Duro e Frio

— Como gelo —

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Às vezes Loki se perguntava se havia algo de errado com ele.

Às vezes ele flagrava Odin, com seu único olho assustador e cinzento observando Thor com um brilho bonito, um sentimento que o menino desconhecia.

Loki queria ser alvo daquele mesmo tipo de olhar.

Às vezes ele se perguntava por que todos pareciam odiá-lo. Eles sussurravam, sim, por suas costas; sussurravam que um menininho franzino como aquele nunca iria poder empunhar uma espada direito. Que ele era pálido demais, quieto demais. Fraco demais.

Um dia ele julgou ter ouvido Loki e Monstro juntos numa mesma frase, e não soube muito bem o que pensar. Não queria pensar.

Às vezes, quando ele fitava o espelho e não via os belos fios dourados tão comuns aos Aesir e sua constituição forte e corada, sentia os olhos arderem e uma vontade incontrolável de descontar na própria pele.

Às vezes ele queria que todos morressem de uma vez.

Às vezes ele sentia vontade de morrer.

Às vezes virou constante. Constante virou sempre.

Sempre e sempre.

Mas Loki entendia porque o repudiavam tanto. Com o tempo passou a entender. O que ele tinha a oferecer, afinal? Ele era o deus das mentiras, da trapaça. Ele era invejoso, fraco e cruel.

Era o que eles sussurravam e o que Loki passou a acreditar.

Os olhos verdes o encaravam com raiva quando olhava para um espelho, para uma superfícies de águas tranquilas ou mesmo para um lago congelado. Eles o encaravam e as palavras o assaltavam

estúpido/fraco/estúpido/perdedor/estúpido/cruel/estúpido/invejoso/estúpido/perdido...

Elas era cruéis e geladas, e ele sentia uma pontada no peito sempre que as ouvia. E nem sempre era sua mente quebrada quem as sussurrava.

E amavam tanto ao outro. Thor. E não era preciso ser um gênio para entender o por quê. Thor, o deus do trovão. Thor, o poderoso. Thor, o seu irmão.

Confiante. Forte. Belo. Amigo.

ThorThorThorThorThorThorThor

Filho de Odin.

Ele adorava sentir seu irmão o envolver com seus braços quentes e fortes, apesar de tudo. Sentia-se derreter todo por dentro e então sorria.

(mas não foi o suficiente)

Flocos de neve pontudos irromperam do céu azul, e caíram graciosamente, como numa dança suave que por algum motivo o fez sentir vontade de chorar.

Sua mãe Frigga também o fazia sentir aquele calorzinho gostoso por dentro. Como quando ela o embalava em noites tempestuosas, os cachos dourados roçando suas bochechas pálidas enquanto ela cantarolava baixinho cantigas tão velhas quanto o tempo...

(não foi o suficiente, não foi)

Loki jogou a cabeça para trás e abriu a boca bem grande.

Uma sensação gelada envolve sua língua, mas ele não estremece. Porque ele é um gigante de gelo, afinal. Um maldito gigante de gelo. E por um segundo ele não é Loki, o deus das mentiras. Da trapaça. Invejoso, fraco e cruel.O Traidor.

Por um segundo ele é joelhos ralados, livros misteriosos, doces e ignorância.

Mas o floco de neve derrete e ele lembra que nem de gigante de gelo podia se intitular.

Ele fecha a boca, olha em volta e suspira. Ele não pertencia a Jotunheim.

Muito menos a Asgard.

Ou qualquer lugar nos nove reinos.

Era quase como se ele

não

pertencesse

a

lugar

algum.

Seu coração doía e doía, e por muito tempo Loki nunca soube realmente o por quê.

Mas quando ele deixou-se cair em Bifrost, ele soube. Soube de uma única verdade, uma única certeza.

Seu coração congelara, cada maldito pedacinho dele tornara-se duro e frio.

E talvez nunca mais pudesse derreter novamente.

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