Amor é Um Jogo de Azar escrita por Christine


Capítulo 5
Bem vindo a selva




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Ron largou a pena na mesa e empurrou o pergaminho para longe. Eram apenas seis horas da tarde, mas ele não conseguia mais trabalhar. Embora a maioria dos funcionários do Ministério fosse embora nesse horário, ele normalmente ficava por mais uma, talvez duas horas, fazendo o trabalho atrasado. Mas, naquele dia, ele não conseguia mais pensar. Tinha que ir embora.

Um dos motivos era o cansaço. Em breve, aquela rotina pesada de trabalho e estudo faria um ano, e Ron há tempos implorava pelas férias. O sono estava acumulado de tal maneira que não havia nada que ele não desejasse mais do que deitar na cama e dormir por uma semana.

O outro motivo era Malfoy. Não que ele quisesse ir para o apartamento e encontrar com ele. O problema era que Malfoy e seu comportamento não o deixaram se concentrar direito por todo o dia e, agora que a hora de voltar se aproximava, seu foco no trabalho era quase zero. Ele estava nervoso.

No início, tudo estava bem... ou menos pior, se tratando de Malfoy. Apesar de ter se recusado a continuar arrumando a cozinha ("Minhas mãos estão destruídas!"), ele mantinha seu quarto em ordem e a sala em razoável estado, e Ron tinha a impressão que a pilha de tranqueiras em cima da mesa diminuía a cada dia, o que era um avanço.

Então, aconteceu aquela coisa no quarto. Ron ruborizava só de lembrar, mas o pior era lembrar da expressão de Malfoy. Se ele somente tivesse ficado parado, olhando para ele, já seria ruim o suficiente, mas não. Ele ficara com uma expressão tão estranha que Ron sequer conseguira achar a palavra certa para descrever, mas que lembrava bastante um animal selvagem salivando diante do seu mais novo alimento. Depois de gritar com ele para sair do quarto e ir o mais rápido que pôde para o trabalho, ele ficou o dia todo aterrorizado, pensando que Malfoy o atacaria assim que ele chegasse – porque era isso que a expressão dele no quarto indicava que ele faria.

Mas ele não fez nada. E isso deixou Ron nervoso. Se Malfoy fizesse alguma coisa, ele poderia gritar, afastá-lo e as coisas acabariam ali, mas ele fez pior. Ele estava observando, rodeando, esperando.

Em resumo, Malfoy estava flertando com ele. Ele sentiu vontade de rir quando pensou daquela forma, mas era verdade. Não sabia direito qual era a técnica dele, mas parecia ter sido moldada para acabar com seus nervos de forma perfeita durante a última semana.

E o pior era que estava funcionando.

Não que ele correspondesse à aquele interesse doentio de Malfoy. Não. Se ele ultimamente reparava mais do que devia como a curvatura das costas dele era quase delicada demais para ser masculina, ou como as pernas dele eram bem formadas, era tudo culpa de Malfoy e de seu jogo estúpido. Mas ele não cederia. Ele era hétero, muito hétero, e não era a doninha que o faria mudar de orientação sexual. Por mais que tivesse um belo traseiro.

Levantou da cadeira, pegou suas coisas e foi em direção ao elevador, já preparando as defesas mentais que certamente teria que ativar assim que chegasse no apartamento, para se defender de Malfoy. Mas, a partir do momento em que pisou no apartamento, ele soube que a noite não ia ser bem do jeito que imaginava.

Para começar, ele não esperava ver Malfoy chorando aos prantos no sofá.


 

Draco estava em choque absoluto. Desde o momento em que ouvira a sentença fatal do medibruxo, ele só conseguia ouvir pedaços de informação e ter visão o suficiente para voltar para o apartamento e sentar no sofá, olhando para a parede, tentando assimilar aquela notícia. Ele se segurou o máximo tempo que conseguiu, mas, perto das seis horas, a consciência o atingiu e seu auto-controle arrebentou. Então, pela primeira vez em anos, ele chorou descontroladamente. Aos prantos, soluçando, ele amaldiçoou Potter, seus hormônios, sua má sorte e sua sensibilidade, nessa ordem.

Estava começando a se recuperar quando Weasley chegou. Rapidamente, tentou limpar os vestígios do choro e se recompor, mas sabia que o surto devia estar evidente em seu rosto. Sem sequer dar um passo, Weasley olhou para ele e seu queixo caiu de forma tão cômica que Draco teria rido, se não estivesse tão ferrado.

"Malfoy" – começou ele, espantado – "o que foi que aconteceu?"

Draco não respondeu; ainda estava soluçando demais para dar uma resposta coerente.

"Malfoy" – tentou Weasley de novo, aproximando-se dele – "o que aconteceu? Você está machucado ou..."

"São gêmeos."

Weasley parou no meio do caminho até o sofá.

"Como?"

Draco respirou fundo antes de repetir.

"São gêmeos."

No mínimo, lembrou ele. Gêmeos eram mais prováveis, dissera o Dr. Hall, mas a energia mágica em formação dentro dele era forte o suficiente para ser de três bebês, talvez até quatro, mas Draco ainda não estava preparado para lidar com aquilo. Olhou para Weasley, que parecia indeciso.

"Bem" – começou ele, depois de hesitar – "eu deveria dar os..."

"Se você me der os parabéns, eu vou te matar aqui e agora."

Weasley arregalou os olhos.

"Mas, Malfoy, são seus..."

"Weasley, eu acho que você ainda não entendeu" – começou Draco, a voz elevando-se a cada palavra, incapaz de conter a raiva – "Eu nunca quis essas crianças e ainda não quero. Se eu tivesse sabido antes, eu teria me livrado delas. Nunca quis uma linda família com Potter. Um filho já era ruim demais, mas dois são uma merda completa. Eu odeio essa situação. Entendeu, agora?"

Weasley estava claramente chocado, mas assentiu. Draco, que se levantara sem perceber no meio do discurso, sentou de novo e agarrou uma das almofadas, como se apertá-la com força pudesse aplacar parte da sua revolta.

"Eu lamento" – disse Weasley, parecendo genuíno.

"Certo" – resmungou Draco – "Há menos de dois minutos você estava prestes a me dar os parabéns."

Weasley não respondeu. Depois de alguns minutos, completou a distância até o sofá e sentou-se do lado de Draco. Esperou mais algum tempo e, hesitante como se temesse que Draco fosse explodir com o toque, ele ergueu a mão e deu uns tapinhas no ombro dele, finalizando com um desajeitado aperto. A forma Weasley de consolar, pensou Draco.

"Eu lamento. Verdade" – disse depois de retirar a mão depressa – "Isso também é ruim para mim. Digo... se Harry não voltar até os bebês nascerem, eu vou ter o dobro de trabalho."

Draco teve uma súbita visão de Weasley ninando dois bebês que choravam histericamente, e teria rido, se não tivesse ficado com pena das crianças.


 

A partir daquela noite, a visão de Ron em relação à Malfoy se modificou. Não que ele deixasse de considerá-lo uma pessoa babaca, esnobe e irritante, mas, agora, Malfoy parecia mais um ser humano do que uma espécie de divindade superior. Assim, a relação deles melhorou progressivamente – na medida do que era possível, claro. Os choques de personalidades eram inevitáveis, assim como as discussões sobre a arrumação que Malfoy fazia. Sem esquecer o flerte. Mal haviam se passado dois dias desde a notícia dos gêmeos até Malfoy recomeçar aquilo, roçando nele mais do que do necessário quando se encontravam no corredor e dando respostas cheias de malícia que faziam Ron corar. Sem contar os olhares, que eram algo à parte. Mesmo que Malfoy estivesse na cozinha e ele no seu quarto, de porta fechada, sentia que ele o observava. Aquele jogo ia se tornando um pouco mais desesperador a cada dia que passava, porque Ron sentia que estava perdendo. Mais de uma vez ele sentira que estava criando situações para que Malfoy o provocasse, num caso muito irritante de auto-sabotagem por parte de seus hormônios, que pelo visto não haviam ainda deixado a adolescência. E também havia sonhos que faziam Ron acordar às duas da manhã, com a respiração acelerada e excitado demais para o seu próprio bem, que faziam a sua segurança hétera afundar um pouco mais na lama. Todos esses pequenos fatos somados faziam estavam fazendo Ron crer que, de forma patética e fraca, ele estava quase indo para a cama com Malfoy. E ele ainda não completara um mês no apartamento.

Foi pensando nessas coisas e se sentindo culpado com o pensamento que estava traindo Harry, foi que Ron decidiu resistir. Não importava quantas técnicas de sedução usasse ou quão malicioso fosse, Malfoy não conseguiria nada. Assim, ele montou sua estratégia de resistência: sairia cedo para o Ministério e voltaria tarde. Nas horas que era obrigado a ficar no apartamento, se trancaria no quarto e se comunicaria com Malfoy por monossílabos. Poderia dar certo, mas, decidiu ele, só começaria no dia seguinte. Naquele dia de treinamento, o instrutor pegara alguma doença esdrúxula e, assim, Ron se viu liberado de qualquer trabalho, função ou ocupação às quatro horas de uma gloriosa tarde. Era algo muito bom para ser desperdiçado, pensou ele, animado, enquanto esperava sozinho pelo elevador e sonhava com a sua cama e seus travesseiros fofos.

O elevador chegou no andar fazendo os seus ruídos habituais. A princípio, Ron achou que ele estava vazio, mas então viu, com um solavanco no coração, Hermione encostada na esquina entre os fundos e a parede esquerda do elevador. Ela lançou seu olhar raivoso habitual quando o viu, mas, antes que ela pudesse fazer qualquer coisa para impedir, Ron entrou lá dentro e apertou o botão que fechava as grades.

Os aviãozinhos de memorandos interdepartamentais flutuavam sobre suas cabeças, concentradas ao redor da luz no teto, enquanto Hermione o ignorava e se deslocava para o mais longe possível dele. Ron começou a se sentir muito, muito irritado.

"Qual é o seu problema?" – perguntou ele.

Silêncio. Ron avançou e segurou um braço dela, tirando um grasnido de dor e um olhar furioso.

"Me solta!"

"Não até você me contar o que eu fiz para vo..."

"Como você ousa" – disse ela em voz letal, se esforçando para se soltar; Ron jamais a vira tão irritada – "me perguntar isso, seu mentiroso! Você sabe muito bem o que fez!"

"Não, eu não sei!"

"Mentiroso" – acusou ela de novo, ainda tentando se soltar.

"Hermione, por favor, eu só quero saber o que fiz!"

O elevador chegou ao saguão e as grades se recolheram. Alguns curiosos olharam para dentro enquanto Hermione conseguia se soltar e saia quase correndo em direção as lareiras. Ron a seguiu, mas, antes que conseguisse impedir, ela já tinha sumido. Ficou olhando em direção ao nada, com o coração acelerado, todo o bom humor de minutos antes evaporado.

Ele ainda estava pensando nela quando chegou no apartamento. Olhou para todos os lados e não viu nem ouviu nada. Malfoy não estava ali. Devia ter ido no medibruxo sobre o qual falara. Não que Ron se importasse naquele momento. Ele tirou a capa e a atirou no sofá, andando de um lado para outro, sentindo uma mistura de irritação, desespero e carência que já provara ser fatal em ocasiões anteriores. Foi até o armário da cozinha para procurar alguma coisa para beber, qualquer coisa para melhorar aquela angústia, e encontrou uma garrafa de uísque de fogo escondida atrás de uma pilha de geléias empilhadas. Sem parar para pensar, encheu um copo e tomou de um gole só. Ao sentir a conhecida ardência na garganta, pensou que tinha que parar de beber. Sempre causava problemas. Aquela seria a última vez, prometeu a si mesmo, enquanto despencava no sofá. E, além disso, ele só tomaria um pouco. Logo iria para a cama.

Estava esparramado no sofá e brincava com a garrafa vazia entre os dedos, uma hora depois, quando Malfoy chegou.


 

Draco estava satisfeito. Pela primeira vez desde que conhecera aquele Dr. Hall, não saíra da consulta nervoso ou chocado. Ao contrário. Segundo o medibruxo, os contornos da magia que se desenvolvia dentro dele já estavam delimitados o suficiente para confirmar que eram mesmo duas crianças. Para Draco, que já sonhara com cinco bebês chorando enquanto ele tentava desesperado acalmá-los, foi tranqüilizador. Ele não soubera dizer com exatidão qual fora a data da concepção, mas fixara a data nos quinze dias finais de dezembro, o que confirmava, se é que ainda havia alguma dúvida, que os filhos eram mesmo de Potter. Draco mal podia esperar que ele voltasse para esfregar aquilo na cara dele e exigir uma pensão muito alta – claro, porque ele não conseguia pensar em voltar a viver com o crápula. Estava com raiva demais.

Foi num estado excelente de humor que ele chegou no apartamento e deu de cara com Weasley esparramado no sofá. Depois de se recuperar do susto de vê-lo ali tão cedo, pensou por um segundo que ele estava dormindo, mas quando viu a garrafa rodando entre as mãos dele, percebeu que ele obviamente ele não estava.

"Ah" – disse Weasley, jogando a garrafa para um canto do sofá e se erguendo nos cotovelos para olhar o recém-chegado – "Olá, Malfoy."

Ele tem problemas sérios com bebida, pensou Draco, com uma exaltação estranha surgindo dentro dele. Ele estava há exato um mês no apartamento e já era a segunda vez que Weasley ficava bêbado de cair. Depois de espanar as cinzas das vestes, tirou a capa e colocou-a cuidadosamente sobre a cadeira da mesa, enquanto Weasley tentava se sentar, não sem dificuldade.

Foi quando Draco entendeu seu estado de exaltação. Aquilo era uma chance. Aliás, não: era A Chance, com iniciais maiúsculas, para dar o bote e levar Weasley para a cama. Pela primeira vez em sua vida, ele acreditou na existência de Deus.

"Por que você está rindo como um babaca?"

Draco parou de rir, coisa que nem percebera que estava fazendo.

"Eu não estou rindo."

"Eu vi que você estava."

"Porque você está bêbado, imbecil. Agora" – começou ele, casual, sentando-se no sofá – "porque você tomou uma garrafa de uísque de fogo inteira em menos de duas horas?"

"Como você sabe que foram menos de duas horas?"

Draco revirou os olhos. Estava confirmado: o álcool matava neurônios. No caso de Weasley, devia ser metade do cérebro. No mínimo.

"Porque" – disse ele, invocando toda a calma que tinha – "eu saí há duas horas, e você ainda não estava em casa. Logo, você só poderia ter começado a beber depois."

"Ah" – fez Weasley, apoiando a cabeça na cabeceira do sofá.

Silêncio.

"Então, por que?"

"O quê?"

"Por que você ficou bêbado!" – chiou Draco. Aquilo seria mais difícil do que ele esperava.

"Ah, isso."

"Então..."

"Eu encontrei Hermione." – disse Weasley, com a voz meio embargada.

"E o que aconteceu?"

"Ela gritou comigo e me chamou de mentiroso" – respondeu ele – 'Olha, eu não estou entendendo nada."

"Do que?"

"Porque ela não fala comigo e, quando encontra, me olha com toda aquela raiva."

Estranho, pensou Draco, intrigado. Granger também fechava a cara e se recusava a falar com ele quando o encontrava. Depois pensaria naquilo, resolveu, e descartou a questão.

"Bem, você deve estar irritado."

"Estou."

"E estressado."

"Muito mesmo."

"Eu poderia fazer você relaxar, sabe."

Outro silêncio.

"Malfoy" – disse Weasley, parecendo de repente mais sóbrio – "eu não posso transar com você."

"Mas quer, não?"

"Quero" – confessou Weasley, arregalando os olhos e empalidecendo ao perceber o que dissera, mas já era tarde.

"Então!" – exclamou Draco, vitorioso, se aproximando uns vinte centímetros de Weasley, que recuou na mesma medida.

"Não, não. Não posso."

Draco respirou fundo, tentando ser paciente. Estava mais perto agora do que em qualquer momento das semanas anteriores, lembrou.

"Weasley, essa negação só vai ferrar você. Se eu quero e você quer, porque não..."

"Harry." – balbuciou Weasley.

Incrível como até desaparecido o desgraçado atrapalhava a sua vida.

"O que tem Potter?"

"Deus, Malfoy. Ele é seu... namorado, ou coisa assim. Você não pode fazer isso com ele, e nem eu."

"Potter e eu brigamos uma semana antes do Natal, Weasley. A única vez que ele falou comigo depois disso foi para me dar dois filhos de presente. Eu considero que não tenho mais nada com ele."

"E os bebês, caramba!" – guinchou Weasley, recuando mais diante do novo avanço de Draco e batendo a parte inferior das costas no encosto para braço, sem ter mais para onde ir – "Eu não posso fazer nada com você assim!"

Com agilidade impressionante para o seu estado, Draco aproveitou uma deixa e foi para cima de Weasley, se acomodando em cima dos quadris dele.

"Malfoy!"

"Se te fizer sentir melhor, Weasley, imagine que os bebês são seus."

"Eu nunca..."

Draco o beijou. Weasley ficou de olhos arregalados, o encarando enquanto tentava se desvencilhar. Alguns minutos, muitos puxões de cabelo e arranhões depois, ele cedeu e o beijou de volta, puxando-o mais para perto, fazendo Draco sentir o gosto de álcool e uma sensação inquietante de déjà vu.

Quando precisaram parar para recuperar o fôlego, Weasley o segurou pelos braços e o afastou, respirando em intervalos irregulares enquanto o encarava, parecendo em um doloroso conflito interior.

"Que se dane" – decidiu ele por fim, puxando-o para perto novamente.


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