Garota da Laje escrita por Mel de Abelha


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Eu a vi pela primeira e última vez numa manhã de domingo, era bem cedo na verdade, não passava das sete. A chuva forte me despertou, graças ao barulho de goteira, resultado de uma infiltração no teto do apartamento somada ao toró. Minha cômoda estava sendo encharcada e cada vez que caia um pingo ele batia numa bandeja metálica, fazendo certo barulho, barulho um tanto irritante.

Levantei e pus um copo de água (que havia trago para o quarto na noite passada) onde estava a goteira, uma vez que estou acordado não consigo mais dormir, fui até a janela observar a chuva, fazia mais de um mês que não caía uma gota de água em São Paulo, uma chuva dessas merece ser admirada. Ao abrir a janela o som se propagou, o transito estava escasso, afinal é domingo, alguns aventureiros andavam na calçada com suas sombrinhas pretas, uma mulher saía da padaria com uma criança, a menininha levava uma sombrinha verde com bolinhas vermelhas, até que enfim uma cor. Engraçado como as crianças trazem diversão e criatividade até na hora da chuva, já os adultos estão sempre tão ocupados e preocupados que caem nessa de que preto é a cor que combina com tudo. Básico e elegante. Menos é mais. Na minha mente isso não se encaixa, eu gosto de ver as cores do mundo, eu aprecio a minha visão e tento dar o melhor para meus olhos, as cores são uma forma de vida muito bonita, admiro quem tem coragem de usá-las. Não que preto seja uma cor desnecessária, mas talvez num dia escuro e nublado a gente deva usar algo que nos destaque, algo que deixe um dia frio um pouco mais caloroso. Caloroso não no sentido de temperatura e sim de conforto.

Dias de chuva podem ser mais do que ficar em casa assistindo um filme. E ela me mostrou isso com um simples gesto de felicidade.

Um grito agudo ecoa numa casa do outro lado do asfalto. Na laje da casa uma garota pula na chuva, ela usa uma blusa branca e uma calça marrom de moletom, provavelmente um pijama, seus cabelos escuros estão soltos e já começam a encharcar. Seus braços abertos para o céu e sua cabeça inclinada para trás, como se estivesse absorvendo toda a energia da água. Da água da chuva ácida. Mais gritos e uma risada bastante escandalosa vêm de lá, é bom ver que alguém está dando valor a esse acontecimento. Um cão aparece ali, seus pelos dourados também encharcados, ele pula ao redor da garota, percebendo a felicidade da mesma. Ela abaixa e acaricia sua cabeça, em seguida corre pela laje, o cão na sua cola, brincando. Ela ri. Ele late. Por fim ela se deita no chão e ele lambe seu rosto, arrancando mais gargalhadas da menina. Latidos. Sorrisos. Um grito. Uma mulher aparece na escada, ela grita algo para a menina, imagino ser sua mãe dizendo para que saia da chuva. A garota se levanta, e chama o cachorro, indo em direção à escada. Antes de descer ela se vira e abre os braços para o céu mais uma vez, como se estivessem derrubando energia sobre seu corpo. Da minha janela vejo o sorriso em seu rosto, ela se vira e desce a escada, saindo do meu campo de visão.

A chuva aumenta um pouco, o barulho da goteira caindo no copo em minha cômoda se transformou em um barulho de água transbordando. Fecho a janela e retiro o copo, que agora está cheio, da cômoda, pousando-o no criado mudo. Fico ali com a lembrança recente da garota da laje, com o barulho dos respingos batendo no metal da bandeja, com minha cômoda sendo encharcada.


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Notas finais do capítulo

É isso! espero que tenham gostado XD