Regno Est In Sanguine escrita por Zedkiel Moor
Uma manhã nublada se erigiu por detrás da London Eye. O sol brilhava tímido sob as nuvens cinzentas. Os monumentos da Lambert Palace estavam envoltos numa branca e suave névoa, que viera compor o quadro daquela aurora insossa, e a relva dos parques e praças estava coberta por uma camada fina de geada.
Do outro lado do rio, a Abadia de Westminster, com seus muros altos e sua frente pesada, e o Big Ben, com sua arquitetura histórica, pareciam duas figuras humanas, a contemplar as pessoas que passavam pela rua, com seus sobretudos, casacos e cachecóis. A rua Page estava abarrotada de neblina, desde a esquina com a Dean Ryle ate o Café Regency, na esquina com a rua Regency.
O lendário Palácio de Buckingham estava passivo e modorrento, sob o ar gelado. Os jardins que rodeiam a construção estavam frios e recebiam ainda pouco movimento.
A fachada branca de cal, com uma porta negra de madeira bem no centro, de um casarão vitoriano do início do século dezoito, olhava, com suas janelas sujas, para o movimento que havia em sua calçada: civis e repórteres – vestindo jaquetas de couro e suéteres, carregando suas câmeras e microfones, suas maletas, sacolas e bolsas e cobrindo-se com seus guarda-chuvas – de um lado e servidores do MPS e um ou outro civil – alvo de interrogatórios e perguntas – do outro lado da fita amarela que delimitava a “Crime Scene”.
O falatório que havia no meio da multidão era sobre a inusitada descoberta no interior daquela casa. As velhas fofoqueiras e os senhores que nada mais faziam a não ser “comentar” o fato com todo o mundo teciam suas conversas em torno do fato fazendo floreios e enriquecendo com detalhes de veracidade questionável, as jovens moças apenas esboçavam frases com seus parceiros e amigas, sem se ater muito a detalhes, e olhavam espantadas para a porta entreaberta, na esperança de ver algo lá dentro.
O delegado se esforçava para manter todos calmos, dizendo palavras como “Voltem para suas casas, nosso serviço policial já está investigando o caso.” ou “Fiquem todos calmos, temos tudo sob controle, a investigação está nas mãos experientes e competentes de nossos melhores policiais.” e respondendo às perguntas dos jornalistas: “Acalmem-se senhores, estamos investigando a situação... Ainda não temos muitas respostas... Manteremos os senhores informados... Descobriremos quem é o assassino...”
Por trás de uma árvore, a manhã foi passando. Às nove horas, o movimento havia cessado quase por completo e a aglomeração, se dispersado. Grande parte dos civis saíram para trabalhar e exercer seus ofícios e a maioria dos repórteres se havia ido para cobrir outras notícias. Os policiais ainda estavam guardando a cena do crime e os forenses ainda investigavam a cena à procura de respostas.
Neste momento, um Mini Cooper preto com faixas brancas parou no meio-fio. Dele, saiu uma bela e jovem loura, vestida com um terno cinza – blazer e saia à altura dos joelhos –, sapatos de salto alto negros e de um brilho cintilante de verniz e com uma camisa branca sob o terno. Seus cabelos cor-de-ouro estavam presos num coque meio desgrenhado. Suas pernas, invejadas pelas amigas e desejadas pelos colegas, agora moviam-se em passos rápidos e espaçados e seus seios, de uma beleza quente e sensual, arfavam em um ritmo compassado, enquanto caminhava em direção à mansão.
Quando chegou junto à faixa de contenção, o guarda que estava lá, vigiando, perguntou-lhe:
– Posso Ajudar?
Ao que ela respondeu:
– Amanda Bordbeck, departamento de investigações.
E o policial a deixou passar.
– Ei, Am! – disse o homem gordo e careca, de terno e chapéu que estava junto ao umbral da porta com um charuto preso entre os dentes e as mãos segurando os suspensórios.
– Olá, Paul – respondeu, indo de encontro a ele e beijando-lhe a face. – O que você tem pra mim?
E entraram na casa.
A beleza vitoriana do hall de entrada impressionou os olhos de Amanda: as pilastras adornadas belamente, os desenhos sacros no teto ovalado, a escada escura, os adornos das janelas e até o corpo vestido com roupas de mil e setecentos, sobre uma poça de sangue seco, numa expressão de corpo e rosto medonha, davam um ar sinistro, melancólico e, de certa forma, poético àquela cena.
– Bem, o que temos aqui? – disse Paul, tirando do bolso de seu paletó uma caderneta com capa de couro, e, respondendo à própria pergunta: – Essa moça foi encontrada aqui pelos novos compradores da casa, quando vieram para uma primeira visita com o corretor.
Amanda escutou, enquanto rondava, com os olhos, o salão repleto de pó e teias de aranha. O detetive prosseguiu:
– Não temos o nome ainda. Maxwell está procurando as digitais no sistema. Tiramos uma amostra do sangue, que foi levada ao laboratório.
A moça ainda rondava o cômodo com olhos atentos, mas balançava a cabeça em concordância com o que o outro dizia. Em certo momento:
– É impressionante... – murmurou, voltando o rosto para Paul. – Já fotografaram a cena? – indagou, logo depois.
– Já. – respondeu o velho investigador, entrelaçando as mãos atrás das costas, como era de seu costume. – Já mandei virem buscar o corpo. Agora só falta a sua aprovação.
– Tudo bem. Só me deixe sozinha aqui um pouco.
– Tudo bem. Fique o tempo que precisar. – e foi-se indo.
– Obrigada.
E despediu o amigo com um cordial tapinha nas costas.
Ficou a observar demoradamente tudo ao seu redor. Traçou ideias e suposições sobre o crime, analisou com um olhar clínico e frio a posição do corpo, sua expressão e sua rigidez.
Em certo momento, ajoelhou-se junto ao cadáver e ficou a verificar os detalhes do rosto, teso em uma expressão mista de horror e ternura, com os olhos bem abertos. Os cabelos ruivos e encaracolados soltos sobre o chão, duros e secos por causa do sangue. Surpreendeu-lhe o corte chique do vestido naquele corpo sem joia alguma: sem anéis nos dedos ou algum pingente no pescoço.
Ergueu-se rápido e saiu apressada, como se tivesse esquecido algo ou procurasse alguém. Ao passar por Paul, este lhe interceptou, segurando-lhe pelo braço.
– O que houve, minha cara? – indagou.
– O quê? – disse Amanda, aparentando estar confusa.
– Por que saiu assim da casa?
– Ahn? – espantou-se – O quê?
E então percebeu que não estava mais no interior do palacete, mas sim na beira da calçada, uns dois passos antes da fita de contenção. Voltou-se para os policiais e:
– Tirem essa fita daqui e ponham na entrada. Não aconteceu crime nenhum aqui fora. – ordenou decididamente.
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