Ele tem 18 anos escrita por Hanna Martins


Capítulo 7
Nada pode se esconder eternamente


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à NanyHutcher que me deixou mega animada com sua recomendação. Obrigada, Nany!



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Empregou toda a sua energia passando o pano no chão.

— Desse jeito o chão vai criar buraco — advertiu Annie.

Ele apenas deu os ombros.

— Que bicho te mordeu, garoto artista? — perguntou ela, enquanto observava seus gestos bruscos.

— Nada — respondeu, dando indícios que não queria conversar.

— Certo.

Que bicho o tinha mordido? Nem ele mesmo saberia responder a essa pergunta. Estava com raiva. Mas raiva do que exatamente? Não sabia.

Suspirou, enquanto continuava a esfregar o chão com todas as suas forças.

— Hum... então é aqui que meu irmãozinho trabalha...

Peeta apenas ergueu os olhos para Gale durante um segundo e depois voltou sua atenção para o que estava fazendo, enquanto Gale inspecionava cada centímetro do local, como um bom e cuidadoso irmão mais velho faria.

A razão de sua raiva poderia estar um pouco relacionada com a chegada de Gale naquela manhã. Tudo estava indo muito bem, até que aquela campainha tocou, e Katniss abriu a porta.

— Oh... Gale — disse Katniss surpresa. — Eu não sabia que você iria chegar hoje...

Ele apenas sorriu e olhou para Peeta.

— Estou atrasada... Vocês dois... devem estar querendo conversar... — disse Katniss, saindo do apartamento e os deixando a sós.

Ele e Katniss nunca haviam tocado no assunto Gale. Parecia haver um acordo silencioso entre eles sobre esse assunto.

— Então, meu irmãozinho resolveu se revoltar e sair de casa, é? — disse ele, olhando para Peeta.

— Gale... eu estou quase atrasado para meu trabalho...

— Você arrumou um emprego?

— É, arrumei.

— Certo... Onde é? Posso te dar uma carona até lá — se prontificou.

— Não, não precisa é aqui perto.

Gale assentiu.

— Peeta... me passe o endereço... depois que você sair do trabalho, vamos conversar, certo?

Escreveu o endereço de qualquer jeito em um pedaço de papel e entregou-o a Gale.

— Eu realmente tenho que ir... — disse, praticamente obrigando Gale a sair do apartamento.

— Certo, certo, nós vemos depois — Gale finalmente foi embora.

Mas ele sabia que aquilo era temporário e agora o irmão estava em sua frente. Não havia escapatória.

— Falta muito para você sair? — perguntou Gale.

— Não, já estou acabando aqui...

— Ok, vou esperar você.

Gale se sentou em uma das mesas. Pediu um suco. Sentiu que os olhos do irmão não saiam de cima dele. Não tinha jeito, precisava enfrentar o irmão. Assim que seu período de trabalho terminou, respirou fundo e foi ao encontro do irmão.

— Vamos — falou se aproximando de Gale.

Ele se levantou da mesa.

Os dois foram até o carro de Gale.

— Ei, irmãozinho, eu esperava uma recepção mais calorosa...

— Do que você está falando?

— Você não parece feliz em me ver — respondeu Gale de modo divertido.

Peeta não contestou. Em vez disso, mudou de assunto.

— Como foi sua viagem?

O irmão começou a tagarelar sobre as coisas que conhecera na viagem, como ela fora sensacional... E Peeta apenas escutou.

Quando chegaram ao apartamento de Gale, Peeta já sabia cada mínimo detalhe da viagem.

— O apartamento ainda está um pouco bagunçado com a reforma e tudo mais...

O apartamento não estava tão bagunçado assim, verificou ao percorrer rapidamente os olhos pelo local. Ainda havia alguns sinais de que o apartamento havia recentemente passado por uma reforma, como alguns móveis fora do lugar, mas no geral, ele estava muito bem organizado. Peeta podia perceber o toque de Madge nas cores delicadas das paredes, nos vasos de plantas espalhados harmoniosamente pelo apartamento, nos móveis escolhidos com cuidado. Madge estava em cada canto daquele apartamento.

Madge e Gale viviam naquele apartamento há algum tempo. E eles haviam aproveitado a viagem à Europa para fazerem uma pequena reforma.

— Sente-se — disse Gale lhe entregando um copo de suco de laranja.

Peeta sentou-se no sofá, perto da janela. Gale se instalou em uma poltrona perto dele.

— Como estão as coisas?

— Bem... — respondeu laconicamente.

— Falou com a mamãe?

Apenas balançou a cabeça em sinal negativo.

— Peeta... — Gale começou com aquele tom de quem iria começar a dar um sermão daqueles. Porém, pareceu ter se controlado no caminho. — Mamãe está preocupada... você deveria conversar com ela.

— Eu sei, mas ela vai começar com aquilo de novo. Ela vai querer que eu vá para a faculdade...

— Coisa que você deveria fazer. Você foi aceito em uma ótima faculdade. Tem ótimas notas... Você não deveria...

— Não deveria desperdiçar meu tempo correndo atrás de um sonho idiota?

— Não, não é isso... — quis se justificar Gale. — Você é tão jovem, só tem 18 anos. Quando for mais velho... — sua voz tinha aquele tom velho e calmo de quem sabe o que está falando. Usado pelas pessoas mais velhas diante de jovens insensatos. Afinal, ele era apenas um garotinho na visão do irmão.

— Eu vou me arrepender, é isso que você está tentando falar?

Gale suspirou.

— Peeta, pense bem, agora, tudo parece perfeito, mas e depois... se isso não der certo? Você vai ficar pelo resto da vida limpando o chão de uma lanchonete? — era perceptível o esforço que Gale fazia para manter seu tom calmo e sensato.

Ele estava cansado daquelas conversas intermináveis, de ser tratado como um garotinho que não sabia fazer suas próprias escolhas. Olhou pela janela. Só viu outros prédios. Que pessoas viveriam naqueles apartamentos? Quais seriam suas histórias? Será que elas tinham sonhos assim como ele?

— Você acredita que estou sendo tolo assim como meu pai?

Gale o olhou silenciosamente.

— Eu não estou dizendo isso, Peeta...

O pai de Peeta também tivera um sonho. Um sonho considerado tolo para muitos. Ele queria ser um músico. Mas... as coisas não deram muito certo. Talvez fora por isso que aquilo acontecera...

Gale se mexeu desconfortável na poltrona. Esse assunto mexia com velhas feridas. Feridas que nunca iriam se fechar plenamente. Elas sempre estariam ali, aguardando sua vez de serem abertas.

Lembrou-se do pai contando histórias para ele nas noites frias de inverno. Sua voz suave, os gestos amáveis. O pai era um bom homem, se não fosse... Mas Peeta sabia que a culpa não era dele. Ele não estava em seu juízo, quando fazia aquilo... Velhas lembranças vieram a sua mente. Lembranças que ele não gostaria de se recordar. As lembranças o faziam sentir-se como um garotinho indefeso, como naquela época...

— O que vai fazer agora? — indagou Gale, mudando rapidamente de assunto.

Apenas deu os ombros sem desviar os olhos da janela.

— Venha morar aqui por enquanto — disse Gale.

— E Madge?

— Ela não se importa.

— Não, eu não quero. Você e Madge estão começando uma vida juntos. Eu não quero atrapalhar nada.

— Você não irá atrapalhar. Apenas fique aqui. Tem um quarto extra...

— Não.

— Peeta, onde você irá morar? Não pode ficar para sempre com Katniss — sentenciou Gale.

Ele ficou por alguns momentos em silêncio. O que aconteceria se revelasse a verdade para Gale, que ele e Katniss estavam juntos? Ele sabia que aquele ainda não era o momento. Não agora que estava começando seu relacionamento com Katniss, que ela lhe dera uma chance.

— Peeta... — Gale começou.

— Não insista... eu não quero me intrometer entre você e Madge. Eu sei que vocês estão planejando... ter filhos em breve.

— Mas isso não é para agora — sorriu. — Você ainda vai demorar um pouco a ser tio.

— Mesmo? — Peeta se entusiasmou com a mudança de assunto.

— Verdade. Talvez, no ano que vem... Então, pode ficar aqui, irmãozinho — ele voltou com carga total.

Estava começando a ficar verdadeiramente aborrecido com a insistência do irmão.

— Gale...

— Katniss deve estar bastante ocupada... Ela se dedica muito ao trabalho e tudo mais... Para Katniss, não existe nada mais importante do que o trabalho — um sorriso surgiu no rosto de Gale, seria impressão sua ou era... um sorriso triste? — Ela deve isso a irmã.

— A irmã? — perguntou curioso.

Ele não sabia muita coisa sobre Prim, a irmã caçula de Katniss. Sabia que ela havia falecido aos 14 anos. Também já vira algumas fotos de Prim. Mas, Katniss nunca havia falado muito sobre o assunto.

— Prim morreu quando tinha 14 anos. Katniss não gosta de falar muito sobre isso. Ela morreu devido a uma doença incurável. Foi por causa de Prim que Katniss entrou no ramo dos medicamentos. Ela queria criar um medicamento que ajudasse no tratamento de pessoas que assim como a irmã sofrem com essa doença.

— Ah...

Peeta olhou para Gale. E chegou a sentir uma pontinha de... ciúmes. Havia tantas coisas que o irmão sabia sobre Katniss. E ele... bem, não sabia nem a metade daquilo.

Gale se levantou da poltrona. Andou um pouco pela sala.

— Quer outro copo de suco? — apontou para o copo vazio de Peeta.

— Não, obrigado.

— Eu vou pegar outro copo para mim — disse indo para a cozinha.

Gale ainda permaneceu uma boa meia hora tentando persuadir Peeta a conversar com a mãe, a entrar para a faculdade, a dar um jeito em sua vida. Coisas que ele estava cansado de escutar.

Conseguiu finalmente se desvencilhar do sermão do irmão. Gale queria dar uma carona. Mas, ele não aceitara. Preferiu volta de ônibus.

Quando chegou, encontrou Katniss sentada no tapete da sala em meio a uma verdadeira muralha de livros e papéis. Ele sorriu e ficou a contemplando por alguns minutos. Ela estava tão concentrada que nem vira ele chegar.

— Você chegou? Há quanto tempo está aí? — perguntou ao perceber finalmente a presença dele.

— Você já comeu?

— Comi alguma coisa... — respondeu, voltando-se para seus papéis e livros novamente.

— Vou fazer alguma coisa para a gente comer — foi para a cozinha.

Preparou alguns sanduíches e um pouco de café.

— Ocupada? — perguntou, enquanto entregava uma xícara de café para ela e colocava o prato com os sanduíches na mesinha.

— Só estou revendo algumas coisas — respondeu, sem levantar os olhos do papel que tinha nas mãos.

Ele pegou seu caderno de desenho e começou a desenhar. Desenhava Katniss, obviamente. Ela e aquele pequeno caos de livros e papéis que a rodeava.

O único som que se ouvia era o som do lápis dele e o revirar de páginas de Katniss.

— Katniss... — falou, após algum tempo. — Gale e eu... — ela ficou imóvel por um instante, deteve-se em meio ao ato de virar a página do livro que examinava naquele momento. — Conversamos...

— Conversaram, é? — ela finalmente virou a página.

— Foi...

Katniss não disse mais nada.

— Sua irmã... Prim — Katniss voltou seus olhos para ele. — Você... está trabalhando por causa dela?

Katniss o olhou por um longo segundo e após isso assentiu.

— Minha irmã era a pessoa mais importante do mundo para mim. Ela tinha apenas 14 anos quando faleceu... — seu tom era triste e cheio de dor. — Nunca conheci uma pessoa mais doce que Prim. Ela amava tudo e a todos — sorriu.

Katniss se calou. Peeta se aproximou dela e abraçou-a.

— Foi por causa dela... Ela me fez me prometer que eu iria criar um medicamente que ajudasse no tratamento dessa doença. Eu estava no primeiro ano da faculdade, quando Prim faleceu... Ela sempre acreditou tanto em mim. Para ela, eu era uma espécie de heroína. Talvez, eu ainda sinta que não posso decepcionar Prim — olhou para os papéis que tinha em sua frente.

Katniss deixou-se ficar nos braços de Peeta. Os dois ficaram calados. Ela apoiou sua cabeça no peito dele e adormeceu.

Peeta levou Katniss nos braços até o quarto com muita delicadeza. Não queria acordá-la. Ajeitou-a com cuidado na cama. Uma mecha de cabelo teimava em cair sobre o rosto dela, com suavidade colocou-a atrás da orelha de Katniss.

Deitou-se na cama e ficou observando-a dormir. Ela também tinha suas dores, embora não exteriorizasse. Mas as dores são impossíveis de serem escondidas eternamente.

Como sempre acordou antes de Katniss. Era sábado.

Preparou o café da manhã.

— Bom dia — sussurrou no ouvido dela.

Ela se mexeu preguiçosamente.

— Bom dia — disse ainda com os olhos fechados.

— Trouxe seu café da manhã, dorminhoca.

Ela abriu os olhos sonolenta.

— Ah... — se sentou na cama, enquanto espreguiçava. — Obrigada — bebeu um gole de café.

Ele sorriu, enquanto a via comer.

— Hoje eu não trabalho... podemos ir dar uma caminhada — sugeriu.

— Uma caminhada logo de manhã? — se queixou ela.

— Ei, temos que fazer exercícios, deixar o ar entrar nos pulmões.

— Prefiro deixar o sono entrar por minhas pálpebras.

Katniss fez um muxoxo. Apesar de todos os protestos dela, ele conseguiu convencê-la.

— Por que temos que fazer isso? — ela resmungava, enquanto andavam pelo parque que ficava próximo ao apartamento.

Ele sorriu.

— Ok, eu levo você — disse a levantando nos braços.

— Ei, me solta! — protestou, dando pequenos socos em seus ombros. — Peeta!

— Só se você me der um beijo.

— Argh! Nem vem.

— Ah, é?

Ele começou a rodopia-la no ar.

— Para!

— Não, só se você me dar aquele beijo.

— Ok... eu dou, mas primeiro me coloca no chão.

Peeta fez o que ela pediu.

— Agora o beijo — se curvou para que ela pudesse alcançá-lo.

Ela sorriu como garotinha travessa.

— Feche os olhos — pediu.

Ele assim o fez. Porém, o beijo não veio.

— Só se você conseguir me pegar — gritou Katniss bem distante do seu alcance.

Peeta correu atrás dela, enquanto ela se esquivava com muita agilidade. Os dois praticamente percorreram todo o pequeno parque até caírem exausto na grama.

— Ok... — disse ele, ofegante. — Você é muito difícil de ser capturada...

Ela riu e lhe deu um rápido beijo nos lábios.

Katniss pousou a cabeça sobre o braço direito dele.

— Uau! — exclamou. — O céu está tão limpo hoje.

— Está mesmo — concordou ele. — Um azul perfeito.

Katniss começou a cantarolar baixinho uma música.

Por que os pássaros aparecem de repente

toda vez que você está por perto?

Assim como eu, eles anseiam estar

perto de você.

Peeta a acompanhou. Não demorou muito e eles estavam cantando bem alto a música. No final, caíram na gargalhada.

— Vamos parar de assustar as pobres pessoas que passam por aqui — disse Katniss, tentando reprimir o riso.

— E qual é o problema? — falou alto, o que provocou um olhar de reprovação em uma velhinha que passava pelo local, pelo visto ela estava fazendo sua caminhada matinal.

Os começaram a rir dos olhares indignados da velhinha.

— Temos que parar com isso — disse ela, se levantando da grama. — Antes que chamem os guardas. E eu não quero ser presa por perturbação pública.

— Não se preocupe — falou, se levantando enquanto dava pequenas batidas na roupa para tirar a grama — Se os guardas vierem, eu vou... dizer que a culpa foi sua. Eu não vou ser preso.

— Ei! — ela lhe deu um tapinha nas costas.

— Eu vou te visitar na cadeia — garantiu. — Até levo comida e revistas.

Ela fez uma careta de indignação, que não pode sustentar por muito tempo. Logo já tinha caído na gargalhada.

— Vamos ao cinema, hoje? — perguntou, passando o braço pelos ombros de Katniss.

— Hum... que filme?

— O filme não importa nenhum um pouco — falou de modo totalmente malicioso.

Ela lhe deu uma cotovelada no estômago, enquanto ria.

— Seu... espertinho.

— Ah, assim você me ofende.

Começaram a ter uma divertida discussão sobre as vantagens de irem ao cinema. Eles já estavam em frente ao prédio, quando finalmente chegaram a um consenso.

— Certo — se rendeu Katniss. — Vamos ao cinema... assistir esse filme aí.

Peeta riu, e lhe roubou um beijo. Um beijo demorado. Muito demorado.

Quando seus lábios se soltaram... se depararam com alguém os observando. Era impossível decifrar a expressão no rosto de Gale.

Ele apenas os olhava silenciosamente. O silêncio era aterrador. Sufocava mais do que todas as palavras existentes no mundo.


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Notas finais do capítulo

Odiaram? Gostaram? Gale descobriu sobre o relacionamento de Peeta e Katniss. Como vocês já notaram, ele sempre é todo protetor em relação ao irmão... como será que ele reagirá?