William. Era sempre calmo e quieto. Era o tipo de pessoa que você poderia sentar do lado no almoço e nem perceberia que tinha alguém ali.

Mas algo havia acontecido.

Não era uma coisa recente. Tinha sido uma mudança gradual, mas parecia que só tendia a piorar.

Havia mais ou menos um ano que ele começara se fechar dentro da própria mente. Falava pouco. Comia mal. Estava sempre distraído, com os olhos distantes, e parecia incapaz de prestar atenção em qualquer coisa que fosse. Se trancava quase o dia todo dentro do quarto, e nada que Dan fizesse o fazia sair.

Júlia e Will também não sabiam o que estava acontecendo, e estavam tão preocupados quando Dan. A garota estava decidida a descobrir o que o afligia, mas todos os seus esforços pareciam ser em vão...

Dean murmurou alguma coisa do seu lado do sofá.

– O quê?

– Eu não entendo o que tem de tão especial nesse cara - repetiu ele, um pouco mais alto, mas ainda em tom de resmungo. - Quer dizer, ele é só um retardado com muitos poderes que não sabe como usar. Todos o tratam como se fosse Deus, mas, no fim das contas, só quem faz alguma coisa são os seus amigos. - afirmou, com certo desdém. - Além disso, desde quando uma pessoa andando pela rua no meio da noite (sem nenhum motivo, aliás) corre risco de ser atingida por um raio mágico que te dá 'grandes poderes e uma chance de combater o mal'? Muito cômodo, isso, na minha opinião. Conveniente demais.

Por um momento, Dan ficou um pouco surpreso. Depois, sorriu de um jeito cansado. Dean estava prestando atenção no anime, afinal. Isso era algo bom; ultimamente, esses momentos de normalidade eram cada vez mais raros. Embora normalmente ele tirasse sarro de coisas como 'amor à primeira vista', e não dos seus amados animes.

– O que foi? - ele bufou, vendo a expressão do irmão.

– Nada, não... - Dan respondeu. - É só que... não é tão difícil de entender.

– Não? Então, me explique - replicou ele.

– Bom... - Dan riu, baixinho. - Os animes podem parecem um pouco estranhos e repentinos, mas às vezes eles podem ser apenas uma metáfora. Uma pessoa que vê os mortos talvez seja uma pessoa estranha... mas talvez seja apenas alguém que está lidando com uma perda. A perda de alguém querido, por exemplo. Esse anime pode estar usando a magia para mostrar que com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. Ou talvez esteja mostrando que, às vezes, só o que as pessoas precisam é de um ícone, de um líder a quem seguir. As histórias nos ensinam coisas, Dean. Você só precisa tentar entender e perceber qual mensagem essa história está tentando passar.

Deaniel encarou o irmão por um longo segundo.

E então, bufou, afundando-se novamente no sofá e voltando os olhos para a tela. Resmungou mais algumas coisas incompreensíveis, mas Dan não precisava ouvir para saber que dizia ''Que besta. Isso é quase tão enjoativo quanto clichê de romance...''

Dan suspirou, ainda sorrindo, e tornou a assistir ao anime.

Alguns minutos depois, alguém bateu a porta.

– Entre! - Dan disse, olhando por cima do ombro, mas sem se levantar.

A porta se abriu. Júlia e Will esperavam, com as mochilas às costas.

– Dean! - chamou ela.

Dean olhou para a garota. Então, preguiçosamente, levantou-se.

A mochila já estava ao lado da porta. Ele puxou a alça rapidamente com a mão e jogou sobre o ombro, se virando para o irmão.

– Até, Dan - despediu-se.

– Boa sorte na prova! - este respondeu.

Dean atravessou a porta, acenando, e fechou-a às costas.

.

Eles andaram em silêncio por vários quilômetros.

Então, de repente, Júlia estancou.

Will também parou, e Dean os imitou, confuso.

A garota jogou a mochila dos ombros arrebatadamente, andou até ficar de frente para Dean e cruzou os braços à frente do corpo, com os olhos cerrados e a expressão inquisitiva.

– Certo, Dean. Hora de abrir o jogo.

Dean soltou um chiado de interrogação.

Will soltou a mochila e se posicionou ao lado da garota.

– Ahn? Do que você está...

– Seus sonhos não pararam há seis meses, não é mesmo?

Dean parou de falar.

Will olhou de relance para Júlia, com uma expressão confusa. A garota percebeu e se virou para ele, exasperada.

– Ah, não me diga que acreditou nele! - ela tornou a virar-se para Deaniel. - Olha, Dean, eu sei que você não queria preocupar a gente, mas isso já está ficando complicado. Você tem que contar para o seu irmão, e se não contar, eu conto.

Dean não respondeu.

Sonhos...

Por algum motivo, a palavra não parecia suficiente. Eram sonhos, sim - do tipo que você tem quando dorme, de coisas que não acontecem de verdade, e que quando acorda se tornam belas (ou não tão belas) lembranças - mas também eram algo mais. Algo maior. Algo além de um simples sonho comum.

Tudo começara havia exatamente um ano. Antes disso, ele quase nunca sonhava. Só de vez em quando, com as coisas tradicionais de se sonhar, como animais estranhos e lugares sem sentido.

Então, uma noite, ele tivera seu primeiro Sonho. Era uma cena tão inesperada, e ao mesmo tempo tão banal, que ele nem se dera ao trabalho de lembrar.

Mas os sonhos ficaram mais frequentes; não só frequentes: havia um ano que ele não dormira uma só noite sem sonhar.

Os sonhos eram surpreendentemente realistas. Mesmo depois de acordar, o garoto precisava de vários instantes para se dar conta de onde estava e de quem era.

No começo, ele até gostava. Era uma sensação diferente, e grande parte do que vivia era, de certa forma, relaxante. Agradável. Cenas alegres de paisagens reconfortantes.

Mas depois de alguns meses, isso começou a piorar. Se antes ele precisava de alguns instantes para acordar para a realidade, depois de algumas semanas os instantes se tornaram horas. Em três meses, ele já não conseguia pensar em outra coisa. Em mais um mês, algo mais começou a surgir dentro de Dean.

Era difícil de explicar. Era uma sensação estranha, como um misto terrível de ansiedade e angústia. Como se algo grande estivesse para acontecer. Grande de uma forma que ele nem conseguia mensurar. Como se sua vida estivesse prestes a mudar de uma forma inimaginável, e não só ela como também o mundo como ele conhecia. E agora, ele não sabia se estava ansioso ou assustado com o que estava por vir.

Ele estava enlouquecendo. Na verdade, nem sabia dizer se já não estava louco. Só sabia que se a sensação não parasse logo, ele ficaria completa e plenamente insano.

Mas ela não parava... só aumentava, cada dia um pouco mais...

– Ei - Júlia andou um passo em sua direção e colocou as mãos em seus ombros, abaixando a cabeça para olhá-lo nos olhos. Sua voz tornou-se suave como plumas. - Ei, Dean. Escuta, eu sei que você está mal, e que você não queria arrastar a gente para esse seu poço de depressão, mas... - ela ergueu a mão e pousou-a no rosto de Dean, acariciando-o. - mas eu quero ajudar. Como uma boa namorada.

Ao ouvir a última palavra, seus olhos ganharam foco.

Namorada.

Ele olhou para a garota à sua frente.

Júlia parecia um anjo. Longos cabelos ondulados de um belo tom cor-de-chocolate acinzentado. Pele alva, macia como microfibra, e olhos azuis claros como diamantes. A garota que ele tinha sorte de chamar de 'namorada'.

Atrás dela, ele via Will. O exato oposto de Júlia: pele bronzeada, olhos castanho-esverdeados, cabelos castanho-dourados repicados. O garoto que ele tinha sorte de chamar de 'melhor amigo'.

Ele queria acreditar neles. Queria acreditar que eles poderiam ajudá-lo.

Mas alguma coisa dentro dele lhe dizia que não.

Tudo parecia se passar devagar ao seu redor naquele momento.

A rua estava vazia. Mesmo sendo pouco populosa, raramente se via tão poucas pessoas pela cidade àquela hora.

Não havia carros nas estradas nem qualquer tipo de animais nas calçadas.

Só havia Dean, Júlia e Will.

Então, de repente, eles ouviram um silvo furioso vindo do alto.

Dean olhou para cima no exato instante em que o animal caiu sobre sua cabeça.


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