Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 45
13.


Notas iniciais do capítulo

Um passado será revelado hoje.



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Faz-se uns minutos de silêncio.

– Você não pode me levar com você? – solto o ar dissonante.

– Se você quiser ir... - posso sentir seu olhar de canto.

– Estou brincando, minha mãe não deixaria eu ir. – passo a mão por sua coxa.

– Mas prometo que volto.

– Eu sei. – falo tão baixo que tenho dúvidas se ele ouviu.

– Já está pronto. – minha mãe abre a porta e nos encara.

Suspiro e desvencilho meus braços de sua cintura, levanto e o encaro. Entramos logo depois que minha mãe sai e já sentamos.

– Não fiz uma janta. – ela diz trazendo uma panela e meu pai a outra – Apenas algo para matar a fome.

– Quer que eu coloque pra você? – encaro-o e pego um prato.

– Não precisa. – ele pega um prato.

Aguardo minha mãe colocar as panelas na mesa e começo a me servir. Para terminar, minha mãe traz um prato cheio de bife e todos começam a se servir depois de mim.

– Coloca mais uma colher. – mamãe manda ao reparar na quantidade de meu prato.

– É. – Malic concorda.

– Vocês são insuportáveis. – coloco a outra colher – Satisfeitos?

– Seu namorado precisa de carne para apertar. – mamãe comenta, rindo.

Malic ri contidamente e eu só me preocupo com meu pai escutando essas coisas. Reviro os olhos e seguro o sorriso. Odeio falar disso quando o meu pai está perto.

– Então, Malic... É Malic seu nome, não? – meu pai o encara.

– Sim, senhor.

Troco olhares entre os dois. O Malic é o tipo de cara que meu pai gostaria de ver longe de mim e dele.

– Como anda a faculdade? – se meu pai usasse óculos, posso imaginá-lo mexendo na armação enquanto observa mortamente o Malic.

– Tranquei minha matrícula. – responde tão tranquilamente, mal desconfiando do perigo que isso significa. Engulo seco e aperto os talheres. Merda.

– Quando isso aconteceu? – papai larga os talheres e pega o copo de água, dando um longo gole e no meio desse ato, seus olhos encontram os meus. Quase caio da cadeira.

– Semana passada. – Malic dá de ombros e coloca na boca a porção de seu garfo.

– Por que trancou?

O silêncio se instala enquanto Malic mastiga a comida, o mais devagar possível – como se estivesse pensando em uma resposta para fugir do aperto que se encontra -, mordisco a unha de meu dedo e rezo para que essa conversa continue assim, agradável.

– Meu pai tem uma empresa de construção em Villa Lobos – Malic começa, tentando sair da enrascada -, praticamente foi ele que construiu tudo que tem lá.

– Tanto que ele tem quase que uma bolsa na faculdade por conta disso. – comento – Foi o pai dele que construiu.

Meu pai parece interessado agora.

– O sonho dele era que um de seus filhos seguissem sua carreira para assumir a empresa no futuro, mas isso não se concretizou com o meu irmão, que entrou em economia e sumiu. – um breve sorriso se forma em seus lábios – Minha irmã, mesmo não tendo chegado na faculdade, seguiria medicina, igual minha mãe. Então sobrou para o filho do meio realizar o papai e virar engenheiro também.

Os olhos de meu pai continuam em Malic, mas de uma forma mais amigável, talvez por que os dois tem algo em comum: tentaram agradar os pais.

– Então irá assumir a empresa do seu pai? – ele ergue uma sobrancelha.

– Esse é o objetivo. – Malic sorri.

– Por que trancou a matrícula, então? – minha mãe pergunta, se interessando pelo assunto.

– Porque meu pai tem uma filial lá e quer que eu trabalhe um tempo, gerenciando, para ver se é isso que quero para a minha vida. – ele finalmente responde a grande questão - Ele diz que na faculdade há uma visão da engenharia e quando se trabalha com ela, é outra coisa.

Trabalhar? Ele falou que estava indo para lá só em fuga e não que o pai o havia mandado para um estágio na empresa. Franzo o cenho e encaro o Malic, ele pisca para mim. Ah! Ele inventou isso... Acabo de descobrir que ele é um ótimo mentiroso. Sorrio.

– É reconfortante saber que você é assim dedicado com o seu pai. – mamãe comenta – Não aparenta nada disso.

– Pois é, as aparências enganam. – ele comenta, sorrindo.

O silêncio domina a mesa enquanto comemos, até que minha mãe o quebra:

– Talvez seja indelicado de minha parte – limpa a garganta -, mas o que houve com sua irmã?

Largo meu talher e olho para Malic.

– Se quiser, não precisa falar sobre ela. – murmuro apenas para ele.

Ele envolve minha mão com a sua e dá um leve aperto.

– Ela era mais nova e a mais mimada – ele dá um sorriso melancólico -, não era muito chegado em ficar de coisas de irmãos com ela, quase nem nos falávamos direito. Só comecei a prestar atenção nela quando apareceu com um namorado lá em casa, toda feliz e irritante. Depois que começou a namorar, passei a vê-la com menos frequência que antes e me culpo por não ter sentido falta dela antes. Na noite que pude sentir uma pintada de saudade dela, era tarde. Ela havia saído com as amigas para uma festa lá em Villa Lobos e dessa vez ela não voltaria pra casa bêbada e trocando os pés. Naquela noite ela foi assassinada em um beco perto de nosso apartamento, não foi assalto, estupro ou qualquer crime com justificativa. Ele só queria vê-la morta.

A impressão que tenho diante de sua declaração é que não foi para os meus pais, não foi a resposta da pergunta da minha mãe. Foi a minha resposta. Ele disse apenas para mim, olhando para mim, segredando para mim. Ficamos em silêncio.

– Sinto muito. – minha mãe murmura – É horrível perder alguém da família, principalmente desse jeito.

– Sim. – meu pai diz, baixo.

– Então – tento mudar de assunto -, o Malic joga basquete também.

– Esse era o meu sonho de adolescência. – meu pai confessa.

O assunto é retomado e o luto esquecido.

Depois da janta ajudamos minha mãe a tirar a mesa e colocar na lava-louça, ficamos um pouco na sala vendo filmes e mexendo no celular. Resolvemos subir um pouco antes dos meus pais irem dormir. Malic leva sua mala para o quarto.

– Bianca – minha mãe me chama na porta de seu quarto -, tome.

Ela me entrega um pacote de camisinhas.

– Sem mais acidentes. – ela sorri.

Arregalo os olhos.

– Mãe. – repreendo-a – Não vou aceitar isso.

– Ah, pare com isso, não é mais criança. – ela me obriga a pegar, jogando em minha mão - Eu tinha outra, mas não sei onde foi parar.

Minhas bochechas queimam. Ainda bem que você não sabe onde foi parar...

– Tá, boa noite. – fujo do assunto o mais rápido possível.

– Boa noite! – ela fecha a porta.

Volto para o quarto às pressas e acabo batendo a porta.

As roupas do Malic estão dobradas em cima da minha cadeira e ele está deitado apenas de cueca, com o braço por cima do rosto. Deixo o pequeno presente de minha mãe na escrivaninha e subo na cama, sento em sua barriga e deito o corpo sobre o seu. Meu cabelo cai por cima de nossos rostos e nos isola do mundo.

– Sinto muito. – sussurro – Deve ser horrível.

– Sou uma pessoa horrível. – ele diz com a voz abafada – Nunca disse para ela o quanto ela é especial ou que eu a amava, mal senti sua falta.

– Isso é coisa de irmão. – tento confortá-lo.

Ele abraça meu corpo.

– Nunca fiz papel de irmão. – posso jurar que ele está chorando – Depois da morte dela comecei a fumar e por sorte não entrei na bebida. Depois de saber que ela não voltaria mais para casa comecei a sentir falta dela, tive vontade de conversar com ela, de ver ela. Fui castigado e esse foi o pior que recebi em toda a minha vida.

Aperto mais seu corpo contra o meu.

– Vocês investigaram o namorado?

– Nunca conseguiram incriminá-lo e um pouco depois de interrogado ele mudou com a mãe para outra cidade.

– Quem era o namorado dela?

– O Matthew.

Meu coração para e se não estivesse abraçando o Malic, estaria no chão.

– Como assim? Ele foi namorado da Camila.

– O Matthew nasceu lá em Villa Lobos, passou a infância lá até acontecer alguma coisa entre os pais dele, acho que acabaram se separando. Lembro que ele mudou e ficou um bom tempo sem aparecer de novo, acho que foi nesse tempo que ele namorou com a Camila, eles devem se conhecer de outra cidade fora de Villa Lobos. Quando ele conheceu a Helena, já estavam quase entrando na faculdade.

É por isso que os dois se conhecem tão bem.

– É por isso que vocês brigam? Você acha que ele a matou?

– Tinha certeza disso. – ele endireita o corpo embaixo de mim – Quando o acusei, ele jogou na minha cara que minha irmã não passava de uma vagabunda e que estava traindo ele e que fazia algumas semanas que eles não conversavam mais. As amigas confirmaram que eles tinham separado há quase um mês e que o Matthew não havia ido na festa, além de que a Helena pegou carona com um cara que ela ficou na festa. Não conseguia acreditar nele, por que alguém estranho faria mal a Helena? Ela era tão gentil e bondosa. Matthew tinha um motivo para matá-la, afinal ela havia o traído com o mesmo carinha que ficou na festa.

Permaneço em silêncio.

– A polícia investigou e descobriu que o Matthew tinha um bom álibi aquela noite, tinha passado a madrugada com os amigos, na casa de algum deles. Acabei me descontrolando quando descobri que o caso da minha irmã ficaria arquivado e que ninguém seria preso, briguei com o Matthew e foi aí que levei a facada. Sabe, se ele teve coragem de me esfaquear na delegacia, por que não teria coragem de matá-la naquele beco? Remoí isso por uns meses até minha mãe ter coragem de falar o que havia acontecido com a Helena.

Sinto um aperto do peito. De fato, Matthew tinha uma boa justificativa para matar a ex- namorada – não que ele, se foi ele mesmo, tenha agido certo em fazer isso.

– O que aconteceu com ela? – balbucio.

– Minha mãe disse que Helena não foi apenas morta, ela foi torturada e estuprada por mais de uma pessoa. Não podia ser o Matthew, só se ele conseguisse se duplicar.

Posso sentir sua lágrima quente encostar em minha bochecha. Acaricio seu rosto e beijo seu pescoço. O que posso falar? Como vou conseguir reconfortá-lo? Não posso fazer nada para mudar o passado da irmã dele, também não posso prender seus assassinos. A única coisa que posso fazer agora é ficar aqui, tentando sugar toda a sua tristeza para mim.

– Ele ficou um tempo detido e os amigos dele, que formavam a gangue de merda que ele fazia parte, foram interrogados e obrigados a desfazer o grupinho. Depois que ele foi solto, sua mãe o levou embora de novo e a maioria dos amigos dele pegou o mesmo rumo, menos o Jonas. Três meses antes de você mudar para lá, ele voltou e o dia que te encontrei na trilha estava indo lá falar com ele. Talvez se você não tivesse trombado comigo, teria cometido um crime.

Quando a Camila me falou que namorou o Matthew, não falou que haviam se conhecido em Villa Lobos, só mencionou que ela tinha 15 anos na época, ou seja, devia estar no colegial. Se o Matthew foi embora de Villa Lobos uma vez, deve ter encontrado a Camila nessa outra cidade na época do colegial e eles devem ter namorado por uns dois anos, porque o Malic falou que ele conheceu a Helena antes de entregar na faculdade – agora, ele devia estar no terceiro colegial. Não dando razão ao Malic, mas a Camila disse que ele tinha um comportamento estranho e se o Malic não tivesse dito que a irmã foi assassinada por mais de uma pessoa, também acreditaria que o Matthew a matou.

Quanto mais descubro do passado sombrio de Villa Lobos, mais acredito que pode ser o lugar perfeito para um serial killer atacar e mais quero distância.

– Ainda bem que eu estava lá. – sussurro.

– Você sempre está lá para me salvar de minhas loucuras. – ele sussurra.


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Notas finais do capítulo

Palpites?