Liars and Killers escrita por A Lovely Lonely Girl


Capítulo 36
Capítulo 32


Notas iniciais do capítulo

A Língua Portuguesa não tem palavras suficientes para expressar o tamanho da gratidão que sinto por todos vocês, leitores e leitoras que me concedem um pouco do seu tempo para ler a história que eu escrevi, mas que pertence a todos vocês. Eu me sinto tão imensamente grata, porque depois de tantos comentários falando que a história era boa, eu realmente comecei a acreditar nisso.

Eu faço parte daquelas pessoas inseguras e medrosas, que nunca se arriscam com medo de críticas e rejeição. Diagnosticada com ansiedade em 2016, hoje em dia consigo seguir sem terapia ou remédios graças aos mundos fantásticos que me afundo. Coloco os fones de ouvido e, de repente, estou em Asgard, conversando e entendendo tanto a Kate quanto Loki e Sigyn. Eu amo isso. E gostaria de compartilhar esses mundos fantásticos maravilhosos que tenho imaginado na cabeça com vocês. Agradeço do fundo do meu (às vezes taquicárdico) coraçãozinho a todos vocês que estão dispostos a percorrer essa jornada comigo e com a Katherine.

Gostaria de agradecer a:

Do Wattpad: @MarinaBotelho5 @Kyokopark @Ste_Kura @Mori-chan_Senpai @Nick_DBV @Milk_and_Taekook @Lidinla @vitoriadorosarioo @LuizHenriqueLangePom @user26555442 @BiaHiddlesBarnes887 @IsabelDosSantos

Do Social Spirit: @12i3uha @sakura0001 @SueMason @xxxCinderela @iamEricka @Moon_Criss @Bre221

Muito obrigada pelo apoio, fico muito feliz que estejam gostando da história!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/647604/chapter/36

{Katherine Adams Kohls}

         Sentei-me à frente do notebook e comecei a pesquisar sobre a história da Alemanha ao som de Aurora cantando Scarborough Fair. De alguma forma, fui pega no buraco negro de ramificações da internet, e, quando me dei conta, estava pesquisando sobre Tan Hill, uma divindade do fogo da mitologia celta. Chequei meu celular – 23:47. Eu havia ouvido mais de trinta músicas sem perceber. Michael Bublé cantava Sway em meus fones de ouvido enquanto eu surtava internamente por ter passado quase duas horas pesquisando coisas totalmente aleatórias e inúteis para a minha apresentação de História.

         Abaixei a tela do aparelho e segui para fora do quarto. Quando abri a porta, Loki correu para dentro do meu quarto e passou a se aninhar em meu edredom. Dei de ombros, apaguei a luz do quarto e fui até a cozinha. A tia Sarah estava de plantão e Luke e eu não nos falamos depois do acidente com os bastões. Abri a geladeira, tirei o bolo de chocolate e o leite gelado e a fechei. Fiz um lanchinho tarde da noite, com direito a bolo de chocolate, achocolatado gelado seguidos por sorvete de creme. Quanto me dei por satisfeita, lavei a louça e coloquei tudo no lugar. Limpei a caixa de areia do gato e substituí a areia, coloquei água fresca em sua tigela e me sentei no sofá da sala.

         Me deitei no sofá e liguei a televisão. Coloquei Orgulho e Preconceito, me aconcheguei me cobrindo com o Urso Albino e mantive um sorriso bobo no rosto enquanto assistia ao filme. Aquela era a minha zona de conforto, sozinha, em um canto aconchegante, assistindo a um filme que eu amava. Uma parte inocente acreditava que ali era o único lugar no mundo que eu me sentia segura, onde ninguém jamais me machucaria. Meu ceticismo geralmente humilhava essa parte, porém, se eu não a preservasse, eu acabaria enlouquecendo. Era aquela parte que me consolava quando eu perdia o controle, quando Kitty aparecia. Foi aquela parte inocente que me ajudou a me recompor depois do meu encontro com a criatura – Rynna. Eu sentia que devia recompensá-la por isso.

         Humana patética e fraca. Um dia perecerá diante do meu poder. Eu hei de despedaçar seu corpo e sua alma.

         Tentáculos de sombras serpenteavam ao meu redor, percorrendo o sofá, o tapete, as cortinas e o rack.

         — Não estou disposta a lidar com você agora, Kitty. — Respondi, cansada. Os tentáculos se moviam mais rápido, pelos cantos da televisão até o centro, obscurecendo totalmente o filme. Revirei os olhos e desliguei a televisão, exausta e exasperada. Ela conseguira arruinar o meu momento de conforto. Respirei fundo e me sentei, cruzando as pernas como se fosse meditar. — Então manda ver.

         Os tentáculos foram ousados, serpenteando por todos os lados. Fechei os olhos, respirando devagar. Senti a suavidade daquelas coisas se enrolando em mim, como fitas de cetim. Os senti me imobilizando aos poucos, por cima da roupa, apertando meus braços, minhas pernas, até meu pescoço. Engoli em seco, as “fitas de cetim” apertavam meu tórax e meu peito com força, como se quisessem me partir ao meio. Engoli em seco, segurando um gemido de dor. Eu não me renderia. Eu não permitiria que seus jogos mentais levassem vantagem sobre mim.

         Algo se agitou dentro de mim, senti algo estranho no ponto abaixo do osso entre minhas costelas, como se algo me fizesse queimar de dentro para fora. Quando essa sensação aumentou, as sombras que me rodeavam no tórax e nas costelas se afrouxaram um pouco, e arfei em busca de mais ar para meus pulmões. Eu já passara do estágio de me perguntar que merda estava acontecendo comigo. Depois de tudo o que acontecera, cheguei à conclusão que tentar entender era importante, mas sobreviver era fundamental. E, às vezes, uma atitude impulsiva serviria melhor do que uma análise detalhada.

         Como Kitty sabia o que eu pensava, teria que me submeter à impulsividade para que ela não ficasse um passo à minha frente, como sempre estava. Para entendê-la, tinha que agir primeiro e analisar depois. As sombras pareciam percorrer minhas veias, e engoli em seco. Eu as senti sob minha pele, alcançando meus órgãos internos, e apagando a chama interior que se acendera em mim. As sombras fluidas que circulavam meu pescoço se apertaram repentinamente, me sufocando com força.

         Ruídos estranhos saíam de minha boca enquanto eu era sufocada, minhas mãos estavam imobilizadas, então eu não conseguiria impedir Kitty. Lágrimas escorriam pelos meus olhos. Minha visão estava ficando cada vez mais turva. Meus olhos pareciam se revirar por conta própria. Estava tudo tão confuso, tantas coisas intangíveis pareciam estar ao meu alcance... Flashes começaram a aparecer em minha mente.

         Criaturas etéreas brincavam entre si, deixando rastros de luz e sombras para trás. O céu era púrpura, o oceano, branco feito pérola. A grama era azul safira, árvores tinham espinhos no lugar de folhas. Um espectro feito de sombras guiava as luzes coloridas cada vez mais dentro da floresta. Estiquei minha mão, arregalei os olhos. Eu estava voando atrás das sombras. Minha mão... Não era uma mão. Era mais um borrão emaranhado de luz dourada e algo na ponta de meus dedos...

         ­— KATHERINE!

         Tudo sumiu. Eu não sentia mais os tentáculos em lugar algum. Em que momento eu deixara de enxergar? De falar? De ouvir o que estava à minha volta? Onde eu estava? Onde ficava aquele lugar tão maravilhoso que eu havia visto? Aquilo... Era o paraíso! O meu paraíso!

         Uma luz invadiu minha visão, eu sentia meu corpo tremer sem cessar. Minha visão voltava aos poucos, assim como meus outros sentidos. O que... Demorei alguns segundos para processar o que via. Lucas estava sobre mim com uma pequena lanterna, apontando diretamente para minhas pupilas. Levantei-me rapidamente e dei um tapa em sua mão, a lanterna foi ao chão.

         — Tire essa merda daqui. Vai acabar fritando minhas retinas, Singer. — Resmunguei. Minha voz estava assustadoramente rouca. Tossi um pouco, em seguida olhei para o garoto. Ele estava pálido, com os olhos arregalados para mim.

         — V-Você está bem?... — Ele segurou meus ombros e olhou em meus olhos. Seus olhos claros estavam marejados. Franzi os lábios, observei em volta devagar, depois, voltei a olhar para ele.

         — Sim. — Respondi, desprovida de emoções. Ele me olhava como se não me reconhecesse. Suas mãos ficaram mais firmes em meus ombros.

         — O que eles fizeram em você, Kate? — Sua preocupação era genuína. Ele balançou a cabeça freneticamente. — Eu não devia ter te deixado sozinha! Você estava sob minha responsabilidade, e eu a atirei aos lobos! — Ele fungou, suas lágrimas começaram a cair, finalmente. — Me perdoe, Kate! Eu sinto muito, de verdade! — Lucas me abraçou com força e começou a chorar descontroladamente. Não retribuí seu abraço, mas dei alguns tapinhas em suas costas.

         — O que... Por que está assim? — Não fazia sentido. Minha luta contra Kitty fora o mais silenciosa possível, Luke não estava nem perto quando começou.

         — Eu vi, Katherine. — Ele rompeu o abraço e arregalou os olhos claros para mim, parecendo um lunático. — Eu vi você ser estrangulada.

         — Ah. Isso. — Fiquei totalmente sem reação. O que Luke faria? O que eu faria? — Foi um acidente. — Sorri debilmente, sempre pronta para contar a próxima mentira e evitar ir parar num manicômio. Não queria que Lucas se preocupasse tanto comigo, ele já tinha as próprias merdas da SHIELD para lidar. — Sabe como é, o Senhor Darcy sempre me deixa sem fôlego. — As orelhas do loiro ficaram vermelhas de raiva.

         — Você tá de gozação com a minha cara?! EUVI AS SOMBRAS, KATHERINE! ESTAVAM ENROLADAS EM VOCÊ, TE SUFOCANDO! — Arregalei os olhos. As sombras não eram ilusões de Kitty? Elas existiam de verdade?

         — N-Não... — Sussurrei, atordoada. Balancei a cabeça, olhando para meus braços. — Não pode ser, a Kitty é uma invenção da minha cabeça, ela jamais...

         — Foi a Kitty que fez isso com você? — Luke se levantou e começou a andar de um lado para o outro. — Mas... Como?  Você disse que ela não era real, que era uma coisa da sua cabeça!

         — Porque eu pensei que realmente fosse, Luke! — Me levantei do sofá. — E eu sei tanto quanto você sobre ela! Eu não sabia que ela podia fazer coisas assim! Eu pensava que... Que... — Me sentei de volta no sofá, ofegando por ar. Ainda não estava pronta para me exaltar, meus pulmões clamavam por mais ar. — Eu pensava que essas sombras eram visões minhas; como se ela as colocasse em minha mente para me fazer pensar que estou enlouquecendo.

         — Talvez você esteja, Katherine. — Franzi o cenho, olhando para Luke. Um sorriso viperino surgiu em seus lábios, e vi meu melhor amigo se tornar uma versão de mim. O cabelo se alongou e se tornou preto, sua altura diminuiu, cresceram seios e uma cintura mais acentuada... Engoli em seco, de olhos arregalados. Ela usava um vestido preto longo, com uma tiara de cristais negros como a noite sobre sua cabeça. Ela se sentou na poltrona e soltou uma gargalhada que fez meu coração disparar de medo. Meus olhos se encheram de lágrimas. Kitty havia se aproveitado de minha fraqueza, ela sabia me manipular como ninguém.

         — Como você... — Ela ergueu um dedo, me silenciando. Me calei, a observando atentamente. Ela riu mais uma vez, e respirou fundo.

         — Você realmente achou... — Seus olhos se fixaram nos meus, revelando seu divertimento. — Que eu tinha terminado com você, Katherine? — Desviei meu olhar do seu, me encolhendo, envergonhada.

         — Eu só quero que isso acabe. — Murmurei, constrangida.

         — Tsc, tsc, tsc. Garotinha ingênua e estúpida. — Voltei a olhar em seus olhos, sombras negras se moviam onde deveriam ser suas írises. Trinquei os dentes, me controlando para não rosnar como um animal selvagem. Antes, me sentia uma criatura patética e acuada perante sua presença. Um encontro como esse jamais acontecera antes, nunca ficamos cara a cara sem que ela me mantivesse acorrentada ou imobilizada. Diferente do medo que sentira com Rynna, o ódio que sentia por Kitty compensava minha falta de coragem. Eu poderia estripá-la usando nada além de minhas unhas e dentes. Eu beberia seu sangue usando seu crânio partido como cálice, e sorriria amplamente quando o fizesse.

         — A que devo sua... — Endireitei minha postura, erguendo o queixo e colocando os ombros para trás. — ...surpreendente visita? — Comecei a analisar minhas unhas, e o meu tormento pessoal soltou mais uma risadinha.

         — Ora, ora... Está copiando minha personalidade? — Sorri de canto, sarcasticamente:

         — Claro, claro... Porque você é o centro do meu universo, querida. — Revirei os olhos.

         — Eu não sou sua querida. — Meu lado Selecionada teve vontade de dar gritinhos com tal frase, talvez bater na cara dela por tê-la usado de forma tão vil, mas Kitty se revelar para mim numa conversa civilizada era algo tão raro quanto suspeito.

         — Nunca a vi tão comedida, Kitty. — Comentei, cautelosa. Me inclinei para frente no sofá, apoiando meus cotovelos nas coxas. — Isso definitivamente significa alguma coisa. — Suas expressões não revelavam nada. Foi a vez dela de analisar as próprias unhas.

         — E se eu lhe dissesse... — Seus olhos sobrenaturais penetraram os meus. — ... que há uma forma de você se livrar de mim? De uma vez por todas?

         Arregalei os olhos, boquiaberta. Eu... Podia dar um fim àquele inferno mental? Para sempre?

         — Como? — Questionei. — Mais importante: por quê? — Balancei a cabeça. — O que você ganha com isso? – Ela me dirigiu um pequeno sorriso, comprimindo os lábios. Seus olhos percorreram o apartamento, que num instante, desapareceu. Estávamos cercadas de uma infinita escuridão, adornada de estrelas ao nosso redor.

         — O fato de estar presa a você, como uma criatura miserável e desesperada para dar o golpe final e tomar seu corpo para mim... — Ela dirigiu um olhar cansado a mim. — É tudo parte de meu confinamento. Minha punição por atitudes passadas contra seres mágicos muito poderosos...

         — Seres mágicos de merda. — Murmurei, com uma carranca. Ela me dirigiu um sorriso de canto.

         — Viu? Agora você entende. — Ela respirou fundo, esticou os braços e os tentáculos de sombras circularam sobre eles. — Magia é... Difícil. Difícil de usar de maneira apropriada, difícil de conter, difícil de controlar. É como ter uma bomba-relógio dentro de você, só esperando para detonar e acabar com tudo e todos ao seu redor.

         — Se está tentando fazer com que eu simpatize com você, está perdendo o seu tempo e desperdiçando o meu. — Cruzei os braços. — Nós duas sabemos muito bem que você não estaria fazendo esse discursinho meia-tigela se não precisasse da minha ajuda. — Semicerrei os olhos e falei entre dentes. Explique-se. — E, num passe de mágica, o sorriso viperino estava de volta. Sua expressão afetada se tornou divertida.

         — Impressionante. — Ela jogou uma mecha de cabelo atrás de seu ombro. — Está quase aprendendo a não ser manipulada, Katherine. Talvez seja um progresso.

         — O segredo é não ligar para merda nenhuma do que vocês falam. — Minha voz delatava o meu tédio e desânimo. — O que não me envolve, não é problema meu. Muita gente já se aproveitou da minha compaixão e boa vontade. Acho que está na hora de mudar isso.

         — Ou está apenas negligenciando seu próprio Destino e seu papel para com o Universo. — Dei de ombros:

         — Como eu disse, não é problema meu. O Universo que se dane. — Mais um riso da parte de Kitty:

         — Isso é tão inesperadamente irônico! Principalmente considerando o seu Destino! É como se você estivesse cortando os laços com o seu próprio futuro! — Dei de ombros:

         — Não estou nem aí para nada disso. Só me interesso pela parte que me diz como me livro de você. — Kitty ergueu uma sobrancelha, seu sorriso evaporou de seus lábios.

         — Se mate.

         Fiquei em silêncio por alguns instantes, tentando processar suas palavras. Um arrepio desagradável percorreu meu corpo, minha boca ficou seca e minhas mãos começaram a suar.

         — O que disse?

         — Se mate. É simples. — Um sorriso tranquilo surgiu em seu rosto. Assim, se libertará. Eu nunca mais a torturarei, nunca mais interferirei em seus pensamentos ou ações. Sem mais pesadelos. Sem mais questionamentos sobre sua sanidade. E será só você em sua mente, até o fim. Não tente negar que essa alternativa já lhe passou pela cabeça. A primeira morte é um pequeno preço a se pagar por sua total liberdade.

         — A... Primeira... Morte? — A encarei, prestes a fazer mais perguntas. Ela me cortou antes de sequer conseguir começar:

         — Pense sobre o assunto. Você tem até seu décimo oitavo aniversário para tomar essa decisão.

         Abri os olhos. Estava no sofá da sala, suando e tremendo. Kitty conseguira me convencer que esse sonho fora realidade, me fizera questionar minha sanidade mais uma vez. A luz do sol aparecera pela janela, estava amanhecendo. Olhei em meu celular, eram quase sete horas da manhã. Me levantei e segui até o banheiro. Olhei fixamente para o espelho por alguns minutos, aguardando. Podia ser paranoia minha, mas... Havia uma sombra na silhueta de Kitty que não a seguia. Talvez... Talvez fosse outra coisa. Alguém oculto pelas sombras que ela controlava.

         — Rynna... — Sussurrei. — Rynna, me ajude. Preciso de respostas. Por favor. — Aquela parte dentro de mim, atrás do osso entre as costelas, pareceu queimar.

         — Eu não faria isso, se fosse você. — A voz me fez sobressaltar. Olhei para trás. A ruiva estonteante de olhos claros que conheci através de Loki me encarava, impassível. Ela franziu as sobrancelhas. — Invocar criaturas que não conhece direito não é algo muito inteligente de se fazer, jovem mortal.

         — Verdandi? — Ela assentiu de leve. — O que você...? Eu ainda estou sonhando? Isso é uma ilusão?

         — Não está sonhando e não se trata de uma ilusão, senhorita Kohls. Porém... — Ela me avaliou e torceu levemente o nariz quando olhou para meu estado, com o cabelo bagunçado e as roupas coladas ao corpo devido ao suor. — Devo confessar que estou curiosa. Por que me invocaste, criança?

         — Eu... Fiz o quê?

{...}

 

         {Henry Richard Wright}

         A linda mulher de cabelos negros seguiu a passos largos pelos corredores da minha mansão, avaliando detalhadamente os arredores, com um sorriso estranho nos lábios. Eu queria me mover. Gritar. Atacá-la e destruí-la com minhas próprias mãos. Mas eu não conseguiria. Estava enfeitiçado.

         Sentia aquela aura verde estranha percorrer meu corpo, como veneno, me fazia sentir náuseas. Claro, se eu conseguisse controlar meu próprio corpo e minha mente, eu sentiria náuseas. Era mais como se... A aura enfraquecesse meu verdadeiro eu. A aura estava em todo o lugar, tomando o controle sem nem ao menos se esforçar para isso. O meu verdadeiro eu podia somente observar enquanto as decisões que tomava eram comandadas pela mulher.

         Todos os meus recursos secretos, minhas habilidades, meu passado... Estavam à sua disposição, para quando ela decidisse cravar suas garras poderosas em tudo o que eu era e o que me pertencia. Não tinha aliados que me ajudassem a sair daquele tipo de transe. Era algo totalmente diferente de tortura, era controle mental puramente instintivo da parte dela. Pelo que sabia, poderia ser magia ou algum tipo de tecnologia incrivelmente avançada.

         Quem era ela? De onde havia surgido? Para quem trabalhava? Corinne finalmente havia me rastreado propriamente? Quantas de suas instalações e campos de escravos ela sabia que eu havia destruído? E quanto à Austrália e Sri Lanka? O quanto ela estava ciente de meus movimentos? Em breve eu teria que impedir uma negociação em Paris. Aquela mulher me teria como seu fantoche até quando?

         — Mostre-me seus segredos, mortal. — Ordenou a mulher, irreverente. Meu corpo se moveu sozinho, seguindo para a armadura ao lado da porta de meu estúdio fotográfico. Movi sua lança com a ponta no chão alguns centímetros para frente, e logo um scanner tecnológico que exigia a palma da minha mão se abriu no peito da armadura. Apoiei a mão sem hesitar, e a base da armadura se moveu para a direita, revelando uma plataforma de metal. Apoiamos os pés na plataforma e ela começou a descer para o subterrâneo, onde estavam meus planos, segredos e o registro de todos os meus recursos.

— Todos os meus recursos e backups de minhas operações ficam no subterrâneo. — Minha voz era inexpressiva. A mulher ergueu uma sobrancelha, com um sorrisinho de diversão nos lábios:

         — Quem diria? No fim, o amiguinho fotógrafo badboy era apenas um disfarce para encobrir seu verdadeiro passatempo, não? — Ela se aproximou de um painel, com uma lista de nomes e endereços, com alguns deles riscados. Ela começou a enrolar uma mecha de cabelo com os dedos enquanto observava. — Deixe-me adivinhar: assassino de aluguel?

         — De fato. — Respondi, sem hesitar. — Também me empenho em expor, roubar e acabar com grandes empresas internacionais que fazem uso de mão de obra escrava.

         — Grande herói. — Debochou a morena. Ela jogou o cabelo comprido atrás de seu ombro, observando, entediada, o restante dos painéis. — Porém, não me surpreende. A humana parece ter um fraco por aqueles que se autodenominam “heróis”. — Ela revirou os olhos verdes. — Qual é a natureza de sua relação com a senhorita Kohls?

         — Katherine? — Olhei em volta, tentando ganhar tempo. Meu eu verdadeiro tentava lutar e resistir àquela aura esverdeada, me negava a revelar detalhes que poderiam comprometer Kate.

         — Não é necessária uma resposta direta. — Sua expressão se tornou neutra. — Já tenho toda a informação que preciso. Apenas mencionei seu nome para trazer memórias específicas à sua mente, sem que precise procurar muito.

         — Somos próximos, mas não tanto quanto eu gostaria. — As apalavras saíam involuntariamente de minha boca. — Ela é uma amiga muito querida e estimada. Inteligente, espirituosa e não se deixa enganar pelas aparências. Ela consegue ver através de mim e sempre sabe quando estou mentindo.

         A mulher me observou por alguns segundos, em silêncio. Minha verdadeira consciência gritava e tentava escapar com todas as forças das garras da aura verde.

         — São somente amigos? Ela já lhe disse que quer algo a mais com você, ou com outra pessoa?

         — Ela não consegue sentir atração sexual sem ter um envolvimento emocional, afetivo ou intelectual relacionado a outra pessoa. Somos extremamente opostos nesse aspecto, portanto, jamais chegaríamos a esse ponto. — Eu me sentia humilhado e culpado por expor a intimidade da única pessoa com a qual eu realmente me importava a uma completa desconhecida. O que ela faria com esse tipo de informação? E se ela conseguisse controlar a Kate, como me controlava?

         — E quanto ao passado de Katherine? Ela já se comportou de forma suspeita? O que sabe sobre sua herança genética?

         — Por que você não pergunta pessoalmente a ela, Loki? — Disse uma voz irritada feminina. Olhei para trás, Sage estava ali, à sua direita estava Katherine e à sua esquerda, uma mulher ruiva com um vestido longo preto e dourado. Uma luz azul estranha rodeava as três figuras.

         — Henry! — Kate gritou, em seguida correu até mim e me abraçou. Meu eu verdadeiro gritava, dizendo a ela para correr e que a morena era perigosa. Ela estava em perigo, todas elas estavam! Quando eu não retribuí seu abraço, ela olhou no fundo dos meus olhos. Os olhos dela eram verdes como sempre, mas então... Agora havia um fino círculo dourado ao redor deles. Eu já havia contemplado várias vezes seus olhos, mas eles nunca tiveram aquela outra cor antes. Ela devia ter reparado no tom esverdeado dos meus olhos, que revelavam que eu não estava mais no controle de meu corpo e minha mente. — Henry...? — Olhei para a mulher que me controlava, em seguida agarrei o pulso de Katherine com força, contra a minha vontade:

         — O que quer que eu faça com ela? — Katherine ficou boquiaberta. Sage foi até a mulher e a empurrou com força para trás:

         — Que merda você tem na cabeça?! Está querendo ser descoberto? — A mulher chutou Sage longe, fazendo-a se chocar contra um dos painéis. Seu corpo pareceu ser arrastado por algo invisível levando-a ao outro cômodo. Minha mão se apertava cada vez mais no pulso de Katherine.

         — SIGYN! — Gritou Kate, enquanto tentava se soltar de meu braço. — Henry, me solta. — Grunhiu ela, entredentes. Seus olhos verdes registravam os meus com atenção.

         — Ele está enfeitiçado. — Disse a ruiva desconhecida. — Sua mente e seu corpo estão sendo controlados pelo príncipe.

         — Verdandi, eu hei de condená-la por sua traição! — Gritou a mulher que exercia seu controle sobre mim.

         — Liberte-o. — A voz de Katherine era assustadoramente calma. Seus olhos estavam fixos na morena, suas narinas estavam infladas de raiva. — Imediatamente. Ou será enviado novamente para a caverna que tanto teme.

         A morena arregalou os olhos, sua expressão dizia que ela aniquilaria Katherine a qualquer momento. Um sorriso cruel se abriu nos lábios de minha melhor amiga, seus olhos verdes brilhavam através das lágrimas de raiva:

         — Você se lembra, não é, Loki? Como era sentir o veneno da cobra? Como é não poder fazer nada, se sentindo tão pateticamente fraco enquanto ele o consome? O sentir corroendo a pele, intoxicando o sangue, só para se curar mais uma vez e continuar com a tortura infinita?

         A morena se transformou em um homem alto, magro, descabelado e com um olhar mortal. Um som gutural de puro ódio saiu dele, depois, ele avançou sobre Katherine, segurando apertado seu pescoço com uma mão e a erguendo do chão. Os pés da garota estavam a pelo menos trinta centímetros acima do chão.

         — VOCÊ NÃO FAZ A MÍNIMA IDEIA DO QUE DIZ! NÃO TEM DIREITO DE DIZÊ-LO, SEU VERME MISERÁVEL MORTAL!

         — CORRA, HENRY! FUJA! – Gritou Katherine, com o máximo de fôlego que tinha em seus pulmões. Eu a vi ser sufocada, e aquilo me revoltou. A aura parecia estar se dissipando, eu retornava ao controle... De repente, não sentia mais a aura verde me dominando, meus sentidos voltaram a mim.

         — A humana está ficando sem ar, milorde! — Gritou a mulher ruiva que não conhecia. Não hesitei. Peguei a faca em minha bota esquerda e a arremessei no homem desconhecido. Para minha surpresa, ele a segurou com a mão que não estava usando para sufocar Katherine. Ele arremessou a garota com toda a força sobre mim, nos fazendo cair no chão.

         — Loki! — Sage voltara correndo do outro cômodo e avançou sobre ele, e no segundo seguinte...

         Eles haviam sumido, nada além de fumaça azul fora deixado para trás.

         Katherine se ergueu, tossindo e respirando fundo. Eu agarrei meus cabelos com força, gritando a plenos pulmões. Minha mente havia sido invadida e manipulada. Minhas vontades foram restringidas, meu corpo não me obedecera. Outra pessoa estivera controlando o meu corpo. Me abracei e fechei os olhos, sentindo meu coração acelerado no peito e meus pulmões exigirem cada vez mais ar. Eu não choraria, apenas porque minhas funções lacrimais foram treinadas a não o fazer. Medo e horror me consumiam. Outra pessoa havia visto todos os meus segredos, minhas falhas e meus fracassos. Outra pessoa havia visto por trás da máscara que eu sustentara durante mais de quinze anos. Eu me sentia exposto e humilhado. Irremediavelmente ferido.

         — Henry? — A voz rouca de Katherine chegou aos meus ouvidos, quando percebi, a garota já estava segurando minhas mãos entre as suas numa tentativa sutil de me acalmar. — A Sage vai cuidar dele, e colocá-lo em seu devido lugar. Se ela não o fizer, eu certamente o farei. — Seu tom era apavorantemente frio. Ela acariciou o meu rosto com delicadeza. — Ele não voltará a te perturbar, eu prometo, Henry. — Ela se inclinou e beijou a minha testa, em seguida, me ajudou a levantar do chão e me sentou na poltrona mais próxima. Ela se sentou no braço da poltrona e passou a acariciar as minhas costas, tentando me consolar a qualquer custo e murmurando alguns pedidos de desculpas. Eu entendia parcialmente o que acontecia. Queria interagir com a Kate, mas tudo parecia levemente confuso e distante. A ruiva nos observou, seu olhar para Katherine era um tanto severo demais. — Onde eles estão agora, Verdandi?

         — Svartalfheim. A luta entre os dois deixa um rastro de destruição por onde passam. — Katherine franziu os lábios e as sobrancelhas com irritação.

         — Merda. — Praguejou ela, depois suspirou, mais calma. — Os exércitos asgardianos e a SHIELD já são difíceis o suficiente de contornar. Bem, vamos torcer para que eles não acabem na mira dos elfos negros também.

         — A senhorita está resoluta atualmente. — A observação da ruiva fez um pequeno sorriso surgir nos lábios de Katherine.

         — Acho que estou me acostumando com toda essa loucura de Destino, Magia e Universo. Tudo é sempre novo, e, às vezes, assustador também. Mas no final... Cabe a mim mesma decidir meus próximos passos. Ninguém pode me fazer renunciar a isso, não importa o quão poderoso ou intimidante seja. — Kate endireitou sua postura e inflou o peito, com o queixo erguido e o olhar feroz. — Eu serei a mestra de meu próprio Destino, e não aceitarei que ele seja nada menos do que glorioso.

         Verdandi sorriu para Katherine pela primeira vez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam do capítulo? Muito obrigada por lerem Liars and Killers!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Liars and Killers" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.