O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 5
O Acordo


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥
Como pode-se notar, esse capítulo ficou imensamente... imenso! Lembram quando eu disse que o capitulo 4 estava incompleto? Pois então, aí está a continuação dele.
Acho que algumas coisas fugiram do meu controle nesse capítulo por causa do tamanho dele (kkk) mas eu juro que no próximo vocês vão ter mais emoção ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/643699/chapter/5

O Acordo.

Aquela palavra voltou a infortunar Adélia.

De repente, ela sentia-se muito cansada. Parecia que havia uma pedra enorme em seus ombros, fazendo-os caírem sobre ela, e sua cabeça doía como nunca. Tudo o que Adélia queria era deitar-se e acordar daquele pesadelo.

Mas aquela palavra ainda circundava entre suas entranhas.

Acordo.

Ao ouvi-la da primeira vez, Adélia não se sentira tão estranha em relação a ela; mas agora, depois de tudo o que seus pais acabaram de lhe dizer, aquela palavra lhe causava arrepios e um frio sombrio em sua espinha. Ela empertigou-se no seu lugar, relembrando as palavras que seu pai acabara de lhe dizer.

Ele nos obrigou a adotar você, seu pai dissera, ele nos obrigou a criar você... Para cumprir uma maldição...

–Uma... – Ela engoliu em seco, alternando seu olhar entre Suzane e Thiago. – Maldição?

Adélia sentira um leve pânico tomar conta de si naquele momento. Ela lançou um olhar de relance para suas mãos deitadas em seu colo – ambas tremiam como se tivessem vida própria.

–Ah, Adélia... – Suzane cobriu o rosto com as mãos, enquanto levantava-se do sofá. Ela não soube como conseguiu manter-se em pé, pois suas pernas tremiam tanto quanto suas mãos. – Foi um erro estúpido... Éramos jovens, vivendo sob o teto de um monstro.Mas mesmo assim...Mesmo assim...

Mesmo assim o quê, mãe? – Adélia surpreendeu-se com o tom frio que sua voz assumira, sem o consentimento dela. Tudo o que menos gostava era julgar seus pais pelos seus erros, pois acreditava que todo mundo cometia erros, e seria inconsistente de sua parte julgá-los por eles. Mas já estava ficando com medo, e com isso vinha à falta de controle.

Thiago e Suzane se entreolharam.

Ambos tremiam de medo. Nunca sentiram tanto medo assim.

Suzane lembrou-se vagamente da sensação que sentira quando ela e Thiago viram Adam despertar sua fúria de dragão sobre eles. Ela sentira medo; tanto medo que a fez cair. Mas naquele momento, enquanto encarava Adélia – que estava trêmula, pálida, assustada – ela sentia-se apavorada. O medo que sentia não a faria cair; pelo contrário.

O medo que sentia a havia paralisado. Deixando-a completamente vulnerável, exposta e impotente diante de tamanha responsabilidade.

Enquanto encarava Thiago, ela quis dizer que sentia muito, e que não poderia dizer nada naquele momento, pois sua voz havia sumido de seu corpo. Ela queria chorar, mas não havia mais lágrimas em seus olhos. Era como se toda a sua força tivesse abandonado-a naquele momento. A única coisa que ainda havia restado em Suzane era a vergonha, o medo e o desespero.

Ao encarar a mulher, Thiago não soube dizer como conseguira ver seu estado de espírito agitado em seu rosto impassível.

Ele estava com medo também. Mas sabia que tinha que ser feito naquele momento, e por isso não fugiria. Não culpava Suzane; ao contrário. Ele entendia que ela estava atordoada com tudo aquilo. Mas não podia falhar naquele momento. Com um aceno de cabeça, ele assumiu o momento.

Adélia o encarava de olhos arregalados e úmidos de lágrimas.

Parecia ansiosa, e ao mesmo tempo receosa. Como se tivesse a curiosidade de querer saber algo, e ao mesmo tempo tivesse medo de descobrir o que era.

–Adélia, - ele começou – tudo isso aconteceu quando tínhamos completado dezenove anos de idade – ele balançou os papéis diante de si. - Descobrimos que não podíamos ficar com nossas fortunas, pois nossos pais assinaram um acordo em que dizia que ela só iria parar em nossas mãos quando estivéssemos casados. Assim, seria uma forma de eles manterem os negócios deles no mercado e, para nossas mães, uma forma de nos manter unidos.

Um arrepio percorreu Thiago ao lembrar-se de quando Adam anunciara aquilo para eles.

Suzane contava com aquele dinheiro para fugir de tudo; da morte dos seus pais, de Thiago, do país... Ela e Adam até tinham planejado se encontrarem longe dos holofotes, em um lugar paradisíaco – assim como Suzane sonhara. O acordo feito por seus pais destruíra completamente seus sonhos, o que só fizera sua raiva por eles aumentar.

Thiago também queria fugir, mas não para tão longe. Apesar de ainda sentirem desgosto um pelo outro, ele e Suzane foram obrigados a conviver no mesmo teto por cerca de um ano, e a ideia de fuga de Thiago era se mudar para um lugar só seu, onde ele pudesse ficar sozinho com seus pensamentos. Mas, assim como Suzane, o acordo de seus pais o desagradara profundamente.

–Adam ainda era o nosso tutor. Ele cuidou muito bem de nós durante um tempo; - ele disse, sentando-se na mesinha de centro, ficando cara a cara com Adélia – ele fez questão de contratar professores para nós. Nos deu tudo o que queríamos. Mas então esse acordo fora liberado pela polícia, e ele começou a mostrar qual era sua verdadeira intenção.

Suzane sentou-se na poltrona do marido, enquanto assistia a ele contar tudo para sua filha. Ela sentia-se culpada por estar tão impotente naquele momento, mas então algo lhe ocorreu na mente; uma lembrança fria e dolorosa de um de seus momentos com Adam.

Ela engoliu em seco, enquanto guardava os momentos mais explícitos para si.

–Adam começara a mudar conosco. – Ela disse, atraindo a atenção de ambos ali. – Ele começara a cobrar de nós a sua boa ação. No começo, foram coisas pequenas, como notas boas e boa aparência diante de seus jantares extravagantes. Depois, começou a nos forçar a ficarmos juntos. – Ela observou a expressão de Adélia mudar de confusa para horrorizada. – Ele nos forçava a... dormimos juntos. Nos forçava a darmos passeios de mãos dadas, dizendo que poderia a ajudar a convencer os outros de que não passávamos de um casal apaixonado e que precisava ser feliz, depois de tudo o que nos acontecera.

–Então... - Adélia começou. Não sabia muito bem o que dizer, mas estava tão cheia de dúvidas que não podia simplesmente se manter calada. – Adam começou fez a mesma coisa que os pais de vocês, não foi? Ele os obrigou a ficarem juntos por causa do dinheiro também?

Thiago e Suzane afirmaram ao mesmo tempo, abalados.

–Sim, querida. Foi tudo por causa do dinheiro. – Disse Suzane.

–Mas o que aconteceu depois? – Adélia perguntou.

–Nós questionamos. – Disse Thiago,lançando um olhar de soslaio a Suzane. - No início, realmente achamos que aquilo fosse necessário, mas então começamos a estranhar a forma como ele ficava nos observando em silêncio. Como se tivesse alguma coisa a nos dizer, mas não dizia. Começamos a perceber que ele escondia algo de nós, e então cometemos o erro de questionar.

Suzane riu amargamente.

–Foi quando Thiago e eu nos unimos de verdade – ela fechou os olhos, como se lembrasse de algo importante, porém um tanto desconcertante. - Depois de um tempo juntos, aprendemos coisas sobre um do outro. Então descobri que Thiago desconfiava de Adam, assim como eu. – Ela abriu os olhos e encarou as próprias mãos, que se retorcia de nervoso. – Eu não quis admitir no início; ainda tinha restos de uma paixão cega por Adam em mim, mas Thiago abriu os meus olhos. Ele descobriu que Adam estava jogando conosco, mas só não descobriu a troco de quê.

–Então ele também começou a desconfiar de nós. – Thiago completou. – Ele ficou sabendo que eu tentara descobrir coisas sobre ele quando invadia seu quarto quando ele não estava, e seu escritório. Ele ficou furioso, e foi então que se mostrou o verdadeiro monstro que hoje conhecemos. – Ele fez uma pausa para engolir a bile presa em sua garganta. -Ele contou a primeira e lógica verdade por trás de sua boa ação ao nos dar abrigo. – Thiago continuou, dessa vez mais nervoso do que antes. – Disse que sua verdadeira intenção era os negócios dos nossos pais, mas que nós seríamos uma boa forma de ele não se sujar no meio daquilo tudo.

Silêncio.

Thiago estava suando, mas tudo o que sentia era frio. Ele mal notara as dores de seu corpo.

–O que aconteceu? – Adélia perguntou.

–O que aconteceu? – Suzane riu, enquanto apontava para o ambiente ao seu redor. – Isto aconteceu, minha amada.

Adélia analisou tudo o que seus pais acabaram de lhe dizer.

Thiago quis continuar, mas, ao observar o olhar de Adélia se desviar para outro ponto atrás de si, ele deduziu que ela estava pensando. Mesmo naquela situação, ele continuou calado, assim como Suzane, enquanto observava Adélia analisar a situação.

–Foi por isso... – Ela disse, enquanto voltava a encará-lo de olhos esbugalhados, como se tivesse acabado de acordar de um transe. – Foi por isso que vocês... Foi isso o que quis dizer quando disse que ele os obrigou a me adotar? É por isso que me criaram? Por que Adam os obrigou?

Adélia começou a chorar.

De repente, ela sentia-se muito pequena. Como se fosse um mero peão.

Seu coração doía com a ideia de que ela era nada mais do que uma simples dor de cabeça para seus pais.

A vida toda Adélia passara acreditando que fora destinada a ser filha de Suzane e Thiago, pela forma como se deram tão bem quando se conheceram, nos seus sete anos de idade, dentro de um grande salão infestado de outras crianças adoráveis esperando por amor. Mas naquele momento, aquela ideia lhe parecia ser a coisa mais idiota do mundo. Ela, desde pequena, amara seus pais como nunca amou ninguém – pois eram as únicas pessoas que ela tinha em sua vida. A vida toda Adélia passara acreditando que eles tinham adotado-a por que eles a amavam.

–Adélia – Thiago pegou suas mãos trêmulas. Ele segurou seu queixo e a fez erguer a cabeça, para encará-lo. – Sei que isso é um absurdo. Sei que está pensando as piores coisas nesse momento, mas... – Ele respirou fundo e fechou os olhos; quando voltou a abri-los, encarou fixamente os olhos de Adélia, que derramavam lágrimas de partir o coração. – Nós amamos você. Você é uma garota adorável e com certeza é a única parte boa deste maldito acordo.

Suzane também se aproximou da filha, que se recusava a encarar a ambos.

–Você é a pessoa mais preciosa que há em nossas vidas, - ela disse, abraçando-a – e nós nos apaixonamos por você desde o momento em que a conhecemos no orfanato. Você se tornou a nossa garotinha desde aquele dia, e se temos um motivo para nos orgulhar de alguma coisa em nossas vidas, Adélia, esse motivo é você. E nada mais!

Suzane beijou o topo de sua cabeça e a abraçou mais forte.

Adélia estava envergonhada.

Não sabia exatamente de quê, mas seus sentimentos estavam todos em conflito.

Ela quis se esconder por um momento, só para se acalmar, mas sua mãe a abraçara com muita força, impedindo-a de se mover; e seu pai tinha olhos fixos nela, como se estivesse desenhando-a.

Depois de se sentir mais calma, Adélia conseguiu se afastar do abraço apertado de sua mãe e sentar-se ereta no sofá. Ela sentia-se cansada, seus olhos ardiam e ela só queria subir até seu quarto e tentar pensar mais um pouco sobre aquilo tudo.

Seus pais não eram como ela sempre imaginou que fossem.

É claro que ela sabia que eles tinham um passado, mas nunca imaginaria que o passado deles envolvesse mafiosos e tanta infelicidade.

Ela sempre imaginara que sua mãe fora uma garota comum, como ela é agora, que crescera no centro de Nova York com seus pais, antes que estes “morressem em um acidente” e ela fosse morar com a tia, em um lugar o qual Adélia não lembrava. Já seu pai, Adélia sempre imaginara que fosse o garoto mais inteligente de sua turma, onde morava com seus pais, no estado do Kansas.

Até ambos se encontrarem na faculdade e iniciarem um romance, como eles mesmos haviam dito.

Tantas mentiras... Ela teve vontade de chorar outra vez.

De repente, Adélia se levantou do sofá e, reunindo o resto de força que lhe restava, ergueu o rosto e encarou os pais, que a encaravam com um olhar aflito.

–Adélia, você está bem? – Suzane tentou se aproximar dela, mas Adélia a interrompeu com um gesto de mão.

–Eu estou... – Ela se interrompeu. Ela não estava nem um pouco bem depois de ouvir tudo aquilo, então não fazia sentido Adélia mentir também. – Eu não estou bem. – Ela disse, evitando a todo custo encarar seus pais. – Estou chocada e magoada com vocês. Eu sempre acreditei em tudo o que me contavam, e agora eu... Eu... – Adélia não conseguiu terminar o que queria dizer: não acredito mais em vocês.

Ela engoliu em seco, enquanto enxugava algumas lágrimas que rolaram sem sua permissão por seu rosto. Ela já não tremia como antes, e também já não se sentia tão exposta. Tudo o que Adélia queria era ir para seu quarto e descansar, talvez chorar até pegar no sono.

Ela virou-se sem dizer uma palavra e foi em direção as escadas, quando foi interrompida por seu pai, chamando-a.

–Adélia... – Thiago disse, cautelosamente. – Ainda têm coisas que precisa saber. Coisas muito importantes. Talvez seja a parte mais importante que temos que lhe contar.

Adélia hesitou, parando no segundo degrau da escada.

Ela continuou encarando seus pés descalços e espalmados no degrau, como se pudesse visualizar a resposta que queria ali.

Ela deveria ficar e ouvir o que ainda tinham para lhe dizer, ou voltar para seu quarto e esperar até que se acalmasse, colocasse os pensamentos em ordem?

Adélia respirou fundo e contou até dez – um habito que aprendera com seu pais.

Ainda tinham verdades para assombrá-la e, aquela altura, Adélia estava realmente considerando ignorá-las. Mas, algo dentro de si, desejava sabê-las. Para ela, a frase a ignorância é uma benção nunca fez tanto sentido até aquele momento.

Ela sempre perguntara a si mesma o motivo pelo qual uma pessoa optava viver na ignorância. Ela sempre se perguntava o porquê algumas pessoas evitavam a verdade. Mas agora Adélia sabia.

A verdade machuca. Principalmente quando era escondida pelas pessoas que mais amava.

–Adélia... – Thiago levantara-se e caminhara até a escada, onde Adélia estava parada. Ele tocara sua mão, que estava presa ao corrimão. Ela estava cabisbaixa e de olhos fechados, como se se recusasse a encarar qualquer coisa em sua frente. Engolindo em seco, Thiago continuara, determinado. – Quando sua mãe e eu...

–Não – ela murmurou, afastando o toque de eu pai. – Não quero ouvir. Não mais.

Ela lançou um último olhar para ele, no topo da escada, e depois correu para seu quarto, fechando a porta atrás de si.

Thiago virou-se devagar para encarar Suzane, que estava em pé e o encarava com os olhos úmidos de lágrimas. Ele foi até ela e a envolveu em seus braços, abraçando-a o mais forte que seu corpo machucado poderia suportar.

–Me perdoe – ele sussurrou. – Eu deveria ter esperado você. Deveria ter ouvido você. Eu deveria...

–Shhh... – Suzane encostou seu dedo indicador nos lábios de Thiago delicadamente. – Você tentou fazer o que era certo. Não há motivos para se desculpar. – Suzane depositou um beijo em seus lábios e o abraçou. Quando se afastaram, ela encarou seus olhos cansados e disse: - Nós teremos que ter paciência a partir de agora.

Ele assentiu.

–Não sei como vamos contar sobre a maldição para ela depois. – Ele disse, num sussurro. –Não sei se conseguirei contar.

Ambos ficaram em silêncio enquanto pensavam no que fazer. Suzane sentia-se mais cansada, porém menos desesperada e menos ansiosa. Ela sentia um misto de nostalgia e cansaço, mas Thiago parecia sentir o dobro de tudo.

Seu rosto latejava de dor, junto com as suas costas. Depois de toda aquela agitação emocional, tudo o que lhe restara fora à dor física em seu corpo cansado e curvado. Tudo o que ele queria era um remédio e deitar, para tentar esquecer-se de tudo aquilo.

–Acho que você deveria descansar, meu amor – Suzane dissera, como se lesse seus pensamentos. – Acho que todos nós precisamos de descanso agora.

Thiago assentiu. Ele a abraçou pela cintura e, juntos se arrastaram até as escadas, exaustos demais para prestarem atenção nos mínimos detalhes que deixavam para trás.

Thiago estava tão acabado que mal notara que esquecera a pasta cheia de papéis na mesinha de centro.

**

Adélia revirava-se na cama, sem um pingo de sono.

Estava cansada, claro; mas não conseguia fechar os olhos.

A história de seus pais ainda estava grudada em sua mente, fazendo com que várias perguntas lhe surgissem ao mesmo tempo.

Por que eles mentiram tanto para ela? Não podiam ter simplesmente contado a verdade? O que se passava na cabeça deles quando resolveram inventar aquelas histórias absurdas sobre o passado deles? Será que eles não faziam noção de que mentiras machucavam?

Adélia estava com raiva, mas não precisamente de seus pais; mas de si mesma. Estava com raiva de si mesma por ter sido tão tola e sonhadora, cheia de esperanças de que eles eram uma família feliz e verdadeira. Desde pequena Adélia sentira-se realizada e segura de si diante de seus pais; sempre acreditara que fora uma boa filha, e que merecia o amor deles. Mas, diante de tanta dor, ela perguntava-se se eles haviam sido realmente bons pais ou merecedores de seu amor como filha.

Adélia estava assombrada com aquele pensamento, mas não podia evitar suas dúvidas.

Quanta verdade havia nas palavras de seus pais, quando diziam que a amavam?

Você é a pessoa mais preciosa que há em nossas vidas, ela lembrou-se vagamente de ouvir sua mãe lhe dizer. Ela não podia negar que ficara um tanto abalada com aquilo, mas havia uma semente minúscula dentro de si que questionava aquelas palavras.

Ela enrolou-se em seus lençóis, sentindo-se cada vez menor. Seu travesseiro já estava úmido por causa de suas lágrimas, e sua cabeça doía. Ela não soluçava mais; apenas algumas lágrimas quentes ainda caíam. Ela fechou os olhos, na esperança de que o sono lhe pegasse de imediato, mas isso não acontecera.

Sempre que fechava os olhos, Adélia enxergava vividamente as cenas que presenciara naquela noite. Primeiro, começava com a discussão de seus pais, mas em seguida terminava no momento em que ela subia as escadas. Era como se sua mente tivesse gravado apenas aquelas duas cenas, enquanto seu peito a fazia recordar de tudo o que ouvira e sentira.

Adélia não conseguia imaginar como as coisas seriam quando tivesse que acordar, na manhã seguinte. Será que conseguiria encarar seus pais?

Ela encarou seu relógio; eram quase dez e meia da noite. Adélia nunca desejara que uma noite durasse para sempre como aquela. Tudo o que ela queria era permanecer escondida debaixo de seus lençóis, perdida em um sono profundo.

Antes mesmo que se desse conta, suas pálpebras se fecharam com o peso de seu cansaço, e ela caíra no sono tão rapidamente que mal se dera conta.

Mal havia se passado uma hora desde que Adélia caíra no sono quando ela acordou num sobressalto.

Por uma fração de segundos, onde ainda estava tonta de sono, ela achara que tivera um pesadelo. Mas, um minuto mais tarde, dera-se conta de que era tudo real.

Ela encarou seu quarto escuro, em busca de algo que lhe provasse o contrário, mas tudo o que podia enxergar eram as sombras que a luminosidade do Brooklyn projetava sobre seus objetos. Com as pernas bambas, ela caminhara até sua janela e fechara as pesadas cortinas roxas. Estava tudo em silêncio absoluto. Nem mesmo o barulho de carros ou de festas chegava aos ouvidos de Adélia. Aquilo a fez se sentir estranhamente sozinha.

Ela sentou-se em sua cama, agora completamente despida de sono ou cansaço. Não estava energética; sentia-se simplesmente vazia. Ela brincava com a barra de seu short de dormir quando seu estômago roncou. Não era exatamente fome; mas algo próximo. Ela levantou-se de sua cama e, o mais silenciosamente que conseguia, desceu as escadas até a cozinha, mas não sem antes de hesitar na porta de seu quarto, enquanto encarava a porta do quarto de seus pais.

A luz estava apagada e a porta fechada. Quando chegara ao topo da escada e não ouvira barulho nenhum, Adélia deduziu que estavam finalmente dormindo e, segura, desceu as escadas até a cozinha.

Depois de um copo de leite morno com uma colherada razoável de mel, Adélia sentia-se pronta para voltar a seu quarto.

Quando chegou perto das escadas, percebera que seus pais haviam deixado a luz da sala acesa e, involuntariamente, Adélia fora apagá-la, mas não sem antes de tropeçar na mesinha de centro. Depois de queixar-se, ela encarou a pasta de papéis que estava entreaberta ali.

Atônica, ela a pegara com mãos trêmulas.

A pasta estava cheia de papéis, o que só aumentou a curiosidade de Adélia em relação aquilo.

Ela lembrou-se vagamente de seu pai descendo as escadas com eles na mão, enquanto discutia com sua mãe. Naquele momento, ela não prestara muita atenção, mas agora Adélia fora tomada por uma curiosidade imensa de saber o que aqueles papéis tinham para lhe dizer.

Ela puxou uma folha branca de dentro do envelope e a inspecionou. Por principio, ela não lera com atenção; apenas passou os olhos por cima das palavras. Então ela puxou outra folha de dentro do envelope, que veio grampeada com outra. Eram mais palavras, as quais Adélia nem sequer se dera ao trabalho de ler o título. Quando ela puxou outra folha, notara que esta estava grampeada a mais três outras, e que eram as últimas ocupadas por palavras.

Lá, no fundo do envelope, havia dúzias de fotos – as quais Adélia despejara por sobre a mesa de centro. Ela sentou-se no chão e começou a inspecionar as fotos.

Ela pegou uma foto de uma garotinha de aparentemente cinco anos de idade. Na foto, ela estava escondida em um canto do que parecia ser um grande salão, brincando com uma boneca de pano. Ela parecia muito concentrada na boneca para prestar atenção nas outras crianças que brincavam ao seu redor, ou que alguém tirava uma foto dela. Adélia prendera a respiração ao pegar outra foto sua, mas desta vez ela parecia estar mais velha.

Tinha cerca de quinze anos na foto, e seus cachos estavam maiores do que agora, quase passando de sua cintura. Estavam presos em uma trança, enquanto Adélia posava para a foto. Ela lembrava-se muito bem daquele dia.

Foi no Instituto Florence, em algum dia da semana, onde todas as meninas do primeiro ano teriam que fazer uma foto para mandarem para seus pais, como um convite para que eles participassem de uma reunião com os diretores. Mas, a parte mais estranha daquela história fora o fato de que eram apenas os pais das meninas do primeiro ano, e não do segundo ou terceiro ano. E, naquela época, só havia duas turmas do primeiro ano no Instituto, já que não tinham muitas estudantes. Adélia esperava que fosse ver os seus pais, mas eles chegaram e foram embora sem nem mesmo que ela soubesse.

Ela lembrou-se vagamente do quão chateada ficara, mas logo se esquecera do assunto. Ela também lembrou-se vagamente dos boatos que circundavam uma garota que fora embora de lá, mas ela não deu muita importância, pois conhecia a menina só de vista. Mas suas amigas a conheciam, e mostraram ficarem muito chateadas com sua partida.

Ela deixou aquela foto de lado e pegou outra, sentindo-se muito estranha. Seus pais nunca lhe contaram que tinham fotos dela.

Ela encarava uma foto dela de quando era muito pequena. Tinha cerca de três anos de idade, e posava com um sorriso muito sem graça para a câmera. Ela não lembrava-se dela, mas certamente fora tirada quando ainda estava no orfanato. Ela começou a vasculhar mais ferozmente as fotos, em busca de algo que a guiasse até seu passado antes do orfanato. Mas o que tinha ali eram fotos de Adélia ou muito pequena ou muito grande.

A última foto que pegara era uma sua no jardim do Instituto Florence. Ela lembrou-se vagamente do momento. Havia sido um mês antes de seus pais terem ido buscá-la.

Ela estava de cabelos soltos, e seus cachos agitavam-se com o vento. Estava cuidando das flores com seu grupo do dia, e estava tão absorta em sua tarefa de verificar se havia alguma flor danificada em um buquê que carregava nas mãos que mal notara a câmera sento apontada para ela. Mais tarde, ela ficara sabendo através de uma garota de seu grupo que as fotos eram para uma espécie de promoção, onde seriam publicadas no site do Instituto, para mostrar o dia a dia das garotas de lá. Ela nunca vira como a foto havia ficado até aquele momento.

Adélia afastou as fotos de si.

Não havia nada ali que revelasse algo de seu passado antes do orfanato, nem mesmo uma data escrita atrás de alguma foto ou um nome qualquer. Nada que Adélia pudesse se agarrar.

Ela suspirou e enterrou o rosto nas mãos, completamente frustrada.

Adélia reuniu todas as fotos e, um segundo mais tarde, resolvera espalhá-las outra vez na mesa. Depois, reuniu os papéis. Ela os encarou , até que decidira começar a ler.

Todos eles tinham o nome Relatório digitados em negrito como título. No subtítulo, havia o nome todo de Adélia. Ela sentiu um arrepio percorrer sua coluna. De repente, ela sentia-se muito nervosa e agitada.

Inicialmente, ela não entendera muito bem o que estava escrito, mas, parágrafo por parágrafo, ela começara a perceber o que era aquilo. Agitada, ela pulou a primeira folha e foi direto para a segunda, lendo parágrafos aleatórios.

Todos eles, todas as páginas, falavam sobre a vida de Adélia. E todos estavam assinados por seus pais.

Eles falavam dos mínimos detalhes até os mais comuns, como seu desenvolvimento físico até suas notas (em sua maioria, muito boas).

Era como se ambos estivessem vigiando ela o tempo todo, e todos os detalhes muito bem escritos a irritaram profundamente. Eles sabiam de tudo o que acontecera a ela durante sua estadia ali, desde o momento em que eles a adotaram até seus dezesseis anos. Ela então resolvera procurar um que falasse sobre seus dezessete anos, mas não encontrou nenhum.

Sentindo-se invadida, Adélia teve vontade de rasgar os papéis, mas o último chamara-lhe a atenção.

Ela pegou-o, trêmula, e começou a ler.

Não era um relatório; parecia-se com um documento. Ela reconheceu a assinatura dos seus pais, mas foi a segunda que a fez tremer. Era a assinatura de Adam Blessed, extravagantemente tomando quase toda a linha pontilhada do papel. Adélia ficou encarando o nome dele, perguntando-se como não conseguira enxergar a maldade nele quando o conhecera. Deveria estar estampado no rosto dele, em algum lugar escondido debaixo de todo aquele charme e boa aparência. Mas ela fora incapaz de ver, pois ficara cega com tamanha beleza.

Engolindo em seco, ela voltou sua atenção para o texto também digitado, que tinha como título a palavra Acordo.

O Acordo.

Aquela palavra de novo... Dessa vez, ela foi acompanhada com uma sensação nauseante. Adélia pensou em não ler, mas estava cansada daquela palavra e de não saber o que significava.

Ela começara a ler, cada palavra titubeando em sua cabeça, mas nada fazia sentido. E então lera de novo, e de novo, mas Adélia ficou irritada demais para continuar.

Tudo o que aquelas palavras diziam não fazia o menor sentido para Adélia. Mas ela já estava tão intrigada que teve vontade de ficar a noite toda relendo-as, até conseguir descobrir.

Uma pontada de arrependimento arrebentara-lhe o peito, quando deu-se conta de que talvez fosse aquilo que seus pais quisessem lhe dizer, antes que ela fosse para seu quarto.

Ela recostou-se no sofá e abraçou os joelhos, escondendo o rosto ali.

Ela fechou os olhos e tentou imaginar o que não conseguia entender. Estava tudo virando um borrão em sua mente; tudo o que seus pais lhe contaram, aquelas fotos, aqueles relatórios sobre sua vida... Tudo!

–Adélia? – Ela ouvira uma voz masculina chamá-la.

Thiago estava descendo as escadas e, ao notar Adélia encolhida ali, foi a passos apressados ao seu auxilio.

Ele tocara seu ombro suavemente, com medo de perturbá-la. Mas Adélia virou-se para ele, com um olhar triste e frustrado.

Thiago suspirou ao notar a bagunça na mesinha de centro, perguntando-se vagamente como fora esquecer aquela pasta ali. Mas aquela não era a questão.

Adélia já havia visto tudo aquilo.

Thiago sabia muito bem o que aqueles papéis significavam, embora ele achasse que não fossem importantes naquele momento. Mas, ao notar o olhar frustrado de Adélia, ele soube que aquilo tivera um efeito nela.

–Está tudo bem? – Ele perguntou, enquanto emaranhava os dedos nos cabelos dela. Ele quis abraçá-la, mas temeu que ela o negasse.

–Eu não entendo – ela sussurrara, enquanto desviava o olhar para a bagunça na mesa. – Há tantas coisas aqui, mas nenhuma delas é compreensível... – Ela disse, pegando os papéis na mesa e os mostrando ao pai.

–Adélia... – ele murmurou, tomando os papéis da mão dela.

–Simplesmente não entendo – ela o interrompera. – São relatórios meus? Por que fizeram isso? - Então ela parou e pensou. – Isso tem a ver com Adam, não é?

Thiago assentiu devagar, encarando fixamente Adélia.

–Sim, Adélia. – Respondera.

Adélia assentiu, sentindo seus olhos arderem.

–Por que Adam iria querer algo comigo? – Sua voz soara mais embargada do que ela desejara. – O que eu tenho com isso tudo?

Thiago não respondera de imediato; passaram-se alguns minutos até que ele resolvesse responder.

–Adélia, acho melhor você descansar um pouco – ele dissera, arrancando um olhar indignado dela. – Teve um dia difícil, querida...

Não! ­­– Ela protestara, soando mais alto do que desejava. – Eu quero saber a verdade, pai. Quero saber tudo de uma vez!

Thiago assentira, um tanto surpreso pela determinação dela. Mas como podia negá-la naquele momento?

Por um momento, ele perguntara a si mesmo se seria capaz de contar sobre o Acordo sozinho, sem Suzane para apoiá-lo. Mas Adélia parecia muito determinada, e certamente insistiria muito mais se ele negasse.

–Adélia, eu não posso lhe prometer que vá entender... – Ele dissera, engolindo em seco. – Essa é uma questão muito delicada, querida. E muito difícil de discutir. Mas, pode me prometer uma coisa? – Ela assentiu, agitada. – Quero que me peça para parar se não agüentar ouvir até o final, ouviu?

Adélia sentira seu peito apertar-se. Ela queria desesperadamente saber o que mais era o Acordo, e o que Adam iria querer com ela. Não iria parar por coisa alguma.

–Conte-me, pai – disse, firmemente.

Thiago soltou um último suspiro, antes de começar.

–Lembra quando lhe disse que Adam estava sobre controle de nós? E que ele nos obrigava a fazer coisas que não queríamos? – Ela assentiu. – Bom, então lembra-se também de que ele tinha um certo interesse em nós. Ele nos obrigou a ficamos juntos, para manter as aparências. Mas isso foi antes de Suzane e eu começamos a questionar suas verdadeiras intenções conosco. – Ele fizera uma pausa para organizar os pensamentos. – Adam tinha um segredo... Um segredo obscuro, Adélia, e ele fez questão de que participássemos dele. Eu, Suzane e você.

Adélia franziu o cenho, sentindo um arrepio de pavor começar em seus braços para depois percorrer todo o seu corpo.

Thiago mordeu o lábio e fechou os olhos, enquanto uma dor excruciante o fez arquejar.

–Pai? – Adélia o cutucara, chamando sua atenção. – Que segredo é esse?

–Adam tem um filho, Adélia. – Ele respondera, quase sem voz.

Adélia conteve um arquejo. Dentre todas as ideias que poderia ter tido apenas uma permaneceu em sua mente.

Adam tem um filho... Ou poderia ser uma filha.

Thiago demorara alguns segundos antes de prosseguir, para o desespero de Adélia. Ele sentira sua garganta se fechar, quase o sufocando, arrancando-lhe a voz.

–Esse filho... – Ele engoliu em seco. – Esse filho, Adélia... Ele é... Ele é...

–É o quê, pai? – Adélia perguntou, contendo o desespero na voz. Um tanto surpresa, ela notara que seu pai ficara mais pálido, como se estivesse enjoado. – Você está bem?

Ele assentiu, enquanto desviava-se para o outro lado, tentando evitar que Adélia o encarasse.

Toda vez que pensava naquela coisa e no preço que teria de pagar para ela, Thiago sentia-se enjoado. Mas saber que Adélia era o seu preço... O deixava doente. Completamente arruinado e culpado.

–Nós tentamos outra saída, mas Adam era muito inteligente. Ele nos torturou psicologicamente até que concordássemos em assinar este maldito Acordo. – Ele jogara a folha de papel assinada por ele e por Suzane na mesa, tonto. – Ele nos encurralou e nos ameaçou. Tirou tudo o que tínhamos e... Nos transformou em outra pessoa.

Adélia engolira em seco e afagou o ombro de seu pai, que abraçava a si mesmo. A imagem de Thiago totalmente vulnerável a deixara receosa, mas ela queria ir até o fim daquilo.

Adam tinha um filho... Aquela ideia não lhe saíra da mente.

–Ele... Torturou vocês? – Ela murmurou. – Ele os transformou...

–Adam tirou nossas heranças de nós. Tirou nossa dignidade, nosso espírito... – Ele a lançou um olhar breve. – Ele não nos deixou nada, Adélia. Não tínhamos mais nada e estávamos desesperados diante da possibilidade de termos que viver na miséria – como Adam nos deixou. Mas então ele nos propôs algo. Ele nos deu o...

–... Acordo. – Adélia completara, num murmúrio sombrio. – Ele não deu outra escolha, não foi? Tirou tudo de vocês... Para poder dar o que ele queria que vocês tivessem.

Thiago assentiu, não muito surpreso pelo raciocínio lógico da filha.

–Sim, Adélia. Uma jogada muito inteligente para alguém que tinha muito a perder.

Ela fechou os olhos e inspirou o ar frio do ambiente. Ainda estavam sentados no chão frio da sala, mas nenhum dos dois parecia ter a intenção de levantar-se.

Ignorando todo o desconforto que sentia, Adélia continuou.

–O que, afinal, ele queria que vocês tivessem?

Thiago a lançou um olhar penetrante, como se pudesse perfurá-la até a alma.

–Ele queria que nós tivéssemos uma filha, Adélia.

Aquilo fez Adélia recuar.

Uma filha...

Então fora aquele motivo que levara Adam a obrigar seus pais a adotarem-na?

–Por quê? – Sua voz saíra como um fio, trêmula e baixa. – Por que ele os obrigou a me adotarem?

–Primeiro, não foi exatamente uma adoção, Adélia. – Ele observou o rosto de Adélia espremer-se em dúvida. – Nós nunca conseguiríamos adotá-la legalmente, mas Adam já sabia disso. Então tratou de não envolver tanta burocracia no processo. Primeiro, ele nos obrigou a casarmos, para depois adotá-la. Ele quis garantir que você fosse criada da forma que foi.

Adélia estava chocada. Não, chocada era pouco; estava estupefata.

–Então... – Subitamente, ela soltou um risinho de descrença. – Está me dizendo que... Não sou filha de vocês legalmente?

Thiago também teve vontade de rir, mas estava cansado demais.

–Como não descobriram isso até agora? – Adélia questionou. – Como conseguiram...

–Adam não nos contou como fizera isso, Adélia, mas nós sabemos do que ele é capaz. E, se você também soubesse, não ficaria tão surpresa. – Ele respirou fundo.

–Mas por que ele faria isso? – Ela disse, sem se preocupar em conter a frustração. – Ele poderia ter me criado... – um arrepio percorreu-lhe a espinha com aquela ideia. – Ou poderia... Não sei. Mas por que adotar? – Ela perguntou, o mais baixo que conseguia.

Por que adotar uma criança quando seus pais poderiam gerar uma? – Era a questão que Adélia desejara fazer, mas que não conseguiu.

– Agora é que vem a parte difícil, querida. – Thiago avisara e, cautelosamente, continuou: - Adélia, quais as chances você daria a dois pais de terem uma menina?

Ela corou e, sutilmente, deu de ombros.

–Adam não é o tipo de homem que corre riscos desnecessariamente, Adélia. Ele optou pela adoção por que sabia muito bem que nós não conseguiríamos lhe dar o que queria com cem por certo de certeza e, além disso, - ele tocou-lhe o queixo, para que ela o encarasse – sua mãe eu não nos amávamos. Estávamos amedrontados, e éramos muito jovens. Estávamos completamente perdidos por causa de Adam. – Ele a deixou desviar o olhar, enquanto desviava o seu para as fotos espalhadas na mesinha de centro. – Ele estava tão em nós como nós estávamos nele.

Adélia assentiu.

Agora, as coisas pareciam mais fáceis de serem perdoadas.

Seus pais foram torturados por Adam e obrigados a viverem juntos sem amor um pelo outro; Adam tirara tudo deles. Todas aquelas mentiras que magoaram Adélia mais cedo pareciam imensamente menores agora; claro que ela sempre iria optar por saber a verdade. Mas, ao saber daquilo, ela foi tomada por um súbito sentimento de compaixão por eles.

–Como eu disse, - Thiago continuou, chamando sua atenção – Adam tem um filho. E esse filho... Foi por causa dele que Adam nos obrigou a adotar você.

Adélia engasgou-se, surpresa.

O quê? ­ – Murmurou, piscando os olhos sem parar.

–Adélia, quero escute bem o que eu vou lhe dizer agora, certo? – Ela assentiu, ansiosa. – Lembra-se quando eu disse que Adam havia nos obrigado a adotar você por causa de um acordo, e para que você cumprisse... – Ele engasgou-se, incapaz de terminar a frase.

–Uma... – Adélia disse, quase em transe. As palavras de seu pai lhe viam como flashes, quase a cegando. –Maldição?

Thiago assentira freneticamente. Por um momento, nenhum dos dois sabia exatamente o que dizer. Thiago estava parado, de olhos fechados. Simplesmente lhe faltavam palavras para continuar.

Pensar naquilo era uma coisa, mas falar em voz alta, para Adélia, era ainda mais assustador.

Adélia, por outro lado, estava em transe. Ela não sabia se havia falado aquela palavra em voz alta ou se fora apenas um eco muito forte de seus pensamentos.

Maldição...

Aquela palavra lhe causou mais calafrios do que a palavra Acordo, embora agora ela achasse que ambas tinham tudo a ver.

–Ele os abrigou a me adotar para que eu cumprisse uma maldição – ela repetira o que seu pai havia lhe dito. Ela sentiu a bile ficar presa na garganta, como se fosse sufocá-la a qualquer momento. Então, com um calor a lhe percorrer as costas, Adélia desatara a rir. Fora uma risada leve, que não durara mais que três minutos, mas ainda assim carregada de ceticismo e humor. – Está brincando? – Perguntou, enquanto enxugava as lágrimas. – Isso não existe, pai. Isso é coisa de contos de fada...

–Adélia – Thiago advertira-a.

–Estou falando sério, pai! – Ela disse, seriamente. De repente, já não havia mais nenhum resquício de humor em seu rosto e nem na sua voz. – Isso é coisa de contos de fada! E eu estou muito velha para isso...

–Adélia, por favor! – Thiago a interrompera. –Eu não estou brincando. Por Deus, como eu queria que isso tudo não passasse de um conto de fadas, Adélia, mas é real! Você não sabe...

–Pare! – Sua voz soou mais aguda do que ela pretendia. – Está mentindo! Isso é um absurdo... Maldições não existem, pai. Ninguém nunca sequer ouviu falar delas...

–Adélia, quando foi que começou a acreditar em todo mundo? – Thiago também aumentara seu tom de voz. – Nem tudo é o que parece ser, Adélia. E nem tudo o que você vê é real. Nem tudo o que você ouve é real!

–Está me dizendo que estou rodeada de mais mentiras, pai?

Thiago recuou.

A forma como ela pronunciara a palavra pai – cheia de ceticismo e mágoa – o atingiu em cheio.

–Não, Adélia. – Disse, calmamente. – Estou dizendo que você está rodeada de coisas que ignora, por que acha que é o certo a se fazer. Sei que você acha que isso é uma loucura, Adélia, e ninguém mais sabe o quanto eu queria que fosse apenas um delírio meu do que sua mãe. Mas essa é a sua realidade, Adélia. E você tem de abrir os olhos para ela, antes que seja tarde demais.

Um gelo percorreu o corpo de Adélia depois de ouvir aquelas palavras. Ela estava agora apavorada demais para contestá-las.

Thiago levantou-se subitamente, e pôs-se a caminhar de um lado para o outro pela sala. Ele esfregava os cabelos, como se aquilo pudesse ajudá-lo a organizar os pensamentos. Quando parou, lançou a Adélia um olhar duro, mas ainda assim receoso e aflito.

–Esse garoto... – Ele começara, tensamente. – Ele foi amaldiçoado quando era um bebê, Adélia. Nós não sabemos muita coisa a respeito dele, pois Adam limitou-se a nos contar. Mas tudo o que sabemos, Adélia, é que você foi escolhida para...

Quebrar a maldição? – Ela disse, em tom de deboche. – Ah, pai...

–Escute, Adélia – Thiago exigira e, quando ela desviou o olhar, ele continuou. – Sim, isso mesmo. No inicio, achamos que você não seria escolhida, mas...

–Espere. – Ela o interrompera, erguendo-se do chão também. – Está me dizendo que fui escolhida? Isso quer dizer que... Havia mais garotas?

Thiago assentiu, perguntando-se o motivo pelo qual não contara aquilo.

–Sim, Adélia. O Instituto onde estudava... Era lá onde Adam “escolhia” sua candidata. – Ele fizera o sinal de aspas com os dedos, para enfatizar o que queria dizer. – Nós tínhamos esperança de que fosse esquecida por ele, mas Adam nunca se esqueceu de nós. Lembra-se da transferência que pedimos ao Instituto, quando fomos buscá-la? – Ela assentiu; mal se lembrara dela. – Nós íamos tirá-la de lá por que acreditamos que Adam não se lembrava mais de você, e queríamos protegê-la dele. Mas então... Ele aparecera aqui, no domingo de manhã e... – Ele se interrompeu.

Pela expressão de Adélia, ele já sabia que ela havia compreendido.

–Então ele só veio aqui para... – Ela parou.

–Ele só veio aqui para nos avisar que você era a escolhida dele, Adélia. Deixando isto como um aviso – ele completou, apontando para seu rosto marcado de hematomas.

Adélia recuou, trombando no sofá atrás de si.

Era como se uma cortina escura houvesse sido aberta em sua mente, deixando tudo mais claro.

–Então é por isso que vocês fizeram esses relatórios sobre mim? Para ele? – Ela abraçou o próprio corpo, intimidada diante da ideia de ter Adam vigiando-a através de seus pais. – É por isso que me vigiaram esse tempo todo?

Thiago assentiu devagar.

–Nós fomos as marionetes de Adam durante esse tempo todo, Adélia. – Ele suspirou. – Nós tentamos reverter à situação durante o tempo. Ele já não exigia mais que mantivéssemos contato, e foi nos deixando em paz aos poucos. Então deduzimos que ele já nos tinha esquecido, ou que talvez estivesse interessado em outras pessoas. – Thiago reuniu os papéis na mesinha e os encarou. - Então paramos de mandar e escrever esses relatórios estúpidos para ele.

Adélia cobrira o rosto com a própria mão, desejando que aquilo tudo não fizesse sentido algum para ela.

–Quando eu estava no Instituto Florence... – Ela engoliu em seco. – Havia alguém me vigiando também?

–Sim, Adélia. Mas você não era a única a ser vigiada.

Adélia sentira-se mal no momento em que aquilo a proporcionara um leve alívio. Ela não era a única – e aquilo a consolou até o momento em que se dera conta de que fora a escolhida.

–Eu não quero participar dessa loucura – ela murmurou, encarando as fotos na mesinha de centro. – Eu não quero fazer nada disso. O que eu tenho que fazer para não participar disso?

Com lágrimas nos olhos e um aperto imenso no coração, Thiago balançou a cabeça.

–Nós tentamos de tudo, Adélia. Sua mãe e eu. – Dissera, com a voz embargada. – Mas não há outra saída.É uma maldição, e maldições não são desfeitas tão facilmente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, como podem perceber, eu demoro bastante para postar. Eu sei, é um saco, mas eu tenho uma vida aqui fora também



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Máscara" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.