Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 141
Capítulo 141. Missão impossível


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas lindas!

Segue mais um capítulo cheio de pistas novas! Entramos em uma fase muito importante da história, finalmente!



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Capítulo 141. Missão impossível

Quem não adora festas?

Imagino que tenha muita gente no mundo que não goste, mas até mesmo essas pessoas podem ver o quanto isso é importante na nossa bela aventura nesse mundinho bonito. De qualquer sorte, cá estamos nós, filhos de Hogwarts, percebendo que nossos anfitriões ao redor do mundo também têm sua própria maneira de se divertir em conjunto.

Tendo dito isso, a gente precisa citar uma das festas mais legais que já vimos ou ao menos ouvimos falar: o baile de boas vindas ao ano letivo de Castelobruxo.

Não, não foi um evento especial para a gente de fora, pelo contrário, poucos de nós tiveram a chance de entrar no baile, inclusive quase nenhum - para não dizer nenhum iconoclasta - de nós foi convidado, mas para a sorte de todos, nós temos olhos e ouvidos em todos os lugares.

Quem foi, disse que a festa estava realmente muito bem organizada, digna de bailes oficiais da alta sociedade. Os convidados foram com seus melhores trajes e a anfitriã, Yolanda Calixto, não poupou esforços para entreter e mimar seus amigos e conhecidos.

Ela fez um enigma bastante intrigante e para alguns, o mistério foi até mesmo sinistro demais, o que combina perfeitamente com o histórico de Calixto em seu curso de Obrumbação, que é sinônimo de Artes das Trevas, só que mais exótico.

Mas agora vocês devem estar se perguntando: iconoclastas, o ocaso virou uma coluna de fofocas?

Nossa, vocês são muito cruéis! Tenham paciência, que nós já vamos introduzir a questão para vocês começarem a refletir sozinhos ou ignorar completamente, o que vossas consciências acharem melhor.

Falamos da festa, que foi há algum tempo e agora vamos falar do burburinho que tem se espalhado por Castelobruxo nos últimos dias.

Alguns alunos da escola começaram a se perguntar que tipo de festa de boas vindas elitista é essa, que não permite a participação de quase ninguém de fora do círculo de amizades de uma única pessoa.

Bem, cabe ressaltar que essa festa é uma tradição não oficial da escola e é ofertada por um dos herdeiros do Conglomerado FerrZ, um dos principais patrocinadores da escola. Para quem não sabe, Castelobruxo permite patrocínios para estudantes, principalmente em esportes e pesquisa.

Nesse cenário, todo ano os herdeiros do Conglomerado convidam seus patrocinados e alguns outros estudantes que eles acreditam ser interessante manter contato e um relacionamento próximo.

Tendo em vista que todos os custos e preocupações do planejamento são dos anfitriões, cabendo aos convidados apenas apreciarem a festa, a pergunta que começou a ser feita também foi: por que questionar a forma como uma festa particular é executada?

Para entender um pouquinho da demanda desses alunos que estão desgostosos com a situação de CB, nós fomos atrás de uma das estudantes mais incomodadas - e tagarelas - deste movimento de inconformismo, Clara Pinheiro. Segue abaixo a explicação dela na íntegra.

“ Para entender o problema com as festas fechadas de Castelobruxo, é preciso analisar o panorama e de certa forma voltar no tempo. As festas pertencem a uma espécie de sistema de castas, que são baseadas em questões históricas e é aí que mora o perigo real.

Como vocês de Hogwarts já devem saber, nossa escola é bem integrada com a tecnologia não xamânica, como alguns grupos chamam os sem magia por aqui. Porém, o que vocês não sabem é que nem sempre foi assim e nem todo mundo aceita essa integração.

Para começar, Castelobruxo é anterior ao processo de colonização das Américas, então povos indígenas de diversas etnias já faziam parte do conselho da escola antes de se definir os países tal qual são definidos hoje.

Embora na época da colonização não fosse proibido contar sobre a magia para os sem magia, a maioria dos povos preferiram se manter distantes e bruxos europeus não aportaram por aqui, já sabendo bem que outras culturas mágicas existiam no lugar e poderiam oferecer resistência.

Com o início da escravidão no território brasileiro, colônia portuguesa, os bruxos africanos também não vieram nesse processo, porque não eram eles os capturados e escravizados e sim os não mágicos mais vulneráveis e todo esse processo de colonização foi dos sem magia. Na verdade, a comunidade bruxa de parte alguma se envolveu.

Então basicamente a comunidade bruxa permaneceu isolada e protegida enquanto vários processos históricos aconteciam na sociedade sem magia. Quando a escravidão encerrou e os países da América estavam bem estabelecidos, Castelobruxo começou a aceitar crianças de origem não mágica.

Só que essas crianças não só vinham de famílias sem tradição na magia, como também vinham de povos dizimados, no caso dos nativos e de povos escravizados, no caso dos africanos e isso trouxe junto uma inferiorização nas relações dentro das escolas.

Para completar o cenário, famílias de origem europeia, como os Ferraz e os Calixto, aportaram no território e passaram a constituir uma nova realeza informal em Castelobruxo, aumentando ainda mais o abismo na escola, que deveria ser igualitária.

Então quando Yolanda Calixto, chilena de uma família grega, escolhe a dedo quem pode ou não participar de suas festas, quem será ou não indicado para um estágio, trabalho em comunidade, grupo de pesquisa ou patrocínio, não estamos só falando de um convite de baile, não é?

Pelo que eu entendi, vocês não estão escrevendo só para os alunos de Hogwarts e Castelobruxo, então eu pergunto para todos: quantos de vocês se sentem preteridos dentro de suas escolas? Já pararam para pensar que não é apenas sobre festas?”

Bem, Clara nos trouxe mais história mundial nessa carta do que eu vi nas aulas de Estudo dos Trouxas, foi bem esclarecedor, na verdade, mas em todo o caso, ela nos fez olhar para o nosso próprio umbigo e ver que tem algo de verdadeiro aí.

Em Hogwarts, por exemplo, nós somos divididos em casas e historicamente, cada casa se posicionou de uma forma no campo político. A Lufa-lufa, por exemplo, sempre foi uma casa diplomática e acessível, então é subestimada quase sempre, vista como boba.

Já a Sonserina escolheu caminhos políticos controversos e ficou, em sua maior parte, do lado errado da última guerra, então alguns alunos ainda hoje são vistos como aprendizes de bruxos das Trevas por conta de processos históricos que eles não participaram e muitas vezes nem sabem do que se tratam.

Clara tem um ponto, porque a forma como nos relacionamos com nossos colegas vai muito além do simples gostar e desgostar de alguém, mas para ser completamente justos, também fizemos a mesma pergunta a Yolanda Calixto, dona da festa, que nos respondeu como segue abaixo, também na íntegra:

“ Eu realmente ficaria preocupada com a insatisfação dos meus colegas, se não soubesse de onde vem exatamente esse questionamento. Clara Pinheiro é a maior responsável por incutir na cabeça das pessoas a ideia de que eu e meus amigos, de alguma forma, executamos a manutenção do que ela chama de um sistema desigual.

Eu conheço Clara desde meu primeiro ano e olha só que interessante, ela costumava estar ao lado das pessoas que ela tanto critica agora. Clara é mais velha do que eu e por isso mesmo estava muito mais próxima do que eu de Iara Ferraz, que costumava ser a anfitriã dessa festa já tradicional na escola, e por isso ela esperava ser a próxima anfitriã do baile.

Ela havia ajudado em todas as festas de Iara, mas ano passado as duas brigaram, sem nem me dizerem o motivo e em respeito a Iara, que confiou a mim a honra de continuar essa tradição inofensiva e divertida, eu não a convidei para a festa esse ano.

Convidei pessoas de várias etnias, ancestralidades, nascidos no mundo sem magia... A única pessoa que eu não convidei foi Clara e isso parece ter sido o meu maior crime. Muito bem, que fique a lição para o próximo ano:

Quem quiser festa, faça você mesmo e parem de importunar os outros!”

Ah, isso nos dá uma nova perspectiva das coisas e, sem querer pender para um lado ou outro da balança, a verdade é que ninguém sabe realmente qual foi o motivo da briga entre Ferraz e Pinheiro no ano letivo anterior.

Alguns dizem que tem a ver com o fato de Clara ter se cansado de fazer parte daquele jogo dos populares, dando um basta na situação e outros apontam aquele convite de honra feito na partida entre Castelobruxo e Hogwarts, feito pelo capitão Fábregas, que deveria ter sido de Ferraz mas foi para ela, como pivô da briga.

De qualquer forma, o que vocês acham? Cada um cuida da sua festa e a (inimiz) amizade continua ou a gente precisa começar a repensar as formas como tratamos nossos colegas de escola?

Cada um de nós aqui tem uma opinião e por isso mesmo vamos deixar a discussão em aberto de verdade dessa vez.

Ass.: Iconoclastas.

***

— Achei bem legal a última postagem, ainda bem que aqui em Beauxbatons a gente evita fazer festas além das oficiais. — Anne disse se aninhando em seu casaco branco cor de neve e Louise a respondeu com ceticismo.

— Você está sendo irônica, não é? — Eu ri da expressão de minha irmã e Beaumont revirou os olhos.

— Eu sei que nós temos essa pequena rusga com os jogadores, mas fora isso Beauxbatons é bastante igualitária. — Ela falou feliz, depois franziu o cenho para a gente, provavelmente por conta das nossas caras.

— Ela não está brincando, Cesc, dá para acreditar? — Louise falou incrédula, mas eu nem pude responder, porque Anne-Marie e Fred vinham mais atrás, discutindo algo em voz alta.

— Eu não estou te pentelhando, só estou questionando os detalhes do seu plano! — A garota grega falou exasperada e Fred continuou olhando para a frente, como se a presença dela fosse um martírio que ele tentava ignorar.

— Você já sabe a sua parte do plano, não precisa saber a minha. — Ele respondeu hermético para a garota, depois falou com todos. — A gente se encontra novamente aqui, no pé da montanha às 16 horas, ok? Não levem mais tempo do que o necessário lá.

— Sim, mas Anne-Marie tem razão, como vocês vão conseguir acessar o quarto de Sagan e por que não podem vir com a gente? — Beaumont perguntou com uma sobrancelha levantada e Fred a encarou irritado com ela também.

— Porque três garotas bonitas e inocentes são menos suspeitas do que cinco adolescentes intrometidos, agora vão logo e chega de perguntas, vocês estão perdendo tempo precioso! — Ele apontou para o topo da montanha, onde ficava a casa de Sagan, então Anne lhe deu um último olhar de aviso, antes de se juntar a Louise e Anne-Marie no teleférico.

Nós dois assistimos as garotas subindo naquele banquinho preso por cabos até elas se tornarem pontinhos na montanha. Tínhamos discutido com mais detalhes nossa parte do plano, mas Fred achou melhor não dizer nada para elas, o que pode mim tudo bem.

Estávamos finalmente saindo a campo para uma investigação e apesar do frio na estação de esqui vizinha a escola, eu estava muito animado com tudo isso. Tinha me esquecido como é bom me meter em problemas horríveis!

— E quando Enrique disse que ia chega mesmo? — Fred olhou para o relógio e quem o encarou com impaciência dessa vez fui eu.

— Dá um tempo para ele! Não é fácil roubar uma coisa debaixo do nariz do insuportável do irmão mais velho dele, dá um desconto. — Resmunguei em defesa do meu super namorado, que era a solução para todos os nossos problemas ilegais!

— Tá, então ativa o Marduk para detectar conversas sobre a Mansão dos Sagan. — Ele deu a ordem e com um simples pensamento comecei a ouvir aqueles ecos baixinhos que sinalizavam quando o Marduk estava trabalhando.

Mas aí eu lembrei de uma coisa importante.

— Segundo, por que diabos você ainda não instalou o seu Marduk? — Perguntei desconfiado e o filho da mãe enferrujado fez uma careta de leve.

— Sabe como é...

— Não sei não, me conte.

— É perigoso. — Ele concluiu com sua melhor expressão cara de pau e se eu fosse cardíaco teria morrido com um infarto fulminante agora, porque nenhum sistema aguenta o tamanho da sem vergonhice desse garoto!

— É PERIGOSO? — As pessoas ao meu redor me olharam com estranhamento, então baixei o tom, falando por entre os dentes. — É perigoso demais para você, Fred?

— Teoricamente para você também, mas não há nada que eu possa fazer sobre isso agora, tem? — Ele colocou as mãos na cintura parecendo um não sei o quê e eu juro, se ele não tivesse me distraído olhando algo atrás de mim, tinha apanhado. — Ah, ali está Enrique.

Olhei para trás para ver meu namorado chegando, mas infelizmente foi sem a carruagem melhorada que ele nos prometeu. Cruzei os braços para essa segunda afronta em menos de um minuto.

— Criatura, cadê o negócio para a gente fazer o serviço? — Ele me abraçou de lado, me deu um selinho e cumprimentou Fred com um aceno de cabeça.

— Oi pra você também! — Ele disse com ironia e eu sorri falsamente, formando um oi de má vontade com a boca. — Talvez eu não tenha trazido um veículo chamativo para o meio do povoado apenas para evitar chamar atenção!

— Onde você o colocou então? — Fred perguntou direto ao ponto e Enrique deu de ombros, sonso.

— Eu não trouxe, por isso coloquei o talvez no início da frase. — Ele disse inocentemente e agora sim eu quase cai pra trás com o tamanho dessa cara de pau profissional aqui! — Não me olhem assim, Hector estava louco em um nível astronômico hoje!

— E o que isso tem a ver com você conseguir roubar o veículo que consegue detectar feitiços de segurança no depósito de protótipos? — Fred resmungou cerrando os dentes e eu teria me sentindo vingado pela frustração dele, se não fosse a minha também.

— Tem que Hector não me deixou ter um segundo de paz enquanto eu estava no prédio, eu tive que literalmente sair fugido de Moor pelas portas dos fundos! — Quanto drama, não sei qual é o melhor ator da dupla de caras de pau a minha frente!

— Eu sabia... Devia ter trazido o meu carro e ter arriscado tocar os alarmes! — Falei desgostoso e Enrique só nos olhou irritado.

— Não pode usar um modelo Dussel oficial para invadir uma casa, eu já falei que meu pai foi muito específico quando me deixou te dar essa carruagem, Cesc: nada de crimes com ela! — Ele esbravejou e eu o olhei ofendido.

— Esse não é o tipo de orientação que um sogro deveria dar!

— Pois o sogro é meu pai e é esse o tipo de coisa com a qual ele se preocupa! — A criatura do meu ódio falou displicente e Fred interrompeu minha resposta a essa loucura.

— Que seja! Então a gente não pode usar o carro oficial e nem o protótipo roubado para cometer o crime? — O afro-ruivo falou sem paciência, olhando de mim para Enrique. — E o que fazemos agora?

— A gente vai ter que fazer do jeito mais difícil. — Enrique sentenciou e nós o encaramos com sarcasmo. — Para a sorte de vocês, eu sei um ou dois truques para abrir fechaduras mágicas.

— Por que eu não estou surpreso? — Fred o olhou cínico e Enrique o fuzilou com o olhar.

— Mas seria bom ter certeza que não tem nenhum feitiço na Mansão. Descobriu alguma coisa com o Marduk, Cesc? — Meu namorado bandido me perguntou esperançoso e eu voltei a focar no ruído dentro de minha cabeça

— O quão conveniente seria ter alguém falando sobre o sistema de segurança da casa dos Sagan nesse exato momento? — Perguntei para ninguém em particular e assim que o Marduk calou, mentalizei um “O que se sabe sobre a casa Sagan?” novamente. — Ok, eles são a família mais antiga da vila, donos da estação, responsáveis pelos feitiços climáticos, respeitados... Casa antiga destruída pra construir um hotel aconchegante e acolhedor... Isso é conversa para turista!

— A nova casa foi construída quando? — Fred perguntou com seu tom de quem tinha uma ideia perigosa na mente, então eu foquei na informação.

— Tem menos de dez anos. Por que a pergunta? — Chequei a informação e questionei intrigado. Fred sorriu mais animado.

— Significa dizer que dificilmente são feitiços antigos e poderosos, daqueles de herdeiros. Provavelmente são feitiços nos novos padrões europeus para hotéis: anti-trouxa, anti-aparatações, algum feitiço confundidor nas trancas aqui e ali... — Ele enumerou divertido, parecendo exatamente como o meliante que ele era. — Em resumo, acho que dá para entrar com facilidade.

— Então o que estamos esperando? — Enrique falou esquentando uma mão na outra, mesmo que o inverno ainda não tivesse chegado de verdade.

E isso importa nos Pirineus? Todo dia é inverno aqui, mesmo com a neve sendo mais falsa do que a ficha limpa desses dois criminosos aqui.

— Como vocês podem estar tão tranquilos quando estamos prestes a invadir a casa-hotel de um casal idoso inocente? — Eu perguntei só por perguntar, porque culpa não é algo que está no vocabulário de nenhum deles.

— É só uma checada, não vamos causar mal a ninguém... — Fred falou sem consciência nenhuma e eu tive que lembrar a ele o óbvio.

— Mas não deixa de ser um crime e os aurores franceses não vão querer saber de nada disso! — Coloquei a mão na cintura como ele fez, porque agora que eu parei para pensar, isso é bem verdade.

Se formos pegos, será uma incrível manchete e não no Ocaso, infelizmente!

— Ah, mas não pega nada, porque nós seríamos réus primários. — Fred pausou o discurso e olhou para mim prendendo o riso. — Ao menos alguns de nós!

Os dois idiotas se cumprimentaram, rindo da minha cara e eu não achei graça alguma, o fato de eu ter 15 anos e uma ficha na polícia bruxa internacional não é divertido sob nenhum ângulo! Enrique se recuperou primeiro, limpando umas lágrimas de riso dos olhos.

— Ai, ai... Agora falando sério, a gente não pode ser pego, eu ainda estou sendo processado por aquele lance na final do campeonato. — Ele falou sonso, subindo no banco do teleférico, passando na frente de duas crianças que estavam na fila. — Vocês vêm ou não?

Eu e Fred tivemos que correr um pouco para subir no negócio que não parava de andar, por sorte conseguimos nos içar para cima e sentar no banco, um de cada lado de Enrique. Descemos a trava de segurança bem a tempo de nossos pés flutuarem sobre a montanha em segurança, agora bem distante da plataforma de embarque.

A maioria das pessoas vinham aqui para apreciar a vista, já que o teleférico subia a montanha por um lado e descia pelo outro, então se você não queria descer no topo, para escolher a melhor pista para descer de esqui, na prancha ou rolando, podia apenas esperar ele chegar ao final do percurso.

Estávamos quase na metade da subida, assistindo um dos gêmeos Sartori começar seu percurso na pista com a bandeira negra de perigo, quando Fred franziu o cenho estranhamente.

— Que lance na final do campeonato, Enrique?

Você respondeu? Não? Nem Enrique.

***

Nós três estávamos agora olhando para a Mansão Sagan no topo da montanha, enquanto crianças e adultos tomavam aulas de como iniciar sua aventura no esqui bruxo.

Eu parei de olhar para o lugar, porque aquela atitude era muito suspeita e me arrependi muito, porque vi que Enrique e Fred haviam posto óculos escuros contra a claridade do sol refletida na neve.

— Por que vocês não me lembraram de trazer óculos também? — Perguntei indignado e Enrique só sorriu sem vergonha.

— Ok, eu acho que o único jeito vai ser ir pelo fundo da casa, pela parte que dá para o lado mais acidentado e impossível de descer da montanha. — Fred me ignorou completamente e meu namorado do outro lado estalou a língua nos dentes.

— Vamos invadir a casa pelo lado impossível? Parece divertido. — Ele falou com sarcasmo, mas tenho certeza que no fundo ele estava bastante animado.

— Ah se a gente tivesse um carro voador que tem feitiços espaciais que o permite passar por janelas... Se ele tivesse um sistema de detecção de feitiços de segurança, seria melhor ainda! — Comecei sonhador e terminei fuzilando Enrique com o olhar.

— Já entendi porque o Ministério não deu permissão para a gente ir em frente com esse protótipo... — Ele riu e eu revirei os olhos. — Mas vamos ser práticos, tudo que a gente precisa é de um feitiço bolha para conter o vento e a neve, até que a gente analise por onde entrar!

— Você sabe fazer feitiços bolhas, Cesc? — Fred me perguntou sem emoção e eu fiz que não com a cabeça.

— Sei fazer escudos, mas não consigo fechar o campo todo ao meu redor. — Falei gesticulando e ele concordou com a cabeça.

— Eu também não sei, então você tem mais alguma ideia genial, Enrique? — Fred perguntou cínico e meu namorado chega se inclinou e baixou os óculos no nariz para olhar bem para a cara dele.

— Como assim você ainda não sabe fazer um feitiço bolha? Você está no último ano, cara! Que vergonha! — Ele condenou, mas Segundo não parecia ter dado ouvidos. — Você sabe que cai no NIEM, né?

— O quê? — Hum, agora o enferrujado parecia bem interessado.

— Sim, cai e devo dizer, caiu nos dois anos que eu fiz, então... — Enrique fez aquela expressão de “só estou avisando" e o grifinório o encarou ainda mais desolado.

— Vai ver que eles não vão botar esse ano, já repetiram em duas provas. — Tentei fazer o grifinório se sentir melhor, mas Enrique estava muito focado em acabar com o dia dele.

— Pelo que me lembro das provas, os caras não são exatamente muito cuidadosos, eles repetiram várias questões... Talvez só não contassem com alguém fazendo a prova duas vezes para ver o padrão. — Ele riu e o olhei com desprezo, porque Enrique tinha refeito NIEM em matérias que ele na verdade era muito bom!

Não foi a toa que o pai dele ficou furioso com a cara dele, tenho certeza que ele precisou se esforçar muito para ir mal em Feitiços, que é simplesmente a matéria que ele mais domina no mundo inteiro!

Fred passou do desolado para aquela cara de “Eu tive uma ideia genial" que geralmente não prediz nada de bom. Ele foi para a frente de Enrique, próximo demais para ser confortável para qualquer um, mas Fred só faz isso quando ele quer que você foque completamente nele.

— Você se lembra das questões, não é? E se eu pegasse as questões da primeira prova e da segunda e calculasse a probabilidade delas caírem novamente, baseado no padrão de dispersão delas pelo exame? — O QUÊ?

Ele falou isso em um fôlego só e eu fiquei feliz ao perceber que eu não fui o único que ficou meio assustado com toda essa maluquice fredistica. Enrique o olhou em dúvida.

— Cara, eu não sei se me lembro tanto assim das provas... — Meu namorado começou, mas eu tive que interrompê-lo.

— Não é mais fácil simplesmente estudar o maldito feitiço não, Segundo? — Perguntei com sarcasmo, mas Fred me ignorou de novo.

— Sem problemas, Anne pode ajudar com a extração da memória, a gente só tem que tomar cuidado para ela não descobrir o porquê da gente precisar disso, ela é muito moralista e vai dizer coisas como “isso é trapaça, Fred” e eu não sei mais o quê! — Ele falou divertido e eu o olhei cético.

— Mas isso é trapaça, Fred. É tipo, a mãe das trapaças, você pegar as questões da prova antiga para tentar adivinhar as questões da prova nova. — Eu falei o mais explicado que pude e ele ainda não parecia convencido. — Grifinórios não deveriam ser supostamente criaturas nobres?

— Nem todos nós temos as mesmas qualidades nas mesmas proporções. — Ele falou cínico e eu desisti dele, principalmente porque ele mudou de assunto. — Mas voltando a invasão, o que faremos?

— Vou fazer um domo protetor ao redor de nós três, a gente analisa a casa em busca de uma janela de um cômodo desabitado, eu destravo ela sem acionar os feitiços, a gente entra e sai pela mesma passagem e pronto! — Enrique resumiu o plano e eu concordei impressionado.

— A gente pode pular para parte do “e pronto”? — Perguntei interessado e os dois garotos mais velhos riram da minha cara. — Foi o que eu pensei.

Nos encaminhamos para a mansão e discretamente desviamos do fluxo de turistas que tiravam fotos e tagarelavam na frente da casa, que era um dos pontos turísticos da estação, com seu hotel na parte da frente e residência dos donos nos fundos.

Era uma construção imponente com base de pedra sólida fundida às rochas da montanha, quase como se os pilares tivessem sido esculpidos diretamente no solo. Arrodeamos a construção e quando chegamos quase ao fundo, vimos com o que teríamos que lidar.

— Que merda, hein? — Enrique disse abaixado, tendo colocado a cabeça na esquina da última parede protegida pelo feitiço climático do cume da montanha. Ele estava com os cabelos e sobrancelhas cheios de neve e a pele do rosto ficando avermelhada pela agressão do vento.

— Muito ruim? — Fred fincou um dos joelhos no chão para ouvir a resposta da sua pergunta, então eu me abaixe também, para participar da conversa.

— Sem o feitiço bolha eu não consigo ver muito, mas ao que parece não há nem 30 centímetros entre o final da casa e o pulo nos braços da morte montanha abaixo. — Ele falou fazendo uma careta e eu fiquei menos empolgado com a perspectiva de aventura, do que estava há meia hora. — Mas acho que dá para ser feito, não senti nenhum feitiço de segurança depois da barreira.

— Como dá para ser feito? Acho que eles não colocaram feitiços, porque não dá para entrar por esse lado! — Eu conclui incrédulo, porque isso estava me cheirando a corpo de três adolescentes nunca encontrados no cume dos Pirineus. Enrique fungou e dissolveu a neve no cabelo com a luva enfeitiçada com um feitiço de calor.

— A gente pode colocar feitiços grudantes nas luvas e escalar... — Fred sugeriu, mas teve a ideia descartada de primeira.

— Não, o vento é muito forte, a chance de nós três chegarmos inteiros em qualquer janela é quase nula. — Enrique sopesou algo em sua mente perturbada, antes de dividir conosco. — Vocês podem tentar me levitar até uma das janelas, eu entro e convoco um por um de lá de dentro.

— Como levitar contra o vento é melhor do que se grudar na parede? — Perguntei sem nenhuma esperança de receber uma resposta plausível.

— É melhor porque será apenas eu levitando e vocês dois juntos podem fazer acontecer. Um faz o leviosa e o outro estabiliza o voo, vocês nem vão precisar sair dessa área. — Ele acrescentou mais detalhes ao plano, mas ainda assim continua parecendo uma merda.

— Você tem certeza que pode abrir uma janela sem ativar os feitiços de segurança? — Fred confirmou aquela parte crucial de toda a história, porque sem ela, nenhum risco valia a pena.

Já não está valendo com ela, na minha humilde opinião.

— Tenho certeza, não se preocupe com isso. E aí, prontos? — Ele perguntou animado e eu o olhei assustado.

— Agora?

— Claro que é agora, Cesc! A gente não tem o dia todo! — Fred falou impaciente e depois sacou a varinha como um maestro. — Eu o levanto e você estabiliza?

— Vou até estabilizar com a luvarinha e a varinha combinadas para não perder o namorado! — Falei tirando minha varinha oca do bolso, coisinha inútil que eu só uso na aula de feitiços para fingir que sou normal.

Enrique aplicou um feitiço estranho nos óculos, não me pergunte qual, porque eu não sei e se posicionou para ser içado sobre o vale da morte bíblico. Fred o levantou com um Wingardium Leviosa e eu até achei fácil essa coisa de estabilizar voo, até ele ir para fora da barreira que segurava os ventos horríveis da montanha.

Eu meio que atrelei o feitiço de estabilidade ao meu próprio corpo, então os ventos puxaram Enrique de um jeito que me fez ir para frente com tudo, me batendo em Fred. O grifinório me olhou com raiva por dois segundos, antes de voltar para sua posição inicial.

— Cuidado aí, Cesc! — Ele rosnou e eu o teria empurrado de cara na neve, se não estivesse muito ocupado tentando manter meus pés no chão.

— Mas que merda de feitiço é esse? Parece que você transformou Enrique em uma pipa! — Falei irritado, então continuei estabilizando o feitiço com a luvarinha, tentando encontrar uma âncora na base da casa. Não encontrei nenhuma, então amarrei o feitiço a casa mesmo. — Como a gente vai saber que ele...

O vento parou de puxar e Fred me olhou assustado e a primeira coisa que eu pensei foi “meu namorado pipa se soltou e voou para longe, caralho!”, mas aí Fred voou para longe, tão inesperadamente, que o coitado nem teve tempo de gritar!

— Mas que porra é essa?!?! — Eu falei para mim mesmo, porque naquela altura do campeonato eu era o único que tinha restado para contar a história para as autoridades e para os familiares desolados.

Não deu muito tempo de ficar pulando de um lado para o outro, me perguntando “CADÊ FRED? CADÊ ENRIQUE?” porque uma força vinda do nada me sugou para fora da barreira, então havia vento, frio, neve e... Uma mão me puxando para dentro de uma janela pequena demais para o meu gosto.

Cai em um chão atapetado com tudo e o barulho de assobio das rajadas de ar entrando no ambiente com força foi cortado assim que Enrique fechou a janela com força. Olhei para ele do chão, com cara feia.

— AI!

— Fala baixo, ainda estamos em uma casa invadida! — Fred sussurrou irritado, massageando um dos braço, se levantando do chão.

Me levantei espanando a neve da roupa, enquanto Enrique dava um jeito de limpar toda a poeira branca, prova da nossa entrada criminosa no local. Dei uma olhada ao redor e constatei que estávamos em uma espécie de depósito, cheio de caixas e coisas cobertas.

— Se tivéssemos planejado por meses, não teria dado tão certo! — Falei contente, levantando alguns panos brancos, antes de colocá-los de volta no lugar. — Olha só que legal!

Era uma caixa de vidro com um prancha de snowboard flutuando, provavelmente um modelo antigo, da época que o esporte era muito parecido com o trouxa. Fred se aproximou, olhou rápido e depois fez sinal para continuarmos andando.

Ok, primeiro a missão.

— Tem certeza que estamos na ala da família? — O grifinório perguntou incerto, dado o tanto de material profissional guardado ali.

— As áreas familiares são sempre no fundo, eu vou ficar muito surpreso se os Sagan tiverem colocado seus aposentos no meio do hotel! — Enrique sussurrou exasperado para a descrença de Fred e eu sorri para a discussão silenciosa dos dois.

— Cesc, você pode usar o Marduk para ver quantas pessoas têm na casa? — Fred perguntou muito meliante profissional e minha vontade era de manda-lo para o inferno, porque na hora de colocar o Marduk na orelha, ele fugiu feito um covarde!

Pedi ao Marduk para checar o hotel e ver quantas pessoas tinham e antes que pensem que ele é o melhor feitiço já criado, a única coisa que ele faz direito é traduzir outros idiomas, escritos e falados e captar informações ditas no presente.

Fora deixar minha mente aberta para um ex-djinn psicopata que pode domina-la por completo, claro.

— As meninas estão para lá com os donos e tem bastante gente para aquele lado! — Apontei para a direita. Os dois acompanharam o movimento com a cabeça. — Ninguém no segundo andar, mas pode ser que a pessoa apenas esteja calada, o Marduk não poderia captar, nesse caso.

— Deixa eu checar. — Enrique se abaixou e tocou no chão, concentrado, então Fred me perguntou baixinho e desconfiado.

— O que ele está fazendo?

— Ele está tocando no chão. — Falei solicito, porque obviamente eu não iria dizer a Fred o que Enrique estava fazendo, não é? Primeiro que eu nem sei, segundo que é segredo!

Mas acho que ele deve estar se conectando com o que quer que seja o material do piso para ver se tem alguém pisando nele, sei lá, a verdade é que nunca mais soube dos estudos de Enrique com o mimetismo e tudo mais.

— Ok, não tem ninguém nesse andar. — Enrique limpou uma mão na outra, depois deu de ombros. — Pelo menos não humanos, mas senti algumas pegadinhas, talvez de roedores.

— E como você fez isso? — Fred questionou desconfiado, mas com o tom ainda baixo, então Enrique sorriu misterioso.

— Do mesmo jeito que você conseguiu pegar a caixa de música dentre tantas coisas no poço de Uagadou: sorte. — Ele deu as costas para nós dois, deixando Fred ainda mais curioso. — Agora vamos, porque a gente já perdeu tempo demais conversando.

Saímos do depósito para o corredor vazio e era como estar em uma daquelas mansões de antigamente, com grandes tapetes e aquelas mesinhas com jarros em cima a cada esquina. Fred começou a gesticular freneticamente e eu e Enrique o olhamos sem entender.

— E os quadros? — Ele perguntou ansioso e que bosta, tinha mesmo os malditos quadros!

Enrique fez um sinal para que parássemos e aplicou um feitiço glamour simples, não seria suficiente para enganar uma pessoa viva e atenta, mas deveria bastar para quadros bidimensionais e provavelmente adormecidos em suas molduras.

Continuamos a exploração da casa silenciosamente, torcendo para não encontrar nenhum imprevisto e para que o próximo corredor finalmente fosse o do quarto ou escritório de Carl Sagan.

A sorte estava mesmo ao lado de Fred, porque na esquina seguinte, a última daquele lado, por sinal, ele emoldurou com as mãos a pequena plaquinha de bronze que dizia “Carl" pregada na porta. Havia ainda mais duas portas naquele vão, uma de frente para aquela e uma maior, de duas folhas, na parede final do andar.

Enrique parou a mão de Fred, antes que ele tocasse na maçaneta.

— Pode estar enfeitiçada! — Ele articulou as palavras sem emitir nenhum som e depois fez o sinal para Fred dar as costas. — Vira de costas, eu vou abrir a fechadura!

— Não, eu quero ver qual é o seu truque! — Fred disse implicante e eu quase o soquei bem na cicatriz da cirurgia de apendicite dele, porque eu sou assim de cruel.

— Para de ser insuportável! Ele está tentando ajudar e você fica...

— Abri! — Enrique havia se aproveitado da minha briga sussurrada distraindo Fred, para fazer seu truque já conhecido de transformar a mão no metal da fechadura e então abrir o trinco por dentro, como parte dela. Fred nos fuzilou com o olhar.

— Eu vou descobrir do que se trata essa sua habilidade misteriosa, Dussel, isso é uma promessa! — Que pessoa desagradável...

Fred entrou primeiro e deu uma volta ao redor de si mesmo para ter um panorama do ambiente, mas a verdade é que não era lá grande coisa. Era um quarto misturado com escritório e até mesmo depósito, porque tinham algumas caixas empilhadas ao longo das paredes, e só.

O lugar tinha uma camada fina de poeira por toda a parte e estava frio como se ninguém tivesse entrado aqui em meses. Enrique fechou a porta e criou uma barreira antirruídos nas frestas. Falou em seu tom normal assim que acabou o feitiço.

— As paredes são grossas, ninguém vai nos ouvir, se formos discretos. — Ele falou passando o dedo de leve na poeira de uma espécie de cômoda na entrada do quarto, sendo recriminado imediatamente por Fred.

— Não deixa marcas na poeira, idiota! Você quer que descubram que alguém entrou aqui? — Ele falou irritado e Enrique não deu a mínima, como sempre.

— Relaxa, cara! Ninguém vem nesse lugar há séculos, não acho que vão vir agora só porque a gente deixou um desenho na poeira... — Ele falou já indo até o outro lado do cômodo. Eu preferi ir para a escrivaninha próxima a cama, para dar uma olhada nos livros.

— Que seja, mas tentem gravar a posição em que as coisas estavam antes, porque se esse quarto está assim, cheio de poeira, é porque Sagan deve ter dado uma ordem bem específica para ninguém mexer aqui. — Fred supôs e bem, eu não tenho como contrargumentar com isso.

Assenti com a cabeça e comecei a analisar o título dos livros empilhados na escrivaninha. Havia muita coisa sobre insetos, pulgas e uns quantos papéis com cálculos financeiros, provavelmente contas do circo.

Abri a única gaveta do móvel com cuidado, lembrando do sistema de segurança louco de Fred no dormitório da Grifinória. Ah, mas que se dane! Puxei a gaveta o suficiente para ver o que tinha dentro e lá constavam uma daquelas pulseirinhas de hospital, alguns frascos pequenininhos, que eu não faço ideia do que poderia caber e algumas notas suspeitas.

Tirei as notas pequenas de dentro da gaveta e comecei a olhar uma por uma, pareciam anotações apressadas, parte de fórmulas de poção. Uma delas era uma anotação rasgada de algum caderno ou pergaminho maior.

Coloquei as outras em cima da escrivaninha e dediquei uma atenção maior a essa, porque parecia ter marcas de uma escrita de outra página em cima. Chamei Fred que estava mais perto para ver se ele sabia como ler aquilo.

— Como é mesmo aquele truque de passar o lápis para ver a última coisa que as pessoas anotaram? — Perguntei a ele, lembrando que aquele era a coisa mais fácil que um espião amador poderia fazer para solucionar um caso em todos os filmes de Hollywood.

Fred pegou a nota da minha mão e analisou com o cenho franzido. Nós dois juntos chamamos a atenção de Enrique, que se aproximou com uma expressão frustrada.

— Acharam alguma coisa? Só consegui perceber que ele saiu com pressa e estava trabalhando em um show novo, muito material sobre borboletas e besouros... — Ele falou com uma careta, ainda olhando por cima do ombro. — Esse cara é muito esquisito.

— Cesc achou uma anotação, parece que é uma poção de alguma coisa com sangue... Mas está incompleta. — Fred falou em dúvida e eu apontei as notas em cima da escrivaninha.

— Tem mais de onde essa veio, talvez a fórmula esteja completa. — Disse com esperança e Enrique as pegou para analisar.

— O que diabos um insectologista queria com uma poção com sangue no meio? — Ele disse tentando encaixar uma informação com a outra, sem muito avanço. — Essa fórmula não faz o menor sentido, falta os feitiços e... Na verdade nem parece a mesma coisa, se quer saber. Devem ser várias poções diferentes!

— Mas por que ele teria anotações soltas assim? — Eu perguntei bastante inquieto, porque isso não podia ser algo bom. — Você acha que pode ter algo a ver com Bradbury?

— Nem tudo que tem poção no mundo é sobre Bradbury, Cesc... — Enrique falou com um certo desdém pela ideia e então arrumou as notas na mesa. — Vou tirar fotos delas com o celular, talvez eu consiga encontrar alguma coisa lá no laboratório depois.

— Você poderia pedir ajuda a Hector. — Sugeri simpaticamente e ele sorriu para mim com deboche.

— Ou eu posso cortar meus pulsos e ter uma morte menos violenta. — Ele rebateu divertido e eu revirei os olhos. — Posso mandar uma cópia para Rebeca e Scorpius via coruja, afinal não precisamos resolver tudo sozinhos.

Fred nos assustou apoiando com pressa o pedaço de pergaminho que ele ficou analisando esse tempo todo, parecendo que tinha descoberto a cura para o câncer. Ele pegou a varinha novamente e se abaixou para ficar com os olhos na altura do pedaço de papel.

— Por que você é sempre tão dramático para executar um feitiço? — Não pude deixar de perguntar, porque ele sempre faz todo um gestual, muito parecido com o que os africanos fazem, mas eles ao menos tem a desculpa de não ter uma varinha!

— Quer ficar quieto? Preciso me concentrar! — Ele respondeu todo afetadinho, então Enrique se abaixou até poder ver as coisas pelo mesmo ângulo que o grifinório.

— Se concentrar no quê, exatamente? — Ele perguntou curioso e se Fred fosse sonserino, provavelmente não nos contaria nada, como vingança pela sacanagem que a gente fez de deixar ele de fora do segredo de Enrique, mas aparentemente os leões são mais evoluídos do que as cobras nesse sentido.

— Vou tentar criar uma sombra com a marca que está no papel. Parece que por ser a parte de baixo de um bloco de notas ou caderno, essa nota coincidiu em gravar justamente a assinatura do dono da anotação. — Ele falou concentrado e eu fiquei me perguntando aqui se não há uma forma mais fácil de ver o que tinha escrito, tipo com um feitiço de revelação ou uma grafite riscando o papel...

— Eu adoro essas conveniências que você trás, Segundo... Já ouvi falar em caras como você, cheios de sorte. — Enrique disse divertido e o grifinório fechou ainda mais a expressão.

— Calem a boca os dois, homem adulto trabalhando aqui! — Eu iria retrucar, mas Fred começou a sussurrar algum feitiço que devia ter inventado, igual o que ele usou no Marduk, fazendo essa merda grudar na minha mente!

Mas o que quer que seja que ele fez, deu certo, exatamente como Enrique previu. Uma névoa leve e meio dourada saiu da varinha de Fred e cobriu a nota, então ele puxou o feitiço de volta, fazendo a poeira dourada flutuar acima da escrivaninha, revelando as palavras misteriosas marcadas no bilhete. Era como se ele tivesse feito um decalque mágico!

As palavras podiam ser lidas com clareza, havia um recorte de frase que dizia “espero poder contar com" e abaixo vinha a tal assinatura prometida por Fred:

— J. B. Thompson? — Eu falei em voz alta o que todos podiam ler, principalmente porque aquilo deveria ser a coisa mais estranha do mundo. — Como em Bella Thompson, a garota nova do Ocaso lá em Uagadou?

— Como em Bella Thompson, a garota que eu e os caras protegemos dos imbecis da escola por dois anos! — Fred deixou a névoa dourada se desfazer, levantando do chão ainda completamente confuso como eu. — Bella é nascida-trouxa, então talvez nem tenha a ver com ela... Mas quem é esse J.B. Thompson afinal?

— Jacob Thompson, ele costumava trabalhar com Hector há alguns anos. — Enrique falou sem emoção e agora sim está tudo ainda mais bizarro! O cara tem o sobrenome igual ao de Bella e trabalhou nas empresa Dussel? Tem que ter uma ligação! — É o cara que supostamente meu irmão deu sumiço por ser muito bom e reclamar seus direitos sobre as nossas patentes de... Poções.

— Quando eu digo que essa merda é do demônio! Vê se tem algum criminoso envolvido com Feitiços ou Transfiguração! Não, só com Poções mesmo! — Falei irritado, mas Fred e Enrique não estavam me dando ouvidos. — E agora, o que faremos?

— Agora a gente vê o que as meninas descobriram e vamos atrás de mais respostas. — O grifinório falou conclusivo e foi exatamente o que foi feito, no fim das contas, porque não adiantava nada ficar criando teorias sem fundamento.

Coloquei as notas, os vidrinhos e a pulseira de hospital exatamente onde os encontrei e Enrique fez um leve vendaval no quarto ao sairmos, para reassentar a poeira sobre os móveis que tocamos.

Não foi tão difícil sair da casa, mas tivemos que esperar em um silêncio reflexivo, até que as meninas nos encontrassem no lugar marcado. Elas pareciam animadas, então espero que tenham conseguido mais coisas do que a gente.

— E então? Conseguiram descobrir alguma coisa? - Anne-Marie perguntou animada e eu a olhei com curiosidade.

— Talvez... E vocês? A técnica de Bradbury deu certo lá com os velhinhos? — Perguntei sarcástico e a garota grega me olhou com impaciência.

— Sim, deu certo e a técnica não pertence ao vilão, ele só usou em seus estudos do mesmo jeito que estamos usando para os nossos! — Ela falou cheia de si e eu resolvi provocar mais um pouco.

— Nem ele, muito menos nós, usamos essa pobre e inocente técnica para o bem, mas vamos logo tomar um chocolate quente, antes que eu pegue um resfriado! — Falei, sentindo a ponta do meu nariz dormente de tanto frio.

— Bruxos não pegam resfriado com facilidade, mas vamos lá, acho que temos boas novidades! — Anne Beaumont abriu caminho até a chocolateria e nós a seguimos, eu bastante feliz por sair daquele clima horrível de inverno.

As meninas francesas cumprimentaram o dono da loja com simpatia, então ele mandou preparar uma mesa para a gente e chocolate “por conta da casa para as mocinhas mais adoráveis de Beauxbatons e seus amigos!”.

Então é assim que é ser uma garota bonita? Parece incrível!

— Ok, o que descobriram? — Enrique foi direto ao assunto, então as Annes olharam para Louise, a elegendo como porta-voz do grupo.

— Carl Sagan não visita os pais há meses e no tempo que esteve aqui, esteve agindo de forma muito suspeita. — Ela começou com voz baixa e todos nós paramos para prestar atenção completamente nela. — Ao que parece ele se acidentou em um show em Vratsa, saiu do hospital antes da alta e veio para a casa, mas ficou por pouco tempo.

— E o tempo que ficou, esteve isolado em seu quarto. - Anne-Marie acrescentou a informação, que de fato era relevante.

— Estivemos lá, ao que parece ele montou um novo show e saiu com pressa mesmo. O quarto parece abandonado. — Enrique completou a informação e eu lembrei de algo que vi.

— Tinha uma pulseirinha de hospital na gaveta, mas não reparei o nome... — Falei arrependido de não ter investigado melhor isso.

— Não se preocupe, eu anotei o nome, vou mandar uma carta perguntando sobre o estado de saúde do meu primo Carl. — Beaumont falou divertida, então nós voltamos a prestar atenção em Louise.

— Sim, iremos verificar isso. Mas descobrimos onde ele está agora. — Ela falou empolgada. — Uma tia dele comentou com a senhora Sagan que o viu na Rússia começando seus shows por lá, enviou o anúncio da turnê pelo país e tudo.

— Rússia? Que merda! — Enrique resmungou frustrado, porque acho que nem ele consegue ir até lá com facilidade.

— Sim, mas temos boas notícias! Ele vai estar em Koldovstoretz em alguns dias. — Ah, tá. Eu, Fred e Enrique ficamos esperando pela continuação da boa notícia, que nunca veio.

— Eu não sei se isso que você falou é um lugar ou uma maldição, desculpe. — Fred falou sério, mas eu e Enrique não conseguimos segurar a risada. Eu pensei a mesma coisa!

— É uma escola, a escola russa de magia, que fica no subterrâneo da Praça Vermelha, em Moscou! Vários trens bruxos vão para lá, é super tranquilo de chegar, ouvi dizer. — Louise explicou com uma paciência infinita e eu parei de dar risada para ouvir meu namorado.

— Tá, é só ali em Moscou, agora tá tudo certo! — Ele falou com ironia e todos nós o encaramos sem entender. — Sério, gente? Olha, eu estou doido para vocês ficarem de maior para ver como é fácil ficar indo de um lado a outro do planeta!

— Mas você é rico! — Eu acusei indignado, porque ele é um rico muito lamuriento para o meu gosto.

— Sou rico, mas não sou invisível! Preciso de visto, permissão para uso de varinha em terras internacionais e, no meu caso, teoricamente eu nem devia estar aqui, porque eu estou sendo processado e deveria “permanecer no país”. — Ele fez as aspas com as mãos e ainda bem que eu não tive que pergunta o que isso significava, porque Anne-Marie perguntou antes.

— O que significa essas aspas? — Ela perguntou em dúvida.

— É só uma sugestão burocrática, todo mundo sabe que a França é praticamente o jardim do Reino Unido! — Ele falou cínico e eu retruquei, debochado.

— E o Japão?

— É o quintal dos fundos. — Ele disse sem vergonha e eu dei risada, mas o resto da mesa o olhou meio em dúvida. — Mas chega de falar de mim, voltemos para o caso: o que mais descobriram?

— Descobrimos onde ele vai estar e onde esteve, você quer mais o que? — Louise perguntou indignada. — E vocês, descobriram alguma coisa?

— Descobrimos um nome e partes de poções estranhas, o quarto parecia um lugar abandonando. — Fred falou sério e Anne piscou interessada.

— Deixa eu ver as fotos. — Ela pediu determinada e a mesa toda a encarou com diferentes níveis de surpresa. — Eu suponho que vocês tenham sido espertos o suficiente para tirar fotos das notas, não foram?

— Louise e Anne-Marie, quais são as habilidades mágicas de vocês? Porque esse time aqui é muito talentoso... — Enrique falou divertido, enquanto passava o celular para Anne e eu gritei de dor quando tive minha perna chutada.

— Que merda, Segundo, por que você fez isso? — Reclamei, massageando meu tornozelo e o grifinório cínico respondeu sem expressão.

— Estava tentando acertar seu namorado linguarudo.

— Vai se foder, hein? Que bosta de trasgo! Tá doendo... — Desabafei bem na hora que o nosso chocolate quente foi trazido por uma garçonete assustada com meu palavreado. Será que eu xinguei em francês? — Você teria como me trazer uma compressa de gelo, por favor?

Ela fez que sim com a cabeça e assim que todos deram o primeiro gole na bebida saborosa e deliciosamente quente, Anne-Marie voltou a falar.

— Enrique, passa as fotos para Anne e continuem a contar o que descobriram, por favor. — Ela disse mandona e Fred obedeceu de pronto.

Eu não me presto a um papel desses.

— O nome que encontramos foi o de Jacob Thompson, provável dono das anotações, já que segundo Enrique, ele trabalhava com o irmão dele. — Fred falou simplista, então meu namorado teve que completar a informação.

— Thompson era um gênio, até onde eu sei, ele levava o nosso setor de Poções nas costas, até a FerrZ nos sabotar mercadologicamente. — Ele explicou depois de um gole longo na caneca. — Desapareceu menos de dois anos depois e meu irmão foi apontado como o principal suspeito do crime.

— Hum... Sua família parece ter uma vida bem agitada. — Beaumont falou simpática, encaixando o “agitada" onde deveria estar um “criminosa" e Enrique deu de ombros. Respondi por ele.

— Você nem imagina... Mas e aí? Fazemos o que com essa informação? — Perguntei para todo mundo, mas foi Fred quem respondeu.

— Acho que temos que escrever uma carta para Durmstrang e uma para Uagadou. — Ele disse com tranquilidade, mas teve que esclarecer melhor o plano. — Scorpius e Rebeca podem ir mais facilmente do que nós para Moscou, enquanto Bella... Talvez ela possa nos esclarecer uma ou duas coisas sobre esse cara.

— Bella? Ai, minha nossa, é mesmo! Eu nem me toquei que esse Thompson era o Thompson de Bella! Estive conversando com Roxie no quarto semana passada, sobre como era engraçado três marmanjos com irmãs caçula resolverem adotar mais uma garota na família que já é enorme e Roxie me lembrou que foi por causa do irmão morto dela... — Louise falou triste, mas me deixou meio... Irmão morto?

— Louise, eu sou um dos caras que cuidavam de Bella na escola para os outros não darem em cima dela e eu nunca ouvi essa história de irmão! — Fred se defendeu dessa conversa que envolvia ele de um jeito que não era totalmente real.

— Bem, mas foi sua irmã que me contou isso! — Louise rebateu como se ele estivesse errado e não soubesse a própria história.

— Bella é uma garota muito fechada e geralmente fica agressiva quando você mexe em assuntos que ela não quer falar, então... Talvez Roxanne tenha descoberto de outro jeito. — Ele falou pensativo e Enrique terminou de esclarecer os espaços vazios.

— O desaparecimento dele foi bastante noticiado na época e há alguns anos ele foi finalmente dado como morto, não era exatamente um segredo guardado a sete chaves! As duas eram da mesma casa, as fofocas devem ter corrido pelo dormitório feminino... — Ele ponderou e ninguém pôde discordar disso. Fofocas de dormitório são rápidas.

— Tá, então está descartada a hipótese dela não ter nada a ver com isso, afinal, foi ela uma das pessoas que ouviu a profecia pessoalmente, talvez seja tudo sobre Bella! — Fred concluiu preocupado e eu resolvi pôr um ponto final no assunto.

— Não vamos pôr os testrálios na frente da carruagem. Louise, mande uma carta para Thompson. Vou dar um jeito de imprimir as fotos de Enrique para enviar junto com a carta de Scorp e Rebeca. — Falei no auge da minha sensatez e praticidade e a menção às notas fez Anne devolver o celular de Enrique.

— Tire cópias para mim também, vou tentar descobrir mais sobre essas poções. — A monitora francesa falou determinada, então Fred a imitou no pedido.

— Também vou precisar de cópias para colocar no quadro...

— Tire cópias para todos, vai ser bom ter mais de uma cabeça pensando nesse problema. Algo me diz que essas poções são bem importantes. — Louise terminou de falar e ficou mordendo a parte interna da bochecha, ansiosa.

— Enviarei cópias para todos os iconoclastas então, quem sabe não faz sentido para alguém?

Ninguém discutiu a decisão, então eu terminei meu chocolate quente em uma só virada, ele já estava mais para morno do que para quente mesmo. O silêncio caiu na mesa e eu acho que todo mundo estava com a cabeça cheia de perguntas.

Só espero que a gente consiga finalmente algumas respostas daqui para frente, porque de pergunta nós já estamos cheios até o limite!


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Notas finais do capítulo

Para quem não leu o conto onde vemos Bella, Fred, Frank e James conversando, recomendo que vá lá ver o capítulo dela nos Contos.

Os plots estão se unindo, é o apocalipse, salve-se quem puder!

Alguém já sacou mais ou menos o que está por vir?

Bjuxxx