Ainda olhando para o rosto desacordado dele,eu pensava,muitas coisas podiam ter acontecido naquele dia.Eu ainda não sabia como nós tínhamos sobrevivido a aquilo tudo,pessoas se machucaram,algumas foram baleadas,mas nada foi grave,ainda bem.Foi horrível ver Carl apanhando bem a minha frente e não poder fazer nada para ajudá-lo,eu tinha vontade de poder voltar no tempo e impedir aquilo tudo,ainda mais quando uma total desconhecida tinha o salvado,isso me dava uma sensação muito ruim,muito mesmo.

Retirei minha mão de sua face delicadamente,para que ele não acordasse,e o observei mais um pouco antes de me levantar.Fui,com um pouco de dificuldade,até a janela e pude observar o pôr-do-sol através do vidro sujo da mesma.Era realmente lindo tudo aquilo de nascer e pôr do sol,uma coisa tão simples dava um pouco de esperança para mim e com isso o acontecimento da manhã veio a minha mente.Eu ainda não acreditava que conseguia confiar em Carl com tanta facilidade,demorou muito para mim confiar em Jim,muito mesmo,mas com o garoto parecia muito diferente.Algo naquilo me fez pensar:Por quê eu confiava tanto assim nele?E apenas uma resposta vinha a minha mente.

Eu tentei me desfazer do pensamento,mas ele insistia em voltar e isso me deixava incomodada.Parecia muito com os sintomas do sentimento que todos ousam pronunciar,seria mesmo?Eu queria que não,mas eu tinha a sensação de estar errada.Tentei mais uma vez me desfazer daqueles pensamento,balancei minha cabeça e com isso meu olhar se dirigiu a outra coisa.O chapéu de Carl estava sobre a mesinha com as HQ’s,que no caso ficava perto da janela.Estiquei meu braço até poder alcançá-lo e quando o toquei olhei para Carl.Ele ficava muito estranho sem chapéu,mas não menos bonito do que era,ainda tocando o chapéu,quando fui totalmente interrompida.

–Tem alguma coisa errada com meu chapéu?-disse Carl fazendo um esforço considerável para se sentar,pude notar.

–Não tem nada de errado,estava apenas olhando.Tente não se esforçar muito,está bem machucado...

–Já sofri coisa pior,tipo,o tiro doía mais.-disse ele,já sentado.

–Você levou um tiro?!-perguntei surpresa,nem eu tinha levado um tiro ainda.

–Pois é,faz um tempinho já,foi aí que meu pai me deu o chapéu.Achei que ficaria feliz de saber como ganhei.

–Nossa...eu não fazia ideia sobre isso,sério,não tinha passado pela minha cabeça.Mas mesmo assim,você está machucado então fiquei quieto e não seja teimoso.

–Mas aconteceu,pode acreditar.Não se preocupe,estou melhor do que eu estava no começo,graça a você.

–Não,graças aquela garota que correu até você,foi ela que impediu que aquele cara te quebrasse.Eu não fiz nada de mais.

–Pode até ser,mas você salvou todos,sem você estaríamos mortos,você distraiu eles.Não diga que não fez nada,você foi muito corajosa,Lissandra.

–Lis.Me chame de Lis,ficar falando “Lissandra” toda hora deve cansar..

Ele ficou em silêncio por alguns segundos,eu não consegui ler a expressão dele por completo,mas pude notar que estava um pouco surpreso.

–Cansa um pouco,eu admito,você tem um nome grande,Lis.Pena que “Carl” já seja meu apelido.-disse ele dando um breve sorriso,ele parecia bem confortável,apesar dos machucados.

–Tem razão,Carl já é o seu apelido,mas por alguma razão isso facilita as coisas.-disse dando um pequeno sorriso,era tortura vê-lo naquele estado.-Tem certeza que está bem?

–Ta tranquilo,mas eu ficaria melhor com o chapéu,pode pegá-lo pra mim?

Apenas estiquei o braço até o chapéu e o peguei,ele ainda estava um pouco sujo,mas era normal ver ele na cabeça de Carl e sem ele,como havia dito,ficava estranho.Me dirigi até a cama onde o mesmo repousava,com um pouco dificuldade mas me esforçando para que ele não notasse,ele me olhava com aqueles olhos que quebravam a minha guarda,e eu apenas caminhava.Parei bem ao lado de sua cama,ele ia pegar o chapéu com as próprias mão,mas eu o impedi.Estiquei os braços e o posicionei em seus cabelos castanhos,ele cabia perfeitamente,era como colocar o sapatinho no pé da Cinderella,mas a diferença era que o sapato seria um chapéu e a Cinderella seria o Carl,o que me fez rir internamente.Ele apenas observava.

–Pronto,agora voltou a ser o Carl que conheço.-disse dando um breve sorriso,ainda pensando na Cinderella.

–Eu não pareço eu sem o chapéu?

–Você é você,com ou sem ele.Mas com ele fica mais normal.

–Também acho isso.-disse ele olhando para o vazio,ele parecia distraído,eu apenas dei de ombros,até notar que ele olhava pare mim.

–O que foi?

–Que é isso no seu pescoço?

Quando Carl o disse eu,imediatamente,levei minha mão até o mesmo.Ele tinha visto,o número de identificação.Fiquei um pouco assustada.

–Não é nada.

–É uma tatuagem?Parece um número.

–Não,não é.Está no passado,não é nada de mais...

–Certo,se não quer falar sobre,eu não vou te forçar.-disse ele ainda olhando para mim,por que tinha que perguntar aquilo?-Eu...quero falar com você.-disse ele pegando minha mão,que repousava na cama.

–Sobre?-disse tentando deixar o assunto do “nove” de lado.

–Sobre hoje de manhã...eu apenas.-Fomos totalmente interrompidos por três batidas na porta,e então pudemos ver.Tiffane.

–Desculpe-me,não estou interrompendo nada,não é?-disse ela logo entrando e olhando diretamente para Carl.

–Na verdade...-disse,mas ela interrompeu novamente.

–Mil desculpas!Mas é que queria ver o Carl,você está melhor?

–Desculpe,mas quem é você?-disse ele olhando para ela confuso,eu tentei soltar a mão dele,mas ele segurou.

–Você não se lembra?Sou Tiffane,Tiffane Welingston.Éramos vizinhos antes de toda essa bagunça,brincávamos muito quando crianças.

–Aquela Tiffane?Nunca pensei que te veria de novo!

–Bem,estou aqui.E estou muito feliz que te reencontrei,muito mesmo,Carl.

Carl apenas sorriu,eu não me senti bem naquela situação,algo dentro de mim parecia querer explodir como uma bomba relógio.Eles conversaram por mais alguns minutos,pareciam muito íntimos,e eu não queria estragar.Se aquilo fazia Carl sorrir,que fizesse,eu me sentiria feliz por isso.

–Bom...acho que vou indo,vocês tem bastante coisa para conversar.

–Sim,por favor.-disse Tiffane,isso de alguma forma me irritou.

Ia me retirar quando Carl segurou minha mão forte,me impedindo de ir mais longe.Olhei para ele,meu coração acelerou loucamente.

–Você fica.Tenho que conversar com você.-disse ele ainda segurando minha mão firmemente.

Notei que Tiffane estava a ficar entediada,eu não agüentava mais ficar naquele local,ela parecia não me suportar.

–Podemos conversar depois,agora tente dar um pouco de atenção para ela.Ela estava esperando isso,eu não vou me meter.-disse dando um pequeno sorriso,soltando,levemente,a mão do mesmo e me retirando.

Pude perceber que ele me olhava sair do quarto,mas a ideia de ele ficar lá com aquela garota martelava em minha cabeça.Eu sabia que não deveria ter feito o que tinha feito,mas se ele sorrisse eu também sorriria.Fui em direção a meu quarto e quando cheguei fiquei recordando aquela manhã,fora um momento muito especial em minha vida.

A noite caiu,como sempre,ajudei Carol com o jantar.Estávamos bem abastecidos de comida e água,ainda mais com a horta,eu gostava muito de conversa com ela pois era durona e ao mesmo tempo muito compreensiva e isso era uma coisa boa.Não tinha visto Carl desde quando tive que sair a força de seu quarto,aquela garota estava me expulsando com o olhar,e isso me preocupou.

Depois de um pequeno período de tempo vi Carl e Tiffane saírem dos blocos.Ele estava apoiado nela e isso me irritou,eu sabia que ele precisava de um pouco ajuda para andar,mas ela não precisava ficar grudada nele do jeito que estava.Carol pediu para que eu me dispersasse um pouco e eu logo o fiz,ela parecia ler meus pensamentos.Eu ia sentar-me ao lado de Carl,mas Tiffane surgiu do nada e pegou meu lugar,ela pareceu brotar do chão.Me sentei ao lado de Beth.

–Seu joelho está melhor?-disse ela sorrindo,ela era uma boa companhia.

–Um pouco,melhor do que estava,mas ainda tenho dificuldade para andar.Nada que se deva ficar preocupada.

–Isso é bom,Carl,por outro lado,está um caco.

–Eu podia ter impedido isso,só não tive tempo..

–Não,não podia.Não se culpe,tenho certeza de que ele está feliz que pode proteger uma pessoa.Principalmente quando essa pessoa é você,vocês são grudados.

–Acho que éramos grudados um pouco..-disse olhando para Tiffane,que limpava a boca de Carl com um pano,parecia sangrar um pouco.

–Por que está falando no passado?-disse ela confusa,até seguir o meu olhar e entender,pude notar.-Ah,ela,não fui muito com a cara dela.Foi legal ela nos salvar e tal,mas sou muito mais você.

–Por quê?Sou só uma menina pálida e fraca,ela é bonita e parece muito forte.

–Fraca?Sério?Você é uma das pessoas mais corajosas que já conheci,você e Jim merecem estar aqui.

Fiquei em silêncio observando os dois.Por que aquilo me incomodava tanto?Como aquela garota pôde me afastar totalmente dele?Eu apenas não entendia.Vi que ele desviou o olhar dela para mim,e fixou.Me lembrei do que ele tinha falado,eu estava com medo de falar com ele sobre o acontecido,mas dessa vez não pude evitar,nós realmente iríamos conversar sobre aquilo,ele apenas esboçou as palavras:”falar”,”você”e”agora”.