Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics
Notas iniciais do capítulo
Então, o que estão achando?
“ E então ela disse, com todas as letras e crueldade possível: ‘sua vó agiu indiscriminadamente ao injetar calmantes em você, não consultou um médico e colocou sua saúde em risco’.”
O que essa mulher sabe sobre a minha vó? Sobre a minha vida? Sobre a minha vó? Ela tem que calar a boca antes de pensar em falar sobre nós. Doutora Estela... Grande merda Estela.
Recolho meus pés para cima do banco e suspiro. A pior parte de tudo é não poder ser verdadeiramente julgada pelo o que faço, tudo é jogado em cima da loucura e eu sou soterrada.
Hoje seria o dia da visita, minha mãe teria que vir me ver – mas ela não veio. Será que me abandonou? Abriu mão? Desistiu?
Meus olhos se enchem de lágrimas. Por que minha cabeça tem tantas perguntas para nenhuma resposta? É como se eu estivesse duvidando dos meus próprios pensamentos, da minha mente. Finco os dedos em meu cabelo e respiro fundo, contendo o choro. Não quero mais ficar aqui, eles estão me confundindo, me fazendo duvidar de mim mesma, de minha sanidade. Posso não ser tão louca quanto eles falam, contudo, estou tão acostumada a ser chamada de louca que acabei me habituando a me achar louca.
Uma mão quente envolve meu ombro e dá um gentil aperto. Tombo a cabeça por cima dela e suspiro.
– Achei que não viria mais. – confesso em um sussurro.
Minha mãe não responde, o que é estranho. Encaro-a por cima do ombro e paraliso. Não é minha mãe.
– O que você está fazendo aqui? – afasto-me como se tivesse levado um choque e levanto do banco – Não quero ver você, não quero ver ninguém!
– Não faça isso. – ele se aproxima – Todos nós estamos sofrendo.
– Todo nós? Quem aqui está sofrendo como eu?! Quem aqui viu o que vi, sentiu o que senti e viveu o que vivi? Anda, fala!
Ele engole seco e respira fundo.
– Cada um tem um tipo de sofrimento, Bianca. – ele pondera.
– Então respeite o meu. – rebato.
– Não estou fazendo nada. – suas mãos tocam meus braços de novo – Só quero ajudar você.
As mãos lembram as luvas, seu rosto lembra a máscara.
– Se afaste de mim! – grito e me desvencilho de seus braços, caindo na grama – Vá embora!
O que ele está fazendo aqui? Como me encontrou aqui?
Ele senta ao meu lado e passa os braços pelos joelhos, suspirando. Continuo olhando para o chão, imóvel – acho que assim ele não irá me notar, encarar como um desafio para continuar me atormentando.
– Não era para ter sido assim. – ele sussurra – Não era pra ter virado essa merda.
Uma dor aguda no fundo de minha garganta denuncia minha vontade de chorar.
– Vá embora, por favor. – sussurro.
– Você quer mesmo que eu vá embora?
Ergo o olhar para encarar os olhos amarelados e prendo a respiração. Eu quero?
– Porque se você quiser, posso sumir. Nunca mais voltar, te deixar em paz.
– Nunca mais terei paz de qualquer jeito. – dou de ombros.
Ficamos em silêncio.
– Por que quer ficar ao meu lado? – encaro-o – Olha como estou.
– Irei amar você na tristeza e na felicidade, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença.
Suspiro.
– Mesmo nessa doença?
– Sei que a Bianca ainda existe aí dentro, só está perdida. – ele apoia a mão em minha coxa.
Engulo seco e me afasto. Malic suspira e arrasta a mão de volta.
– Olha o que fizeram com você. – ele diz, amargo – O que fizemos pra merecer isso? Não era pra isso ter acontecido. Era pra você ser diferente dela... Eu não consegui... Olha o que aconteceu...
– Nada do que aconteceu podia ter sido diferente. – recito.
– Mas era para ter sido! – ele esbraveja. Arregalo os olhos com o susto – Tudo podia ter sido diferente.
Limpo a garganta. Já perdi as contas de quantas vezes martirizei isso na minha cabeça.
– Preciso te contar uma coisa. – ele murmura.
Meu coração dispara junto com uma forte agulhada em meu peito.
– Pode falar. – balbucio.
– Nunca fui para os Estados Unidos.
Franzo o cenho e um baque surdo passa pelo meu corpo. Como assim ele nunca foi? Tenho certeza que o deixei no portão de embarque, vi o avião decolar. Ele entrou no avião, claro que entrou.
– Não estou entendo.
– Meus pais só permitiram que eu fugisse do casamento se voltasse a me tratar. – ele murmura – Se voltasse a tomar meus remédios e eu aceitei, precisava fazer isso por você.
– Eu vi seu avião decolar, vi você entrar no portão. – discordo.
– Você viu meu avião decolar – ele confirma -, mas eu não estava dentro.
– Como é possível? Eu não o vi sair de novo.
– Antes do avião decolar inventei qualquer imprevisto e saí, demorou uns 40 minutos para eles acharem minhas bagagens. – ele suspira – Esperei meu pai na porta do aeroporto e segui para a nossa casa de tempo. Fiquei todo esse tempo lá.
– Não acredito nisso... – encaro a grama. Ele foi capaz de mentir para mim novamente, de me chutar de seus planos, me tratar feito uma idiota – Como teve coragem de fazer isso de novo?
– Tive medo que me julgasse ao saber dos meus problemas, que duvidasse do que eu sentia por você, que me deixasse. Precisa mudar por você, encontrei alguém que merecia o melhor de mim.
Malic é um ótimo mentiroso...
– Na saúde e na doença. – repito baixo – Não deixaria você por conta de uma doença idiota e jamais duvidaria do que senti por mim.
Já sei jogar seu jogo.
– Acredita em mim? – ele ergue uma sobrancelha, desconfiado.
– Claro que sim. – coloco a mão por cima da sua e sorrio – Tenho motivos para não acreditar mais?
– Não... Só achei que ficaria muito chateada.
– Se você quer, posso fingir estar chateada agora. – digo e sorrio de lado. Não sei como nunca pude perceber esse jogo antes, é tão fácil de jogar.
– Creio que não seja mais necessário. – ele sorri de lado.
Acompanho-o no sorriso e recolho minha mão.
– Senti sua falta. – ele declara.
– Também senti a sua. – sorrio e mordo a lateral de meu lábio inferior. Você nem imagina o quanto esperei por sua volta.
Segredos, quem não os tem? A única coisa é que alguns conseguem guardá-los até o tumulo e outros os deixam escorrer pelos dedos, como sangue.
– Você sabe quem é? – ele me encara de canto de olho.
Ergo uma sobrancelha e me poupo de encará-lo.
– Minha cabeça bloqueou tudo. – murmuro – Como se tentasse evitar o sofrimento de minha alma com isso. Sei que as memórias daquela noite estão aqui, mas não quero pensar nisso, então parece que esqueci, entende? Estela falou que é por conta do trauma e que logo irei aceitar tudo. Lembro de algumas coisas, só.
– Talvez seja melhor assim. – ele dá de ombros – Quem quer descobrir o Lobo? Digo, é como o Jack, o estripador, enquanto ele era anônimo tudo era mais assustador e irreal, todos ansiavam em descobrir quem era aquele homem e saber de sua próxima vítima, quase uma lenda viva. Depois que descobriram quem ele era... Não sei, é como se tivesse perdido a graça de toda a história.
Nesse sentido ele tem razão, descobrir quem é o Lobo é como retirar todo o encanto que o caso trouxe ao mundo, revelar que ele é um simples mortal de merda.
– Tudo tem um fim, Malic.
– Alguns fins são mais rápidos que os outros. – ele completa – Tudo depende de nós e de nossas escolhas.
Claro, nossas escolhas sempre pesam no final. A única coisa é, estamos prontos para arcar com elas no fim?
– Estou pronta. – declaro.
– Pronta pra quê? – ele ergue uma sobrancelha.
– Pra arcar com minhas escolhas e você?
– Já estou arcando com minhas escolhas. – ele rebate, sério.
Ficamos em silêncio.
Minha querida Inocência, há uma doce e reveladora luz no silêncio da alma.
Não sei quanto tempo passei ao lado de Malic naquele jardim, é como se ele tivesse congelado nesse pequeno espaço de tempo, me fazendo recordar de tudo o que vivemos e me fazendo esquecer de minha realidade cruel.
– Preciso ir. – ele levanta. Acompanho-o com o olhar.
– Irá voltar? – coloco a mão na frente dos olhos na tentativa de protegê-los do sol.
– É claro que sim. – ele sorri – Não prometo vir visitá-la todo dia, mas voltarei quando sair daqui.
– Você jura? – desafio.
– Juro. – ele acabou de aceitar meu desafio. Sorrio.
– Até nossas trilhas fajutas. – estreito os olhos.
– Até, Angel.
E no fim, os detalhes só precisam ser escutados.
– Mal posso esperar para te ver de novo. – declaro enquanto ele se afasta, recebendo como resposta um rápido aceno.
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Aviso: o próximo capítulo terá um grande adiantamento de tempo e já estamos com o pé no final.