A filha de Gaia escrita por Goth-Lady


Capítulo 13
A Caída


Notas iniciais do capítulo

Antes de começar a ler: este será o primeiro e único capítulo em primeira pessoa da fic. Não sei se está bom ou não, mas é para proteger melhor a identidade da personagem.
Boa leitura.



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Esgueirava-me por entre as sombras da floresta como um filhote assustado. Minha respiração estava alterada pela corrida e pelo medo e pelo terror formados em meu coração, dois sentimentos que eu conhecia muito bem. A dor ainda consumia, meu corpo, mas a maior dela partia de minhas costas. Estava com frio, muito frio, resultado de séculos no poço frio e úmido do Tártaro e eu só fiz uma única coisa em toda a minha vida.

Não tinha casa, não tinha família, não depois do que aconteceu. Apenas mágoa, raiva e medo. Não ficava um único dia no mesmo lugar, não era seguro andar sob o sol e tudo que eu queria era distância, distância de tudo, mas principalmente do lugar que um dia chamei de lar. Não tenho para onde ir, não tenho rumo, mas não posso ficar aqui, não mesmo.

Parei um pouco para respirar o ar da noite. Caí de joelhos enquanto tentava acalmar minha respiração. Minhas roupas nada mais eram do que trapos, a sujeira e o mofo tinham se fundido a eles, mas eu ao me importava. Meus cabelos negros deviam estar embaraçados, não me lembro da última vez em que foram penteados, mal me lembro da última coisa que comi.

Ouvi cascos de cavalo pela floresta. Não, por favor, não. Me levantei e tentei correr. Queria rezar, mas para quem? Ninguém poderia fazer nada por mim, nem me salvar. Se me pegarem estou perdida. Eu não quero voltar para o Tártaro com os titãs. Não mesmo!

Tropecei em uma raiz e rolei pela terra. Um cavalo cinza saltou sobre mim e parou alguns metros à minha frente. Dele desceu uma mulher muito pálida de olhos negros como breu. Seu cabelo ruivo claro era ondulado e caía em cascata até a cintura. Seu longo vestido vermelho como sangue, que combinava com o seu batom vermelho, era justo e sexy cujas mangas tinham um corte que deixavam os ombros à mostra. Um fino colar de prata com pingentes que mais pareciam gotas de sangue enfeitava o seu pescoço e um par de sapatilhas prateadas dava o toque final.

Seja como for, aquela mulher parecia estar vestida para um encontro e não para montar a cavalo na floresta no meio da noite. Eu não a conhecia, o que, de certa forma, me fez sentir aliviada, mas ao mesmo tempo receosa, pois havia algo errado nela, algo ameaçador.

— O que a mensageira dos deuses faz vagando pela floresta como um animal assustado? Ainda mais em uma noite como essa?

— E-Eu não sou mensageira dos deuses, nunca fui.

— Isso explica tudo, ou quase. Suba logo. – Disse ela subindo no cavalo. – Não me deixe esperando. Minha gentileza não supre minha paciência.

Sem argumentar, eu subi. Ela pediu para que eu segurasse firme e cavalgou. O cavalo em que estávamos era rápido e ela o conduzia bem, apesar da velocidade. O ar frio da noite soprava com violência a cada galope, fechei os olhos com medo.

Quando paramos, demorei a abrir os olhos. Estávamos em outro lugar, em uma floresta com árvores mortas e retorcidas e à minha frente, um castelo gótico inteiramente negro, até a porta de entrada era frita de carvalho negro e ferro.

— Está mesmo assustada. Vamos, há comida, um banho quente e uma cama esperando por você. Não se preocupe, o cavalo sabe o caminho até o estábulo.

Ela me ajudou a descer, agarrou gentilmente a minha mão enquanto sorria e me puxou para o castelo. Andamos por uma imensidão de corredores escuros feitos de pedra e vitrais sombrios até chegar a uma porta. Ao entrarmos, me deparei com um quarto confortável com poltronas e uma lareira, uma cama king com lençóis negros e dossel roxo, uma cômoda, um armário, uma escrivaninha, uma estante vazia, um espelho gótico de pé e um tapete de pele de urso.

— Este será seu quarto. Enquanto estiver aqui será minha convidada. O banheiro fica naquela porta, é melhor tomar um banho. Irei encontrar algo para se vestir e depois iremos comer.

Entrei no banheiro, que era moderno, mas a decoração era a mesma de todo o castelo. Enchi a banheira, arranquei os trapos e entrei. Esfreguei minha pele até sair a sujeira, tomei cuidado com as cicatrizes em minhas costas que substituíram minhas asas após serem arrancadas sem dó. Minhas belas asas... Só de me lembrar delas comecei a chorar como uma criança. Fiquei chorando por um tempo até ouvir batidas na porta.

— Está tudo bem? – Perguntou a moça preocupada.

— S-Sim. – Balbuciei.

— Vou deixar suas vestes aqui. Se precisar de algo me chame.

Eu não disse nada, mas não podia ficar ali. Terminei de me banhar e saí da banheira para me enxugar. Olhei no espelho enquanto enxugava meus cabelos. Estava muito magra por falta de comida, muito pálida e meus olhos castanhos, outrora aconchegantes e mornos, estavam opacos e sem vida, além da vermelhidão do choro. Eu parecia um cadáver ambulante. Penteei meus cabelos negros antes de me enrolar em uma toalha e sair.

Ao sair para o quarto, vi um leve vestido negro sem forma, roupa íntima e sandálias também negras. Me vesti rapidamente e saí. Ao sair do quarto, encontrei a mulher que tinha me trazido até ali. Ela parecia visivelmente preocupada.

— Esteve chorando?

Não tive coragem de responder ou assentir. Ela novamente pegou a minha mão e me guiou pelos corredores. Quando percebi, estava devorando um leitão.

— Nossa, você estava mesmo com fome. Há quanto tempo não come?

— Há algum tempo. – Respondi antes de voltar a comer como uma selvagem.

— Macha, você viu minha pedra de amolar? Mas o que é isso?! Alguma mesa de caridade?!

A outra mulher entrou bruscamente no aposento. Ela não era tão bonita quanto a primeira, tinha cabelos negros sem franja alguma mostrando muito de sua testa e um bico de viúva, sua pele era pálida como a da outra e seus olhos muito negros traziam raiva. Ela vestia uma armadura de prata da cintura para cima com um top preto por debaixo, uma saia negra pregada por um cinturão prateado cravejado de joias negras e botas negras com detalhes em prata. Ela ainda carregava uma espada e um arco.

— Isso são modos, Badb? Ainda mais com a minha convidada? – Minha anfitriã, cujo nome pronunciado anteriormente era Macha, estava furiosa com a outra.

— Convidada?! Você anda alimentando gregos?! Ainda mais a X9 daquela vaca pavão?!

— E o que você tem com isso?!

— Mas o que está acontecendo aqui?!

A voz era imponente e régia, não demorou para a dona dela aparecer. Ela era linda, possuía a pele pálida como as outras duas, assim como seus olhos negros, seu cabelo era tão negro quanto a pelagem dos corvos. Ela usava um vestido negro cuja parte de cima era presa em uma armação de prata com joias negras presa ao pescoço, era parte em índigo e parte negra e não cobria os ombros, além de adornos de prata, uma corrente de prata no quadril, mangas negras estavam presas no antebraço por nós celtas de prata e caíam até o chão elegantemente, por fim, algo que pareciam sapatos índigo.

— Macha a trouxe até aqui sem sua permissão, minha irmã.

— Morgue, se você tivesse visto o estado em que eu a encontrei, iria pensar que um cadáver arrombou a própria tumba e saiu.

— Explique-se, Macha. – Exigiu a terceira.

Macha começou a narrar uma longa história sobre seu passeio a cavalo, o que deixou a nomeada Badb impaciente e exigindo que ela andasse logo, até a parte em que me encontrou. Após concluir sua narrativa, a mulher denominada Morgue olhou para mim.

— Onde estão suas asas? – Exigiu saber.

— E-Eu não tenho, não mais. – Falei com tristeza. – Foram arrancadas antes de me atirarem ao Tártaro.

Ela me olhou por algum tempo esperando alguma coisa. Macha me disse para mostrar alguma educação, então fiz uma reverência. Esperei pelo pior.

— Aquele tirano pé no saco torra a minha paciência mesmo não estando presente. – Disse irritada enquanto esfregava as têmporas. – Apesar do erro de Macha de não ter me comunicado, eu, a Grande Rainha, permito que frequente aos meus salões. Badb, arrume roupas para nossa hóspede usar a partir de hoje. Quando ela estiver pronta e recuperada, poderá partir.

— É-É muita gentileza sua, Senhora. – Disse mal acreditando. – Mas eu não tenho para onde ir... Se lhe agradar, posso oferecer meus serviços... – Eu me joguei no chão me curvando perante ela. – Use-me como sua camareira, se lhe agradar, mas eu imploro, não me deixe ir para ser apanhada por aquele... Aquele...

Ela andou em minha direção e parou a centímetros de mim. Não percebi quando, mas comecei a chorar. Um misto de emoções que eu conhecia bem se apoderou de mim. Medo, desespero, terror...

— Levante-se. – Tive que fazer o que me foi ordenado. – Para que preciso de camareira se posso tomá-la como mensageira?

— A Senhora não pode... Minhas asas...

— Eu sei. Escute, eu não posso devolver as suas asas e isso é uma grande pena. Porém, eu posso te dar novas. Mas, se for realmente me oferecer seus serviços, saiba que eu não tolero traição e Badb muito menos. É isso o que quer?

— Sim. – Disse um pouco mais confiante.

— Muito bem.

Ela estalou os dedos e no instante seguinte, minhas costas começaram a doer. Minhas cicatrizes foram rompidas, algo se projetou para fora do meu corpo, me fazendo gritar em agonia. Quando tudo passou, minhas costas latejavam e das minhas cicatrizes projetavam-se asas prateadas. Eu não sabia o que dizer, elas eram lindas.

— Obrigada, Senhora Morrigan, muito obrigada! Prometo não decepcioná-la!

— Lembre-se, se me trair, o Tártaro vai ser o paraíso comparado com o que vou fazer e costumo cumprir minhas promessas.

— Isso se eu não agir primeiro. – Disse Badb sacando a espada. – E acredite, vai desejar que a minha irmã puna-a a quer cruzar comigo.

— Não as trairei, senhoras. Nunca!


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Notas finais do capítulo

Pedra de amolar era uma pedra utilizada para amolar as lâminas das espadas e até mesmo das facas e pontas de flechas. Hoje em dia, só precisa ir a um amolador pedir para usar a máquina giratória.
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Macha, como venho explicando nos últimos capítulos, é uma das Três Morrigan. Ela é a deusa da guerra e patrona dos cavalos. Alguns relatos contam que ela podia virar um corvo que se alimentava dos cadáveres nos campos de batalha. As cabeças dos inimigos eram arrancadas e oferecidas no altar da deusa, sendo conhecidas como "Colheita de Macha".
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Apesar de seu histórico sangrento e adorar ganhar cabeças de presente, Macha não é de todo ruim. Ela também sabe ser meiga e gentil. Sua história mais conhecida é a de quando se casou com Cruinniuc, um fazendeiro que perdera a primeira esposa. Ela se apiedou dele, casou e passou a cuidar da casa, fez a fazenda prosperar e iria ser mãe. Antes do marido ir a um festival onde apareceria o rei de Ulster, ela o avisou para ficar de boca fechada, mas assim que o cara foi falar com o rei a respeito de uma corrida de cavalos, ele se gabou de que sua esposa era mais veloz do que todos os outros competidores. Macha foi levada a presença do rei, avisou que daria a luz em breve, tentou clamar, pôs até a mãe no meio, mas não adiantou. Ela foi posta num cavalo sentindo as contrações do parto, correu, venceu a corrida, pariu gêmeos na linha de chegada, se revelou sendo deusa e ainda amaldiçoou aos homens de Ulster a nove vezes por nove gerações, as piores situações e nas horas de maior necessidade ou perigo, a sofrer o que ela sofreu em seu parto e ainda foi embora e levou as crianças.
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Ulster é uma região da Irlanda, localizada no norte da ilha. Atualmente, 3 dos 9 condados de Ulster pertencem à Irlanda, os outros 6 formam a Irlanda do Norte.
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Badb é conhecida como Corvo de Batalha, é uma deusa da guerra e dos campos de batalha. Geralmente ela aparecia para espalhar o terror e fazer a guerra pender para o seu lado favorito. Ela também aparecia antes da guerra para prever a extensão da carnificina ou para anunciar a morte de alguma pessoa notável.
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Morrigan, a Grande Rainha, é a deusa da morte, da guerra e portadora de inúmeros títulos, é a mais conhecida e tem seu nome bastante utilizado na cultura popular, inclusive dando nome a personagens, como a do Dragon Age. Morrigan também é conhecida por suas paixões, sendo uma delas Dagda.
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Gostaram? Quem seria a personagem, qual seria sua história e o que diabos está acontecendo? Isso eu não posso spoilar.



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