Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 17
Capítulo 16 - Ruptura


Notas iniciais do capítulo

Feliz páscoa pra quem ler isso! (ou seja, quase ninguém).
Bom, como não tenho muito o que dizer... Vamos ao capítulo!



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Capítulo 16 - Ruptura

— Vamos, toque-o!

— Alphonsus, eu não sou louca, eu...

O seu noivo estava atrás dela, portanto não via seu rosto, mas sabia que ele estava sorrindo. Ah, como sabia! Ele achava graça do medo da donzela, enquanto com um braço a segurava pela cintura, com o braço livre guiou sua mão até o ser que bufava a sua frente.

Sua mão tremeu como nunca ao tocar as escamas prateadas do dragão, sentindo a superfície quente e áspera enquanto os grandes olhos azuis a encaravam.

“Você foi escolhida em favor de seu irmão”.

Claire despertou com um ofego como se estivesse emergindo após passar muito tempo debaixo da água.

Piscou, sua visão ainda repleta de pontos negros enquanto aos poucos recuperava a consciência, demorando um pouco ao perceber que estava no quarto da casa de Marc. Estava relativamente frio devido ao ar condicionado, porém havia o lençol a cobrindo, mas sentia a pele de seu rosto gelada.

Os olhos vagaram, encontrando Near sentado sobre a mesa, em sua forma de boneco, virado exatamente para si em meio à escuridão, mas demorou a perceber a forma ao seu lado. Olhou- o com maior atenção, vendo Vincent sentado no chão, abraçado às próprias pernas e a cabeça apoiada contra os próprios joelhos. Pelo compasso de sua respiração, ele estava adormecido.

A boca de Claire estava seca como um deserto e com um gosto muito esquisito para ser apenas um bafo matinal. Tentou levantar para ir ao banheiro, mas sua cabeça parecia pesar muito mais do que o corpo sem forças, que a fez cair numa confusão sobre o inglês, que acordou assustado.

— Claire?! – A exclamação saíra muito mais alta do que o tom de voz usualmente baixo dele. Gemeu de dor, tendo batido com a cabeça com força contra o ombro do rapaz e então no chão. Ele se virou, pegando-a e pondo sentada, enquanto sua cabeça girava.

— Desculpa... Eu estava tentando ir ao... – era impressão sua ou havia dois Vincents à sua frente?

— Você está pálida. – constatou num tom preocupado, segurando-a pelos ombros já que ela bambeava. – Quer alguma coisa? Água, comida?

Ela apontou para a porta do banheiro, fazendo-o virar para ver o que era. Com um suspiro ele se pôs de pé, puxando-a delicadamente. Era como se ele estivesse a ensinando a andar, levando em conta a forma vagarosa que ele a levou até lá. Deixou-a na porta – a que ele abriu – e disse apenas:

— Qualquer coisa, eu estou aqui.

Não ligou a luz, pois tinha certeza que sua cabeça doeria ainda mais do que já estava com a claridade. Teve que usar a pia como apoio até encontrar o vaso, percebendo só então que estava com um vestido de algodão que havia posto em sua mala, fazendo a questão de que Vincent havia trocado suas roupas, fato que normalmente lhe deixaria vermelha como um tomate e extremamente irritada por ter sua intimidade violada de tal forma, mas dada a sua situação atual, nem ligou. Depois de usar o vaso, teve de se içar com a barra destinada pendurar a toalha e repetir todo o processo de se apoiar na pia enquanto lavava as mãos e escovava os dentes, quase vomitando com o sabor da pasta.

Quando terminou, suas pernas tremiam tanto que tinha certeza que se fosse tentar abrir a porta, despencaria.

— Vincent? – chamou num fio de voz, tendo certeza de que ele não escutaria.

— Sim? – contrariando suas expectativas, a voz suave do rapaz soou do outro lado da porta.

— Pode... Pode me ajudar a voltar? – normalmente odiaria estar tão dependente assim de alguém, porém sua cabeça estava tão confusa e seu corpo tão fraco que nem ligou para o fato.

A porta foi aberta, e sentiu as mãos grandes de Vincent indo primeiro envolvendo seus ombros e então indo para as suas pernas. Agradeceu mentalmente quando ele a carregou, poupando-lhe o esforço de caminhar até sua cama.

Porém não lhe passou despercebida a maneira totalmente sem esforço com que ele a carregava, como se fosse uma boneca. Claire poderia ter apenas quarenta e cinco quilos, mas Vincent a carregava como se fosse feita de pano.

Foi pousada em sua cama e embrulhada, o que mais uma vez a fez agradecer Vincent.

— Tem certeza de que não quer nada? – Ele a questionou num tom suave. Agradecia o tom de voz normalmente baixo de Vincent.

— Só... – tossiu, tentando consertar a voz que arranhava. – Só água.

Encolheu-se na cama quando o bruxo saiu do quarto, tentando aproveitar o máximo de calor que o seu corpo magro poderia lhe proporcionar com a falta de gordura.

Sua mente parecia embaralhada. Recordava-se do que acontecera no dia anterior. Do gato demoníaco, da dor. Da voz. Mas tudo estava tão confuso que só queria se enrolar como um sushi em meio aos lençóis e esperar a sua vida voltar a fazer sentido, mesmo sabendo que aquela não era exatamente a forma correta.

Havia também a estranha sensação de que a sua mente estava em aberto, como se suas pontas estivessem se desintegrando e levando a lucidez pouco a pouco. Não era exatamente algo ruim, apenas era como se estivesse flutuando num mar calmo. Mesmo que Claire não soubesse nadar, era uma sensação relaxante, acompanhada com a certeza de que não iria afundar.

— Está com frio? – se assustou com a voz do bruxo. – Eu posso desligar o ar condicionado, se quiser.

— Não vai ficar calor para você?

Ele soltou um resmungo que Claire não conseguiu discernir, e então só ouviu o som do disjuntor, indicando que ele havia desligado o aparelho, para então voltar ao seu lado. Era estranha a forma com que seu corpo se encontrava sem forças: ele teve de apoiá-la para conseguir sentar e ajuda-la a segurar o copo para que não despejasse seu conteúdo.

— Vincent? – chamou ligeiramente ofegante quando finalmente conseguiu beber toda a água, mesmo que seu estômago se revirasse com o mero líquido.

— Hm?

— Você trocou minhas roupas?

Silêncio.

— Vincent?

— Er... Bem, sim, mas... Hã... Eu usei magia, não se preocupe, eu não iria...

Silêncio de novo.

— Você não precisa se explicar... Mas bem, obrigada. Dormir de jeans não é muito agradável.

—... Desculpe por sua calça. Eu lhe compro outra.

— Não precisa. E não foi sua culpa exatamente.

Já havia se deitado novamente, mas estendeu a sua mão e tocou o braço do rapaz, que pareceu se tencionar. Estranho... Sua pele parecia tão gelada. Talvez fosse pelo frio do quarto até o momento, mas era quase como se estivesse segurando um cubo de gelo.

— Claire, você está fervendo. - Vincent começou a se levantar da cama, mas Claire o segurou como pôde, mesmo que com isso ele tenha quase a arrastado junto, causando sua queda do móvel.

— Não, fica aqui...

— Claire, é sério. – a mão dele tocou sua testa. – Dá para fritar um ovo na sua testa.

Ela não o soltou, o que fez Vincent engolir o seco silenciosamente. Ela literalmente havia se agarrado com ambos os braços no seu, e não era muito difícil para ele se soltar de seu agarro, principalmente levando em conta o atual estado da garota. O problema era que não queria dar um puxão e machucá-la de qualquer maneira, seja por acidente ou a fazendo cair da cama.

Ergueu o braço livre, tirando o cabelo de Claire que caía por seu rosto, o pondo atrás de sua orelha. Sua respiração encontrava-se descompassada, como se apenas o esforço de segurá-lo houvesse sido demais.

— Claire, eu vou chamar o Marc, nem que seja para ele ir comprar um remédio para febre...

O aperto dela aumentou, o que o fez suspirar. Era de certa forma fofo, mas Vincent sabia que não era algo que Claire faria em sã consciência.

— Não me deixe sozinha...

Vincent odiava o fato de ter coração mole.

Acabou se levantando, mas apenas para se ajeitar melhor na cama. Mal deitou, e a garota se arrastou para sobre ele, se aninhando contra o seu peito, o que fez Vincent respirar fundo para tentar manter alguma compostura, porém no fim acabou a envolvendo com os seus braços, tentando mantê-la confortável.

Era estranha a forma em que Claire se sentia confortável com Vincent, parando para pensar. Ela sempre odiara o fato de se tornar insuportavelmente agarrada e dengosa quando estava doente, mas não era exatamente nada comparado com o modo que se encontrava com o rapaz.

Parando para pensar, se sentia a vontade com ele quase tanto quanto com seu gato.

Como será que o bichano estaria fazendo sem ela? Ele ficaria esperando ela abrir a janela enquanto provavelmente ela só voltaria no fim das férias? Ou ele iria desistir dela e nunca mais voltaria?

Gato...

— Vincent. – Chamou com a voz abafada devido ao fato de estar com o rosto enterrado contra o seu peito.

— Sim?

— Bruxos podem se transformar em animais?

— Podem... – a voz dele morreu.

Vincent se arrependeu imediatamente de ter respondido aquela pergunta. Principalmente quando ela mudou de posição, abraçando-o melhor e virando a cabeça para o lado, a fim de que sua fala não ficasse prejudicada.

— Você é o meu gato, não é?

Ele seriamente cogitou em mentir. Seriamente. Porém o modo que seu coração descompassou e começou a bombear em seu peito, considerando que ela estava deitada sobre o mesmo, sabia muito bem que ela estava ouvindo o fato por si só.

Mas a sua boca secou de tal maneira que sua garganta parecia uma lixa.

— Sou.

O fato de Claire não responder foi de certa forma desesperador para Vincent. Os olhos verdes foram até ela, esperando qualquer reação, mas tudo o que via era ela deitada sobre o seu peito com os olhos fechados, a expressão relativamente calma e serena enquanto ainda estava totalmente enrolada em seu lençol.

— E por um momento passou pela minha cabeça o fato dele ficar sozinho me esperando enquanto eu estou aqui. – ela falou numa risadinha nem um pouco saudável, quase parecendo uma risadinha bêbada.

—... Você não está... Chateada? Com medo? Irritada?

— Eu quero reembolso de todo o leite que eu gastei com você. – Vincent teve certeza de que ela já não estava mais lúcida quando ela disse aquela frase. Não tanto pelo conteúdo, mas por seu tom de voz. Sentou abruptamente, mudando seus olhos para a visão noturna um coruja para que conseguisse enxergar claramente o rosto da garota.

As veias saltadas em sua face não eram nem de longe um bom sinal.

Levantou-se de supetão, fazendo-a reclamar ao ser jogada de lado.

As veias e a febre... Já estava tudo fazendo sentido.

Mas como poderia ter se iniciado tão facilmente?

— Eu já volto. – disse apenas enquanto levantava, se obrigando a ignorar o chamado que ela soltou. Pelas paredes envidraçadas da sala, via que apenas então o sol começava a nascer. Saiu para a cozinha que ficava do lado de fora, assim como a escada para a casa de Marc. Subiu-as de dois em dois degraus, indo bater na porta do bruxo antigo.

Não demorou muito para que ele abrisse a porta. Pelas roupas, soube que Marc não havia dormido a noite toda.

— Prince?

— A Claire acordou há algum tempo. – disse e percebeu a sobrancelha erguida do outro. – E eu só fui perceber agora: ela está com febre, não está muito lúcida e as veias estão saltando. – dessa vez ambas as sobrancelhas dele se ergueram, numa expressão autenticamente surpresa. – Você já sabe o que é...

— É impossível alguém começar a virar um bruxo com tão pouco. – Foi a resposta, mas Marc fechou a porta, descendo as escadas rapidamente, relegando a Vincent segui-lo.

O barulho alto ainda foi escutado da sala, e quando Marc abriu a porta, ele ainda ligou as luzes. Claire estava jogada no chão, num bolo confuso de cabelo, roupas e o lençol em que Vincent havia a deixado, e ela soltou um guincho agudo e arranhado quando foi acometida pela claridade repentina.

Quando tentou entrar no quarto, foi como se ocorresse uma explosão de energia, a onda de impacto atingindo a ambos como um soco de um campeão de boxe no rosto, literalmente os jogando para trás.

O colar de Vincent quebrou.

A explosão verdadeira começou antes mesmo do rapaz tocar o chão. Marc percebeu o tamanho do problema quando viu o pingente de ônix voando a sua frente, erguendo a mão usando o máximo de energia para isolar a área que ia desde o muro exterior da casa até a entrada do quarto de Claire, a protegendo do dano real.

Todos os vidros explodiram, o sofá voou como se fosse feito de papelão, a televisão se desfez em pedaços e o próprio Marc foi bater e ser prensado contra o muro. Entretanto, com o máximo de seu esforço e com o máximo de sua magia, ele fez tudo ser silencioso e invisível para quem não estivesse no terreno. Muito raramente se usava de magia temporal, mas naquele caso, era essencial.

Os cacos se mantiveram flutuando ao vento, mas aquele não foi feito de Marc. Nem o mar de energia se estendendo pelo chão da casa, muito menos o redemoinho que tomara o interior de modo que sequer conseguia ver Vincent se contorcendo de dor absoluta no meio da sala.

Marc rangeu os dentes. A sensação de tentar segurar aquilo era como se estivesse com uma proteção de madeira e estivesse tentando segurar um búfalo furioso apenas prensando aquilo em sua cabeça. Vincent estava literalmente empurrando suas proteções mágicas de forma que as sentia dilatando além do suportável.

As veias começaram a surgir no rosto de Marc com o esforço.

As paredes dos quartos sumiram.

— Vincent! – Gritou, mas a sua voz foi imediatamente foi engolida pelo pandemônio. – Você está destruindo tudo...! – Por poucos centímetros um pedaço da parede não acertou sua cabeça. – Você vai matar a Claire e o Near!

Foi como se por um segundo o redemoinho houvesse vacilado, porém depois continuou com a mesma força de antes.

O antigo rangeu os dentes, olhando para cima, vendo os raios de sol batendo no muro. Sabia que poderia se matar por fazer aquilo, mas levantou a mão e bateu na claridade, seu corpo se desintegrando e se transportando diretamente para os raios de luz que começavam a bater no quarto de Claire.

Cambaleou, a energia presente em si oscilando. Via claramente o redemoinho de vento, energia e escombros lutando contra a magia de Marc, vencendo centímetro por centímetro. O boneco já havia caído para perto de Claire, assim Marc saltou, pegando a ele e a menina no colo. Segurá-la se demonstrou difícil, pois além dela estar se debatendo enquanto alucinava, ela seguia o acertando, embora com menos força do que a primeira vez.

“Eu vou me matar”. — Foi o que passou pela mente dele quando percebeu o tanto de energia que precisaria usar para transportar a si, Claire e Near e ainda impedir Vincent de destruir toda a zona sul.

Normalmente aquilo seria uma hipérbole, mas a forma que ele estava acabando com Marc o fazia pensar que aquilo era sim possível.

Quando ia se mover, a magia que Vincent formava deu um golpe tão grande que pareceu se juntar com o golpe de Claire, o que o fez cair tonto, soltando tudo, parecendo que havia algo se rompendo em sua mente.

Abriu a boca, vendo o chão se desprendendo enquanto a tempestade se aproximava, porém quando ela parecia estar a um dedo de distância, parou. Tudo o que conseguiu pensar foi em inúmeras maldições tanto para Richard quanto para Abner.

Marc estava trêmulo. Aquela com certeza fora a primeira vez que vira a morte tão de perto. Olhou para o lado, vendo o boneco Near jogado de peito para cima e teve certeza de que seus olhos estavam arregalados. Depois localizou Claire, ainda em seu estado de alucinação. Ela não parecia ligar para nada.

Sua mente não aguentou, soltando todas as proteções atemporais de uma vez, mas as coisas continuaram flutuando, os pássaros continuaram parados em pleno ar, e tudo indicava que o tempo havia parado ali. Mas não era obra sua.

Arranjando forças de suas pernas, conseguiu se levantar, pegando o boneco. A casa estava destruída, havia uma cratera imensa que tomava desde o muro até o quarto de Claire, que era na outra extremidade. E ela era funda. Uns seis ou sete metros, sendo a parte mais rasa as extremidades, e a mais funda...

— É por isso que retensores são proibidos. – Foi tudo o que conseguiu dizer quando viu Vincent literalmente no fundo. Ele estava abraçado em si mesmo, tremendo quase convulsivamente, as veias roxas, elétricas, saíam de seus olhos e desciam por seu rosto, pescoço, e as via com clareza nos braços expostos na regata negra. Vincent chorava sangue, as faíscas elétricas passavam visivelmente por todo o seu corpo e ele emitia um som inumano. A magia deveria estar atacando tudo por dentro. Com certeza estava. – Quando o retensor é retirado, a magia sai toda de uma vez. Por Deus Prince... O quanto de magia você tem?! Qualquer um morreria fazendo tudo isso!

O rosto que parecia ter se deformado virou na direção de Marc, a marca dourada saindo da íris e se estendendo até a esclera. Ele abriu a boca.

— Eu vou consertar a sua casa.

Você está se preocupando com a minha casa?!

O sorriso insano se abriu. “Hora de bater em retirada”, foi tudo o que o Prateado conseguiu pensar, literalmente girando os calcanhares e correndo.


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