O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 2
Desconhecidos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/643699/chapter/2

Depois de uma noite revigoradora de sono, Adélia acordou com uma disposição nada costumeira. Depois do banho, ela colocou seu vestido florido preferido e sentou-se em frente a sua nova penteadeira, que estava caprichadamente cheia de novos frascos de perfume até hidratantes corporal e modeladores de cachos.

Ela nunca fora vaidosa; estava acostumada com a aparência simples que adquirira no St.Florence: nada de maquiagem ou roupas estilosas e acessórios brilhantes. Ela gostava de seus jeans e suéteres, e só usava um par de brincos pequeninos em forma de pérolas porque fora um presente de seus pais. Mas naquele dia, Adélia estava tão feliz por estar em casa que resolveu, pelo menos, pentear os cabelos.

Depois de aplicar o modelador de cachos, ela começou a ajeitar os cachos do jeito que sua mãe a ensinara. Suzane costumava cuidar muito bem dos cabelos da filha, e sempre insistia em dizer o quanto seus cachos caramelados eram bonitos. Adélia não costumava reclamar de sua aparência, mas às vezes simplesmente achava melhor não perder vinte minutos modelando os cachos para depois ir para a aula ao ar livre no St.Florence - o que incluía muito trabalho com terra e suor- e sempre optava por uma trança simples e nada trabalhosa. Sem falar nas outras garotas do St.Florence que pegavam no pé da pobre garota por não ter os cabelos lisos ou ondulados que se mantinham no lugar. Chegaram até a chamá-la de Leozinha por ter os cabelos brilhantes como a juba de um leão; mas é claro que Adélia não se importava com o apelido, pois ela tinha uma admiração muito grande pelos felinos e por seus cachos inigualáveis.

Depois de prender algumas mechas de cabelo na parte detrás da cabeça com uma presilha em forma de coração, Adélia desceu as escadas e foi até a cozinha, onde a mãe parecia preparar algo com um cheiro apetitoso.

—Já de pé? - Suzane inclinou a cabeça para o lado para receber o beijo da filha. - Pensei que fosse dormir até tarde hoje.

—Não consigo dormir tanto.— Ela encarou o que a mãe preparava dentro da panela, dando-se conta de que estava preparando algo que ela não se recordava. - Precisa de ajuda?

Suzane negou com a cabeça, dispensando a ajuda da garota.

—Mas talvez o seu pai esteja - Suzane disse. - Ele está lá na garagem com aquela lata de sardinha que ele ousa chamar de carro.

Adélia riu; o Chevette 76 sempre fora algo que fazia Suzane revirar os olhos, mas Adélia sabia que sua mãe apenas gostava de implicar com seu pai, mas que não era nada sério.

Adélia passou pela sala que era dividida entre a sala de estar e a sala de jantar por uma mesa grande de madeira escura, já que a cozinha do pequeno apartamento mal cabia duas pessoas dentro. O apartamento em si era totalmente simples; desde os eletrodomésticos até a mesinha de centro, o sofá de três lugares e a poltrona que Thiago costumava sentar durante seu horário de almoço – isso quando ia para casa almoçar. Eles tinham uma televisão pequena que mal era usada, já que Thiago trabalhava durante quase toda a semana e o dia inteiro, enquanto Suzane trabalhava durante o dia como ajudante em uma creche e cuidava de outras coisas à tarde. Adélia - quando estava de férias - costumava ficar em seu quarto lendo durante o dia e ajudava à mãe nos afazeres de casa a tarde.

Adélia respirou, sentindo os cheiros variados que circulavam no Brooklyn às oito da manhã. Ela desceu os curtos degraus da calçada de casa e quase foi saltitando até o grande galpão bem do lado do prédio, onde o pai trabalhava como mecânico de carros quando não estava fora. Quase todos os domingos Thiago a levava para a oficina só para ter alguém com que conversar, e Adélia gostava do que o pai fazia. Ela inclusive pôde aprender o que o seu pai chamava de o básico da mecânica automotiva— que se resumia em saber as diferenças das ferramentas, como usá-las e, quando completou quinze anos, aprendeu a dirigir, embora seu pai jamais deixasse a dirigir por aí sozinha por vários motivos.

Thiago teve uma bela surpresa quando uma garota pequena com um vestido florido entrou naquele galpão que expirava graxa e óleos para motores. Adélia tinha um sorrisinho travado nos lábios, que iluminava seu rosto. Ela parecia mais nova daquele jeito radiante. Quando Thiago a viu no grande salão do St.Florence, sua filha parecia pequena e frágil, como se estivesse doente. Mas agora, com aquele vestido colorido e os cachos jogados para trás, ela parecia ter se recuperado - feliz até.

—Precisa de ajuda?

Ela perguntou, repousando a mão delicada em seus ombros largos. Ele a olhou de cima abaixo, como se estivesse avaliando-a seriamente.

—Não está vestida adequadamente para tomar um banho de óleo lubrificante para motores teimosos e velhos - ele disse, enquanto apontava para ela com uma chave rosca.

—Não vou mexer nisso— ela disse, apontando para o motor do carro do pai. - E eu acredito que há alguma coisa aqui que eu possa fazer sem me sujar.

—Tipo o quê, mocinha?

Thiago encarou a filha e ergueu uma sobrancelha, enquanto ela cruzava os braços e pensava em algo.

—Eu posso te entregar ferramentas - ela começou, usando os dedos para enumerar as coisas que podia fazer. - Ou até mesmo...

Ela parou, já perdida em pensamentos. O que ela poderia fazer em uma oficina automotiva sem se sujar? Quase nada!

Thiago riu e voltou a mexer na mangueira que esteve avaliando.

—O que você achava de dar partida no motor?

Adélia assentiu e foi até o lado do motorista do carro, esparramando-se no banco de couro. Ela enfiou a chave na ignição, mas antes de girar, ela verificou se o freio de mão estava travado e colocou o pé no pedal do freio, só por garantia, como seu pai a ensinou. Depois de girar a chave, o carro ligou com um ronco, e ela saiu de dentro da máquina um tanto satisfeita consigo mesma por ter feito algo útil.

Ela ouviu seu pai murmurar alguma coisa quando se aproximou dele, e então o carro começou a falhar, até desligar sozinho.

—São as correias do motor de novo?

Thiago negou enquanto erguia a cabeça para encarar Adélia; ele às vezes se surpreendia com o quanto sua filha era rápida e interessada em aprender o que ele tinha para ensinar.

—Acho que é a válvula de partida.

Ele puxou um pano velho do bolso traseiro de sua bermuda e começou a esfregar nas mãos para tirar o excesso de graxa misturada com poeira.

—Quando isso começou? -Adélia se apoiou no pára-choque do carro enquanto se aproximava do motor do carro, em busca da válvula.

—Hoje. - Thiago caminhou até o grande balcão de madeira cheio de peças velhas, porém funcionais, a procura de uma válvula velha que ele pudesse usar como referência na hora de comprar. - Não tenho essa peça aqui.

Adélia o encarou de soslaio. Ela sabia que aquele carro era o amor da vida de Thiago, e que ele se dedicava bastante a ele. Mas aquele carro também trazia certa dor de cabeça para ele. Por ser velho, ele tinha mais problemas do que um carro comum, e geralmente suas peças eram um pouco mais caras e difíceis de encontrar. E Thiago andava muito com aquele carro, já que trabalhava dando socorro em outros carros por quase toda Nova York.

—Vai comprar outra peça? - Ela quis saber, um tanto sentida por causa da expressão de exaustão do pai.

Thiago não era um homem velho; tinha trinta e sete anos. Era alto e forte, e andava sempre como se tudo o que o rodeava lhe agradasse. Adélia sempre imaginava como as coisas seriam se ela fosse filha dele e de Suzane de verdade. Em termo de aparência, gostaria de ter os cabelos negros do pai e os olhos azuis da mãe, e talvez ser até um pouco mais alta que Suzane, mas não tão alta como seu pai. Em termos de personalidade, gostaria de ser firme como a mãe na hora de tomar decisões, ser responsável e discreta, mas sem ser tão tímida. Do pai, ela gostaria de ter sua determinação e bom-humor; queria poder interagir com as pessoas como se elas fossem velhas conhecidas e não ficar tímida na frente delas. Gostaria de ser tão inteligente quanto o pai - embora ela respeitasse toda a inteligência de Thiago.

Adélia às vezes achava até que poderia ser como eles, se pudesse aprender mais sobre suas personalidades, mas ela acreditava que isso talvez fosse apenas uma questão hereditária; e quando fora adotada, aos sete anos de idade, ela quase já tinha suas próprias personalidades.

—Vou - Thiago disse, se reaproximando do carro e de Adélia. - Mas não hoje.

—Sinto muito - murmurou, pois ela podia sentir que aquilo deixava seu pai abalado, e ela não gostava de vê-lo triste.

Ele passou o braço pelos ombros cobertos por um casaquinho leve da filha e a trouxe para mais perto, para que pudesse beijar sua testa.

—Eu também.

Depois de Thiago verificar mais algumas coisas no carro, os dois saíram da garagem/galpão conversando sobre a possibilidade de Adélia ajudá-lo mais às vezes, durante aquelas férias.

—Pai, não seria mais eficiente se você tivesse um funcionário? - Ela insistia em convencê-lo a ensiná-la mais coisas sobre mecânica automotiva e em como aquilo facilitaria sua vida. - Eu seria uma boa profissional!

—Não estou dizendo que você não seria boa, Adélia. - Ele murmurou, enquanto trancava o grande portão da garagem. Como estava de costas para ela, Adélia não pôde ver seu rosto. - Eu acho, inclusive, que você seria ótima funcionárias,mas...

Mas...?

—Mas não quero que você trabalhe da mesma forma que eu.

Adélia cruzou os braços e o encarou, séria. Talvez aquele fosse o momento para ela calar a boca e concordar silenciosamente com ele.

—Não é o tipo de coisa que eu e sua mãe tenhamos em mente para você, querida.

Ela engoliu em seco quando seu pai a encarou nos olhos.

Então eles já tinham planos para o meu futuro profissional? , ela pensou.

—Mesmo que eu goste do que você faz? - Ela encarou seus pés calçados em um par delicado de sapatilhas azuis, constrangida.

—Você quer passar sua vida toda consertando carros?

Ela deu ombros. Não era a vida toda, mas sim suas férias todas. Não havia nada para ela fazer, a não ser ler durante a manhã toda e limpar a casa durante a tarde toda.

—É isso o que você quer da sua vida? - Thiago tentou controlar o tom de decepção na voz.

Pensar na possibilidade de uma garota tão delicada e limpa como Adélia passar a vida consertando carros o assustava, ele tinha que confessar. Não era machismo; era só que Adélia era inteligente demais para ficar enfurnada em um lugar como sua garagem cheirando a óleo de motor e graxa. Ela merecia muito mais. Ela merecia fazer uma boa faculdade e ter um futuro brilhante... Como se a possibilidade de um futuro para ela fosse possível.

Lia— ele a chamou; ela ergueu a cabeça e o encarou. Seus olhos estavam marejados, mas ela tinha um sorrisinho no rosto como que para disfarçar. - Nós só queremos o melhor para você. Queremos que você tenha um futuro brilhante e, digamos, satisfatório. – Ele lutou contra a vontade de dizer real.

Adélia assentiu, como se tivesse entendido o que o pai queria dizer. Pelos menos, naquele momento, ele sentiu-se um tanto aliviado por ter falado aquilo. Ele pegou a mão da filha – do jeito que fazia quando a levava para tomar sorvete quando era menor - guiando-a até o prédio onde moravam.

Quando os dois estavam prestes a subir o primeiro degrau, um carro totalmente preto parou em frente à calçada de sua casa. Na mesma hora, Thiago sentiu o sangue ferver em suas veias. De ódio. Ele parou na frente de Adélia, tomando quase toda a sua visão sobre aquilo tudo.

Adélia, alheia àquilo tudo, aproveitou a chance para esfregar os olhos com força com a manga do casaco, sentindo-se muito boba e exposta depois de quase chorar na frente do pai. Ela sabia que seus pais queriam o melhor para seu futuro – e ela até se emocionara com aquilo – mas ela também queria opinar sobre aquilo. O que eles esperavam que ela fizesse na faculdade? Ela lembrou-se vagamente das garotas com que conversava no St.Florence, lhe falando o que seus pais queriam que elas fizessem na faculdade. Anne disse que seu pai queria que fosse médica, já sua mãe que fosse professora. Julia disse que seus pais queriam que ela tivesse uma ótima carreira como enfermeira, mas que a apoiariam se ela optasse por outra coisa. Já Adélia não soube responder, pois não fazia à menor ideia do que seus pais queriam que ela fosse, já que eles nunca chegaram nesse ponto da conversa quando conversavam sobre faculdades. Mas caso um dia lhe perguntassem o que ela queria fazer, ela diria que professora.

—Adélia, por que não vai indo na frente? Te encontro lá dentro.

Adélia assentiu obediente e subiu os outros dois degraus que faltavam para a porta que dava entrada ao prédio, perguntando-se vagamente o motivo pelo qual seu pai não iria entrar naquele momento.E como aquele carro preto aparecera tão de repente ali.

— Adélia Marie Moretz?

Adélia virou-se rapidamente ao ver seu nome sendo chamado, antes que entrasse no prédio. Ela estava surpresa; apenas seus pais e algumas Madrinhas do Instituto sabiam seu nome todo, e a voz firme e alta que a chamou com certeza não pertencia a seu pai.

Ela encarou Thiago, que parecia estar completamente desconfortável. Foi quando notou que havia três homens parados ao seu lado, todos engomados e de aparência firme e muito séria. Dois deles eram gêmeos, mas Adélia mal encarara ambos por muito tempo para gravar as feições deles. Estava vidrada agora no homem que se aproximava vagarosamente dela.

Adélia  — um homem alto subiu um degrau a mais da escada, ficando mais aproximo dela.

Adélia recuou instintivamente, começando a ficar incomodada com a aproximação dele. Ele tinha um brilho de reconhecimento nos olhos, como se a conhecesse há muito tempo.

—Sou Adam – ele estendeu uma mão para ela, que pegou timidamente. Adam não soltou a mão da garota; pelo contrário, ele a cobriu com as duas mãos, dando leves apertos. Adélia corou, começando a ficar nervosa com toda a atenção que recebia do homem. Adam tinha os cabelos escuros com fios brancos, mas seu rosto era  jovem e muito bonito, mas o que mais chamou a atenção de Adélia foram seus olhos; eram cinzas como nuvens de uma tempestade violenta. Ele tinha uma aparência tão marcante que era o suficiente para confundir Adélia; a própria tinha que admitir que nunca vira um homem tão belo em sua frente, de verdade. Ela poderia até dizer que ele tinha acabado de sair de uma das revistas que suas amigas do Instituto levavam para verem durante os dias. – Adam Blessed. Creio que não esteja familiarizada comigo.

Ele sorriu; um sorriso tão belo quanto seus olhos. Não, era difícil dizer o que era mais belo em Adam...

—Seu pai não lhes falou sobre mim, acredito – Adam continuou, soltando a mão pequena de Adélia. Ela fechou sua mão, que pendia ao lado de seu corpo, sentindo-a úmida e quente.

—Adélia. - Ela desviou o olhar para seu pai, que parecia enjoado. Sua testa brilhava de suor, e seus olhos estavam semicerrados. Ele parecia até mais pálido. – Vá ajudar sua mãe lá dentro. Avise-a que estou ocupado aqui.

Adélia assentiu, desconcertada, mas não contrariou o pai, embora estivesse morta de curiosidade para saber um pouco mais sobre aquele homem; queria saber como Adam sabia seu nome todo, e o motivou pelo qual seus pais não haviam falado sobre ele para ela. E o motivo pelo qual ele insinuou que ela deveria lhe conhecer.

Será que era algum familiar de algum de seus pais? Será que era alguém do Instituto? Será que era alguém... Do orfanato de onde viera?

Mesmo desperta pela curiosidade, Adélia subiu os três lances de escadas do prédio e entrou em seu apartamento, ainda perdida em pensamentos.

Suzane, que ouvira a porta da frente abrir e bater, mas sem sinal de conversa - como esperava quando seu marido e sua filha chegassem – correu para a sala de estar.

—Onde está Thiago? - Ela cruzou os braços, um tanto curiosa pelo ar “perdido” que Adélia tinha ao encará-la.

—Está ocupado.

Suzane assentiu; ele deveria estar mexendo em algum outro carro, já que não dispensava serviço, não importava qual fosse o dia.

—Precisa de ajuda com alguma coisa? – Adélia perguntou.

Suzane negou, e observou Adélia ir para seu quarto, cabisbaixa.

Havia algo de errado com ela; Suzane percebera pelo olhar perdido da filha. Parecia que havia algo a incomodando, mas temera perguntar, pois queria que Adélia se abrisse voluntariamente com ela, e não deixá-la desconfortável demais.

Suzane caminhou até a janela da sala e afastou as cortinas verde-claras. Ela não sabia o que procurar exatamente ao abrir a janela e enfiar a cabeça do lado de fora, mas quando viu seu marido cara a cara com um homem de dois metros de altura, pele pálida e terno caro, ela sentiu que iria desmaiar. O homem não estava sozinho; havia outro ao seu lado, igualzinho a ele.

Os gêmeos. Mas Suzane já estava muito familiarizada com aquelas duas aberrações. Mas foi o homem detrás do gêmeo que enfrentava Thiago que fez o coração de Suzane doer de fúria.

Sem nem pensar duas vezes, ela disparou feito um raio até a calçada de casa, sem nem se importar em ser cuidadosa nos degraus curtos das escadas do prédio.

Ele a viu chegando e indo para cima dele, mas não fez nada para impedi-lá. Sem pensar duas vezes, Suzane disparou para cima de Adam e lhe deu um tapa forte e certeiro no belo e infernal rosto. Sua mão formigou na mesma hora, mas ao ver que ele não tivera reação nenhuma, ela partiu para cima dele outra vez, na esperança de tirar aquele sorrisinho cínico de seu rosto com socos e pontapés.

Antes que ela pudesse lhe acertar um soco no rosto, um par de braços fortes a puxou pela cintura e, em um golpe de profissional, interditou seus braços magros e a levou para uma distância segura do homem, que ainda ria como uma criança má vendo outras crianças inocentes presas em suas garras.

—O que é isto, Suzane? – Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça social (que lhe caia muito bem, por sinal) que poderia pagar um mês inteiro das despesas de uma família de classe baixa. – Quando foi que ficou tão agressiva?

—É melhor ficar longe dela, seu monstro nojento, ou então eu irei...

—Irá o quê? Dar-me outra bofetada? – Ele se aproximou dela e segurou seu queixo na mão enorme e fria, apertando com tanta força que, por uma fração de segundos, Suzane teve receio que quebrasse sua mandíbula inteira.

—Fique longe dela, Adam! – Thiago tentou, em vão, ir até Adam, mas foi interditado pelo gêmeo do mal, que o segurava pela gola da camisa, quase o sufocando.

—Não entendo tanta contrariedade! – Adam ergueu os braços fortes, fingindo exasperação. – Foi um combinado entre nós, e devo destacar que tive a aceitação dos dois, sem nenhuma objeção. Agora querem simplesmente cancelar o Acordo? É inaceitável!

Se Suzane tivesse uma boa mira, teria acertado a cuspida na cara de Adam. Foi uma pena que a saraivada de saliva acertara apenas seu blazer caro. Adam encarou Suzane com total nojo no olhar, como se ela fosse um rato apodrecendo na porta de sua casa.

Ao encarar aquele homem em sua frente, Suzane sentiu nojo de si mesma por um dia ter tido um caso com aquele monstro. Ela fora a pessoa mais idiota do mundo ao se deixar cair por toda sua riqueza e beleza, cega e tola por acreditar em suas palavras. Ela tinha tanto rancor dele que seria capaz de matá-lo com as unhas.

Adam – literalmente – acabara com sua vida.

Mas havia algo maior do que o rancor que sentia por ele e que só aumentava seu nojo de si mesma: a culpa de tudo o que acontecera era dela. Totalmente dela. Sem nenhuma ideia ao contrário, para lhe consolar.

—Que deselegante! – Ele desabotoou o único botão dourado que tinha no blazer preto e depois o tirou, jogando-o na calçada como se fosse um pedaço de papel inútil. – Não estava tão insuportável da última vez que a vi, Suzane. Estou realmente surpreso com o quanto você perdeu sua... classe. — Ele encarou a rua praticamente vazia com desprezo no olhar. – Este lugar desprezível favorece bem a sua nova personalidade.

Ela ouviu uma risadinha arranhar-lhe os ouvidos quando o segundo gêmeo do mal riu próximo demais de seu ouvido.

—Convenhamos ao caso, meus caros – ele apontou para Thiago e Suzane. – Estou aqui para discutir o nosso assunto especial. Tão especial que fez uma família! – Adam piscou para a mulher que começara a ficar vermelha de raiva. – Creio que nossa querida Adélia ainda não está pronta para partir, já que o combinado fora depois de seus dezoito anos. Mas para que adiar tanto, não é? Eu a levarei comigo hoje.

Thiago não soube exatamente como aconteceu, mas só conseguiu processar o momento em que uma de suas mãos agarrou a gola da camisa preta de Adam, enquanto a outra apertava mortalmente seu pescoço. Ele não soube como conseguira fugir das garras do gêmeo que o segurava; e nem queria saber. Tudo o que ele queria era ver toda a frieza e maldade se esvair dos olhos de Adam, junto com sua vida.

—Você. Não. Irá. Encostar. Um dedo dela! – Ele vociferou para Adam, que o encarava friamente. – Seu desgraçado nojento!

Antes mesmo que Thiago desferisse um soco na cara de Adam, o gêmeo o agarrou outra vez, mas não sem antes lhe acertar uma cotovelada na costela, para fazê-lo soltar seu mestre. Thiago se encolheu de dor, segurando-se para não gritar e desabar no chão, mas então o gêmeo chutou-lhe a parte detrás de seu joelho esquerdo, derrubando-o no chão como um saco de farinha. Thiago se encolheu involuntariamente, tateando desesperadamente seu joelho machucado, com medo de que estivesse fora do lugar. Não estava,o que o fez quase chorar de alívio.

—Deixe-o em paz, seu monstro! – Suzane gritou, desesperada ao ver o marido cair no chão e se encolher de dor. – Pare! Pare agora seu desgraçado!

Ela tentava se livrar dos braços do monstro que a segurava, desesperada para salvar seu marido, mas o gêmeo a segurava com mais força enquanto ela se debatia em seus braços.

Involuntariamente, ela fechou os olhos com força ao ouvir o marido grunhir de dor ao receber mais um chute nas costelas. Seus olhos embaçaram imediatamente quando as lágrimas começaram a cair. Ela queria gritar, pedir por socorro. Mas não havia ninguém na ruazinha naquele momento; e se gritasse, poderia chamar a atenção de Adélia, e tudo pioraria se a garota visse aquela cena, pois Suzane não saberia explicar, e Thiago... Estaria machucado demais.

—Pare, por favor! – Ela soluçou, sentindo suas pernas vacilarem. – Adam, faça-o parar!

Adam a encarou com indiferença, mas com um gesto com mão fez o gêmeo monstruoso parar no momento em que estava prestes a desferir outro golpe em Thiago.

—Tire-o daí. – Adam exigiu, e o gêmeo pegou Thiago pelo braço e o jogou nos degraus da fachada do prédio. Ele encarou o rosto contorcido do homem com certo desprezo; em seguida, encarou sua mulher, encolhida e com o rosto totalmente vermelho e molhado de lágrimas. Estava descabelada e sua camisa de mangas compridas estava toda amassada em seu corpo. A imagem daqueles dois lhe causava uma repugnância indescritível. – Estou aqui para lhes dar apenas um aviso. – Ele encarou o gêmeo que segurava Suzane e fez um gesto em direção a Thiago. O homem  soltou a mulher com um empurrão, quase fazendo-a tropeçar nos próprios pés.

Suzane correu até o marido e quase o abraçou, mas antes de apertar os braços em volta de seu corpo, ele soltou um grunhido que lhe partiu o coração. Ela começou a vasculhar seu corpo, em busca de sangue ou distorção, mas tudo o que encontrou foram hematomas enormes começando a aparecer em sua pele.

—Como eu ia dizendo, - continuou Adam, tomando a atenção dos dois – estou aqui para dar apenas um aviso. A garota já foi escolhida, e não me interessa o resto. Vou lhes dar três dias, apenas três, a partir de hoje, para que a preparem para o que estar por vir. E se não cumprirem o Acordo, eu vou caçar vocês e vou matá-los. Mas não sem antes de lhes apresentar o que tenho preparado para a linda filhinha de vocês caso decidam correr o risco para protegê-la.

Adam deu as costas para o casal encolhido na escada daquele prédio desprezível, já que corria o risco de vomitar ali mesmo caso passasse mais alguns minutos tendo que lhes encarar. Ele abriu a porta de sua Land Rover e entrou na parte detrás do carro, enquanto seus bichinhos de estimação o acompanhavam.

Ele odiaria a ideia de punir Adélia caso seus pais adotivos errassem.Mas ele não teria escolha. E era o melhor que poderia fazer por ela, caso o Acordo fosse realmente rompido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Máscara" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.