O Relógio de Areia escrita por beautifulfantasy


Capítulo 35
Capítulo Final – Destino




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Capítulo Final – Destino

If you gave me a chance
I would take it
It's a shot in the dark
But I'll make it

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-

Olhos violeta... Era Ravena, que vinha castigá-la por todo o mal que tinha feito.

Mas os olhos pareciam preocupados... Não era mais Ravena então.

A imagem de Mutano se formava gradativamente diante de si. Os contornos do rosto, a pele verde, o cabelo... violeta.

Não era Mutano.

"Você está bem?" a imagem perguntou. Olhou em seus olhos. Era Ravena de novo.

Sentiu que uma forte pressão deixava seu tórax. Seja lá quem fosse, a pessoa estava tirando uma coluna de madeira de cima dela, com poderes que emanavam uma aura verde escura. Suspirou, fechando os olhos de novo. Sentiu sua cabeça sendo levantada. Abriu os olhos.

"Tente ficar acordada até os paramédicos chegarem" disse a imagem gentilmente. Podia enxergá-lo claramente agora. Tinha a pele verde, e os olhos e cabelos violeta. Era o filho de Ravena e Mutano. Isso devia significar...

Antes que pudesse concluir o pensamento, desmaiou.

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

24 de Julho de 2028, 4h32min

Terra acordou, deitada em algum lugar à meia-luz. Olhando ao redor, reconheceu um quarto de hospital. A cama em que deitava era quente e confortável, ela percebeu luzes e um bipe mecânico ao lado, indicando um monitor de sinais vitais. Se mexendo levemente sentiu uma máscara incômoda encobrindo seu nariz e boca e ao dobrar o braço para retirá-la viu o cateter em seu pulso. Tossiu um pouco ao retirar a máscara, mas se sentiu aliviada ao sentir o ar frio em contato com suas vias aéreas úmidas e sensíveis. Sentiu de repente uma intensa urgência por um cigarro. Com essa sensação caiu no sono.

Quando acordou novamente, o sol batia na janela de seu quarto, iluminando-o, e um médico esperava para recebê-la.

"Bom dia, Srta Markov." ele a cumprimentou, sorrindo. Ele tinha cabelos grisalhos e muitas rugas ao redor dos olhos bondosos. Ela não sorriu de volta e apenas grunhiu.

"Como está se sentindo hoje?"

"... Dolorida"

"Gostaria de um analgésico mais forte?"

"Eu gostaria de um cigarro" Ele deu uma risada.

"Receio isso não ser possível até que você deixe esse hospital." ele informou, anotando alguma coisa em sua prancheta. "Agora, sobre a sua condição..."

"Eu vou para a cadeia?" ela perguntou diretamente, lembrando de todos os fatos que a levaram a esse estado. Ele pareceu genuinamente surpreso.

"Cadeia? Não vejo porque a Srta pensaria isso!"

Ela não respondeu, se limitando a sustentar o olhar do médico, confusa.

"A Srta se lembra do que aconteceu?" ele perguntou, uma expressão de curiosidade no olhar. Ela suspirou.

"Posso ir ao banheiro?"

"Certamente. Precisa de ajuda?"

"Não" ela declarou firmemente, se içando para fora da cama e andando com dificuldade, mas determinação em direção à pequena porta no fundo do quarto.

Quando voltou, o médico a examinou em silêncio e em seguida fez mais algumas perguntas em relação a como se sentia fisicamente. Ele saiu e uma enfermeira lhe trouxe uma refeição composta de mingau, cereal com leite, torradas e suco de laranja. Terra percebeu que estava faminta e devorou tudo, embora a enfermeira lhe aconselhasse a não comer tão rápido.

"A Srta tem visitas" ela informou, retirando a bandeja vazia. Terra congelou, pensando em dizer que estava indisposta para visitas, mas a enfermeira já estava do outro lado da porta e, antes que se fechasse, uma mão verde a parou.

'Mutano!' ela pensou, entrando em pânico. Porém, não foi Mutano quem atravessou a porta, mas um adolescente muito parecido com ele, mas com diferenças substanciais.

Seu cabelo era arroxeado e mais longo e liso, caindo até seus ombros. E seus olhos eram de um profundo violeta. Terra teve uma sensação estranha ao constatar que esse rapaz era, essencialmente, o mesmo bebê que ela salvara pouco tempo atrás. Como se tivesse se levantado rápido demais e ficado tonta.

"Hey, tá tudo bem?" ele perguntou, parecendo preocupado, quando ela levou a mão à cabeça e piscou. A loira confirmou com a cabeça e respirou fundo, até que a tontura passou.

"Bom. Posso me sentar?" ela olhou para ele por um segundo antes de acenar com a cabeça novamente. Ele puxou uma cadeira e se sentou ao lado da cama de hospital, sorrindo.

"Meu nome é Caleb Logan"

"Eu sei" ela respondeu, deixando passar uma nota de amargura na voz. Mas ele não pareceu perceber, dado que continuou sorrindo.

"E você é Terra, certo? Eu te encontrei ontem."

"Eu não atendo por esse nome há algum tempo" ela disse.

"Ah, é verdade. Como eu posso te chamar?"

"Terra está bom por agora."

"Que bom! Asa, Ciborgue e Estelar vão estar aqui em breve," ele informou, olhando rapidamente para a porta. "Mas eu gostaria de falar com você primeiro"

Ela permaneceu em silêncio, sem ter a mínima ideia do que o filho de Mutano e Ravena poderia querer dela.

"O médico me disse que você está apreensiva sobre ir para a cadeia" ele começou "Não tem com o que se preocupar. Você foi encontrada em um local de explosão, foi só isso. Não é contra a lei passear pelo parque à noite."

"E quanto a ser encontrada próxima a objetos roubados?" ela questionou, sem entender porque estavam ignorando esse fato.

"Não encontramos objeto nenhum próximo de onde você estava" ele deu de ombros. "Nadinha"

Por que ela sentia como se esse garoto soubesse o que ela fez e estivesse a encobrindo?

"E nada sumiu?"

"Não recentemente"

Um pensamento ocorreu a ela.

"Você... Tem um calendário?" pediu. Caleb retirou um comunicador amarelo familiar do bolso e colocou no modo calendário, passando para ela. Estavam em Julho de 2028. Por algum motivo, ela tinha viajado quatro anos no futuro, em relação ao dia que pegara o relógio. Parecia um preço justo em troca de sete anos no passado e à criação de uma nova linha temporal. Passou o comunicador de volta, absorta em pensamentos.

"Mas de qualquer forma, vim te perguntar uma coisa" ele se inclinou mais próximo a ela. "Você viveu como civil durante todos esses anos, certo?"

Ela desviou o olhar e assentiu. Imaginava que agora viriam questionamentos pessoais.

"Você tem interesse em lecionar?"

Silêncio. Ela se virou e encarou os olhos violeta. Ao contrário dos de sua mãe, esses olhos não lhe lançavam nenhum sentimento de hostilidade.

Eles a encaravam com pura indagação. Não pareciam saber mais sobre ela do que ela própria nem procurar intenções escondidas.

"Como é que é?"

"Certo, desculpe, melhor me explicar direito" ele sacudiu a cabeça, sorrindo. "Eu estudo na Titans High, escola para jovens com habilidades especiais, entende"

Terra continuou olhando para ele sem interromper, extremamente confusa e sem saber no que aquilo iria dar.

"Bom, como é uma escola relativamente nova, ainda está em formação no quesito de disciplinas e professores" ele continuou, tomando seu silêncio por consentimento.

"E eu estou sugerindo uma nova disciplina para Auto-Controle, sabe, métodos para aqueles que têm habilidades muito difíceis de... bom, controlar."

"O diretor me disse que se eu conseguisse um bom professor e alunos suficientes ele incluiria a disciplina para o próximo semestre" ele finalizou, parecendo satisfeito consigo mesmo. "Já temos a quantidade de alunos, só falta um professor. Eu estava me perguntando se você gostaria da vaga."

"O que?" ela perguntou com uma risada sem humor, após um silêncio chocado. "Garoto, eu não sou professora, nunca dei aulas na vida, e se você perguntar pra qualquer um dos seus... bom, dos Titãs, vai descobrir que eu sou a última pessoa que alguém deveria ir para aprender sobre controle de poderes."

"Mas... você é! Conseguiu viver entre civis sem machucar ninguém por o que... vinte anos?" ele argumentou "Além do mais, alguém com quem se identificar, alguém que não tem medo de contar suas falhas é muito importante para um aluno inseguro e com medo!"

Ela se limitou a rir da cara dele.

"Ahh... Garoto, você é um bom piadista. Foi ótimo" ela disse olhando em volta, fugindo daqueles olhos com tanta expectativa. "Agora por que não pede para Dr Light dar aulas de estratégia?"

Quatro batidas soaram na porta.

"Tá legal, moleque, seu tempo acabou" a voz de Ciborgue soou, e Caleb levantou-se rapidamente.

"Você não precisa responder agora" ele disse, tirando um papel do bolso e colocando na mão dela. "Pense sobre isso. Se mudar de ideia..."

"Caleb?" chamou uma voz feminina. Estelar.

"Estou indo!" ele disse em voz alta e se voltou para ela. "Foi um prazer te conhecer, de qualquer maneira."

Ele já estava do outro lado do quarto, com a mão na maçaneta da porta, quando ela o chamou. Ele se virou, esperançoso.

"Obrigada por me salvar dos destroços" ela disse. Ele apenas lhe dirigiu um sorriso caloroso e saiu.

Em seguida três de seus antigos amigos e colegas de equipe entraram, todos com olhares incertos. Ela suspirou. Isso ia ser um saco.

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Após alguns questionamentos práticos de detetive, Robin – agora conhecido como Asa Noturna – saiu para o trabalho burocrático, deixando os três sozinhos.

"Terra? O que Caleb queria com você?" perguntou Ciborgue, agora que seu líder tinha saído, querendo satisfazer a curiosidade. A loira deixou escapar uma risada pelo nariz.

"Ele veio me oferecer um cargo de professora naquela escola de vocês" os dois titãs a encararam, surpresos. "Aulas de Auto Controle! Conseguem acreditar?"

Mas nenhum deles a acompanhou na risada. Pelo contrário, os dois se entreolharam, como se tivessem acabado de ver algo que estivera embaixo de seus narizes o tempo inteiro.

"O que? Vocês não acham que isso é boa ideia, acham?" ela perguntou, parando de rir.

"Na verdade, acho uma ideia gloriosa!" respondeu Estelar, batendo palmas, os olhos brilhando.

"Cara, como não pensei nisso antes?!" o titã metálico bateu uma mão no rosto, parecendo frustrado.

"Ok, hellooou? Terra para Ciborgue e Estelar, câmbio?" ela zombou, falando em um comunicador invisível. "Quantas vezes eu quase destruí a cidade?"

"Terra, na Titans High, nós temos uma filosofia diferente" explicou Estelar gentilmente. "Os professores devem partilhar suas experiências, e mesmo aprender com seus alunos!"

"O que ela quer dizer é: talvez você precise disso tanto quanto eles," complementou Ciborgue. "Eles não precisam de alguém perfeito, só... alguém que os oriente."

"E nosso sobrinho Caleb raramente erra em suas decisões" contou a tamaraneana, parecendo orgulhosa.

"Gente, isso não faz o menor sentido. Por que ele me escolheu? A escolha óbvia seria Ravena..."

"Bom, sabemos que ele não a convidou" o homem-robô deu de ombros. "E ela já dá aula de outras coisas..."

"Amiga Terra, Caleb tem se esforçado muito para a inclusão dessa disciplina na escola, e ele tem tratado o assunto com a maior seriedade possível" disse Estelar, as mãos repousando em seu colo. "Ele recrutou os alunos que mais precisam e já começou um grupo de estudos do assunto. A escolha do orientador ele tem conduzido com o maior cuidado."

"É verdade" confirmou Ciborgue. "Sugerimos várias pessoas, mas ele não achava ninguém bom o suficiente. Ravena nem foi considerada, porque ela já é orientadora de outra disciplina."

Terra não teve o que dizer à luz desses fatos.

"Mas quando você apareceu ele ficou muito animado."

"Você pode confiar em Caleb, amiga Terra" garatiu Estelar. "Ele é muito sábio para a idade. Ele é... Bem, não sei como explicar. Ele tem a habilidade de empatia de Ravena e a vontade de fazer algo sobre isso de Mutano, entende o que quero dizer?"

"Não muito..."

"O garoto vai fazer grandes coisas no futuro, disso nós sabemos"

Terra suspirou.

"Eu vou pensar no assunto, ta legal?"

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

"Cheguei" anunciou Caleb ao entrar em casa, fechando a porta atrás de si. Um cão felpudo veio ao seu encontro, animado. Ele se ajoelhou e o acariciou por alguns minutos, antes de se levantar e entrar na sala. Uma mulher de cabelos violeta usando uma camisa azul e calças brancas lia um livro no sofá, uma adolescente com longos cabelos verdes escrevia em um caderno com um notebook do lado e duas meninas estavam sentadas no chão jogando vídeo game. O enorme cão se deitou entre elas, onde parecia ter estado previamente.

"Oi, Caleb. Você demorou" disse Ravena, levantando os olhos de seu livro.

"Tive que fazer uma coisa. Cadê o pai?" ele perguntou, olhando em volta.

"Na cozinha" respondeu ela, voltando à sua leitura.

"Oi Caleb!" exclamou um homem de pele verde, aparecendo pelo portal que ligava a cozinha à sala de estar. Estava com um pouco de farinha no nariz e mexendo o conteúdo de uma tigela. "Hoje vamos ter lasanha de espinafre com tempurá de legumes!"

"Parece ótimo, pai" ele disse, esfregando as mãos. "Mas de qualquer forma, tenho boas notícias!"

O máximo que sua família fez foi levantar os olhos de seus afazeres para indicar que estavam ouvindo.

"Eu encontrei uma professora para aula de Auto-Controle!"

"Que bom!" exclamou Ravena com um sorriso.

"Que ótimo, filho! Você estava trabalhando duro nisso!" constatou Mutano, também sorrindo.

"Mesmo?" perguntou Marie do chão, com a voz esperançosa. Era loira com olhos verde-água, o cabelo caindo até os ombros. Sua distração momentânea lhe custou a vitória.

"Ganhei!" informou sua gêmea, Arella, de olhos violeta e cabelos da mesma cor que iam até o queixo, com uma jóia vermelha no chakra frontal, mostrando a língua e puxando uma pálpebra para baixo.

"Quem é?" questionou Esmeralda, depois de teclar alguma coisa em seu notebook, o encarando com seus olhos muito verdes. "Conhecemos?"

"Bom, a mãe e o pai conhecem..." ele contou, retirando sua capa e a pendurando em um gancho perto da porta. "Era uma antiga colega de equipe, foi que tia Kory disse."

"Ah, é?" Ravena levantou uma sobrancelha, e Mutano pareceu igualmente intrigado. "Quem?"

"Terra."

"Eh?" os dois pareciam completamente chocados.

"O que?" ele perguntou, confuso.

"Como você encontrou a Terra?" questionou Ravena. "Ela estava desaparecida."

"Eu te disse que ela estava vivendo como civil, Rae!" disse Mutano, em um tom de 'eu-estava-certo', que seus filhos sabiam que ele raramente tinha a chance de usar.

"Ela foi encontrada naquela explosão há uns dois dias..." Caleb explicou, se sentando em uma almofada no chão próximo às gêmeas. "Então fui hoje no hospital convidá-la."

"E ela disse que sim?" interrogou Esmeralda.

"Bom... Não. Ela disse que vai pensar no assunto" Caleb disse enquanto Pérola, a gata branca de Esmeralda, se enroscava em seu colo. "Mas eu estou otimista."

"Mas... O que te fez querer convidá-la, Caleb? Ela... Bem, sabe, ela tinha uns problemas quando a conhecemos."

"Sim, ela aceitou sair com seu pai" informou Ravena com seu tom irônico. As gêmeas caíram na gargalhada e Esmeralda abafou uma risadinha, enquanto Mutano lançava um olhar exasperado à esposa.

"É sério? Vocês eram namorados?" Caleb piscou, sério.

"Foi uma coisa bem curta" ele tentou se explicar. "Tipo, um dia. Depois ela... Bem, ela saiu do time."

"Por que?"

"Porque sua mãe a odiava" ele disse, se vingando da provocação anterior, fazendo as meninas rirem de novo. Foi a vez dele receber um olhar mortal. "Ops, acho que tem alguma coisa queimando." E com isso desapareceu na cozinha.

"Você não gosta dela, mãe?" perguntou Caleb, acariciando a cabeça da gata com os dedos.

"Eu só tinha um pouco de ciúmes" ela confessou, despreocupada. "Ela fez algumas coisas ruins, mas se compensou no final."

"Entendo... Bom, eu fiquei impressionado com o fato de que ela viveu como civil durante vinte anos!" ele parecia genuinamente surpreso. "Tio Vic me contou sobre a dificuldade que ela tinha quando era jovem, e eu pensei que muita gente poderia se identificar!"

"Isso é verdade..." concordou Ravena. "Ainda mais aquele seu pobre amigo que controla sombras..."

"Sim... Se ela aceitar, tudo vai melhorar para nós!" disse Esmeralda, esperançosa.

"Tá legal, pessoal, a comida está pronta!" chamou Mutano, e a família se levantou para se dirigir à sala de jantar.

"Esmeralda, você pode não mexer ao celular na mesa?" pediu Ravena, vendo do outro lado da mesa a garota manter uma garfada de lasanha no ar para dedicar a atenção à pequena tela.

"Desculpe" ela disse, pousando o celular na mesa e voltando a comer. "Tia Kory está me mandando umas fotos de vocês no início da equipe."

"Por que?" perguntou Mutano, com a boca cheia de tempurá.

"Preciso escrever uma redação baseada em uma foto..." ela explicou, depois de tomar um gole de chá gelado. "Então pedi umas que eu nunca vi. Ah, chegaram."

"Posso ver?" Arella se esticou para ver a tela, e as duas começaram a rir. "Você era pequeno, pai."

"Acho que isso decide quem vai lavar a louça hoje" respondeu Mutano, retirando os pratos vazios da mesa.

"O que? A mãe não lava há um tempão!" ela protestou.

"Bom, é pra isso que se têm filhos" a empata deu de ombros, se levantando e olhando por cima do ombro da filha mais velha. "Olha isso, Gar"

"Ah, odeio essa foto" ele grunhiu, observando. Era uma foto de Ravena, com cerca de dezoito anos, lendo um livro distraída no sofá, e Mutano mais perto da câmera, com um olhar de surpresa e constrangimento. "Eu estava prestes a chamar sua mãe para sair pela primeira vez quando Kory apareceu do nada e tirou essa foto! Adiou nosso primeiro encontro umas boas semanas até eu juntar coragem de novo..."

"Talvez tenha sido para melhor. Eu ia dizer não" contou Ravena. "Eu ainda estava em estado de negação sobre gostar de você."

"Eu suponho que sim..." suspirou o metamorfo. "Arella, você não vai escapar da louça!"

Depois que toda a louça foi lavada e secada pelas gêmeas, a família assistiu um pouco de TV e se preparou para dormir. Ravena deixou o banheiro e foi checar os filhos enquanto Mutano tomava banho. Chegou ao quarto mais distante do próprio e olhou pela porta entreaberta.

A luz estava acesa e suas duas filhas mais novas estavam na cama de baixo do beliche, conversando em voz baixa.

"Chega de conversa, vamos dormir" ela ordenou, entrando. Elas se separaram rapidamente e Arella subiu para a cama de cima, se deitando. Ravena beijou sua testa e se curvou para Marie, que tinha um olhar ansioso.

"Só mais dois meses, querida" ela disse a cobrindo, sabendo que era pela iminente entrada na escola nova, de Caleb e Esmeralda.

"Você acha que a Terra vai ser uma boa professora, mãe?" ela perguntou quando a mãe a beijou.

"Eu não sei dizer, Marie, ela nem aceitou ainda" ela respondeu, apagando a luz. "Boa noite, meninas."

"Boa noite, mãe" elas disseram em uníssono, o que sempre a fazia achar graça.

Fechou a porta e se dirigiu à próxima porta. Bateu e entrou no quarto todo pintado de rosa. Esmeralda fechou o computador com pressa, meio sentada na cama.

"Você deve ser a única garota no mundo que fica acordada até tarde para escrever uma redação que é para ser entregue em dois meses" ela comentou com um sorriso.

"Eu estava falando com Diego também..." ela argumentou, puxando as cobertas e apagando o abajur. Pérola pulou na cama e se aconchegou em suas pernas. Ravena sorriu e se virou para ir embora. "Mãe?"

"Sim?" ela se voltou, encarando a silhueta da filha na escuridão.

"Você acha que você e papai estavam destinados a ficar juntos?"

Ravena levou um segundo para digerir a pergunta. Então sorriu.

"Não, querida. Ninguém está destinado a nada" ela explicou com calma. "Relacionamentos são difíceis de manter. Eu e seu pai estamos juntos porque nos amamos e trabalhamos muito todos os dias."

"Entendi. Obrigada, mãe. Boa noite."

A empata desejou boa noite à sua filha e fechou a porta, andando e ainda considerando sua resposta. Passou na frente do quarto de Caleb. Ele ainda estava falando com a namorada pelo celular. Ela apontou para o pulso com o dedo da outra mão, indicando que estava tarde, e ele levantou um polegar e sorriu.

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Caleb acenou para a mãe quando ela apontou o relógio e encerrou sua conversa com Tinúvil, ainda saudoso. Ligou a luz do abajur e projetou um portal para deixar Flame entrar. O cão cheirou o quarto e começou a farejar seu bolso. Então parou à sua frente, o fitando com um olhar desconfiado.

"O que?" perguntou o rapaz, levantando uma sobrancelha. O vira-lata continuou olhando suas calças, parecendo temeroso de chegar perto. Então Caleb se lembrou.

"Ah, é!" exclamou, enfiando a mão no bolso e tirando um embrulho em papel pardo. Desembrulhando o papel, revelou um caco de vidro grosso pouco maior que uma moeda. Tinha ondulações suaves e estava um pouco sujo. Havia encontrado isso no mesmo local da explosão que o levara até Terra, no meio de um monte de areia. O que era estranho, pois eles estavam longe da praia. Esquecera completamente de mencionar isso a Asa Noturna, Terra ou até seus pais. De fato, se não fosse por Flame, provavelmente colocaria para lavar junto com as calças.

Passou o dedo com cuidado pela superfície lisa, tentando enxergar melhor. Parecia a parte do formato de uma runa...

Um latido o sobressaltou.

"Quieto, Flame!" ele sibilou, temendo que sua mãe acordasse. O cão de pelo alaranjado rosnou para os grãos que caíam no tapete. Caleb tentou acalmá-lo "É só areia..."

Mas Caleb tinha juízo demais para ignorar o instinto de um animal. Suspirou e embrulhou o caco novamente, guardando-o na gaveta da escrivaninha.

"Pronto, não vou mexer" assegurou ao cão, que por fim relaxou e se dirigiu a sua almofada, girando no lugar várias vezes antes de se deitar. Caleb também se deitou, a exaustão chegando a seu corpo enfim.

"Vou jogar fora amanhã de manhã..." garantiu com um bocejo, e caiu no sono. Não se lembraria dele pela manhã. O caco brilhou com uma luz dourada na escuridão de sua nova cela, grãos de areia projetados do nada caindo ao seu redor. Ficaria guardado na gaveta ainda por muito tempo...

Mas tempo não era problema para ele.

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Quando Ravena chegou a seu quarto, Mutano estava com uma calça de moletom e balançando a cabeça, tentando tirar água remanescente do ouvido. Ela se sentou na cama, apoiando as costas em um travesseiro e abrindo novamente seu livro.

"Tudo bem?" perguntou Mutano, se deitando. Ela sorriu e assentiu com a cabeça. Ele suspirou e se deitou. Um latido ecoou pela casa. Ravena franziu a testa, mas não iria se levantar só pra expulsar Flame do quarto de Caleb. Fechou o livro sem ler uma palavra e se deitou de frente para o marido.

"Está pensando em alguma coisa?" perguntou, encarando seu rosto intrigado.

"Hm? Ah, sim. Estava pensando naquela foto da Kory." ele disse, e Ravena levantou uma sobrancelha questionadora. "Quer dizer, se ela não tivesse aparecido, e eu tivesse te chamado pra sair e você tivesse dito 'não'... O que será que poderia estar diferente...?"

"Provavelmente nada" ela deu de ombros. "Porque você não ia desistir tão facilmente."

"Eu realmente não iria..." ele murmurou, a fazendo sorrir. Ela o viu abrir o sorriso que sempre abria quando conseguia essa proeza. "Eu te amo."

Ravena pensou novamente na pergunta que sua filha fizera. Por toda a sua vida, ela odiara o conceito de destino. Tendo sido destinada a um futuro terrível, não só para si, mas para todos à sua volta, desde criança, acreditara nisso por dezesseis tristes anos. Quando, por fim, derrotou seu pai e deu a volta por cima do destino, estava determinada a tomar suas próprias decisões na vida, e não ser regida por mais nenhum tipo de força inexplicável.

Agora considerava se a vida que tinha agora – essa vida feliz, casada com o homem que amava, os poderes sob controle e quatro filhos maravilhosos e saudáveis – fazia parte de seu destino. Assistindo Mutano adormecer, chegou à conclusão de que isso não importava. Estendeu a mão para segurar a dele e fechou os olhos.

"Eu também te amo"

Adormeceu com um sentimento reconfortante.

Tudo era como devia ser.

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Know with all of your heart
You can't shame me
When I am with you
There's no place I'd rather be
N-n-n-no, no, no, no place I'd rather be

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Música: Rather Be por Clean Bandit ft. Jess Glynne

Tradução:

Preferiria Estar

Se você me desse uma chance
Eu a pegaria
É um tiro no escuro mas eu vou fazer isso
Saiba com todo o seu coração
Você não pode me envergonhar
Quando estou com você
Não há nenhum lugar que eu prefira estar
N-não, não, não, não há lugar que eu preferiria estar

–o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o


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Notas finais do capítulo

N/A:

Chegamos então ao capítulo final... Espera, o que é isso?

Um Epílogo! A maior carta na manga de um escritor! ;D



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