Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 6
Pergunta o que quer, ouve o que não quer


Notas iniciais do capítulo

Nos falamos lá embaixo ;*



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Eu sabia que não conseguiria nenhuma resposta de Jacob Black, não uma verdadeira. E também não estava com cabeça para isso no momento, ainda estava trabalhando o que tinha acontecido, eu precisava livrar a agressão do meu sistema antes de me preoucupar com as mentiras de Jacob Black. E eu só conseguiria fazer isso quando as marcas em meu pescoço e a dor em minha cabeça finalmente passassem.

Todo dia antes de acordar eu repetia o mesmo processo em eliminar as memórias, elas ficando cada vez menos visíveis. Dentro de uma semana eu estaria novinha em folha.

Encarei meu pescoço no banheiro. O local estava cheio de vapor do banho quente que eu tinha tomado. Meus cabelos estavam molhados e pingando um pouco, mas por enquanto eu só estava analisando as marcas. Como Jacob disse – sendo uma das poucas verdades – o canto de meu pescoço realmente ficou com quatro marcas roxas dos dedos. Agora já estavam clareando, mas eu ainda sentia um pouco de dor ao movimentar a cabeça com muita rapidez.

Bufando para as marcas voltei a me enxugar, demorando ao secar os cabelos com a toalha. Embora a minha vontade de ir à escola era nula, eu precisava continuar em movimento. Sai do banheiro e encontrei Austin já se arrumando. Na noite do ataque ela estava muito estranha, com uma euforia que não era dela. Mas acho que foi só um momento passageiro, pois ela voltara ao normal. O que era um alívio, eu não sabia lidar com a Austin-animada-intrometida. Gostava da minha meia-irmã tímida, discreta e leal.

Coloquei minha calça jeans boyfriend, uma blusa solta de mangas curtas cinza, o casaco de chuva preto e meus novos tênis da Nike. Eu sei que não era muito sábio tentar estrear eles com um tempo como esse, mas quando mais que poderia usar? Passei um gorro branco em meu pescoço, como eu vinha usando ultimamente. Acho que agradecia imensamente ao meu estoque de lenços, cachecóis e gorros que conseguiram cobrir, durante essa semana, as marcas. Joguei a mochila pesada nos ombros e sai do quarto.

Meu cabelo ainda estava um pouco úmido, mas não me preocupei com isso. Eu já tinha me acostumado a sair de casa e ele molhar novamente. Como sempre, joguei a mochila no chão, ao lado da minha cadeira, ao sentar para comer. Pelo terceiro dia consecutivo meu pai não estava na mesa na hora do café-da-manhã, nem na hora da janta. Ele estava passando mais tempo na reserva do que a maioria das outras pessoas de La Push. Fiquei imaginando o que é que ele fazia lá dentro.

Jane estava estranhamente silenciosa nesses dias também, mas eu reparava seus olhares discretos para o gorro em meu pescoço. Meu coração sempre saltava com isso, como se ela pudesse ver através deles. Eu tinha decidido não falar nada para eles por que saberia que meu pai ia surtar, que Jane ia chorar e Austin ia se sentir responsável pelo o que tinha acontecido. E eu não queria que ninguém mais soubesse do ataque para não fazer alarde. Poderia ser impressionante o modo como as notícias corriam por aqui. As paredes tinham ouvidos e eu não precisava dos olhares de pena de todo mundo.

Eu só precisava seguir em frente.

Terminei de tomar o café e sai junto com Austin. Ela falava pouco no caminho para a escola, geralmente sobre os deveres de casa. Acho que ela estava tentando ser mais discreta desde a noite do ataque, quando teve aquele ataque de euforia nada típico. Eu não podia culpá-la, de qualquer forma. Tinha sido bem dura com ela no momento e senti que, talvez, ela estivesse reavaliando o grau de confidencia que tínhamos. Eu não queria que isso acontecesse, eu confiava em Austin, mas havia coisas que era melhor não contar. A última coisa que eu iria querer agora era que Austin se sentisse, de alguma forma, responsável pelo o que aconteceu. E eu sabia que ela iria se sentir.

– A festa do Drill vai ser quando mesmo? – perguntei para puxar um papo, para deixar claro que eu não me importava em conversar com ela, em lhe contar algumas coisas.

– Nesse sábado. Mas acho que não vai ser na casa dele, eu não tenho certeza. – ela disse dando de ombros. – Ele vive com os tios e tenho certeza que nunca cederiam a casa. Acho que vai ser na casa do Seth.

Franzi o cenho enquanto fazia a curva para entrar na propriedade da escola.

– Mas Seth já não terminou a escola? Por que ele cederia a casa dele?

– Ele e Drill são muito amigos. E é aniversário de Seth também, então acho que vão unir as coisas.

Encontrei uma vaga perto da entrada da escola, ao lado do carro velho de Collin. Saímos do carro e começamos a andar juntas pela chuva rala, encontrando Lali na entrada ao lado de Graham, Collin e Brady. Lali não poderia estar mais feliz em como essa semana tinha transcorrido. Por uma obra do destino, Collin e Brady estavam saindo conosco quase sempre. Era estranho ter eles fora da escola, já que antigamente nunca saiam com a gente.

Era ainda mais estranho que as olheiras sob seus olhos pareciam crescer, e em como o cansaço deixava suas bocas levemente caídas. Mas fora isso eles pareciam muito bem. Como se o cansaço evidente em seus olhos fosse apenas um detalhe. Eu já tinha perdido a conta de quantas vezes puxei os cabelos de Brady para que acordasse na aula de Matemática, ou o quanto de vezes dei petelecos na nuca de Collin nas aulas de Inglês, por ele sentar na minha frente.

Seguimos juntos para a aula. Como eu tinha todos os tempos com Austin, então basicamente a seguia enquanto conversava com Brady sobre os novos lançamentos da música. Ele era um amante musical como eu, e, assim como eu, também preferia diversos sons, contanto que fossem bem feitos. Nos separamos quando entrei na aula de História. Sentei em minha mesa de praxe, ao lado da janela e joguei o material na mesa. Era a aula que eu mais dormia, para ser bem sincera. Eu podia não fechar os olhos, mas com certeza me ausentava de lá.

O professor entrou na sala de aula, mas não foi o suficiente para cessar as conversas. Principalmente entre eu e Austin. A gente ria juntas de uma das investidas sem sucesso de Graham, ele tinha acabado de tomar um toco, bem na frente de todos da sala. Não tinha como controlar a classe depois disso, o próprio Graham estava rindo. Depois de alguns gritos, algumas ameaças de alguns estudantes sendo retirados da sala para servir com exemplo o professor conseguiu retomar o controle.

Eu suspirei, pronta para quarenta minutos de pura chatice. Eu amava história, mas não do modo metódico e chato que esse professor dava. Na verdade, me divertia muito mais lendo suas referências bibliográficas do que em suas aulas.

Ele retomou o discurso da semana passada sobre como a cultura molda a história e como podemos encontrar isso na modernidade. A aula em si era bem interessante, era algo fora da programação dele, então despertou um pouco a minha atenção, mas só de ouví-lo falar dessa forma pausada, calma... Meus olhos automaticamente já começavam a fechar.

Acordei com um sobressalto. Austin tinha me dado uma cotovelada nas costelas. Foi quando notei que todos estavam se mexendo. A aula já estava acabando. Nem acredito que dormi nessa aula! Eu queria ter participado dela! Por mais que o professor fosse extremamente enfadonho.

– Para a próxima aula quero um trabalho completo de dez páginas sobre a história de La Push e como a cultura local influenciou na sua construção. Lembrando que esse trabalho irá valer 50% da nota final de vocês, então se empenhem!

Eu estava ferrada! Tudo bem, Austin poderia me passar suas anotações, mas não era a mesma coisa das minhas anotações e muito menos o suficiente para eu fazer um trabalho de dez páginas. Bufando um pouco irritada com a voz desse professor, eu joguei o material dentro da bolsa. Eu ainda tinha algumas alternativas que poderiam me ajudar. Eu precisava, desesperadamente, manter minhas notas altas para conseguir uma boa bolsa da faculdade. Havia uma grande diferença entre um A e um A+. Um A me daria uma bolsa parcial e muita dor de cabeça, um A+ me garantiria bolsa integral.

Deixei que Austin seguisse na frente e fui em direção a mesa do professor, que já recolhia suas coisas.

– Vi que você dormiu. – ele disse sem olhar para mim, ainda guardando suas coisas. Estava na cara que ele não ligava o suficiente para o meu sono para me repreender, ele só estava me avisando.

– Desculpe. – falei com as bochechas quentes. – Queria saber se o senhor poderia me passar referências bibliográficas para ajudar no meu trabalho. Tenho algumas anotações, mas elas não serão o suficiente para compor o trabalho.

O professor parou de guardar suas coisas e me olhou semicerrado. Eu entendi o motivo. A maioria dos alunos iria procurar na internet qualquer coisa e copiar e colar, poucos tentariam até a buscar no livro que a escola fornecia. Mas eu não podia pensar assim, eu tinha uma bolsa para conseguir. Fora que eu realmente gostava de ler e estudar.

– Tem a biblioteca regional. – ele disse ainda um pouco desconfiado. – Lá tem tudo o que você pode precisar da história local. Você faz um cadastro grátis e consegue pegar os livros.

– Obrigada, professor. – eu nem sabia que La Push tinha uma biblioteca! Isso seria mais tranquilo do que eu imaginava.

Comecei a sair da sala, mas parei quando o professor pigarreou. Voltei a olhar para ele.

– Você está buscando uma bolsa na faculdade, certo? – disse, mas não me olhava e sim meu registro de notas.

– Sim, senhor.

O professor assentiu mais para si mesmo do que para mim. Ele levantou a cabeça e tinha um pequeno sorriso nos lábios.

– Isso é raro por aqui. A maioria dos alunos terminam o ensino médio e encontram um trabalho local. – ele fechou sua pasta. – Bom, já que está tão empenhada, sugiro que tentei alugar o livro “La Push: mitos e lendas”. Lhe dará uma boa noção de como as coisas são por aqui.

Franzi o cenho.

– Tentar alugar?

O professor me alcançou na porta com um sorriso pequeno nos lábios. Então parou na minha frente.

– Você precisa de autorização para pegá-lo. E não é de um professor. – riu e saiu da sala. A forma como ele disse deixava muito claro que não gostava dessa escolha de pedir autorização.

Mas então para quem eu deveria pedir, se não para ele?

* * *

A biblioteca regional de La Push ficava de frente para a marinha. Era quadrada, de pintura branca e gasta e bem pequena. Parecia um galpão. Assim que entrei no local eu senti calor e coceira no nariz, pelo forte cheiro de mofo no ar. Não havia ninguém aqui dentro, mas eu conseguia escutar o aquecedor zunindo potente. Também era bem perto de casa, o que me economizava na gasolina. Na verdade, ter um carro em La Push era mais por luxo do que uma necessidade se você não trabalhava – o que era o meu caso.

O balcão da recepção ficava na minha esquerda. Era bem organizado e limpo, na verdade, o local era muito limpo. Havia, depois da catraca, várias mesinhas marrons com luminárias de pano comidas nas pontas por traças. Eram dois andares de prateleiras e corredores. Eu estava, honestamente, muito chocada. O local não era muito grande, provavelmente do tamanho da cafeteria da escola, mas a quantidade de livros era impressionante. Eu não esperava encontrar isso por aqui. Minha mão formigou para tocar nos livros e saber, exatamente, sobre o que eram. Se eram apenas livros locais – não era possível que La Push tivesse uma história tão grande assim – ou se eram diversos livros.

– Posso te ajudar? – uma senhora disse vinda detrás do balcão. Ela era de altura mediana, usava roupas grossas de lã, o cabelo preso em um coque apertado era grisalho. Sua pele era marrom-avermelhada como os habitantes da reserva. Os olhos lacrimosos de um castanho bem claro. Ela tinha uma aparência bem severa, as linhas faciais de seu rosto sendo tensas.

– Boa tarde. – comecei – Estou procurando livros para um trabalho da escola.

– Você já tem cadastro? – perguntou. Sua voz era rouca e fraca, como se a todo o momento ela precisasse tossir.

– Hm... Não. – falei me aproximando do balcão para o qual ela já estava atrás.

A senhora começou a mexer em alguns papeis e teve um pouco de demora ao mexer no computador, mas conseguiu imprimir uma folha de cadastro para mim. Eu realmente não sabia o meu CEP, só o endereço e o número da casa, mas ela disse que não importava. Assim que escrevi o endereço ela já sabia quem era meu pai.

– Meu nome é Rosie. – ela disse assim que entreguei o papel de cadastro para ela.

– Obrigada, Rosie. – abri meu sorriso mais simpático. – O meu trabalho é de história, sobre a cultura e história local. Sabe em qual prateleira posso encontrar?

– As do canto. – ela disse estreitando um pouco os olhos para mim. – Mas já estou fechando, então não poderá ler aqui.

– Tudo bem, vou alugá-los, então. – eu disse sorrindo.

Passei pela catraca, sentindo o olhar da bibliotecária me acompanhando por todo o caminho. Fui nas prateleiras que ela me indicou, meus olhos passando ávidos e curiosos pelos livros e encadernações gastas. O cheiro de mofo ali era mais forte e meu nariz coçou ainda mais, mas me recusei a sair.

Dedilhei os dedos pelas lombadas, procurando o mais rápido possível pelo livro que o professor indicou. Encontrei algumas outras referências e similares que poderiam me ajudar, mas eu ainda estava atrás da indicação. O encontrei em canto no fundo da biblioteca, onde a iluminação não era muito boa. Ele estava na prateleira do chão, era fino e bem escondido. Eu teria passado direto por ele se não o estivesse buscando com tanto afinco.

No total eram três livros. Dois mais geográficos e técnicos e esse das lendas e mitos. Caminhei de volta para o balcão. A senhora ainda me observava, como se nunca tivesse tirado seus olhos de mim desde que entrei. Ela realmente já estava fechando a biblioteca, pois tinha apagado algumas luzes das mesas. Olhei no relógio, era quase final do dia. Acreditava que ninguém vinha muito aqui, por isso ela não sentia a necessidade de deixar aberto por mais tempo.

Cheguei no balcão e coloquei os livros. Ela anotou os dois primeiros, então parou no último. Na indicação de meu professor. Sua boca se comprimiu em desagrado.

– Hm. – disse virando a lombada dele e depois olhando a capa novamente. – Sinto muito, mas esse livro não pode sair da biblioteca.

Eu troquei o peso do meu corpo.

– Tudo bem, eu volto amanhã mais cedo e leio ele. Teria como você deixar reservado para mim, assim ninguém o retira? – eu não via como alguém daqui frequentaria uma biblioteca.

Rosie comprimiu a boca novamente.

– Na verdade, esse livro não está disponível para leitura.

Ergui minhas sobrancelhas, achando muito estranho ela estar tão resistente em me deixar ler o livro. Para mim, qualquer pessoa que contivesse o conhecimento e o incentivo à inteligência estava escondendo algo. Ela era claramente da reserva e eles eram muito reservados em sua cultura, eu sabia disso, mas minha curiosidade sobre o livro só cresceu e eu não ia terminar esse trabalho sem ter lido ele.

– Então por que ele estava na estante?

– Um engano.

Estreitei meus olhos.

– Rosie. Vamos ser sinceras, ok? Por que não posso retirar esse livro? – perguntei bufando e deixando as indiretas de lado.

Ela ficou ainda mais firme em sua posição. Suas mãos pousando cruzadas em cima do balcão.

– Você precisa de autorização para ler esses livros.

– Autorização de quem?

– De alguém da reserva.

Franzi o cenho com isso. Por que eu tinha que pedir permissão da reserva para alugar um livro? Para fazer um trabalho de escola? Na verdade, o que é que a reserva estava metida nisso? Eu sabia que a política de La Push era feita pelo conselho tribal, mas as pessoas que não eram quileutes também tinham seus direitos aqui, como em qualquer outro local. Agora restrição de livros? Isso já era meio demais. Se eles não quisessem que lêssemos esses livros, então que mantivessem fora da biblioteca!

– Qualquer um da reserva?

– Não, alguém do conselho.

Ferrou-se! Quem é que eu conhecia que era do conselho tribal daqui? E se ela não queria me liberar, provavelmente o conselho também nao liberaria. Para ser bem sincera, eu nunca achei que teria que me preocupar com os “governantes” daqui. Acho que meu pai deveria conhecer alguém, ele vive na reserva! Talvez ele conseguisse que alguém me autorizasse.

– E eu preciso entregar para você algum papel? – perguntei.

Rosie estreitou seus olhos para mim, mas entregou um termo de autorização. A folha estava amarelada e parecia prestes a esfarelar nas minhas mãos, o que só reforçava que poucas pessoas vinham aqui e ainda menos para pegar livros proibidos.

Eu me balancei nos calcanhares. Tinha uma pergunta na ponta da língua e eu não sabia se a fazia ou não. Decidi arriscar, a única coisa que poderia me acontecer era receber um pé na bunda.

– Rosie... Quem são os conselheiros tribais?

Ela demorou para me responder, analisando longamente o meu rosto. Não sei o que estava procurando, também não parecia tão firme agora. Seja o que fosse que ela estava buscando, tinha encontrado.

– Bom, alguns deles são Billy Black, seu filho Jacob Black, Sam Uley, o velho Quil Ateara, Sue Clearwater. Há outros, mas esses são os mais vistos fora da reserva.

Assenti, com um sentimento estranho na boca do estômago. Será que Billy me liberaria alguma coisa? Eu não iria pedir para o mentiroso do Jacob. Não, queria distância dele no momento. Agradeci e sai com meus dois livros de lá. Eu teria que conversar com meu pai e ver se ele conseguia alguma coisa com Billy, ele era seu amigo, provavelmente iria aceitar.

* * *

– De jeito nenhum! – John balançou sua cabeça. Sua voz grossa ecoando pela casa. Eu o mirei indignada. Meu pai estava muito diferente nesses dias, a barba estava para fazer já fazia um bom tempo, havia olheiras abaixo de seus olhos. As linhas faciais estavam mais profundas também.

– Por que não? É só uma autorização idiota! – sacudi a folha gasta da autorização na cara dele.

John afastou minha mão de seu rosto. Ele estava assistindo ao jogo, então tinha ficado muito bravo por eu ter interrompido. Eu não o tinha visto muito nos últimos dias, ele andava com muita frequencia na reserva e em seu serviço.

– Não vou pedir ao Billy algo assim, Gaele.

– Mas é para um trabalho de escola! Pai! – gritei ficando na frente dele. John levantou seu rosto grave para mim, mas não havia nada em seus olhos que indicasse que ele fosse me ajudar. – Será que você não entende? Eu preciso tirar um A+, é isso que vai garantir uma boa bolsa estudantil para mim!

– Procure na internet! Por que é que você precisa de um livro?

Honestamente? Ele estava de brincadeira.

– A internet não conhece La Push, John! – gritei, minha raiva crescendo em meu peito e me deixando vermelha. – Essa cidade insignificante mal está no mapa mundo! Será que você não entende?

– Não! Não entendo! – ele estava gritando agora também. – Não entendo por que você precisa dos mitos e lendas dos quileutes, será que já não está cansada de saber que eles não gostam de ninguém vasculhando suas lendas?!

– Então não coloque em uma merda de biblioteca pública! – cuspi de volta.

John se levantou do sofá em um rompante, ficando bem mais alto do que eu. Dava para ver que ele estava em seu limite e sua energia de raiva me atingiu em cheio, como um tapa na cara. Mas eu não recuei, segurei minha posição com as mãos fechadas em punhos e empinei meu queixo, desafinando ele a fazer qualquer coisa.

– Olhe o linguajar na minha casa! – avisou.

Minha boca ficou com um gosto amargo da raiva.

– É para um trabalho de escola, John. – falei entre dentes.

– Não vou pedir. – ele também disse entre dentes.

Ergui os braços no ar em exasperação.

– Você realmente não entende. Você acha que só por que você escolheu ficar nesse fim de mundo, todo mundo também vai querer. – o fuzilei com os olhos. – E foi por isso que mamãe te abandonou e era por isso que eu nunca queria vir para cá. Eu não vou ficar nesse lugar insignificante! Você deveria, ao menos, me ajudar com a única coisa que estou te pedindo desde que nasci: uma maldita autorização para os meus estudos. Já que não tem dinheiro para pagar uma boa faculdade.

O ar dele saiu com um chiado. Jane e Austin me encararam de boca aberta, completamente chocadas com o que eu disse.

– Agora você me escute aqui... – ele se aproximou.

Segurei minha posição, ficando mais proxima do meu pai do que jamais fiquei.

– Não, escuta você. – falei entre os dentes novamente. – Você nunca me educou, John. Eu só passava as férias aqui e nelas você nem se dava ao trabalho de ficar comigo direito. Isso tá beleza pra mim, não é como se eu fosse me divertir aqui. Mas você me deve isso. A minha educação está nas suas mãos agora. Pelo menos a mamãe sabia lidar com isso. Vamos encarar a realidade: você não tem dinheiro para pagar uma boa faculdade de biologia para mim, então eu tenho que conseguir, pelos meus esforços, uma boa bolsa. Nem pra isso você vai ser eficiente?

Eu vi que ele veio para cima de mim, mas Jane interferiu, entrando na nossa frente. Fui empurrada para trás, enquanto Austin também se levantava e me segurava, por que a minha vontade era de não deixar isso barato. Se ele achava que podia simplesmente vir para cima de mim ele estava muito enganado.

Não abaixei minha cabeça para o babaca do Jack, não faria isso por John também.

– Você passou dos limites, Gaele! – ele gritava enquanto Jane tentava mantê-lo parado, falando qualquer coisa para acalmar ele. – Vai voltar para Los Angeles! Vou ligar para sua mãe!

– Ótimo! Sempre jogando as responsabilidades para qualquer um, não é mesmo? – gritei de volta. – Aposto que Jack consegue me criar melhor do que você! Pelo menos ele terá dinheiro para me prover um futuro!

John segurou Jane pelos braços, pronto para colocá-la de lado e vir para cima.

– Já chega! – Jane disse mais firme do que eu jamais a ouvi. – Austin, leva Gaele para o quarto. John, se acalme!

– Não precisa se incomodar, Austin. – me desvencilhei de seus braços com um safanão. Peguei a autorização. – Eu tô saindo daqui.

Dei a volta pelo sofá, pegando uma jaqueta. Eu estava tão fula da vida que nem reparei que não tinha pego as chaves do carro, mas eu não ia voltar. Ainda ouvia as reclamações de John. Puxei o capuz para cima enquanto caminhava, socando os punhos dentro do casaco. Ainda dava para sentir a folha fina da autorização nas minhas mãos.

Nem olhei o caminho que estava seguindo. Só andei. Pensei em ir à praia, mas não ia conseguir ficar parada muito tempo, então preferi andar sem rumo. Escutava os barcos pesqueiros balançando na marinha. Estava anoitecendo já, o céu aqui costumava ficar escuro muito cedo, por causa das nuvens carregadas. Chovia um pouco também, mas eu não me importei, na verdade, isso me acalmava.

Decidi andar pela beirada da praia, como se isso fosse ajudar em alguma coisa. Como se as ondas pudesse carregar minha raiva para longe. Eu não sabia para onde ir ou quando voltar, não era como se eu pudesse correr para a casa da Naomi e dormir por lá, para deixar a poeira abaixar em casa.

Nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida.

Chegou uma hora em que não dava mais para andar pela orla da praia, então fiquei vagando pela rua. O céu já estava escuro. Nem me importava mais a autorização, eu tinha ficado indignada com a vontade de John em me ajudar. Eu nunca pedi nada para ele. John deveria, ao menos, tentar me ajudar. O que custava pedir ao Billy? A amizade deles não ia acabar por causa disso. Mas não! John não pode fazer isso!

Bom, dane-se ele. Eu estaria fora daqui em alguns meses, não precisaria nunca mais vê-lo.

Alguns carros passavam por mim, iluminando mais o caminho do que esses postes inuteis.

– Gaele?

Virei para trás, surpresa. Brady estava bem atrás de mim, vestindo nada mais do que um shorts. Eu fiquei momentaneamente sem palavras. Estávamos entrando no inverno, pelo amor de Deus! O que é que ele estava fazendo com.... O peitoral a mostra? Tudo bem, era bem impressionante para alguém da idade dele, mas não precisava ficar exibindo por ai.

– Brady? O que está fazendo por aqui?

– Estava indo para casa. – ele disse vindo ficar ao meu lado. – O que você está fazendo por aqui? – ele olhou ao redor, como se procurasse por algum motivo. Vi seus olhos passarem de relance na floresta duas vezes.

Olhei ao redor também. Foi quando notei que tinha entrado na reserva. Eu nem reparei no quanto tinha caminhado. Estava tão brava que não notei. La Push não era exatamente grande, mas eu basicamente fui de uma ponta a outra em alguns minutos. Tentei me lembrar conscientemente de ter pensado na reserva, mas não consegui encontrar tal decisão.

Dei de ombros.

– Andando.

– É meio perigoso, não acha?

Bufei, o ar formando um vapor na minha frente.

– O maluco da machadinha está escondido nas árvores? Por favor, Brady. É La Push.

Ele contorceu a boca, contrariado. Eu sabia que isso não significava muita coisa. Havia gente ruim em todos os lugares do mundo e La Push não era imune a isso. Mas parecia tão improvável que alguma coisa fosse acontecer comigo aqui, a cidade parecia tão segura que nem se passava na minha cabeça algum tipo de perigo. A não ser um animal maluco.

O olhei com os olhos semicerrados.

– Sabe, não está exatamente calor. – falei indicando com o queixo para seu peitoral sem camisa.

Brady riu e acho que estava corando também, mas não podia confirmar. A iluminação da rua era horrível. Mas o modo como ele coçou a cabeça foi de constrangimento.

– Você deveria ir para casa. – ele disse olhando de novo em volta.

– Hm... Provavelmente não seria uma boa ideia. Não agora, pelo menos. – dei de ombros e voltei a andar. Não de volta para La Push, mas para frente.

Eu não tinha nenhum destino específico, mas andar me acalmava e não me acalmaria em nada voltar para casa.

– Brigou com seu pai?

– Bingo.

Algo me surgiu, no entanto. Se eu fosse esperar por John eu não ia tirar um A+ nunca! Mas eu tinha meus contatos, tinha Brady! Tenho certeza que ele ao menos tentaria. Collin e Brady sempre foram muito reservados quando se tratava da reserva, mas isso era diferente, ele sabia sobre o trabalho e sabia que eu tinha vontade de sair daqui. Ele me ajudaria.

– Hey, Brady! Você é da reserva! – eu disse de repente, sorrindo para ele.

– Agora que percebeu? – ele riu, caminhava despreocupado ao meu lado com as mãos nos bolsos também.

– Você tem contato com o pessoal do conselho tribal? – perguntei.

Brady me olhou desconfiado, como sempre olhava quando eu perguntava algo sobre a reserva. Acho que estava tentando descobrir onde eu queria chegar, mas viu que não tinha como saber.

– Sim. Converso com o Jake, a Sue e o Billy. O Sam também, mas ele é mais... Complicado. – franziu o cenho.

Deixei isso passar por hora. Tinha me esquecido que Brady também fazia parte de um grupo estranhos de meninos de La Push, talvez todos eles tivessem contato com o conselho.

– Jake?

– O Jacob Black.

– Ah. – voltei a olhar para frente, lembrando da mentira de Jacob. – Teria como você tentar uma coisa para mim?

– Depende do que é. – ele estava sendo extremamente evasivo.

Tentei rir da situação, por mais que me estressasse todos esses dedos com algumas lendas idiotas. Pelo amor de Deus! Eram lendas! Nada mais, ficar com essa frescura no rabo não era bom para ninguém. Será que eles não viam que quanto mais você tenta esconder algo, mais as pessoas ficam curiosas para saber sobre?

– Preciso que alguém do conselho assine essa autorização para mim. – falei entregando o papel um pouco amassado para ele.

Brady pegou a folha na mão, analisando o papel. Não achei que ele fosse saber o que era por causa da pouca iluminação da reserva, mas ele pareceu interpretar algumas coisas, pois sua boca se contraiu em desagrado. Ele parecia ter chupado limão estragado.

– É para o trabalho de História? – perguntou.

– Sim! – tentei colocar mais súplica na minha voz. – Eu preciso tirar nota máxima, preciso ser a melhor das melhores. Se não conseguir não posso achar uma boa bolsa de faculdade.

Será que ninguém entendia a importância desse último ano de colegial? De como isso ia determinar nosso futuro para sempre? Mas eu já tinha minha resposta. O pessoal de La Push, principalmente da reserva, não dava muita importância para a faculdade. A maioria deles ficariam por aqui mesmo, fazendo o que sempre fizeram.

– Ih, não sei, não. – ele me devolveu a folha. – Os conselheiros são bem chatos com essas coisas de livros.

Então por que colocam na biblioteca?! Eu queria gritar para ele.

– Nenhum deles pode me ajudar? É muito importante. – eu não ia suplicar mais do que isso. Estava começando a desistir, para ser bem honesta. Eu sabia que se conseguisse esse livro o professor basicamente iria me beijar, iria me dar a melhor nota só por ter conseguido algo que, ao que parecia, nem ele tinha.

– Hm... Deixa eu ver. – ele começou a pensar. Pelo menos ele estava tentando, diferente do meu pai que nem quis tentar. – Sam é sem chance, ele não vai liberar isso. Provavelmente chutaria minha bunda por pedir. Billy... Depende, Billy é muito severo com essas coisas, mas é bem mais legal do que Sam... A Sue não tem poder para isso, ela não cuida dessa parte do conselho, então acho que não daria por não ser da alçada dela. – ele coçou o queixo. Eu praticamente bebia as informações dele, guardando-as para mim. – Acho que sua melhor opção é o Jake.

– Quem? – de novo eu não reconheci o nome.

– Jacob.

– Ah. – ah sim, esse apelido não parecia se encaixar muito na pessoa em si, parecia muito legal e simpática para alguém que eu sabia que não era. – Deixa para lá.

– Que isso! Tudo bem que o Jake tem aquela cara de mal encarado dele, mas acho que ele te ajudaria. Ele não leva tão a sério essa coisa de esconder tudo de todo mundo. Fora que ele é bem legal tamém.– o modo como Brady disse aquilo dava a entender que até ele desprezava esse monte de segredos que era obrigado a ter, e que afastava seus amigos.

– Não me dou muito bem com Jacob Black. – não estava anunciando a notícia do ano. A minha gratidão por Jacob tinha sido e era sobre o incidente da agressão, fora isso ele tinha mentido para mim. Mentido sobre algo bem estranho.

Brady riu.

– Entra para a fila. – fungou e voltou a colocar as mãos nos bolsos. – Está tarde, vai ficar andando até quando?

– Cansado? – perguntei rindo. Tínhamos passado por algumas casinhas que ainda tinham suas luzes acesas, o volume da televisão nos alcançando da calçada.

– Que isso! – ele bufou. – Posso andar a noite toda! – e riu.

Voltei a colocar a autorização dentro dos bolsos, completamente desanimada. Eu não estava muito animada para ver Jacob. Mas era o meu futuro em jogo. Então talvez eu fizesse uma visita na oficina dele amanhã de manhã.

– Hey, estou indo encontrar alguns amigos na oficina do Jake. Quer ver se ele assina? – perguntou.

Engoli em seco. Eu queria um tempo para me preparar antes de encontrar com Jacob. Mas às vezes seria melhor se eu simplesmente acabasse com isso de uma vez. Assenti, rindo da animação de Brady ao ter um ponto final. A oficina não estava muito longe de onde estávamos. Eu me sentia nervosa demais, minhas mãos tremendo um pouco dentro do meu bolso. Primeiro por que eu ia encontrar Jacob uma semana depois do ataque e de descobrir sua mentira esquisita. Segundo por que eu veria os amigos estranhos de Brady e Collin, que não pareciam ser muito amistosos.

Eu deixei que Brady me embalasse em uma conversa amena sobre qualquer coisa que se passava em sua cabeça, mas na minha mente eu tentava controlar a minha respiração ao máximo. Também estava com frio, o casaco não era quente o suficiente... Olhei para ele e quase gritei em choque.

Era o casaco de Jacob.

Fechei meus olhos por breves minutos.

Eu tinha colocado ele perto da porta para lembrar John de devolver. Meu pai nem teve como me perguntar sobre o casaco masculino por que mal nos vimos nesses dias, mas tenho certeza de que ele nem se esforçou para tentar descobrir o motivo do casaco. Engoli em seco. Pelo menos eu devolveria... Todo úmido.

Chegamos na oficina, com aquele monte de carros estacionados na frente dela, como um pátio de carros usados. As luzes estavam acesas e tinha um som alto de conversa. Mas a porta estava fechada. Era, claramente, uma reunião de amigos. Mordi a parte interna da minha boca, controlando o nervosismo.

Brady abriu a porta de madeira, entrando sorrindo no local.

Ele não era o unico sem camisa, ou pelo menos despreparado para o frio. Havia alguns outros meninos de regatas e blusas finas. Eles pararam de conversar no momento em que entrei, claramente surpresos com a minha chegada. Eu cheguei mais perto de Brady, um pouco intimidada com aquele monte de meninos e homens rindo e bebendo refrigerantes e cervejas.

Collin veio sorrindo até nós e fez uma piada qualquer, que ninguém riu. Eu consegui esboçar um sorriso para ele, mas não era completo. Meus olhos passaram por todos os meninos, não reconhecendo nenhum dos mais novos. Mas reconheci Quil Ateara, o sócio de Jacob. E o próprio Jacob. Ele estava encostado em um capô de um carro usado e cinza, com uma garrafa de cerveja nas mãos. Vestia jeans surrados, botas e uma camiseta preta de mangas curtas.

– Pessoal, essa é a Gaele, filha do John. – Brady disse sorrindo.

Isso era constrangedor.

Deixei que a vergonha me dominasse por um momento, assentindo de leve com a cabeça. Todos estavam me olhando, absolutamente todos. Engoli a intimidação com força e aprumei melhor os ombros, controlando minha reação. Eu não ia me passar de fraca na frente deles. Sem vontade nenhuma – e acho que deixei isso claro – voltei meu olhar para Jacob.

Eu abri a boca para falar, mas algum dos meninos me interrompeu. Ele era alto, tinha no rosto um sorriso de covinhas. Estendeu a mão.

– Sou Seth Clearwater. – ele se apresentou. Eu peguei sua mão grande por um breve momento, era quente como a de Jacob. Ele nem parecia estar sentindo frio só com aquela regata branca. Tinha um rosto muito jovem em um corpo muito desenvolvido.

Os meninos começaram a se apresentar, mas não consegui gravar o nome de todos. Eram muitos, deveriam ter uns quinze jovens e cinco adultos. Vinte pessoas que eu sabia que não me lembraria dos nomes.

– Não está muito tarde para você estar fora de casa? – Jacob perguntou, sua voz grave parecendo se destacar no meio de todos.

Ergui uma sobrancelha para ele, fuzilando seus olhos com os meus. Ah, eu nao estava me sentindo muito simpática com ele no momento.

– Ih, cuidado, Jake. – Quil riu. – Ela parece prestes a chutar sua bunda.

Jacob lampejou um sorriso para mim, com uma diversão aparente em seu rosto. Eu não sorri de volta, nao expressei nada para ele. Estava me sentindo, na verdade, bem gelada por dentro. Ele mentiu. Era a única coisa que eu pensava.

– Preciso falar com você. – falei inflexível. Os garotos fizeram sons de gozação, todos ao mesmo tempo, então nao consegui captar muita coisa. Só coisas como: “parece que você vai se ferrar”, “fez coisa errada, Jake?”.

Jacob parou de sorrir aos poucos, seus olhos voltando ao mesmo de antes. Tudo entrava e nada saia. Acho que notou que eu não estava exatamente animada em vê-lo. Indicou com a cabeça a oficina secreta que tinha carros luxuosos.

Passei por Brady, apertando suas mãos em agradecimento. Ele sorriu para mim, mas não totalmente. Parecia preocupado. Segui Jacob, que cravava seus olhos em Brady, ele estendeu a mão para que eu passasse na sua frente. Não vi problema nisso, seguindo para o balcão, erguendo a tampa e depois entrando na oficina detrás.

Dessa vez não havia mais carros caros. Fiquei imaginando onde eles tinham ido parar, e para qual propósito ele tinha servido. Mas havia algumas motos ali, potentes e de aparencia cara. Onde Jacob encontrava essas coisas?

– Está realmente muito tarde. – Jacob disse atrás de mim, sua voz rouca ressoando no local, vibrando dentro de mim.

Evitei estremecer e retirei o casaco, me virando para ele e o jogando no ar. Jacob o pegou sem tirar os olhos de mim. Havia poucas luzes acesas, o que criava sombras no rosto de Jacob e no meu também. Era um momento sombrio.

– Obrigada pelo casaco. – falei secamente.

Ele o colocou na mesa cheia de papeis e desenhos mecânicos que eu não entendia.

– Veio até aqui para me trazer o casaco?

– Preciso de um favor. – cruzei os braços e encostei na pilastra de ferro que subia até o teto, segurando a estrutura. – No bolso do casaco tem uma autorização, preciso que assine.

Não era exatamente um pedido, eu sabia disso. E ele notou isso também. Ergueu as sobrancelhas pelo meu tom de voz, mas remexeu nos bolsos, pegando o pedaço de folha amassado. Ele leu por breves minutos. Eu achei, por um instante, que vi diversão neles, mas depois foi substituido por desconfiança. De certa forma, eu estava sendo muito cara de pau em vir aqui e pedir isso como se ele me devesse alguma coisa, quando a realidade era ao contrário. Se bem que ele mentiu, mas não acho que isso tenha força o suficiente para pedir um favor.

A questão era que eu sabia ser cara de pau quando queria. Era boa nisso.

– E por que você precisa de uma autorização da biblioteca? Não sou seu pai.

– Só um membro do conselho pode autorizar a retirada de um livro. – dei de ombros. – Você é o único que conheço. – era mentira, mas eu não ia dizer que descartei minhas outras opções por causa das observações de Brady.

Jacob olhou novamente para a autorização. Bufei.

– Pelo amor de Deus! É só assinar essa merda. Não é uma ordem de ataque nuclear contra um país. – explodi jogando os braços para cima.

Jacob voltou sua atenção para mim, parecia bem surpreso com a minha reação. Fechei os olhos por breves minutos, tentando recuperar a calma. Voltei a me encostar na pilastra de metal e a cruzar os braços, como se isso fosse conter qualquer outra reação.

– Trabalho de escola? – perguntou.

– Um trabalho muito importante, preciso entregar semana que vem. Então se não se importa...

Jacob franziu o cenho.

– Qual é o seu problema hoje?

Trinquei os dentes. Eu tinha muitos problemas por aqui e Jacob era um deles. Uma luz de diversão brilhou em seus olhos e refletiu em seu sorriso. Estreitei os olhos, esperando.

– O que é? Está naquele dia do mês em que tudo é motivo para briga? – brincou.

Acho que era a primeira vez que brincava comigo, mas eu nao estava com humor para isso.

– Esquece. Eu me viro. – falei caminhando. Ia tirar a autorização da sua mão, quando decidi que não valia a pena. Eu ia sair dali, ponto.

Jacob ficou na minha frente, bloqueando minha saída com seu corpo alto e forte.

– Hey, se acalma! Só estou brincando com você. – ele avaliou meu rosto com seus olhos minuciosos. Eu sentia que ele podia enxergar muitas coisas. Levantou sua mão, indo em direção ao meu rosto. Eu bati nela.

– Não me toca. – falei entre os dentes.

Jacob franziu ainda mais o cenho, avaliando minha reação. Vi o momento no qual ele notou que realmente algo estava estranho em mim. E vi que ele não ia me liberar até eu dizer o motivo. Algo que eu não estava nem um pouco inclinada a fazer. Ele que enfiasse o livro aonde ele quisesse, eu podia tirar um A+ sem isso. Ia ter o dobro de trabalho, mas eu ia conseguir.

– Como você está? – perguntou de repente. Eu soube, de imediato, sobre o que ele estava se referindo. Não era algo sobre o qual eu ia falar. Estava tentando, a todo o custo, livrar minha mente daquela situação. Nao ia voltar nela agora que tinha conseguido um progresso.

– Não é da sua conta. Saia da minha frente. – falei entre dentes.

– Precisa que eu assine? – perguntou sacudindo a folha na minha frente.

– Seria bem legal da sua parte, mas não é como se minha vida dependesse disso. – não minha vida, mas meu futuro acadêmico sim.

– Tudo bem, eu assino. – deu de ombros. Eu o encarei em choque, mal acreditando no que ele estava me dizendo. – Se me contar o que está acontecendo.

Minha felicidade acabou antes de começar.

Debati sobre o que fazer. Eu podia mentir, dizer que estava bem e que tinha seguido em frente, como disse que faria. Também contaria sobre a briga com meu pai e tudo estaria acabado. Eu só não entendia o motivo disso importar para Jacob Black. Será que ele não tinha uma vida para tomar conta? A dele estava tão chata que ele queria saber da minha?

Não fiz objeção e contei tudo. Não era um dos meus maiores segredos.

– Pronto. Agora assine. – peguei uma caneta da mesa dele e a entreguei.

Jacob a segurou nas mãos e assinou, sem nem hesitar. Coloquei o papel precioso no bolso da frente da minha calça jeans. Ela era um pouco apertada, mas o papel já estava amassado de qualquer forma, não ia fazer qualquer diferença.

– Não deveria ser tão dura com seu pai.

– Cuide de sua vida, Black. – falei o encarando.

– Vai voltar para sua casa? – perguntou cruzando os braços e se apoiando na beirada da mesa.

Dei de ombros.

– Não estou com muita vontade.

Jacob bufou.

– E o que vai fazer? Zanzar por La Push a noite inteira?

– Talvez. Ou talvez eu vá para a casa de meus amigos. Acho que Graham ainda deve estar acordado. – falei olhando em meu relógio de pulso. Eu sabia que Graham era uma opção melhor que Lali, que provavelmente passaria a noite reclamando por a ter acordado e depois jogaria na minha cara a estadia indesejada e inesperada.

– Graham? – Jacob ergueu as sobrancelhas. – Vai dormir na casa de um garoto de 17 anos? Não é a decisão mais esperta.

Estreitei meus olhos.

– Graham é meu amigo.

– Graham é homem.

Ergui as sobrancelhas, completamente chocada com a repreenda dele. Qual era o problema dele? Jacob era um cara muito confuso. As vezes eu sentia que ele me queria por perto, por mais que se divertisse as minhas custas. Outras vezes era como se ele me quisesse tão longe quanto alguém pode estar. Isso me irritava mais do que me confundia, eu odiava me sentir perdida.

– Eu não acho que sou o tipo de garota que deixa que garotos tirem vantagem de mim. – falei secamente – E Graham sabe se comportar.

– Pare com isso, seu pai vai ficar preocupado.

– E como isso pode ser um problema seu, Jacob?! – joguei os braços para cima.

Nós entramos em um silencio tenso, onde ele via que tinha cruzado um limite e eu reparava que deixei ele cruzar esse limite. Não impendi, em nenhum momento desde que cheguei, que Jacob desse suas opiniões em minhas ações e atitudes. Na verdade, ele me questiona muito. Como se fosse minha babá ou algo do tipo. Jacob não tinha que se intrometer nisso, assim como não tinha que me seguir em Port. Angels também. Tudo bem que algo muito ruim poderia ter acontecido comigo se ele não tivesse ido atrás de mim, mas por que mentir sobre isso?

Havia algo de mais profundo nisso tudo. Eu conseguia sentir com tanta certeza como o sol que iria raiar amanhã. Algo que ele não estava me contando, que ninguém daquela outra oficina estava me contando. Não entendi por que demorei tanto para notar... O modo como me olhavam, como falavam comigo, como se comportavam ao meu redor. Era como se a todo o momento precisassem da autorização de Jacob Black para apenas olhar para mim. Havia um receio no ar todas as vezes que Brady e Collin estavam ao meu lado e Jacob também.

Eu estava, de uma forma misteriosa, envolvida em alguma coisa da reserva. Algo que ninguém se preocupou em me contar. Talvez fosse por isso que John não me queria fuçando nas lendas? O que é que havia de tão errado na leitura dos livros? No conhecimento dessa lendas?

E o mais importante: onde é que eu me encaixava?

– Por que mentiu para mim? – a pergunta saiu antes que eu pudesse conter.

Jacob piscou duas vezes, tentando entender sobre o que eu estava falando agora. Suas sobrancelhas se franziram enquanto ele pensava, mas acho que tinha tanta certeza de que eu não poderia saber sobre a mentira, que nem conseguiu entender a minha pergunta.

– Você me disse que encontrou com Austin fora do restaurante, que ela disse que tinha me visto sair. Que ela estava preocupada. Mas Austin não te encontrou. Ela me disse. Disse que só soube que eu estava com você, quando você ligou. Então por que mentiu?

Era incrível a rapidez que Jacob conseguia se fechar. E a rapidez que eu conseguia notar isso nele. No início era um pouco mais complicado entender as feições de Jacob, entender o que se passava na cabeça dele. Mas acho que as coisas estavam começando a ficar mais claras. Eu estava me tornando boa nisso... Não sabia se era bom ou ruim. O importante foi que notei quando Jacob decidiu que não me contaria a verdade novamente.

Isso me deixou mais triste do que irritada. Por que ele sempre insistia em não me contar?

Jacob abriu a boca para falar, mas ergui a mão, o impedindo.

– Se for mentir é melhor nem falar nada. – avisei.

Ele soltou o ar, como se isso fosse tirar a tensão de seus músculos do braço e do pescoço. Era quase evidente a tensão deles, pois parecia emanar e me atingir em cheio. Tornando meu corpo tenso também. E notei que Jacob era sim, ele emanava essas energias sem nem mesmo reparar, e sem nem mesmo reparar ele afetava as outras pessoas. Ou talvez ele soubesse... É difícil dizer.

– Estava me seguindo? – a ideia pulou na minha cabeça naquele momento.

Jacob abriu um sorriso de escárnio, como se fosse negar a minha pergunta idiota – o que era idiota mesmo. Mas ele não disse nada. E então eu soube que não era tão idiota assim.

Dei dois passos para trás.

– AH, qual é! – ele disse se levantando. – Eu não estava seguindo você!

– Mas não estava lá por acaso. – apontei. Era típico dele querer me contar meias verdades.

Ele se calou por um breve momento.

– Não, não estava.

– Explica. – mandei.

Jacob voltou a se encostar na mesa e a cruzar os braços. Seus olhos estavam cravados em mim, mas notei que não para me deixar desconfortável e sim para medir minhas reações. Era um olhar intenso, cheio de significados que eu não conseguia alcançar, mas que estavam ali, dançando na borda da superfície.

– Depois que você me avisou sobre Farad, imaginei que ele fosse usar você como correio novamente. Colocar você no meio disso tudo. Eu só precisava de uma oportunidade para pegar o bastardo. Então decidi vigiar você de vez em quando, para ver se ele estava em volta. Collin me contou sobre sua ida à Port. Angels e soube que essa seria a oportunidade perfeita para encontrar com você, se ele quisesse. – Jacob deu de ombros e disse tudo isso em um folego só. Eu precisei me concentrar em suas palavras. – Não seria muito difícil puxar você de lado dentro de uma loja grande de roupas. Você disse que não queria estar no meio de tudo isso e eu também não quero, só estou me assegurando.

Era muita informação de uma única vez. E era tudo muito inacreditável. Eu tinha vindo parar em uma cidade inóspita e decadente, achando que o meu único problema seria o tédio depressivo de morar aqui, quando na verdade estava me preocupando em ser perseguida por um sujeito maníaco que queria atingir a Jacob, assim como em uma possível gangue que estava arrastando meus dois melhores amigos para algo além da minha compreensão. Sem falar nesses segredos todos que rondam a reserva.

Onde é que eu havia me metido?

– E você não o viu? – perguntei tentando colocar o pânico de lado. Eu não podia me desesperar agora, não na frente de Jacob de novo. Se eu me focasse com intensidade o suficiente nas informações que ele estava me passando, então poderia lidar com tudo isso de forma mais sistemática. Procurando analisar as informações de fora, como uma observadora imparcial. Como se aquilo fizesse parte da vida de outra pessoa e não da minha.

– Não. Em nenhum lugar. O cara é esperto, se ele estava lá, conseguiu passar despercebido por mim.

Se ele estava lá? – ergui as sobrancelhas. – Eu o vi Jacob. Acredite em mim, Farad não é um cara fácil de esquecer. – mas outra situação entrou na minha mente, fazendo com que eu balançasse um pouco a cabeça para me concentrar. – E o que quer dizer “passar despercebido por mim”? O que você é agora, um perito em vigilância?

Jacob esboçou um sorriso de canto zombeteiro.

– Mais ou menos por aí.

– Isso é maluquice. Você deveria ir se tratar. – ou eu deveria, depois de passar mais alguns meses aqui.

Marchei para fora da oficina, mas Jacob segurou em meu braço antes que eu alcançasse a porta. Os dedos longos envolveram meu braço fino sem nenhum problema, com uma suavidade e delicadeza incomum para alguém com a aparência de Jacob.

No entanto, não foi isso o que me parou. O que me parou foi a sensação de estar bem de repente. Como se eu não tivesse saído de casa depois de uma briga, ou que não tivesse sido atacada em um beco escuro, muito menos no meio de uma confusão em que fui colocada e que até agora não sabia o que era. O toque dele fez tudo isso desaparecer e isso me deixou desconcertada.

– Não deveria ficar saindo de noite assim. – ele disse bem próximo de mim, eu não tinha me virado para ele, mas sabia que ele estava mais perto do que já permiti que ficasse. Um arrepio desceu pela minha coluna. Atribuí isso ao fato de estar com uma blusa de alcinhas em pleno início de inverno americano.

– Por que eu deveria me preocupar? Você não está me vigiando? – fiquei um pouco surpresa com a nota de malícia que saiu em minha voz, de forma tão natural e não calculada. Meu coração disparou.

– Em geral sou bom no que faço, mas preciso de uma ajuda sua também. – havia um sorriso na voz dele.

Puxei meu braço para longe das suas mãos e foi como se o feitiço tivesse se quebrado. Eu o me virei o encarando. Nem me importei em levantar a cabeça para olhá-lo, ou de sua aproximação desconcertante. Nem mesmo no modo como seus olhos me sugavam, como dois buracos negros. Pelo menos eu tentava. O que eu estava concentrada agora era em conseguir minhas respostas. Essa súbita determinação surgindo do fato que ninguém queria me contar nada.

– Vou descobrir o que está acontecendo. – falei baixo, mas firme.

Os olhos de Jacob ficaram mais divertidos, não havia nenhuma preocupação, nenhum medo por trás. Pelo menos não que eu conseguisse ver. Na verdade, Jacob parecia entusiasmado.

– Sei que vai. – inclinou a cabeça para o lado, analisando. – Sempre soube que ia. A questão é: quando você vai descobrir?

Havia um tom obscuro em sua voz, quase como uma antiga tristeza. Franzi o cenho, não entendendo a reação dele. E fiquei o encarando até entendê-la. Não demorou muito. O que Jacob queria dizer era a realidade. Eu não tinha muito mais tempo aqui em La Push. As férias de inverno já estavam chegando e depois disso seria um salto para a faculdade. Eu até poderia descobrir antes de sair daqui... Mas o que faria em seguida? Isso afetaria minha vida?

Deixaria para pensar nisso depois. Eu não gostava de ser manipulada e era assim que eu estava me sentindo, sendo jogada de um lado para o outro em situações que não tinham nada a ver comigo. Então eu iria sim descobrir, nem que isso fosse revelado uma semana antes de eu ir embora. Depois eu veria o que fazia.

Agora eu só precisava me concentrar.

Virei as costas para Jacob e sai da oficina secreta, passando pelos meninos e me despedindo. Quase não reparei quando Brady e Collin se voluntariaram para me levar de volta para casa. Também não me importei, era bom ter companhia logo depois de saber que eu ainda poderia estar na mira do misterioso e inalcançável Farad. Os dois tagarelavam sobre alguma coisa, mas notei, com um estranhamento, que eles estavam sendo tão superficiais quanto eu envolvida na conversa. Havia uma preocupação evidente em suas feições. Algo que só notei quando estávamos chegando na minha casa.

Então eu soube. De alguma forma, Collin e Brady tinham ouvido a conversa. Parando para analisar, a minha saída da oficina não tinha sido tensa, todos estavam tensos. Todos tinham escutado a conversa. E todos temiam o que eu ia encontrar. Será que eles iam tentar, de alguma forma, me impedir?

Eu não tinha como saber, mas não ia dar para trás agora.


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Notas finais do capítulo

Eaaaae? O que acharam?! Bora comentar galeriiis!
Sophia, obrigadãaao pelo seu comentário, adoro eles, sempre tão divertidos e sagazes.
Nos vemos na próxima semana, amores!
Beijosss



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