Entre as trevas e a luz escrita por magalud


Capítulo 8
Quinze minutos




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Depois de acompanhar, durante meses, os dias se sucedendo, a vida em Azkaban ganha uma espécie de rotina lúgubre e soturna. Por outro lado, Severus sempre considerou rotinas confortadoras. Davam-lhe a sensação de saber o que esperar e quando esperar.

Aquela visita de Aberforth não estava programada. E ele trouxera mais gente. Kingsley Shacklebolt e uma pessoa coberta em longos trajes pretos. O guarda olhava para todos, curioso.

– Aberforth. Decidiu partilhar a visão de meu encarceramento com outras pessoas? – Ele disse, entre sardônico e irritado. – Não resistiu à tentação, Shacklebolt?

– Snape, cale a boca – irritou-se Shacklebolt. – Estamos aqui para ajudá-lo.

Severus mexeu-se em sua cela, francamente irritado:

– E essa pessoa? – Apontou para o terceiro visitante. – Também veio me ajudar?

– Certamente – concordou Aberforth, nem um pouco intimidado pelo sarcasmo de Severus. – Eu temi pela sua saúde mental, Severus, e consegui uma autorização especial para que você tivesse acompanhamento.

– O quê?? – Ele se enfureceu. – Você trouxe um psico-healer para me ver?

– Não, não, Severus. Eu passei por um trabalho considerável para trazer essa pessoa até você. Seu estado mental não é o mesmo, Severus, e você precisa de ajuda. Por isso insisti com o Ministério para que me deixassem trazer-lhe um pouco de conforto espiritual. Alguém com quem você possa conversar e se abrir sem receios. Tratar de assuntos profundos, do coração.

– Perdeu a cabeça, homem? – Severus olhou mais uma vez para a pessoa e então se deu conta do que estava vendo. – Por Merlin, Aberforth, é uma freira?!

A freira estava de cabeça baixa e Aberforth a encorajou a chegar perto de Severus. O ex-Mestre de Poções de Hogwarts estava entre surpreso e furioso com o irmão de Albus Dumbledore, mas havia algo ali que o deixou intrigado. Ele sentiu... algo no ar.

Um perfume. Um perfume que ele não sentia... há tanto tempo. Não, ele estava enganado. Não podia ser.

A voz de Aberforth o devolveu à realidade.

– Ela insistiu em vir, para lhe trazer conforto nessa hora de dor, Severus. É o que pessoas como essa irmã fazem. Nosso amigo Kingsley Shacklebolt está aqui a pedido do ministro para garantir que não haja qualquer truque ou surpresa. A irmã já foi checada e não carrega qualquer objeto escondido. Ela vai falar com você, Severus, e peço-lhe encarecidamente que não a hostilize. Mas acho melhor darmos a vocês alguma privacidade. – Ele tocou o braço da freira com ternura. – A senhora tem 15 minutos, irmã.

Eles se viraram para ir embora e Severus notou o guarda olhando tudo. Ele ficou cada vez mais intrigado e notou que a tal freira manteve-se de cabeça baixa até a porta ser fechada. Então ela se aproximou dele e ergueu a cabeça.

– Olá, Severus.

Ele perdeu a voz. A cor. A fala. O controle sobre as pernas.

Caiu de joelhos.

– Não... Não... Não é possível... – balbuciou. – É uma visão... Um delírio...!

– Shh, o guarda pode estar ouvindo. Severus, me escute. – A visão se aproximava dele, e era uma visão com o cheiro dela, a voz dela. – Severus, sou eu, meu amor. Helena.

– Não! – Severus sussurrava, os olhos cheios d'água. – Helena está a salvo! Longe daqui. Eu fiz tudo... Eu me certifiquei! Você... não é ela! É um Boggart!

Ela se ajoelhou junto a ele, no chão, tomando-o em seus braços:

– Não, meu amor, sou eu mesma. Eu tive que vir, Severus. Senti tanto sua falta, meu querido. Eu te amo tanto.

Em seus braços, Severus se certificou de que era ela mesma. Sua Helena. Só ela o fazia sentir-se assim. A sensação de tê-la em seus braços era única, inigualável, inesquecível. Antes era uma lembrança, a que o mantinha sano em Azkaban.

E agora ela estava ali. Vestida de freira, como uma visão divina. Tocá-la era um ato tão ousado, quase sacrílego. Ele se sentia ainda mais impuro e indigno diante dela.

Porque ele fora obrigado a empurrá-la para o fundo de sua mente. Para fugir da Legilimência do Lord das Trevas, Severus tinha praticamente riscado de sua mente o rosto da mulher que amava, o sorriso de sua filha, o som de sua risadinha de bebê. Ele não tinha se permitido pensar nisso há tanto tempo... De repente, suas emoções pareciam explodir. Justo ele, um mestre no controle delas, agora estava totalmente desequilibrado.

Severus ergueu uma mão trêmula para tocar o rosto dela. Com reverência.

Helena inclinou o rosto para o lado, para sentir a mão dele em sua face, um sorriso suave.

– Que saudade de seu toque, Severus...

– Como você veio parar aqui? Foi Aberforth que a buscou?

– Não, meu querido, eu é que vim atrás de você. Você tinha me dado o nome do seu amigo, Sr. Shacklebolt, e ele me ajudou muito. Ninguém podia saber que eu existia, por isso estou disfarçada. Eu senti tanto sua ausência, Severus, eu temi tanto. Eu precisava saber o que tinha acontecido. Você ficou tanto tempo sumido que eu comecei a me desesperar. Oskar até queria chamar a polícia quando esteve aqui em férias, mas consegui dissuadi-lo da idéia. Mas as crianças, Severus, nossos filhos, tinham o direito de saber o que tinha acontecido a seu pai.

Ele ergueu a sobrancelha ao ouvir o plural.

Nossos filhos?

– Sim – O rosto de Helena se iluminou. – Você partiu e me deixou um presente lindo. Um filhinho, Severus, um garoto muito especial. – Ela tirou umas fotos do meio das vestes compridas e mostrou-as a ele. – Veja, nossos filhos. Lily e London. Eles tiraram essas fotos especialmente para o papai.

Eram fotos bruxas, e as crianças sorriam e acenavam para ele. O garoto estava no colo de sua prima Emma, que também acenava. Como Lily estava grande. Como estava bonita. E ele ainda não tinha se recuperado do choque.

– Eu tenho... um filho?

– Eu não falei imediatamente porque queria fazer uma surpresa. Mas um pouco antes de London nascer, eu pedi a tia Moreen que desse o recado ao diretor. Eu não sei se ele deu.

– Quanto tempo...? Que idade...

– London tem 15 meses e é muito esperto. Fala praticamente tudo. E agora eu descobri também que ele tem poderes mágicos. – Ela sorria. – Seu filho é um bruxo, meu amor.

A cabeça de Severus girava. Ele se ergueu, ela fez a mesma coisa. De repente, ele a abraçou e parou de ouvir o que ela dizia. Helena continuava a falar, mas ele tinha muito que pensar e pouco tempo para fazê-lo. Só quinze minutos. Ele tinha que fazer o que era melhor para sua família. Ele tinha que fazer o que era certo.

Severus primeiro tinha que dominar suas emoções. Tinha que fazer o que era certo.

Ela estava aninhada em seu peito, ainda falando baixo:

– ... e acho que ano que vem Lily pode ir para a pré-escola. Mas Tonks estava me dizendo que bruxos tradicionalmente são educados em casa. Poderemos contratar um professor depois que você sair daqui.

Severus a fez encará-lo, sério. Ele tinha que se controlar. Fazer o que era preciso.

– Eu jamais quis magoá-la. Lamento por tudo que passou. Só o que eu pensava era proteger você e nossa família.

– Eu sei, meu amor – Ela beijou suas mãos, os lábios suaves e macios. – Eu sempre soube.

– Por isso é que eu lhe digo para se afastar de mim. Viva a sua vida, crie as crianças e diga-lhes que eu morri. Longe daqui, elas não serão perseguidas por minha causa. Se viverem no mundo bruxo, serão discriminadas. Refaça a sua vida longe de mim e esqueça que um dia me conheceu.

– Severus, meu bem, o que está falando?

– Falo sério. Quando sair daqui, você deve me riscar de sua vida.

– Isso é um absurdo! – Ela estava entre pálida e furiosa. – Eu jamais farei isso. Severus, eu amo você!

– Você é jovem e bonita – Severus continuou a falar como se ela não houvesse dito coisa alguma. – Não vai demorar a encontrar outra pessoa com quem poderá refazer sua vida. Alguém digno, que não faça você sofrer e saiba proteger vocês melhor do que eu. Você poderá ser feliz.

– Pare de dizer isso! – Helena o encarava, o rosto crispado de horror. – Eu nunca vou deixar você!...

– Deve fazer isso pelas crianças – Ele ignorou os protestos dela. – Elas praticamente não me conheceram; não vão sentir minha falta. Elas vão ter um outro nome, não um que é perseguido por toda a bruxandade. Volte para a casa. Se quiser vendê-la, mudar-se para outro lugar, vai ser ainda melhor.

– Severus, não! Eu estou aqui, amor, a seu lado! Eu me casei com você e ficarei a seu lado, mesmo nessa hora difícil. Não vou abandoná-lo, Severus, meu lugar é aqui!

– Helena. – A expressão dele se endureceu. – Precisa fazer o que eu digo. Minha vida acabou. Eu sou culpado do crime pelo qual me acusam. Serei condenado a passar o resto de minha vida na prisão, isso se não aplicarem leis de exceção a crimes de guerra e me condenarem à morte. Isso não é vida para você. É jovem o bastante para refazer a sua vida e você precisa pensar em seus filhos. Eles serão discriminados por toda a vida. Como poderão crescer com um pai na cadeia, um assassino? Case-se de novo, dê-lhes outro nome. Faça isso por eles.

– Não! Não! – Ela começou a se descontrolar, agarrada às roupas deles. – Não pode desistir dessa maneira! Precisa lutar, Severus, eu estou aqui a seu lado!

– Não há pelo que lutar. Minha vida está acabada, mas não faz sentido prejudicar vidas inocentes. Eu lhe darei o divórcio. Aberforth e Shacklebolt podem providenciar isso com rapidez. Meu plano era que você desistisse de me procurar, que me considerasse morto e reconstruísse sua vida.

– Não diga isso! Minha vida é com você!

– Não fale tão alto. Mas viver de visitas a Azkaban uma vez por semana não é exatamente vida, não é verdade? Você pode sofrer durante pouco tempo, mas poderá logo refazer a sua vida, encontrar um bom marido, um bom pai para as crianças e ser feliz. Se continuar comigo, terá uma vida inteira de sofrimentos. Não posso permitir isso.

– Severus, por favor, pare de dizer isso! – Ela chorava, os olhos verdes brilhando de dor. – Eu amo você, meu amor, nunca vou te abandonar! Não desista de mim, não desista de nós!

Nesse momento, a porta se abriu e o guarda entrou:

– O que está acontecendo? O que você fez com a moça, Snape, seu animal?

– Nada! – Helena tentou dizer, mas Severus viu o guarda avançar contra ele, empunhando a varinha, e Helena foi empurrada para o lado. Shacklebolt e Aberforth entraram correndo. – Não, não! Por favor, não faça isso!

Uma força invisível (um feitiço do guarda, com certeza) jogou Severus contra a parede, afastando-o de Helena, e ela gritou, tendo que ser segura por Shacklebolt:

– Não! Pare com isso! Ele não fez nada! Deixe-o em paz!

– Você não presta, Snape! Mal posso esperar para ver a hora em que vão metê-lo na pior ala daqui e jogar a chave fora!

Aberforth se adiantou, protestando furioso:

– Vou reclamar com a direção da prisão que meu cliente está sendo maltratado!

– Ele nem merece estar preso! – continuou o guarda, com desprezo. – Os Aurores deviam tê-lo matado assim que o encontraram! Ia dar menos trabalho para todo mundo. Agora vai ter que ter julgamento, sentença e tudo!

Ainda imobilizado, Severus olhava Helena chorar, nos braços de Shacklebolt, olhos fixos nele. Queria dizer-lhe algo. Consolá-la. Qualquer coisa para não fazê-la chorar mais.

Mas Severus Snape não tinha direito a ter seus desejos atendidos. Severus Snape magoava pessoas. Magoava as pessoas que amava. Acabava com suas vidas. Tinha sido assim com Lily Potter, tinha sido assim com Albus, e agora era a mesma coisa com Helena.

– Ele a machucou, moça?

A pergunta do guarda fez Helena erguer os olhos e responder:

– Não, não. Mas ele está muito deprimido. Eu me descontrolei, desculpe. Se eu puder ter mais alguns minutos com ele, por favor...

O guarda abanou a cabeça:

– Lamento, não posso permitir. Seu tempo já acabou mesmo. Por favor, podem sair agora.

Severus a viu virar-se para ele:

– Não pode desistir, Severus. Irmão. – Corrigiu-se. – Irmão, me escute. Eu não vou desistir de você! Jamais!

Ele sentiu seu peito se contrair. Como ele amava aquela mulher.

Shacklebolt a puxou suavemente:

– Venha, irmã. Precisamos ir agora.

Severus notou que Shacklebolt era gentil com ela. Pelo menos, ela não estava sendo maltratada por ser sua mulher.

– Severus – ela disse, firmando a voz –, eu não vou desistir de você. Nem por um minuto acredite nisso.

Antes que Severus pudesse reagir, Shacklebolt levou Helena para fora da cela, ajudando-a a caminhar, pois ela parecia não ser capaz de se sustentar nas próprias pernas. Ele suspirou internamente, o peito se contraindo. Ele jamais veria Helena de novo; ele sabia disso. E doía mais do que ele imaginava. Como ele ficaria sem ela?

Mas era preciso. Era fundamental.

– Ela não deve voltar aqui – Severus disse para Aberforth, com dureza e rispidez, o coração sangrando. – Eu não a receberei.

– Ela teria prazer em voltar, Severus. Você sabe que sim.

– Você não merece – disse o guarda com desprezo. – É mesmo um miserável cruel e frio. Espero que apodreça na prisão e estarei aqui para acompanhar cada dia!

Severus abaixou a cabeça, imaginando o quanto seu carcereiro tinha razão.

Naquela noite, ele chorou, longa e silenciosamente, encolhido num canto escuro de sua cela de Azkaban.


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