O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 24
A Maldição




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Adélia sentia-se muito diferente do que era quando chegou ali.

Não havia mais tanto rancor, tanta mágoa e muito menos aquela vontade arrebatadora de odiar todo mundo. No fundo, estava apenas magoada.

Primeiramente, sentia vergonha por ter discriminado tanto Rafael. Por mais irritante que tenha sido seus primeiros encontros, ela agora tinha até certa empatia pelo amigo.

Sim, amigo. Ou pelo menos ela esperava chamá-lo assim em breve. Depois do último encontro e de todas aquelas perguntas que ele a fez, Adélia sentia-se muito mais empática em relação a ele. E ainda tinha a revelação de Jeniffer!

Adélia não conseguia esquecer aquele sentimento de união. Poderia se decepcionar severamente se Rafael a rejeitasse, mas ainda assim seu coração ansiava para vê-lo. Já havia até aceitado o fato de que o mesmo poderia não gostar de tocar no assunto, e prometeu a si mesma que não seria insistente caso ele se mantivesse quieto. Mas tudo o que queria era tentar.

Ela encarou o próprio reflexo no espelho do banheiro, enquanto penteava o cabelo, perguntando-se o que seria daquela garota magrela e desajeitada dali a algum tempo.

Quando finalmente voltaria para casa?

Ela percebeu rapidamente que não havia tocado nesse assunto com ninguém, nem mesmo com seus pais. Se eles haviam dito alguma coisa, Adélia esquecera-se rapidamente. Nem mesmo Adam havia entrado em detalhes com ela.

Adam.

Um calafrio percorreu sua espinha ao lembrar-se da tarde em que ele a atacou. Havia sido a última vez em que se viram, ou pelo menos ela esperava que fosse. Tanta coisa havia acontecido naquele meio tempo que Adélia mal havia conseguido processar direito sobre o que o levara a agir de tal maneira. Ela encarou seu braço ainda machucado por causa dele, sentindo seu peito doer. Embora fosse um tanto difícil, Adélia não se culpava pela explosão de Adam. Ela não podia se culpar pelo fato de achá-lo louco.

A breve lembrança de Adam invadindo seu quarto e a arrastando até o jardim para tomar chá à fez estremecer. Cada detalhe daquele encontro estava vivido em sua mente, surpreendendo-a.

Queria a todo custo esquecer-se de tudo aquilo por um momento, desejando focar apenas em sua possível amizade com Rafael. Mas a voz e o toque insistentes de Adam a perseguiam, fazendo-a querer tomar outro banho e se livrar de toda aquela sujeira.  

Sua voz continuava a sussurrar em seus ouvidos, exigindo saber coisas que Adélia não sabia - de certa forma. O que ele queria saber, afinal? Agora ela quase tinha certeza de que estava tão bêbado ao ponto de deixar ambos confusos.

Ela passou os dedos pelas manchas arroxeadas em seu braço, analisando-as meticulosamente. Sentia raiva delas e de seu autor. Se não fosse tão curiosa, poderia ter evitado tudo aquilo. Não deveria ter respondido nenhuma de suas perguntas ou sequer falado com ele… Argh!

Aquilo tudo era besteira. Adélia sabia que nada do que fizesse teria impedido Adam de ser monstruoso àquele ponto.

Um nó em sua garganta a sufocou, enquanto lembrava-se de mostrar um pouco de esperança ao lhe fazer perguntas. Queria saber o que aquilo tudo significava, queria saber sobre a maldição.

Ela fez um esforço para se lembrar do que ele havia respondido quando perguntara sobre a maldição. Ao contrário de Rafael, Adam não teve esforço algum ao respondê-la.

Talvez porque não seja culpa dele.

Aquele pensamento a deprimiu. Não havia nada de ruim ao alcance de sua vista que não fosse culpa dele. Como ela podia pensar assim, então? Se era tão inconveniente o fato de Adam não ser culpado?

Vagamente como uma brisa, a lembrança daquela conversa surgiu diante de seus olhos, trazendo consigo um arrepio que eriçou até os fios de sua cabeça.

Foi a mãe dele, Adam dissera, sabe, que o amaldiçoou.

A mãe dele… Jeniffer?

A coincidência daquele fato quase fez com que Adélia caísse dura no chão. Um misto de surpresa e pânico a invadiu.

Parecia-lhe pouco improvável que Adam e Jeniffer tivessem algum tipo de contato, levando em conta o fato de que a mesma escondia-se até do próprio filho. Será que ela sabia que Adam havia feito tal revelação para Adélia?

Aquilo fez seu coração disparar. Se Jeniffer soubesse, porque contaria para Adélia que ela era a mãe de Rafael?

De certa forma, aquilo a incriminaria. Talvez Jeniffer não soubesse que Adam havia confessado aquilo para ela, ou talvez… E se Adam estivesse mentindo?

Adélia ficou paralisada em frente ao espelho, parando até de prender as madeixas para pensar no fato. Ela repassou toda a conversa que teve com Jeniffer durante os últimos dias, tentando lembrar-se se havia dito alguma coisa a respeito da conversa que teve com Adam, mas nada lhe veio à mente.

Não sabia por que estava levando tão a sério as palavras de Adam. A coincidência do fato a pegou tão de surpresa que estava começando a imaginar coisas.

Não poderia confiar em Adam, certo? Mas por que sua consciência pesava?

Parecia que Adélia estava muito, muito encrencada. Estava no meio de uma enorme bagunça, a qual ela mesma havia preparado.

Era como se, se considerasse o que Adam havia lhe dito, ela estivesse traindo Jeniffer. Mas confiar plenamente no que a mulher havia lhe dito lhe parecia… imprudente.

Apesar de tudo o que acontecera, Adélia ainda gostava muito dela para desconsiderá-la.

Mas nem Adam e nem Jeniffer haviam lhe dito muita coisa a respeito do que plantaram na sua cabeça. Adam, claro, havia falado sem qualquer emoção, como se estivesse muito a vontade para confessar - ou pelo menos Adélia pensasse que fosse - algo tão pessoal. Já Jeniffer estava tão nervosa que deixou a própria Adélia tensa diante de suas palavras.

Nenhum dos dois parecia ter motivos para mentir para ela, e aquilo quase a estava deixando doente.

Adélia deu um passo para trás, forçando seu corpo a arrastar-se até a porta do banheiro. Estava perigosamente enjoada, e corria o sério risco de desabar no chão caso tropeçasse nos próprios pés, por isso segurou-se severamente na primeira coisa que surgiu em sua frente.

—Adélia? - A voz feminina entoou, agarrando seus ombros. Não era uma cadeira que sustentava o peso dela, e sim Jeniffer. - Minha querida, está tão pálida! Deixar-se ajudá-la…

—Não - ela se afastou rapidamente, recobrando os sentidos. Jeniffer a encarava confusa, investigando-a com o olhar como se tentasse adivinhar o que havia de errado. - Estou bem, Jeniffer. Foi apenas uma tontura.

Ela tentou sorrir para provar o que dizia e caminhou até sua cama, praticamente se jogando. Estava tão chocada com o fato que demorou um momento para perceber que Jeniffer estava de fato ali, parada e a encarando.

Adélia levantou-se rapidamente, tonta, dando de cara com uma mulher completamente diferente daquela conhecia. Não, não era uma mulher diferente. Continuava sendo Jeniffer, mas…

—Está muito pálida - ela continuou, aproximando-se de Adélia. - Por que não se alimenta um pouco?

Adélia ergueu uma sobrancelha, lançando um olhar furtivo para a bandeja com seu café da manhã.

Parecia a mesma pessoa, mas tão diferente…

Adélia prendeu a respiração. Estava delirando?

—Estou exagerando— murmurou para si mesma, sentindo suas bochechas arderem. Se ainda não tinha em quem confiar, então não podia deduzir coisas. Parecia-lhe muito errado fulminar Jeniffer mentalmente só porque Adam lhe disse algumas besteiras.

Sentiu-se tão culpada que praticamente correu até seu café, que estava posto ao lado de sua escrivaninha.

Estranho. Jeniffer sempre colocava ao lado de sua cama. Talvez tivesse ficado surpresa com a aparência repentinamente doentia de Adélia para prestar atenção ao detalhe.

Adélia curvou os ombros de vergonha enquanto beliscava um pedaço do croissant, culpada pela própria atitude.  Não deveria ter sido tão rude.

Ela pensou em Rafael, e em como se sentia tentada a revelar que sabia mais sobre ele do que poderia imaginar. Onde estava aquele sentimento de esperança que a fez escrever para ele? Tudo o que tinha agora era dúvida, vergonha e um pouco de medo do que aquilo tudo resultaria.

Quase que automaticamente, 

seus olhos rolaram até os papéis bagunçados em sua escrivaninha. Não demorou nem dez segundos para Adélia perceber que, mesmo bagunçada, não havia nenhum papel rabiscado ali, como deixou na noite passada.

O mais discretamente que podia, ela aproximou-se do objeto e vasculhou com os dedos todos os papéis, mas não achou nenhum bilhete.

Seu coração congelou em meio a uma batida, enquanto seus olhos automaticamente repousavam em Jeniffer, que parecia muito ocupada em uma prateleira de livros muito bem organizados.

Será que…

—Jeniffer? - Adélia a chamou, tentando soar o mais tranquila que podia. - Você, anh, por acaso… - Estava enrolando. Adélia deu uma última olhadela para os papéis, só para ter a certeza de que não havia se enganado. Não havia nada ali. - Você viu um bilhete aqui?

Suas bochechas arderam de vergonha, mas seu corpo continuava paralisado.

—Um bilhete? - Jeniffer sorriu naquele tom insinuador que incomodava Adélia. - Por quê? Escreveu um bilhete para ele?

Estou falando sério - Adélia rebateu, soando mais rude e séria do que pretendia. Sentiu-se ainda mais culpada pelo tom de voz quando o sorriso no rosto de Jeniffer desapareceu.

Estava prestes a se desculpar quando a mulher respondeu:

—Não vi nada, Adélia - explicou, assumindo um tom leve que fez com que Adélia se sentisse ainda pior. - Você o perdeu? Deixe-me ajudá-la a procurar…

—Não precisa - Adélia explicou-se rapidamente, desviando das futuras indagações da mulher. - Só pensei que o tivesse escrito, mas devo ter jogado fora.

Jeniffer assentiu como se compreendesse.

—Bom, por que não escreve outro? - Ela disse, assumindo uma expressão esperançosa. - Precisa de ajuda?

Adélia considerou a ideia de escrever para Rafael, mas não gostou da segunda ideia de Jeniffer.

Não, você não pode ajudar, ela tentou dizer. Odiava muitíssimo aquele ceticismo recém-conquistado em relação à Jeniffer, mas não podia cogitar a ideia de ignorá-lo.

Principalmente depois de descobrir que ela, supostamente, fosse a culpada por... Bem, por amaldiçoar Rafael.

—Não sei se um bilhete seria necessário - disse, por fim. Estava se segurando para não soar ríspida e deixar claro que a estava dispensando. - Queria apenas conversar com ele. - Jeniffer a lançou um olhar desconfiado, o qual Adélia retribuiu com todo vigor. -Não vou contar nada para ele, Jeniffer. - Disse, apressadamente. - Mas lembrei-me que está me devendo algo, e gostaria de cobrar. - Ela desviou o olhar de Jennifer para seus papéis espalhados, lembrando-se de Rafael ter dito algo sobre deixá-la falar com seus pais novamente. - Promessas são valiosas para mim.

♢♢♢

Parecia que havia um peso no peito de Rafael impedindo seu corpo de levantar. Tudo o que o rodeava parecia barulhento e agonizante. Havia um burburinho de vozes em algum lugar próximo a ele, mas seus olhos se recusaram a abrir para investigar.

Estava com dor de cabeça, dor no peito e dor nos braços, sua garganta estava ressecada e a cada suspiro que dava suas narinas ardiam. Estava cansado, como se tivesse acabado de dar mais que cinco voltas na piscina.

O que estava acontecendo?

Não se lembrava de muita coisa, apenas de estar caído no chão enquanto deixava seu corpo fazer todo o trabalho sujo de lhe matar.

Estava sonhando? Delirando?

Suas pálpebras tremeluziram quando uma mão delicada repousou em seu peito, tocando de leve sua pele.

Rafael recuou instintivamente. Pelo calor que sentia irradiando daquela mão e em sua pele, provavelmente estava despido.

Uma inquietação tomou conta de sua mente,fazendo-o se sentir exposto e vulnerável.

Estava nu?

Aquela ideia o deprimiu, fazendo-o acordar com um sobressalto.

—Está acordando - uma voz feminina entoou perto de seu ouvido. - Devo contê-lo?

—Não - outra voz, desta vez masculina, rebateu. Era seu pai? Fordy? Ele não conseguia reconhecer. - Deixe-o. É melhor que esteja acordado.

Houve um momento de silêncio quando Rafael finalmente conseguiu abrir os olhos e encarar cada rosto ao seu redor, cercando-o como se ele fosse a atração principal de um espetáculo.

O primeiro rosto que viu foi o de Adam, encarando-o com uma expressão que demonstrava irritação.

O que ele estava fazendo ali? Rafael teve vontade de atacá-lo, mas estava tão exausto que apenas suspirou, arrependendo-se quando o ardor quase o fez chiar.

 -O que… - Ele balbuciou, lançando olhares para as pessoas que o rodeavam. Parou em Fordy, que tinha um sorriso congelado no rosto enrugado. - Fordy, o que…

—Fique quieto - alguém o interrompeu, encostando algo muito frio em seu peito.

Rafael teve vontade de recuar, encarnado o homem vestido com um jaleco branco por cima dele, carrancudo.

Era o Dr.Salvatore?

Rafael soltou um arquejo, enquanto sua pulsação aumentava o ritmo.

Da última vez que tiveram contato, Rafael tinha pouco mais que quinze ou dezesseis anos, e se preparava para mais uma série de exames horríveis. O Dr. Salvatore nunca foi muito simpático com ele, sempre fazendo questão de se manter indiferente mesmo quando Rafael não suportava todos aqueles tratamentos inúteis e dolorosos. Será que ele estava ali para mais exames?

—Sr.Blessed? – O médico resmungou, voltando sua atenção para Adam. – Preciso falar com o senhor.

Adam resmungou algo para Fordy, que assentiu e o seguiu até estarem longe de Rafael.

Havia muito tempo que o mesmo não se via naquela situação. O ambiente parecia estar carregado de tensão e nervoso, deixando o próprio Rafael em estado de alerta.

Ele quis chamar por Fordy e questionar-lhe o que aquela reunião significava e se aquilo explicava o fato de Adam estar tão aparentemente irritado.

Era culpa de Rafael? Parecia que sim.  

Uma pontada em sua mão o fez grunhir, lançando um olhar carrancudo para a mulher que estava ao seu lado.

Não se lembrava daquela enfermeira. Na verdade, nunca a havia visto antes.

Ela parecia ser mais velha do que ele, mas tinha um rosto muito jovial que o deixava em duvida quanto a sua idade. Parecia fazer um grande esforço para ignorá-lo, mas a tensão que fazia seus lábios tremerem e suas pupilas dilatadas entregavam seu medo. Ela segurava entre os dedos a recém tirada agulha, com uma quantidade enjoada de sangue.

Ela estava prestes a enfiar outra na mão de Rafael quando ele a puxou para longe, assustando a moça.

—Não – respondeu ao olhar surpreso que ela lançou para sua mão. Ele observou sua expressão ficar contida, como se estivesse prestes a lhe dar uma bronca.

—Senhor, precisa disto – disse, ríspida. Estava mesmo lhe dando uma bronca?

—Não preciso – ele disse, fazendo um esforço para mover-se para longe dela. A moça franziu a testa, tentando soar profissional, mas não conseguia se desfazer de seu medo. – Aliás, deixarei que faça seu trabalho se me responder algumas perguntas.

A enfermeira engoliu em seco, desviando os olhos rapidamente para o grupo que conversava a certa distância. Parecia estar considerando a ideia de Rafael.

—Farei o possível.

Ótimo, Rafael pensou. Não estava disposto a colaborar mais do que aquilo.

—O que está acontecendo? – Sua voz saiu em um sussurro indesejável. Ele balançou a cabeça em direção ao grupo, alcançando rapidamente o olhar desconfiado que Fordy lançou para ele e para a mulher ao seu lado. – Sobre o que estão falando?

A enfermeira se remexeu na cadeira, fingindo estar ocupada com um tufo de gases.

—O Dr.Salvatore está tentando convencer o Sr.Blessed... – ela pausou, mordendo o lábio e lançando um olhar desconfiado para Adam. Rafael observou, um tanto enjoado, os olhos da moça brilharem quando seu pai  retribuiu sem a menor emoção.– Bem, está tentando...

— O que é? – Rafael insistiu, impaciente.

A moça lançou-lhe um olhar estranho. Estava com pena dele?

Ela observou seu rosto, depois seus olhos seguiram para seus ombros e assim por diante. Havia um misto de horror em seu rosto, mas algo próximo a piedade o fez estremecer.

Aquela atitude o fez se lembrar de Adélia. Era assim que ela iria agir caso ele...

—Responda! – Rafael resmungou, soando o mais ríspido que podia. A ideia de Adélia encarando-o daquela mesma forma fez seu coração saltar, acelerando-se rapidamente.

Algo próximo a um grunhido escapou de sua garganta, enquanto uma dor parecida com câimbra o paralisou.

—É melhor eu chamar o doutor...

—Não – ele a interrompeu,tentando acalmar a respiração. – Estou bem. Continue, por favor.

Ela o lançou um olhar desconfiado, parecendo ignorar pela primeira vez o horror de sua aparência.

—O Dr. Salvatore não acha prudente mantê-lo aqui. – Disse, assumindo um tom profissional que quase impressionou Rafael. – Está correndo grandes riscos, e por isso ele acha melhor lhe dar o tratamento necessário em um lugar mais adequado.

Rafael pensou por um momento, tentando entender o que aquilo significava.

Está correndo grandes riscos... Bom, aquilo não era novidade alguma. Sabia que o preço de sua maldição seria a própria vida e isso não era grande coisa. Mas a ideia de lugar adequado lhe chamou a atenção.

—O que quer dizer com lugar mais adequado? – Desconfiou, instigando a enfermeira a continuar com um olhar ameaçador.

—Preciso fazer o meu trabalho – ela rebateu rapidamente, atenta a discussão que parecia tirar do sério Adam e Salvatore, menos Fordy.

—Responda - Rafael negou a mão que ela tentou agarrar desesperadamente ao notar os homens se aproximando, alheios.

—Para o laboratório – disse, tão rapidamente que ele quase não entendeu.

Laboratório?

O que diabo... – Rafael foi interrompido por Salvatore, que tomou o lugar da moça ao seu lado.

Ela afastou-se dele tão depressa que Rafael quase achou graça, se não tivesse se sentido ofendido.

—Como está se sentindo? – Salvatore o investigou com o olhar, à procura de algum sinal de mal-estar.

Rafael lançou um olhar para Adam e depois para Fordy, que o assistiam em expectativa.

—Chegaram a alguma conclusão? – Exigiu saber, arrancando de todos uma expressão confusa e desconfiada, menos de Adam.

—Do que está falando, senhor? – Fordy o encarou, achando graça.

—Sobre o meu fim— Rafael respondeu, soando mais amargurado do que queria.    

Todos ficaram em silêncio por um momento, encarando-o e tentando entender o que ele queria dizer com aquilo.

Se antes sua expressão era calma, Fordy agora demonstrava algo muito longe de calmaria. Adam continuava impassível, sendo visível apenas uma linha rígida entre suas sobrancelhas. Já o Dr.Salvatore encarava a pobre enfermeira por cima do ombro, fulminando-a.

—Prefiro eu mesmo explicar a situação – Adam se manifestou, escondendo as mãos dentro dos bolsos e interrompendo Salvatore antes mesmo que o outro tivesse a chance de se manifestar.

—Adam – Salvatore o lançou um olhar em tom de aviso.

—Muito obrigado pelos seus serviços, Robert, mas não precisamos mais dele – Adam continuou, inabalável com toda sua arrogância. – Meu filho está muito melhor agora, como pode ver.

Robert o culminou com o olhar, mas não disse nada mais. Ordenou a enfermeira, que se chamava Katharine, a recolher todos os seus materiais para partirem, enquanto ele e Adam discutiam sobre formas de pagamento.

—Eu sinto muito – Katharine arriscou sussurrar para Rafael quando se aproximou, enquanto puxava sua mão e colava um band-aid onde a agulha o havia perfurado. 

— Por que sentiria? – ele rebateu, soando mais cansado do que ríspido. Ela deveria estar cheia de pena dele para sentir muito.

Rafael se sentiu mal por ela. Ele deveria ter sido um dos piores pacientes que ela já atendera, e por ter agüentado tanto tempo ao lado dele daquela forma e ainda ter a bondade de se compadecer com ele, deveria ser muito mais corajosa do que ele poderia imaginar.

O modo como o encarava agora, como se ele houvesse magoado-a, fez a imagem de Adélia se tornar mais nítida em sua mente, fazendo-o quase sentir sua presença.

Rafael remexeu-se para longe dela, desviando-se para Fordy que estava parado ao pé da cama, encarando-o com certa curiosidade no olhar.

—Sra.Luca? – Salvatore entoou em algum lugar próximo a Rafael. – Vamos embora.

A Sra.Luca lançou um ultimo olhar para Rafael antes de atravessar a porta acompanhada de Salvatore, que saiu mais enfezado do que poderia imaginar. Fordy fez questão de acompanhar ambos até a saída, fechando a porta delicadamente atrás de si.

Agora só restavam Rafael e Adam no quarto.

Rafael fez um esforço para levantar-se e caminhar até onde seu pai estava de costas para ele e encarando a paisagem cinzenta através da janela, mas tudo o que conseguiu foi sentar-se curvado, arfando pelo esforço.

Adam estava pensativo de uma forma que Rafael não via há séculos. Parecia cansado também, embora muito atento. Mas o que mais o surpreendeu era a ausência de bebidas alcoólicas, quase um símbolo de seu pai.

—Desejo, de coração, que esteja sendo tão fácil para você quanto imaginou que seria – Rafael quebrou o silêncio com seu tom de voz ríspido, arrancando de Adam um olhar indiferente. – Afinal, chegamos ao ponto que mais queria, não é?

Adam apenas franziu as sobrancelhas, mas não disse uma palavra.

—Você sempre me odiou – Rafael o lembrou, mas continuou sendo ignorado.

— Você é uma maldição, garoto. Adam, por fim, respondeu, aproximando-se lentamente de Rafael, até estar parado de frente para ele. Ambos passaram alguns segundos se encarando, um tentando entender o outro. – Odiando a si mesmo, quem não odiaria também?

Rafael revirou os olhos, segurando a própria língua para não responder o que devia. Ao invés disso, resolver insistir em outro assunto.

—Tomou a decisão certa, pai? – Ele continuou, arrancando de Adam um olhar carrancudo.

—Não sou eu quem decide – ele respondeu, assumindo uma expressão tranquilamente arrogante.

—Cabe a mim?

Ambos se entreolharam. Rafael tentava entender o silêncio repentino de Adam, que o investigava com os olhos.

Da última vez que se viram, Rafael estava ridiculamente calado e a espreita, esperando que Adam lhe explicasse alguma coisa sobre sua aparição. Claro que Adam pouco se lixava para o que o filho pensasse ou se interessasse, mas o tipo de curiosidade que estava obvia em seu olhar o fez se sentir impotente. Era a primeira vez que Rafael buscava as respostas que Adam não tinha.

—O que eu posso dizer? – Começou, cinicamente. – Robert acha que você tem algum tipo de doença hereditária e gostaria de ser o bom herói e salvá-lo. – Pela primeira vez naquele dia, Adam sentiu falta de uma dose gelada de uísque. – Acha que, se levá-lo para um laboratório, poderá resolver o problema. Mas é claro que você é um tipo incorrigível de problema.

Doença? – Rafael nunca pensara muito a respeito, mas seu pai tinha um jeito muito inteligente de lidar com aquilo em público.

—Ele nunca acharia nada em você – Adam continuou, com um sussurro assustador. – E, além disso, você não sobreviveria. Seria apenas um objeto de testes ou uma amostra viva.

Rafael não fazia à menor ideia do que aquilo tudo significava, mas pela seriedade a qual Adam falava indicava que não era algo tão bom quanto esperava. Ele desviou o olhar para o dia que estava em seu ápice além da janela, enquanto um turbilhão de perguntas e idéias fazia de sua mente um caos.

—Por que não me deixou ir? – Foi a primeira pergunta que se formou em palavras. As outras pareciam formar uma fila em sua cabeça, prontas para saírem através de sua boca. – Por que não...

—Eu não podia – Adam respondeu depressa, tão ríspido que sua voz quase falhou. Rafael o encarou um tanto perplexo. - Não entende o preço que isso nos custaria.

—O problema é dinheiro? – Rafael sentiu sua garganta secar enquanto uma raiva efervescente o queimava por dentro. Tentou manter-se o mais calmo possível, respirando bruscamente e segurando com força os lençóis. Seu pai era tão ambicioso àquele ponto?

—Não é sobre dinheiro, garoto – Adam rebateu, bruscamente. Estava perdendo a paciência rapidamente. – O preço... – Ele pausou, suspirando. – A maldição não atinge somente você.

Rafael pensou por um momento, tentando processar o que aquilo poderia significar.

—Então... – Ele tentou, mas aquela ideia era absurda demais para ser real. – Se eu não sou o único, quem mais ela atinge? Adélia?

Adam riu, fazendo Rafael se sentir ainda mais ridículo.

—Não seja ridículo – ele respondeu, parecendo menos irritado, embora muito tenso.

— Responda a minha pergunta.

Rafael engoliu em seco, esperando que Adam se manifestasse brutalmente ou coisa do tipo. Mas tudo o que seu pai fez foi caminhar pelo quarto, enquanto entrelaçava os dedos nos próprios cabelos, como se estivesse preste a arrancá-los.

—A maldição... – Adam fechou os olhos com força, sentindo uma linha de ódio embolar-se em seu peito, queimando cada nervo seu ao lembrar-se dela.  – Você é só uma parte dela, na verdade.

—O que isso significa? – Rafael soou cauteloso ao perceber o olhar carregado de fúria de seu pai, mas não sabia ao certo se era culpa sua ou...

—Significa que, – ele respondeu, firme - a maldição pertence a mim.


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