Volto para o meu quarto, pensando no quão estranha a princesa é.

Astrid me segue até a porta, dizendo o tempo inteiro que eu tenho que ser responsável amanhã.

Assim que fecho a porta e me deito na cama, a minha mente voa. Voa até a minha família, me esperando ansiosamente. Voa até a minha irmã, eu prometi que tentaria ganhar. Eu prometi que daria a ela uma vida melhor.

Tantas promessas que eu chego a me perder às vezes.

Meus olhos estão quase se fechando por completo e o sono está quase me atingindo em cheio quando eu escuto um barulho no corredor. Pessoas. Sussurrando. Incrível como o ditado “As paredes têm ouvidos” pode ser assim tão real.

Não sei se é porque eu estava cansado demais e por isso estava alucinando ou se era porque realmente havia alguém atravessando o corredor e falando algo sobre a princesa para um outro alguém. Uma voz feminina. Duas vozes.

Não era para eu me levantar e colocar o ouvido na porta, claro que não, mas fiz isso mesmo assim.

Não consegui captar o que estavam dizendo, porque cada vez mais elas se afastavam. Apenas algumas coisas eu consegui entender, no exato momento em que elas passavam pela minha porta no corredor:

–Lia... – Uma das duas, fala, como se pedisse um conselho. Engraçado, já ouvi essa voz antes.

–Isso vai acabar mal.

E eu meio que acredito nessa sentença.

***

9:00 da manhã em ponto e aqui estou eu, sentado à mesa, uma mesa gigante, diria até que é maior que o comprimento da minha casa no Seis. Porque, sinceramente, até os banheiros desse castelo são maiores que a minha casa. E a minha casa nem era assim tão pequena.

A princesa ainda não chegou, o que significa que ainda estou respirando bem.

Jamie está sentado perto da ponta da mesa, enquanto eu estou bem no meio dela. Os nomes de todos os selecionados haviam sido grudados nas cadeiras estupidamente grandes.

Não conheço mais ninguém além de Jamie e Astrid, que está ocupada demais passando informações de quem deve sentar onde, como se nós não soubéssemos ler. Ela se esforça demais para ser a melhor e manter tudo certo, no lugar.

Não vou fazer mais nenhuma amizade, eu não vim aqui para isso. Fazer amizade aqui é pedir para ser apunhalado nas costas. Porém ao mesmo tempo é apropriado, porque se eu fizer amizade estarei mostrando que sou uma boa pessoa e que sirvo para ser “rei”. Que estranho, não me imagino sendo rei. Não me imagino nem mesmo morando, sei lá, no Três, imagina em um castelo.

Essa vida não é para mim, é para a minha irmã. Minha irmã sim, ela tem cara de realeza. Ela tem cara de quem pode mandar fazer qualquer coisa e qualquer um ao seu redor ou não, fará.

Já eu sou desses que prefere viver livre, sem cordas ou pessoas me dizendo como eu devo me portar ou que horas devo acordar ou que horas devo comer, como devo me vestir, quantos bolinhos posso pegar sem parecer um gordo esfomeado.

Eu peguei oito bolinhos de morango e um de baunilha, isso faz de mim um gordo esfomeado?

Ora, a comida é divina. Eu posso pegar. Eu devo pegar.

Vejo que algumas pessoas estão olhando para mim como se eu fosse louco. Já estou saboreando o meu terceiro bolinho quando me dou conta: Ninguém está comendo, além de mim. Na verdade, todo mundo está em pé. Paro no ato da mordida e franzo o cenho.

–O que foi? – Pergunto para quem que está do meu lado. Seu cabelo castanho cai no rosto e ele afasta-o com uma cara preocupada antes de menear a cabeça na direção oposta à que eu estava olhando.

Para a minha surpresa, a princesa me olhava com uma cara engraçada, que ficava entre a incredulidade e o possível ataque de riso. Mas ela não estava rindo, o que é uma pena.

–Você deveria esperar a princesa chegar para poder comer. – Sua voz é forte, uma voz capaz de arrancar o meu coração e esmagá-lo.

Não sei se devo pedir desculpas, porque eu não estou arrependido e tendo a dizer a verdade na maioria das vezes. Algumas pessoas pensam que sou arrogante por causa disso.

–Desculpe-me, mas eu não sei se devo me desculpar por isso. Foi o melhor bolinho de morango que eu já comi na vida. – Digo me levantando. Sorrio para ela entender e levar na brincadeira. Graças aos céus ela sorri de volta, não com a boca, claro, mas com os olhos. Conheço sorrisos assim, mas o dela acabou de ganhar o primeiro lugar entre qualquer outro. Rapidamente ela tira o sorriso dos olhos e se endireita, para a minha tristeza. Ela ter ficado séria foi como um tiro no meu coração.

–Está desculpado, mas que isso não venha a se repetir.

Seus olhos estão fixados nos meus e eu acabo ficando sério. Espero que isso também seja como um tiro no coração para ela. Mas eu sei que não é.

–Tudo bem.

Nenhum de nós dois desgruda os olhos um do outro por pelo menos uma eternidade, uma eternidade também conhecida como três segundos.

O Rei chega, o pai dela, fazendo com que ela e a irmã, sim, a irmã, uma garota ruiva e sempre com um sorriso no rosto que não era nem um pouco parecida com Elsa, fizessem uma reverência, assim como todo mundo.

Ver todos sentarem fez com que eu me sentasse também e tentasse esquecer a cor dos olhos dela, mas já era tarde demais, estava gravada na minha retina, queimando-a de dentro para fora.

Era azul. Era gelado. Era cristalino e ao mesmo tempo não. Ela tinha um muro dentro de si e eu gostei disso.

Estranho? Sim, completamente.

***

–Vejo que todos adoraram o café-da-manhã. – A princesa diz, fazendo todo mundo se calar e logo afirmam silenciosamente com a cabeça. – Porém é como se eu estivesse tomando café com fantasmas. Fantasmas desconhecidos. – Alguns soltam uns risinhos estranhos, mais por educação do que qualquer outra coisa. – Por isso daqui a uma hora vocês irão me encontrar, um por um, para uma reunião particular em um salão mais reservado. Quero saber com quem eu estou dividindo o meu castelo.

Ah, isso eu ainda não havia dito. A princesa perdeu a mãe. Ela vai precisar se tornar rainha em breve, por ser a mais velha, mas o povo não quer apenas uma rainha... eles querem um Rei também. Por isso a Seleção. Astrid quem me contou.

O pai dela, o Rei, dá medo em praticamente todo mundo.

Os garotos da mesa inteira se agitam assim que ela e o pai saem e eu nem havia percebido que ela tinha saído até sentir um certo vazio no salão.

O que está acontecendo, Jack? Está ficando vulnerável desde quando?

Respiro fundo antes de me levantar e me dirigir até o meu quarto. As próximas horas seriam decisivas.

É claro que ela vai eliminar alguém hoje.