Entre as trevas e a luz escrita por magalud


Capítulo 19
Xingamentos


Notas iniciais do capítulo

Caveat lector: Linguagem chula adiante



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Severus encontrou um sofá numa das salas do andar térreo, uma que tinha a lareira acesa. Ele se enroscou no cobertor, sentado no sofá e ficou encarando as chamas.

– Na casa de cachorro?

Harry estava na porta, encarando-o, sem esconder um sorriso. Severus revirou os olhos, um pouco por constrangimento, também por aborrecimento:

– Helena... expulsou-me do quarto.

– Você não é bom de cama? – O olhar de Severus para ele foi tão azedo que poderia ser usado para transformar leite em coalhada. – Desculpe, eu só queria aliviar o ambiente.

– Não, a situação não é tão ruim assim.

– Quer falar sobre isso?

– Na verdade, Potter, gostaria, sim. Tem um minuto?

– Por que não? Todos já foram dormir, acho que o sherry não estava tão bom. Quer beber alguma outra coisa?

– Por um acaso você tem firewhisky?

– Desde que me tornei legalmente adulto – Harry sorriu e usou a varinha para conjurar a garrafa e dois copos. – Gelo?

– Assim está ótimo, obrigado. – Harry o encarava, e ele ergueu uma sobrancelha. – Algo errado?

– O que você acha? Se há alguns anos alguém me dissesse que eu estaria aqui tomando drinks com Snape e tentando conversar por que sua mulher o mandou dormir no sofá...

– Bem, não posso dizer que eu tenha previsto essa cena tampouco... Ou a que vai se seguir. – Severus tomou um grande gole de firewhisky. – Helena me expulsou de nosso quarto por causa de sua mãe.

– Minha mãe?

– Exato. Minha mulher não gostou de saber que dei o nome de minha filha em homenagem a sua mãe.

Harry tomou um grande gole de firewhisky também.

– Eu me lembro disso. Remus jurou que vocês não tiveram nada.

– Sim, Helena me falou um pouco da cena. Disse que você ficou indignado.

– Ela também.

– Eu assegurei a ela que nada houve entre mim e Lily Evans. Éramos apenas amigos. Esse é um fato que muito me emocionou. Sua mãe quis minha amizade quando todos os colegas delas só queriam abusar de mim e me meter em encrencas. Ela me tratava com decência. Isso me era muito, muito caro. Quando inadvertidamente eu tive uma participação em atrair a atenção do Lord das Trevas para ela e seu pai...

– Quer dizer quando você falou da profecia?

– Exato. – Severus deu um suspiro e encarou seu firewhisky com deliberada atenção. – Quando isso aconteceu, eu fiquei muito abalado. Sinceramente, eu jamais tive qualquer intenção de prejudicar sua mãe. Quando o Lord das Trevas escolheu os Potter, eu tive realmente uma epifania. Sua mãe era a última pessoa que eu queria atingir. Foi um impacto tão grande que mudou minhas lealdades.

– Dumbledore me disse isso. Eu não acreditei muito nele. Depois, eu acreditei menos ainda.

– Mas assim que aceitei espiar para Dumbledore, eu tinha um plano. Eu sabia que não sobreviveria. Iria tentar proteger Lily. Mas aí o pior aconteceu, e eu então decidir vingar a morte de Lily e morrer em paz. Eventualmente, você veio para Hogwarts, e eu prometi ao diretor que o protegeria. De novo, por causa de Lily. Achei que proteger o filho dela era o mínimo que eu poderia fazer. Infelizmente você é cara de seu pai. Mas, como você sabe, que nesse meio tempo, eu conheci Helena. A princípio, era apenas um refúgio. Um lugar onde não havia Dumbledore, nem o Lord das Trevas. Eu gostava de passar tempo com ela para não ter que me lembrar da terrível realidade. Não demorou muito, e tudo mudou. Ela passou a ser importante na minha vida, e percebi que não queria abrir mão de Helena. Então, meu plano de repente tinha que incluir sobreviver. Não só isso, eu tinha que protegê-la. Para isso, eu tive que ficar longe dela.

Houve um silêncio constrangedor, que Harry tentou fazer menos constrangedor com mais firewhisky. Eles fizeram um brinde, e Harry quis saber:

– Olhe, tudo bem se não quiser falar, e nunca falamos disso antes, mas... sobre Dumbledore...

Severus fechou os olhos, a voz ficando miúda. Ele ainda tomou outro gole de firewhisky antes de sussurrar:

– Até hoje não acredito no que eu fiz. Dumbledore sempre me pedia para fazer coisas difíceis. Eu pensei que nada pudesse ser mais difícil do que me afastar de minha família. Mas *isso*...

Harry se sentou no sofá, ao lado de Severus, e confessou:

– Naquele momento eu odiei você mais do que eu odiei Voldemort.

– Eu sei. Eu também me odiei. Acho que ainda me odeio.

Harry não respondeu, e os dois ficaram olhando a lareira, ouvindo o crepitar, os copos de firewhisky na mão, às vezes levando-os aos lábios. Houve silêncio, mas ao contrário da história entre Snape e Harry, era um silêncio entre camaradas, entre duas pessoas que se respeitavam e não precisam de palavras para se comunicar.

A pausa se prolongou, até que Harry se mexeu:

– Mais firewhisky?

– Por favor.

Nova dose foi servida, e Severus tomou um gole. Mais silêncio, até que ele confessou, baixinho, mas a voz soou alto na casa silenciosa:

– Eu não queria deixar a Inglaterra.

– Pretende ficar com Draco?

– Não. Eu não sei onde ele está. Tenho palpites, mas nenhum indício concreto.

– Não sabe? Mas você disse...

– Era para despistar. No caso de o Ministério querer me vigiar mesmo no exterior...

– Acha que eles vão fazer uma coisa dessas?

– Eu não descartaria esta possibilidade.

Harry pensou, meditou e em seguida assentiu:

– É, não dá para descartar. Mas você sabe para onde pretende ir?

– Helena deu uma bela sugestão. Ainda não é definitivo, mas é muito lógico.

– Claro que a decisão de contar é sua, mas... eu gostaria de saber. Prometo não revelar a ninguém, se não quiser. Não gostaria de perder contato com sua família... Ou com você.

– Eles gostam muito de você. Eu já lhe agradeci por ter nos acolhido, mas... isso significa muito para mim. Ainda não sei onde vamos morar, mas seja onde for, a nossa casa sempre terá lugar para você.

– Obrigado. Isso também significa muito para mim. Sabe, eu tenho uma confissão também para fazer.

– Confissão?

– Eu também não planejei sobreviver.

Severus o encarou, surpreso. Ele jamais poderia ter imaginado. Um Gryffindor perfeito, o Menino-Que-Sobreviveu não pensava em sobreviver?

– Depois que Ginny... bem, depois que ela se foi, eu quis matar Voldemort por vingança. Quis vingar Ginny. A qualquer preço. Mesmo que eu não sobrevivesse. Aliás, não teria me importado de não sobreviver.

– Eu... lamentei muito a morte dela.

– Soube que você forneceu o nome do traidor. Obrigado.

– Fiz com gosto. Se eu pudesse ter salvado a filha de Arthur, eu teria feito. Acredite em mim, Harry.

– Eu acredito, Severus.

Severus o encarou, franzindo o cenho:

– Você me chamou de Severus.

– Bom, você acabou de me chamar de Harry. Era apenas justo.

Os dois se encararam como se estivessem se vendo pela primeira vez.

– Isso quer dizer que agora somos amigos, Potter?

– Olhe, você é nojento, é mal-humorado, e um verdadeiro pé no saco, se quer saber a verdade. Mas acho que ninguém entende mais como me sinto do que você. Estou começando a pensar que somos mais parecidos do que eu jamais acreditei.

Severus começou a rir. Harry se enervou – ele raramente tinha visto seu ex-Mestre de Poções rindo assim. Severus bebericou um pouco mais de seu firewhisky, antes de sussurrar:

– Filho da puta...

– Agora está me xingando? Mal ficamos amigos, e você já começa a me xingar?

– Não é você, seu garoto denso! Dumbledore! Ele me dizia isso sempre. Volta e meia, lá vinha ele com chá, biscoitinho de limão e aquela voz mansa, dizendo: "Você e Harry são mais parecidos do que você imagina, Severus". É enervante ver que ele estava certo. Parecia que ele sempre estava certo.

Harry assentiu. Os dois ficaram em silêncio mais um tempo, bebendo o firewhisky. Severus confessou, em voz baixa:

– Eu sinto falta dele.

– Merda. – Harry tomou um gole. – Eu também.

– Pretendo ir a Hogwarts visitar o retrato dele. Levar os meninos para ele conhecer. Gostaria de ir conosco?

– Não vou atrapalhar?

– Claro que não. Agora somos *amigos*.

A careta de Severus ao falar a palavra fez Harry soltar uma gargalhada. Eles voltaram a olhar a lareira. Mas só durou um minuto.

– Um brinde a Albus Dumbledore. – Harry ergueu seu copo de firewhisky já quase vazio. – Manipulador, sábio, adorável e grandessíssimo filho da puta!

– A Dumbledore! – ecoou Severus. – Aquele filho da puta!

Os dois brindaram e esvaziaram seus copos. Depois caíram na risada.

E se serviram de mais firewhisky.


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