Meu Psicopata de Estimação escrita por Felipe Araújo


Capítulo 2
Vizinhos


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, um pouco dos personagens para vocês.



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Os olhos cinzas do rapaz percorrem todos os lados pelo vidro do carro, irritado com o ambiente. Sua imagem reflete na janela do veículo. Cabelo liso castanho, jogado para trás em um topete exabundante. Rosto magro e desenhado sobre um pescoço longo e uma barba rala da mesma cor dos fios do cabelo. O queixo um tanto que quadrado que destaca quando boceja em um ato de sono. Com fone de ouvido tenta de todas as maneiras sumir da conversa de sua mãe, que dirige ao seu lado. A moça de cabelos dourados, aparenta ter por volta dos seus quarenta anos, magra e bem-vestida. Enquanto direciona o carro pela avenida deserta, olha pelo espelho retrovisor, sempre com uma piscadela para o segundo garoto no carro. Este com cabelos lisos da mesma cor do primeiro, cobrindo suas orelhas. Olhos claros de um castanho mel. Por ser mais novo seu rosto arredondado o deixa com covinhas ao sorrir, é o que ele faz quando sua mãe retira o fone do irmão mais velho.

— Lucas, prometeu que não ficaria assim. — O rapaz cruza os braços e coloca um pé sobre o porta-luvas do carro. Vocifera.

— E você prometeu não mudar de cidade até eu conseguir comprar uma casa e morar sozinho.

— Me desculpe, mas as coisas não são como queremos. — O menino mais novo debruça no encosto do banco da frente e fala:

— Mas você nem mesmo tem um emprego.

— Cala essa boca Patrick.

— Parem de agredirem-se com palavras, chegamos. — A mãe gargalha enquanto estaciona o carro atrás de um grande caminhão de mudança.

A rua não agrada Lucas, que parece decepcionado. Árvores e mais árvores sobre a calçada, o que faz tapar o sol em uma sombra fria e amarga. Muitas casas grandes e antigas, poucas pessoas na vizinhança e pouco barulho, — coisa que gente de cidade grande sente falta. — O rapaz desce do carro e repara na casa que vai morar: portão pequeno preto com lanças afiadas na parte superior. Muro de pedras grandes e deformadas.

Ao abrir o portão um caminho de pisos cinzas e frios leva até a porta do imóvel com dois andares. Longas paredes cor beje com janelas brancas esmaltadas. A porta de madeira brilhante o espera. Lucas engole a seco, enquanto olha para o lado e vê sua mãe e irmão conversar com os homens que descem do caminhão para levar as coisas para dentro.

Entrou no quintal com apenas uma mochila no ombro. Para dividir melhor os terrenos um caminho de arbustos cortados em bolotas de folhas verdes, separam a casa ao lado. Lucas escuta música vindo do vizinho, mas foi pego de surpresa por ser um tipo de som antigo que jamais pensou escutar vindo de alguém do século vinte e um. Porem o que mais chama sua atenção não é só a música, e sim, a garota que sai de dentro da casa maior que a dele.

A garota veste um vestido solto de seda branco até os joelhos, sobre seus ombros um coletinho preto. Sua pele tão branca, o fez lembrar das bonecas de porcelana que sua avó tinha. Ela vinha até o quintal descalça, seu cabelo vermelho amarrado em um coque, destaca seus olhos azuis e suas sardas sobre o nariz. Lucas suspira e cambaleia até os arbustos para ver melhor. Nunca tinha visto garota mais linda, e ao menos tempo tão simples. Mira seu olhar nela até que a mesma some para dentro quando retira o jornal do portão. Lucas pula de um susto quando é tocado no ombro.

— Distraído filho?

— Sim mãe, fiquei impressionado com a nossa vizinha.

— Eu a vi no dia que vim ver a casa para comprar, uma menina adorável. E tem sua idade.

— Parece mais nova, mas o que uma menina tão nova faz indo buscar jornal. E escutando Jazz? Acho que mora com os avós. — A mãe de Lucas sorri e entra na casa segurando uma caixa enquanto fala:

— Engano seu, pelo que fiquei sabendo ela mora sozinha. — Lucas olha mais uma vez por de cima dos arbustos e fica ainda mais curioso sobre a menina meiga e saltitante que acabara de ver.

**

A casa nova da família Oliveira tem três dormitórios no piso superior e dois banheiros. Uma cozinha grande, uma sala de jantar e uma sala de televisão no piso de baixo. Lucas fez questão de ficar com o dormitório que dá de frente com a janela de um dormitório rosa da casa vizinha, suspeita que seja da menina que viu logo cedo. Arruma suas coisas do seu jeito.

O rapaz de dezoito anos acabara de terminar o ensino médio e ainda não tinha entrado para nenhuma faculdade, já que sua mãe, por ser vendedora muda-se muito de cidade. Em sua cabeça o melhor agora é arrumar um emprego para alugar uma casa e morar sozinho. Tem vontade de voltar para a capital de São Paulo e deixar a cidadezinha que acabara de chegar de lado. Não tem noção de como vai viver a partir de agora, já que a cidade onde morava, seus habitantes beiram os quarenta e três milhões, e a cidade de Santa Monica não chega nos cem mil.

Lucas cola pôsteres de filmes de terror nas paredes. Seus livros, mangás e bugigangas nas prateleiras. Arruma suas roupas no armário embutido. Organiza seu espaço de reflexão, que consiste em: uma mesa, uma cadeira giratória de rodinhas, uma luminária, seu notebook, algumas canetas, lápis e um quadrinho com a foto do seu pai. Está completando dois anos desda morte repentina dele, que morreu em um trágico acidente de carro. Lucas busca sempre lembrar-se do velho sorriso do homem que fazia cafunes em sua cabeça quando criança e apenas essas lembranças bastam.

— Filho venha jantar. Foi um dia cheio hoje, deve estar faminto. — A voz de sua mãe passa pela porta trancada. Lucas levanta e não demora em descer até a sala de jantar.

A escada é de mármore claro. Tão frio que quando pisa com os pés descalços os pelos de seu corpo arrepiam. E o que espera o menino cansado da mudança é uma bela e grande pizza de mussarela e um refrigerante de dois litros. Lucas dá uma boa risada, enquanto seu irmão retira um pedaço da suculenta massa de queijo.

— Parece que a nossa primeira refeição nesta casa vai ser uma delicia. — Murmura a mulher de cabelos cor de ouro. Patrick responde com a boca cheia.

— Essa é a melhor pizza que já comi. — Lucas não diz nada, apenas come e lembra da vizinha e no que sua mãe diz. — Como uma menina mora em uma casa tão grande sozinha — pensou alto.

— Ainda pensa na garota ao lado filho?


— Ela é muito bonita não acha? — Fala Patrick, e Lucas sacode a palma da mão no braço do irmão.


— Você é muito novo para isso.


— Novo? Vou fazer treze anos daqui dez meses.


— Lucas tem razão, você acabou de fazer doze anos, em vez de pensar em garotas, vá organizar suas coisas de escola, pois amanha mesmo você começa na escola nova. — Patrick torce o lábio e da de ombros para a mesa.


— Não me lembre disso. — O menino deixa o local. E a mãe pergunta dando um gole em sua bebida.


— Então filho o que achou?


— A casa é grande, bem maior do que onde morávamos. Não gostei muito do lugar, mas amanhã tenho que levantar cedo para procurar um emprego.


— Não precisa, fui promovida a “Vendedora Gold”, posso dar um futuro para vocês dois. — Lucas olha para a mãe com os olhos trêmulos.


— Quantas vezes já disse Dona Clara, vou ter minha vida sozinho, vou buscar os meus interesses e ideais.


— Eu sei que quer isso mais que tudo filho, mas temos que ir com calma. Bom, amanhã continuamos nossa conversa. Pode retirar a mesa, vou para o meu quarto, pois estou exausta.


— Tudo bem mãe. — Ela aproxima do filho e dá um longo beijo em sua bochecha.


— Eu te amo, e tenho orgulho de você.


— Eu te amo mãe.

O rapaz retira os copos e pratos da mesa e leva até a cozinha, deixa na grande pia de cor gelo, olha para trás, por cima de seu ombro e verifica se sua mãe e irmão estão mesmo no andar de cima. Aperta o bolso da calça jeans e verifica se o que deseja ainda está dentro do bolso. Pega um esqueiro na gaveta do armário da cozinha e sai para fora.

Na parte de trás da casa existe apenas uma grade de ferro que separa a casa da menina de cabelo vermelho. Lucas senta em um balanço velho que parece estar ali há décadas e retira da calça um maço de cigarro. Acende um ainda verifica se está sozinho e leva ao lábio o filtro amarelado. Traga devagar o pequeno cigarro, olha para as estrelas e agora percebe uma grande diferença do lugar que mora. O céu é realmente bonito. Tanta beleza o faz viajar, o faz sair de seu corpo, mas volta com o tamanho do susto que acabara de receber.

— Então é o novo vizinho? — Lucas quase cai do balanço, fica de pé trambecando com o susto e sorri. É a menina de cabelo vermelho.

— É você!

— Como assim sou eu? — A voz dela é tão doce quanto ele imaginou.

— Te vi mais cedo, escutando Jazz e buscando o jornal – falou com um tom irônico.

— Por que riu? De onde vem não existe jornal e nem música boa?

— Sim, mas uma menina tão linda quanto você deveria escutar música pop, tipo Miley Cyrus, talvez?

— Vejo que não entende de música, e nem mesmo de garotas lindas. — Joga uma sobrancelha para cima e mostra seus dentes brancos e perfeitos para Lucas que fica com as pernas bambas quando repara nas covinhas da menina.

— Me desculpe.

— Não precisa se desculpar, bom, meu nome é Ester e o seu?

— Meu nome é Lucas.

— Prazer Lucas, precisar de algo, pode me procurar. Agora vou dormir. — Ela dá de ombros sem ao menos dizer mais nada. Lucas coça a barba de seu queixo que quase cai. Antes dela entrar ele vocifera.

— Não é querendo incomodar tão breve, mas poderia me ajudar em uma coisa?

— Diga!

— Não conheço a cidade, preciso entregar umas recomendações e currículos, poderia me ajudar? — Ela para na frente da porta dos fundos de sua casa, e morde o lábio revelando suas covinhas mais uma vez, e deixa o rapaz com a pressão alta.

— Claro, saio de casa as sete, pode me esperar na rua, te levo em alguns lugares do centro. Até amanhã Lucas. — Ela entra em sua casa e Lucas senta novamente no balanço, terminando de fumar o cigarro e com um sorriso bobo.

**

Ester caminha com um prato de comida que pega do micro-ondas e vai em direção a uma porta de sua sala que leva a uma escada. Desce a escada descalça e vai até o porão. Que parece reformado, mas ainda leva umas manchas negras, resultado de um incêndio. Puxa uma corda que revela um alçapão atrás da máquina de lavar. Ester entra espremida com o prato, habilidosa sem deixar a comida cair. Passa pelo lugar apertado até chegar em um cômodo secreto. No quarto de pouco mais de três metros de largura uma cama velha, uma vitrola que toca um Jazz baixinho e uma poltrona decoram o sombrio e mal cheiroso lugar. A poltrona virada para o lado da parede balança e a menina fica de frente para ela. Uma voz rouca e arrastada diz com um tom autoritário.

— Com quem estava falando?


— Como escutou?


— Não pode esconder nada de mim.


— É o novo vizinho, ele parece ser legal.


— Ninguém é legal... Irmãzinha


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, espero vocês nos reviews