Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 39
Capítulo 38 - Olhos Vermelhos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/625258/chapter/39

Capítulo 38 – Olhos Vermelhos

Gitmak se assustou tanto que deixou Claire e o anjo caírem.

A garota não sabia o que estava acontecendo, mas sentiu como se tudo se tornasse errado. Foi como se um vácuo se abrisse no mundo, e ele se tornasse mais cinzento, morto, mais... Alguma coisa que ela sequer sabia como descrever.

Havia uma bola acima deles. Assemelhava-se a um sol, mas era um sol negro, e era dele que vinha todas aquelas sensações erradas. Sentia um campo de força envolta deles, como se quisesse os puxar em direção àquela coisa, mas se mantinham com os pés no chão.

O mesmo não poderia ser dito para os anjos, porém.

Era praticamente um buraco negro. Eles foram sugados para dentro daquele sol, guinchando, e tão logo como começou, o “sol” desapareceu.

— Isso... Isso... – Gitmak começou a gaguejar. A garota viu Haydée tentando puxar Near, que aparentemente havia caído inconsciente.

— O que foi isso?! – Lilith exclamou.

O anjo parecia estar a ponto de ter um ataque cardíaco – embora não soubesse se fosse possível -. Ele se arrastou debilmente no chão, com a expressão de quem havia visto um fantasma.

Bom, era assim mesmo que Claire se sentia. Não teve a mínima ideia do que vira acontecer, mas algo muito terrível lhe dizia que talvez aquela sensação era muito próxima da de estar morta. De ver um fantasma. De... Alguma coisa relacionada à morte.

Não demorou muito para Markus aparecer. Ele parecia transtornado, e Vie guinchava em sua forma de coruja.

— Tem um necromante aqui?!

— Pela Pedra, o boneco é...!

Com exclamação de Gitmak, os olhos de Claire finalmente se demoraram em Near. Haydée havia o virado, ele estava meio de lado, então finalmente via os seus olhos.

E... Com certeza não era bom.

Suas escleras estavam... Azuis? Um azul bruxuleante, semelhante à fogo-fátuo. Elas pareciam tremer e se modificar à cada instante, e suas íris... As pupilas haviam desaparecido, e seus olhos estavam de um vermelho que não era natural. Era um vermelho literalmente brilhante. Ele brilhava.

— Vampiro?! – Claire pulou quando um dos braços do corpo artificial de Gitmak se transformou em... Algo muito parecido com um martelo.

— Não! – Haydée pulou na frente de Near. – Ele não é um vampiro!

Tanto Joshua quanto James chegaram então. Os lobos de metal do loiro o rodeavam de maneira bastante ameaçadora.

— Não? Bom, foi ele que usou a necromancia, não foi? – A voz de Markus estava na defensiva. – Esse azul nos olhos só aparecem em necromantes. E esse vermelho com certeza só aparecem em vampiros. E aquilo foi necromancia avançada. Ele precisaria ter pelo menos uns cem anos de estudo para fazer aquilo! A menos que...

—... Quê? – Joshua exclamou assim que se aproximou o suficiente.

— Ele não é um vampiro, e antes que você diga alguma coisa, ele não era um necromante antes, ele não sabia magia!

— Difícil de acreditar. – James murmurou. Só então que Claire foi se ligar no entorno deles. As árvores e grama estavam totalmente mortas.

— A avó dele era uma vampira puro-sangue. – Haydée disse num tom de desistência.

Markus arqueou uma sobrancelha.

— E os pais dele eram necromantes. Mas nunca puderam ensinar nada.

— Quê? Se a avó dele era vampira, ele não deveria saber usar magia! – Gitmak rosnou. – E você quer que eu compre que ele não sabia?! Vocês fizeram eu ajudar um necromante!

— Nós não sabíamos que ele era um necromante! – Claire acabou exclamando sem pensar.

— Bom, ele enganou todo mundo direitinho.

— Ele não era um necromante há até cinco minutos. – Haydée pontuou.

— Esperem. – Markus disse, e seu tom foi tão inacreditavelmente autoritário que todos o olharam. – Ele descende de vampiros mas não é um, ele não sabia magia mas realizou uma... Particularmente difícil...

— É impossível, não é?! – Gitmak rosnou. Ele estava com raiva. Muita raiva. Haydée abriu a boca pra defender Near mais uma vez, mas o albino os cortou.

— Ele é um Almishak?

O anão pulou e os olhou com uma expressão que Claire quase teve certeza que ele iria fazer o sinal da cruz. Haydée comprimiu os lábios e encarou Markus com um olhar frenético. Claire acabou olhando para seu irmão, mas ele a olhou de volta com a expressão de quem estava entendendo tudo tanto quanto ela.

Não ouse falar esse nome em voz alta de novo! É amaldiçoado!

— Bom, os Al...

— Não fale!

— Pelo amor dos anjos, vocês estão me dando dor de cabeça! Do que vocês estão falando? – Lilith questionou.

— Ele é. – Haydée murmurou.

E dessa vez, Gitmak pareceu mais propenso a usar sua marreta.

— Isso é loucura, eles foram derrotados na Guerra! Eles...

— O príncipe Erastus tinha um filho, se é o que você está querendo dizer. - a garota respondeu, e o anão ficou ainda mais pálido. – Um bebê, que foi levado de Aurum quando a guerra chegou às portas da capital.

— Príncipe Cassius. – Markus completou, e Haydée assentiu. Ele olhou para o anão. – Ele que iniciou a rebelião dos necromantes durante o reino do rei Augustus.

Gitmak balançou a cabeça freneticamente.

— Não, vocês não podem estar falando a verdade! Alphonsus jogou... Tudo, além do Véu! Mundo dos mortos!

— Nós acabamos de dizer que Erastus teve um filho.

— Gente, do que vocês estão falando?! – James questionou num tom impaciente.

— Leva... Leva ele daqui! – Gitmak apontou para Near. – Por isso que Dhonugret não gostou dele. Eu levei um deles pra Dhor Faldor! – seu rosto se contorceu. – Lavo as minhas mãos, não faço mais nada pra vocês.

— Ele é bom. – O anjo falou, o que acabou atraindo a atenção de todos. – Os Almishaks são bons. Eles cuidam do povo deles. Rei Alphonsus não queria mata-los.

— Bons?! Bons?! Você já tentou lutar contra uma legião de lobisomens? Vampiros montados em grifos lhe jogando maldições de sangue? Necromantes levantando os mortos?!

— Parece o inferno. – Joshua apontou.

— Eles eram os mais poderosos. Amabosar os queria fora do caminho por terem mais poder, só que ele não via que eles eram o que o protegia dos rebeldes.

—... Ele não está mentindo. – Markus admitiu.

— De onde você tirou isso?!

— Meu pai me falou.

— Seu pai?!

— Rei Alphonsus.

Mais um silêncio. Gitmak ergueu um dedo e abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada.

— Só tirem ele daqui. – Disse então, e sem dizer mais nada, foi embora.

Claire se levantou finalmente, tirando a sujeira de sua roupa. Ela olhou para Near, que continuava olhando para o nada. Apesar dos olhos abertos, ele estava claramente inconsciente.

— Ele precisa beber sangue? – Markus perguntou.

—... Provavelmente. – Haydée respondeu de má vontade.

— Sério, o que vocês estão falando? – a garota questionou.

— Algo sério o suficiente para sermos largados aqui. – seu irmão apontou.

Markus olhou para trás, e então envolta.

— O último príncipe está morrendo e você veio atrás dele. – deduziu. - Ou seja, você está com o tempo contado, então você não vem conosco. Vai leva-lo para onde quer que os Almishak vivam agora.

— Você é bom nisso, não é?

— Eu vivi disso por alguns séculos. – respondeu. – Você deve ter alguns lobisomens ou vampiros escondidos por aqui para o tirarem daqui. – Markus então os olhou. – Nós temos que sair daqui. – ele olhou para o anjo. – Mas e você?

— Eu não tenho como voltar. Não agora.

— Maravilha.

— Eu não me responsabilizo. – James disse.

— Nem eu. – O albino respondeu e sua namorada o olhou surpresa. Joshua e Claire se entreolharam.

— Ótimo, já entendi.

— Josh...?

— Certo, e você vai explicar o que está acontecendo? – Lilith inquiriu.

— Tecnicamente, é proibido falarmos disso. Mas eu não sou a pessoa mais certa do mundo. – respondeu. – Mas aqui no santuário, é bem capaz de atrair alguma coisa. Temos que sair daqui primeiro.

— E... Vamos deixar o Near aqui? – Claire perguntou.

— Ele precisa ir para Nidus. – Haydée disse. – E logo.

Não era como se Claire estivesse certa de tudo o que estava acontecendo. Tinha milhares de perguntas no momento, e algo sério estava acontecendo com Near, e estava na cara que Markus queria pular do barco como Gitmak. Não que fosse uma santa que morreria por todo mundo, mas Near era...

— E nós temos que sair logo, porque tem necromancia e ectoplasma por toda parte e logo logo algum caçador vai aparecer. E vamos com certeza nos ferrar. – Markus suspirou. – É sério.

Quis protestar, mas não teve muita alternativa. Depois de toda a confusão com os anjos, necromancia e Gitmak ter os deixado lá, só lhes restava sair e tentar voltar ao mundo normal em segurança.

Enquanto se afastavam, Claire olhou mais uma vez por cima dos ombros. Conseguiu ver um homem alto, coberto da cabeça aos pés, se aproximando de Haydée e carregando Near como se ele não pesasse nada. Eles sumiram rapidamente de vista.

Quanto a eles... Joshua convenceu o anjo a se transformar em algo carregável – Claire ainda não conseguira decidir se aquilo era um lobinho ou um cachorrinho. – e ele se encontrava dentro de sua mochila, e ninguém falava nada.

Os lobos de James os rodeavam, sondando a área, e conseguia ver a rede de magia os interligando. Vie ia na frente, piando. Não havia nenhum sinal de anjos, nem... Nada. Assim, não foi difícil ver o obelisco de pedra que marcava uma das saídas do santuário. Ao contrário do outro, que possuía uma entrada para a luz da lua, aquele era totalmente fechado, provavelmente indicando que qualquer um poderia sair a qualquer hora de lá.

Markus simplesmente se aproximou e tocou a pedra. Ela se iluminou e formou uma escadaria, abrindo-se para um céu noturno.

— Certo. – Lilith disse assim que puseram os pés para fora do Santuário, e a entrada/saída se fechou. A ruiva estava claramente impaciente. – Você vai explicar o que foi aquilo, agora?

O albino suspirou.

— Vocês sabem que há algumas centenas de anos, teve a Guerra, certo?

— É, os grupos de bruxo se dividiram, um dizia que deveriam governar tudo e tudo mais, e teve o outro, o dos Rockstones, que acreditavam na coexistência. – Joshua respondeu. – É isso, não é? Terminou com o rei Alphonsus sendo... Bem, coroado.

— É o que dizem, mas não é tão simples. – Markus suspirou, se afastando do obelisco de entrada como se algo fosse pular de lá. – Antes disso, havia três famílias reais bruxas. Almishak, Ashirikas e Amabosar.

— Amabosar não é o nome do grupo que matou os Rockstones? – Claire questionou.

— Não é um grupo. – Markus respondeu. – A figura máxima de cada família é o príncipe... Ou princesa. Amabosar não é o grupo, mas sim o príncipe mandante do assassinato. Antes, cada uma das famílias estava por trás de uma nação. Recordam-se que o anjo mencionou que os Almishaks estavam muito poderosos? Eles estavam por trás da ascensão de Roma.

 -... Roma basicamente conquistou todo o mundo conhecido. – James comentou.

— Sim. Ashirikas se manteve na Ásia, mais especificamente, na região em que o império chinês floresceu, e Amabosar no Egito. Dizem que os fundadores de cada uma dessas casas foram os humanos que trouxeram a magia ao mundo. Algo semelhante aos anciões das casas nobres: Eles morreram, suas magias desapareceram. Rei Alphonsus não poderia mata-los, ao contrário do que as pessoas pensam, ou preferem pensar.

— Se for assim... Se eles fossem todos mortos, era capaz de que a magia desaparecesse do mundo? – Lilith questionou.

— Provavelmente. Não era inteligente matar eles, e muito menos é agora. Mas o rei fez algo para mantê-los afastados todos esses anos.

— Mas eles queriam... Dominar o mundo? Se eles são a fonte de magia, então eles não poderiam controlar os outros bruxos? – Claire questionou.

— Essa é a questão. Pra nós, todos são bruxos. Quem controla natureza, fogo, luz, etc. Para os magos negros, há as magias primordiais e as elementais. Então há os bruxos primordiais e os elementais. Esse outro tipo de magia foi criado justamente na guerra para combater os príncipes.

— Isso é... Por que ninguém sabe disso? – Joshua questionou. – Basicamente, tudo o que sempre ouvi foram os dois grupos, mas nada sobre esses príncipes e tudo mais.

— Cada um dos príncipes rege alguma coisa. Amabosar é a mente e o espírito. Pegue os Guiscard e os imagine manipulando a alma da pessoa e pregando... Outras em sua mente. E multiplique por uns 10. Este é o Amabosar. Príncipe dos Espíritos. Ashirikas retira magia do sangue, da dor e da carne. Torturas, canibalismo, isso dá poder para ele. Príncipe do Sangue. E Almishak, ele retira o poder dos mortos e do véu que separa os mundos, além de governar sobre os amaldiçoados. Ele é o Príncipe dos Condenados. Esses já são grupos de magias bem extremas.

— Mas não creio que muitas pessoas se sintam seduzidas por isso. – James murmurou. – Tem que ter outra coisa.

— Não. Lembra-se que Amabosar pode fazer algo com espíritos e mentes? Durante a guerra, ele fez algo com o então príncipe Almishak, Erastus. Eu não sei exatamente o quê, mas era um espírito que se fortalecia a cada vez que seu nome era pronunciado.

—... A cada vez que o nome era pronunciado? Do tipo... Se alguém falasse meu nome, BAM! Estou mais forte? – Joshua questionou e Markus assentiu. – Mas Amabosar não gostava do Almishak, certo?

— Vocês viram Vincent?

Todos literalmente franziram para ele.

— No que ele se encaixa nisso? – James questionou.

— Acho que não é muito difícil perceber que Vincent é meio instável psicologicamente. Às vezes ele é inseguro e tímido, em outras ele pode ser violento. Dá para dar a desculpa de que é por causa do que ele já passou, mas não é o caso. Já perceberam que ele tem muita magia, não?

— Bom, é. Mesmo com o retensor ele não ficava pra trás de mim e James. – Lilith comentou.

— Pois então, quanto mais magia você tem, maior a probabilidade de você se tornar instável. Se você não estiver preparado, ela pode te enlouquecer.

— Oh... Então com o príncipe Eras alguma coisa... A cada vez que falavam o nome dele, o poder aumentava...

— E ele enlouquecia. – Markus completou. – Isso causou a queda de Aurum, a capital do Império. Mas o que aconteceu com ele... Se ele tinha um filho, ele poderia morrer e tudo ser passado para Cassius, mas duvido que Alphonsus soubesse disso. Ele deve ter feito alguma coisa com o príncipe, mas ninguém sabe o quê.

— E nisso de maldição de nomes...

— Se tornou proibido falar o nome dos príncipes... Por precaução.

— Faz sentido. – Lilith murmurou. – E então, Near vai se tornar o novo príncipe Almishak?

— É o que parece. – o albino franziu o cenho. – Eu ouvi sobre os outros príncipes em alguns... Pontos. Cassius, na rebelião do século XVI, que todos sabem, mas ninguém sabe sobre ele, Ícarus, que estava reorganizando os amaldiçoados após ter fugido para a América, mas se manteve pacífico, e teve Caius... Que até o presente momento é o atual. Ele deve ser o pai do Near.

— Near disse que o nome do pai dele é Charles... Charles James. – Claire disse, e James lhe deu uma olhadela.

— Os príncipes ganham um nome oficial quando sobem ao poder. – respondeu. – Se for verdade o que Haydée disse, e Near se tornar o próximo, ele vai mudar de nome.

—... Caramba. E agora o reino está instável, com a falta de um rei ou rainha. – Lilith constatou. – Enquanto isso, Amabosar se fortalece, Almishak está se organizando.

— Near nem sabia de magia, e tipo... Ele não se dava bem com o Vincent, mas vocês não acham que ele começaria uma guerra, acham? – Claire perguntou.

O anjo pôs a cabeça para fora da mochila de Joshua.

— Os Almishak foram especialmente atacados por Amabosar. No século 12, no século 16 e em 1940. Duvido que ele irá se aliar com ele.

Os olhares foram para o pequeno lobo. Sua voz não condizia com sua aparência.

— Ashirikas está dividido. O príncipe se aliou a Amabosar, mas sua herdeira é contra. Isso está eclodindo uma guerra civil. Ela pode se aliar aos Almishak... E eles podem se aliar aos Rockstones.

— O reino foi especialmente atacado por Alphonsus. Ele literalmente jogou a capital além do Véu. E há os caçadores de vampiros, lobisomens...

— Amabosar faz isso também. E ele está tentando destruí-los há séculos. Agora... Near deve ser o único membro da família com capacidade mágica. Ele é o último Almishak.

— E tem aquele, ditado, não é? – Joshua disse. – O inimigo do meu inimigo é meu amigo.

— Não sei. – Markus respondeu. – Não somos Kisaiya para ver o futuro, mas... Aparentemente vamos ver o que vai acontecer. E vai ser feio. Bem feio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Talvez pela quantidade de informação nesse capítulo, vocês vejam que eu não passei os últimos meses sem criar nada XD



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Coração de Porcelana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.